Nada escrita por Ryuuzaki


Capítulo 1
Capítulo unico


Notas iniciais do capítulo

Não foi betada.



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Rogério abriu os olhos, ainda tonto de sono devido à noite mal dormida. A princípio ele nada notou de errado, devido à tontura que sentia, porém em poucos segundos percebeu que imagem nenhuma se formava em sua visão, apenas um negrume estranhamente denso tomava estava à sua frente. Ele piscou, achando que em sua confusão mental - típica daqueles que são obrigados a acordarem antes do que deveria -, sequer abrira o olho e sonhava que havia levantado. No entanto, algumas piscadelas depois, percebeu que nada mudou.

Um desespero - o qual não se lembrava de ter sentido semelhante em nenhuma outra ocasião de sua breve vida – se apossou do rapaz, parecendo se propagar por todo o seu ser junto com um arrepio que se formou na base de sua espinha e subiu vértebra por vértebra até alcançar a base de seu cérebro. Seus músculos se enrijeceram dolorosamente, sendo repuxados como cordas se torcendo, e então todo o corpo  de Rogério ficou dormente. Estava com medo. Ficara ele cego?

Primeiro vieram os pensamentos de auto-piedade. Ele perguntou-se o que fizera de errado, o que fizera para merecer aquilo. Não tendo as divinas respostas que esperava, mas que no fundo sabia que não viriam, tentou lembrar se do que havia feito nos últimos dias, tentando encontrar algo que poderia ter danificado tão seriamente sua visão. Nada. Não conseguiu pensar em nada que pudesse ter levado a uma cegueira tão súbita, a não ser que... Será que tinham posto algo em sua bebida durante a festa do dia anterior? Não... Não poderia ser. Ele tinha certeza que seus colegas não fariam algo tão nocivo contra ele. Talvez colocassem algo, de brincadeira, para causar risos, mas nunca causariam nele algo que o ferisse profundamente.

Uma doença então! Isso, essa é a resposta. Pensou Rogério achando que pelo menos sanaria suas duvidas imediatas naquele momento angustiante. No entanto, o lado mais agoniado e em pânico de sua personalidade dividida por aquele momento confuso e enlouquecedor lhe lembrou de que nenhuma doença seria tão súbita, não era médico, mas tinha a certeza que nem mesmo o câncer mais atroz poderia lhe arrancar a visão com tamanha aterradora eficiência.

Tentou imaginar como seria sua vida dali em diante. Procurou se ver agindo sem a visão, entender as conseqüências que aquilo iria trazer. Percebeu que muitas de suas atividades e hobbies nunca mais lhe seriam possíveis. Não poderia assistir TV como antes, nunca poderia jogar videogame, o carro que lutara tanto para conseguir agora não lhe teria valor e escrever suas ficções como costumava fazer seria uma imensa dificuldade. Teria que aprender braile para então depois escrever em braile. Escrever em braile? Nem sabia se isso era possível para alguém sem nenhum equipamento especial escrever nessa linguagem. E a droga do cachorro, tinha certeza que seus pais lhe obrigariam a ter um cão guia e ele detestava cães. Milhares de outras situações se sobrepuseram em sua mente. Cada uma com uma cena diferente, mostrando as conseqüências que aquilo teria para a sua vida. Foi o suficiente para que a ficha finalmente caísse e afastasse tudo de sua mente.

A verdade finalmente lhe atingiu, como o um golpe de um martelo de guerra advindo de um dos personagens dos jogos que tanto gostava. Então, resignado e sem forças, falou enquanto lagrimas marejavam de seus olhos:

- Estou cego.

Depois de um longo tempo sem pensar em mais nada - o qual apenas chorou enquanto olhava para onde deveria estar o teto esperando que este ato de alguma maneira aquilo levasse embora seus medos e, de alguma forma, devolvesse sua visão – percebeu que suas lagrimas estavam embaçando sua visão. Primeiro achou que estava se enganando, que criara uma ilusão para lhe reconfortar, mas era verdade, mesmo que tudo ao redor estivesse no mais completo breu, conseguia ver a distorção causada pela presença da secreção em seus olhos. Por um ato reflexo acabou levando as mãos ao rosto para retirar as lagrimas que jaziam em sua face, então, para sua surpresa e espanto, viu – como um bastião de brancura que ousava aparecer em meio às trevas – a palma de sua mão.

Por uns instantes ficou saboreando a primeira imagem que viu desde quando acordou e não demorou muito para perceber que conseguia ver tudo o que era seu corpo, embora estivesse nu, sem vestígios da roupa que usara para dormir. Imaginou se aquilo era criado pela sua própria mente, uma ilusão para que não enlouquecesse, mas logo descartou a idéia, pois nunca havia ouvido falar de nada parecido.

Tentava entender o que acontecia, minutos se passavam mas nada de revelador vinha à sua mente. Por fim, desistiu de tentar dar uma explicação para o fenômeno e resolveu levantar, sabia que não estava sonhando, mas também essa era a única coisa que sabia.

Reparou que não estava em sua cama, mais parecia deitado no chão, tendo que se apoiar para levantar e não apenas descer de um lugar elevado. Seus pés não lhe enviaram nenhuma sensação tátil do suposto solo que era negro como todo o resto, infinito, como que pudesse tragar o rapaz para baixo, em uma queda livre, a qualquer momento e por um momento Rogério se perguntou se realmente estava pisando em algo. Riu de seus pensamentos e resolveu andar, em busca de uma explicação para o sinistro evento e algo, que não seu próprio corpo, que quebrasse aquela tormenta de trevas.

Respirou fundo, buscando forças e sanidade para começar aquela demanda surreal, e então notou algo diferente. Não conseguiu discernir muito bem o que era. Achou que sentia algum gosto. Não... Era a ausência de um gosto. Era isso. Não sentia gosto de oxigênio. Não havia oxigênio ali.

Como esse conhecimento lhe pertencia ele não sabia, mas ficou inquieto com a certeza de que aquilo que imaginou era verdade. Não havia oxigênio ali, nenhum gás na verdade, mas tampouco era vácuo... E, no entanto, ele respirava. Estava estranhamente calmo aquele momento, como que não acreditando no que via, mesmo sabendo estar acordado. No entanto essa certeza de não ter ali o gás necessário para a vida terrestre o fez perceber a situação bizarra em que se encontrava.

Começou a sentir medo daquela escuridão, se sentir oprimido, sufocado, preso. Uma voz em sua cabeça lhe falava que correr não adiantaria, acreditou nela, no entanto, correu. Horas poderiam ter se passado desde o inicio de sua fuga, mas nada muda. Era sempre aquele panorama preto que englobava e cobria tudo. Não chegava a lugar algum e sequer sabia se havia saído de um. Suas pernas não cansavam. Ele não sentia fome. Não sentia sede. Apenas via o negrume em sua frente, seus lados, ocultando tudo o que poderia ser visto.

Com o tempo (tempo?) cansou-se de correr, não fisicamente, mas mentalmente e sentou-se no chão. Isso é, se aquilo pudesse ser chamado de chão. Milhões de vozes habitavam de sua cabeça, cada uma pertencente a uma faceta de personalidade que havia surgido em sua corrida infinita através da escuridão. Começou a balançar a cabeça, para frente e para trás, para frente e para trás. A cada laço piscava os olhos, na esperança de que tudo voltasse a ser como era, na expectativa de que as coisas simplesmente aparecessem e afastassem aquela escuridão opressora.

Tinha pavor daquela escuridão constante e não conseguia afastá-la. Não adiantava fechar os olhos, não mudaria sua situação, não importava para onde olhasse, não via nada a não ser o breu, sequer podia pensar, pois já não se lembrava de como era a luz, a não-escuridão. E então continuou, no seu eterno vai-vem, esperando que algo o libertasse.

Ele ia para frente, para trás, para frente, para trás, para frente, para trás, para frente e para trás. Mas sem nada que lhe indicasse, como poderia sequer saber onde era frente e onde não o era, se tudo era igual, escuro, denso e infinito.

Dias se passariam se ali houvesse tempo, anos talvez, ou uma infinidade que só pode existir na inexistência. A loucura lhe atacava, sabia disso. Mas também trazia a revelação, a resposta para tudo aquilo.

O problema não estava em sua visão.

Não havia nada para ser visto.

E então, tendo o Nada como companhia, Rogério ficou afundando no vazio, vendo o tempo não passar nas vastidões da inexistência...

 


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