Relatos Sobre o Homem Esguio escrita por Van Vet


Capítulo 8
Capítulo 8 - Jonas




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A entrevista com os garotos superou todas as minhas expectativas sobre Munhoz. Eles eram testemunhas duvidosas, levando-se em conta a idade e suas mentes férteis. Entretanto, havia algo nos olhos de Vinicius e Pedro que me davam a certeza de que viram realmente o que acreditavam ter visto. De verdade.

Assim que entramos no carro novamente, já munidos das coordenadas fornecidas pela mãe de um dos garotos de como chegar ao Morro, me decidi:

— Vamos ao Morro agora.

— Agora?! — Fernanda exclamou espantada.

— Sim. Que tal, pessoal?

— Eu preferia ficar na cidade ou irmos procurar uma pousada mais aconchegante. — a namorada de meu amigo palpitou.

— Vai ser uma passada rápida.

— É amor — Ricardo apoiou-me — E tá de dia, não? Que mal a nisso? Ou você acreditou mesmo em dois moleques arteiros como aqueles dois pareciam ser?

Ela ponderou e acabou maneando a cabeça.

— Tudo bem. Não há de ser nada demais — resmungou sem muita convicção.

***

Antes de subirmos para o acesso que dava ao loteamento abandonado, passamos pela tal estradinha dos Arreios. Um grande deslizamento de terra ocorrera por toda extensão da passagem e uma escavadeira enferrujada, um veículo realmente decrépito, tentava reparar a desordem. Parei um pouco para observar o ocorrido e um dos trabalhadores, um homem comum com vestes rurais, aproximou-se:

— O caminho tá fechado, amigo. Foi à chuva da semana passada. — informou-se exibindo seu forte sotaque mineiro.

— Tudo bem. Já estou a par. Diga-me uma coisa, o Morro é seguindo reto por aqui? — apontei para o entroncamento a frente.

Ele me olhou cheio de cisma.

— Não tem acesso por lá.

— Eu sei. Queremos ir ao Morro.

— Por quê? — inquiriu-me puxando o “r” acentuadamente — Lá não é um bom lugar pra se ir não.

— Somos da prefeitura e estamos avaliando o terreno. — menti para evitar qualquer possível atrito.

O mineiro continuou encarando-me pouco crendo nos meus argumentos, porém confirmou:

— É isso sim. Tá perto. Só subir às direitas. Quando a estrada acabar e o mato começar a crescer, vocês chegaram.

— Obrigado. — sorri e engatei a marcha, quando comecei a acelerar e tomar distância, o ouvi gritar:

— Boa sorte!

***

Realmente o matagal crescia agressivo ao fim da estrada de terra. Parei o carro, desliguei o motor, e descemos. O calor era insuportável agora.

— O que eu não daria pra voltar para aquele ar condicionado. — Ricardo, suando debaixo dos braços e nas costas, reclamou.

Minha irmã rapidamente saltou do automóvel e circundou a região onde a natureza passava a predominar. Encontrou algo e venho nos chamar:

— Pessoal, venham aqui.

Terminei de fechar o carro, embora ninguém fosse para aquele lado para correr risco de ser roubado, e caminhei ao encontro dela. Olívia apontava para algo extraordinário. Era um caminho ressequido, tomado por uma coloração esbranquiçada e morta. O terreno parecia muito pisado e prosseguia como uma trilha perfeitamente recortada entre a vegetação.

— Acho que foi esse caminho que com meninos se referiram. — peguei meu celular e garanti algumas imagens.

Começamos a andar pela trilha. Eu e Olívia na frente, Ricardo e Fernanda na retaguarda.

— Isso só pode ter sido feito por uma máquina. — comentou Fernanda.

— É. Parece mesmo. — tinha de admitir, a descontinuidade do verde para a nada era assombrosamente bem delineada.

Andamos por mais de dez minutos sem encontrar bifurcações ou o fim daquele percurso. Ao redor, apenas o agudo canto dos grilos nos acompanhava.

— Será que não estamos andando no meio daqueles desenhos alienígenas nas plantações de milho? — Ricardo supôs risonho.

— Seria um salto e tanto na nossa investigação. — minha irmã argumentou por sobre o ombro, para o casal. Então parou abruptamente, arregalou os olhos e gritou: — QUEM ESTÁ AÍ?

Eu, Ricardo e Fernanda demos um salto para trás, olhando na mesma direção de Olívia. Meus olhos não foram capazes de enxergar nada além do mato.

— O que houve?

— Eu tive a impressão de que... — ela suspirou irritada.

— Tava brincando com a nossa cara, é? Não tem graça! — Fernanda exasperou-se, passou por nós e saiu pisando duro trilha adiante. Ricardo seguiu-a.

Eu e Olívia ficamos sozinhos. Aproximei-me dela e perguntei:

— Viu alguém ou era brincadeira?

— Você sabe que não sou de brincar. — ela disse séria, fitando-me com seus olhos verdes — Eu vi, ou ao menos achei ter visto um vulto.

— E como ele era?

— Só um vulto, Jonas. Não deu para captar a forma.

— Então vamos investigar! — exclamei animado, voltando alguns passos do caminho que já havíamos percorrido.

Andamos vagarosamente, abrindo o terreno agreste com as mãos, chamando alto por alguém perdido e nos atentando a cada som. Contudo, somente a soturnidade de uma quente tarde mineira nos respondia. Eram estranhos meus sentimentos, porque havia em mim a impressão de que a qualquer instante o jogo se reverteria e algo aconteceria para valer. Ficamos próximos um do outro, nos separando por poucos metros de distância, e ao fim de vinte minutos de busca, reencontramo-nos, desistindo.

— Não devia ser nada. — ela disse, suada e desanimada, chutando uma pedrinha no terreno.

— Tudo bem. Vamos continuar pela trilha. Descobrir onde se meteram Ricardo e sua complicada Fernanda. — lembrei, revirando os olhos.

E assim fomos. Vagamos por outros tantos minutos e nem sinal daqueles dois. Num determinado momento, a trilha se bifurcou em duas e ficamos indecisos.

— E agora? — Olívia colocou as mãos na cintura.

— RICARDO! FERNANDA! — levei as mãos à boca para aumentar a potência de meu berro. Nada, nem uma resposta de volta. — RICARDO! FERNANDA! — chamei mais alto, mas o silêncio novamente me cercou. — Será que eles se perderam?

— Seria algo bem ruim. O que quer fazer? Nos dividirmos?

— Acho que isso não seria algo muito sábio. E nem sabemos o tamanho desse lugar. Vem, seguimos pela direita. — puxei-a pela mão, entretanto quando estava para dar o segundo passo tropecei em algo e quase cai. — AI! DROGA!

Olívia hesitou, mirando algo no chão.

— No que eu pisei... — ia reclamar, toda via acabei me calando. Ela já estava ajoelhada revolvendo o mato a procura de algo.

— Olha aqui, Jonas! Olha aqui! — dizia em êxtase — É uma bicicleta!

E era mesmo. Oculta pelas folhas, abrigada dentro de uma vala, estava a modesta bike azul marinho.

— Será que é do Pedro?

— Provavelmente. — Olívia respondeu e se pôs a puxá-la pelo guidão. Eu ajudei.

De súbito ouvimos um farfalhar frenético e crescente a nossa direita. Pareciam passos e vinham acelerados. Recuei, protegendo minha irmã atrás de mim e gritei cegamente para aquilo que não podia ver:

— Quem está aí? Quem tá aí, porra?

Foi então que a coisa saltou-se sobre nós, mergulhando para fora do mato. Usava uma camisa branca e a tez era a mais completa personificação do medo. Era Ricardo.

— A Fer, ela sumiu! — ele gritou descontrolado.

Aliviado por ver meu amigo, peguei-o pelos ombros e procurei acalmá-lo:

— Respira, cara. Respira!

— Não...

— Calma, calma! A Fernanda caiu e se machucou? — busquei entender.

— Não! Ela... PORRA!

— Ricardo, se você não ficar calmo e nos responder direito, não poderemos ajudá-lo.

— Ela... Jonas! Tinha alguém seguindo a gente na trilha.

— Vocês realmente o viram então? — Olívia retrucou.

— A minha namorada, gente. Ela sumiu. — Ricardo levou as mãos ao rosto, estava prestes a chorar.

Segurei meu amigo firmemente pelos ombros e fitei-o nos olhos:

— Me diz, o que era? Uma pessoa?

Não. Não. Foi a Fernanda que viu... Viu e agora sumiu!


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