Ready Aim Fire escrita por Lola


Capítulo 3
Numb




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As palavras de Viktor ainda ecoavam em minha mente. Ele não parecia ser o tipo de pessoa com que se deve ter algum problema, alguma rixa. As mãos de Logan estavam mais brandas contra a minha pele, seu rosto já não estava tão carrancudo.

– Você não se parece em nada com o que me falaram – Um sorriso maldoso ergueu o canto direito do seu lábio. Devido as circunstâncias, aquele seria o momento ideal para uma pessoa normal começar a ficar temerosa. Mas pessoas normais não acordavam em meio ao deserto.

– Falaram de mim? – Perguntei, tentando parecer despreocupada. Não soou exatamente como eu queria.

Logan não respondeu, apenas continuou a me guiar. Enquanto corredores e mais corredores iam se abrindo diante de nós, correu-me o pensamento de que tudo aquilo era planejado para que nos perdêssemos ali, caso tentássemos fugir. O grande porém era que eu não fazia a mínima ideia de quem se encaixava nesse “nós” e muito menos o motivo de nos manter confinados.

Um barulho seco e meticuloso ecoava na nossa direção.

Em questão de segundos, uma garota loura surgiu. Assim que seus olhos me atingiram, uma expressão de repudia tomou conta de suas feições. Ela sacudia o quadril como um felino, enquanto diminuía a distância entre nós. O corpo magro escondido em roupas escuras.

– Como consegue segurá-la? – Sua voz era sensual, quase como pedras de gelo tilintando contra uma parede de cristal. Desde que eu havia acordado, o que parecia ter sido um ano atrás mas fora dentro de um período de algumas horas, em momento algum eu importei-me com a minha aparência, era como se ela não existisse. Agora, eu começava a me preocupar.

– Aonde posso tomar um banho? – Minha pergunta pairou no ar, momentos antes de os dois caírem na gargalhada. O que era tão engraçado? Mesmo que não me importasse com o motivo de estarem rindo, por mais que fosse mísera minha convivência com eles, aquilo fez meu sangue fervilhar. Já sabia o suficiente para ter a certeza de que não gostava de nenhum dos dois.

– Você não pode – A garota passou um dedo gelado pelo meu queixo. Suas unhas eram pintadas de um cor de rosa irritante. Mesmo com parte da memória estraçalhada, eu sabia que nunca gostei de rosa.

– Parem de perturbá-la – Uma terceira voz surgiu, fazendo com que as gargalhadas cessassem. O rosto que vi era desconhecido, mas provocou algo em mim que eu não saberia explicar. A primeira palavra que me veio à cabeça foi “belo”. Dizer que aquele homem era belo seria um mísero eufemismo, mas eu estava boquiaberta demais para pensar em algo melhor. Seu rosto era comprido, com um queixo protuberante e o maxilar bem demarcado, quase como se feito à mão. Os olhos eram de um castanho caloroso, um pouco mais claro que o cabelo, que roçava na altura do queixo. Era um cabelo muito bonito, do tipo que só de olhar você sente vontade de acariciar.

– Você não deveria estar escoltando o Viktor, Hunter? – A loura trocou o peso de uma perna para a outra, flertando descaradamente. Eu sabia que era ridículo a ideia de ter ciúmes de uma cena como aquela, mas antes que eu percebesse minhas mãos já estavam soltas. De algum modo consegui me soltar no aperto de aço de Logan.

Logan e a loura recuaram, apenas o que havia sido chamado de Hunter continuava a me encarar, curioso.

– Dê-me a arma – A loura, falou com a voz firme. Estendendo a mão para Hunter.

– Ela não irá fazer nada, Tanya – Ele falou com a voz mais calma possível, ainda sem tirar os olhos de mim. – Você disse que queria tomar banho?

Concordei fervorosamente com a cabeça, talvez como uma criança, o que o fez reprimir um sorriso. Eu o conhecia? Sentia o mesmo sentimento florescer em meu estômago, o mesmo alivio que eu sentia ao olhar para Ava, só que com ele parecia um pouco diferente, talvez mais íntimo. Ou talvez, só fosse uma idiotice minha, um desejo.

– Você é maluco? – Logan praticamente gritou, tentado a me segurar novamente. Antes que isso fosse possível, eu dei dois passos, ficando lado a lado com Hunter. Ele era realmente alto.

– São ordens de Viktor – Foi a única coisa que ele disse, antes de apoiar as mãos em minhas costas e me guiar corredor adentro. Eu sabia que não estávamos sozinhos. As botas de Tanya ecoavam em nosso encalço, mas ainda assim eu me sentia mais à vontade. Era estranho.

Tudo ali parecia ter sido feito para suportar um ataque de bestas celestiais. O banheiro não era diferente, era impecavelmente limpo, mas igualmente frio a tudo ao seu redor. Os únicos indícios de sujeira que eu me lembrava eram as paredes do quarto em que eu havia encontrado Ava. Por um momento meu coração vacilou, eu não sabia mais o que pensar, em quem confiar. Eu sabia que eu era uma pessoa, existia e tinha um motivo para estar ali, tinha uma vida antes disso tudo, mas eu simplesmente não sabia se isso era só o que eu desejava que fosse ou o que realmente foi. Por um momento eu desejei ser qualquer outra pessoa.

Liguei a ducha, sentindo a água quente massagear meus músculos das costas. A água escorria densa pelo meu corpo, à medida que eu passava um líquido azul em meu couro cabeludo. A ideia de Hunter estar do lado de fora do banheiro, escoltando tudo o que eu fazia me deixava um pouco aflita. Desliguei a ducha, enquanto passava o sabonete pela terceira vez em meu rosto. Era a melhor coisa do mundo.

“Você sabe que pode confiar em mim” Ouvi alguém sussurrar, sem demorar muito tempo para perceber que a dona da voz era Tanya. “Como você pode gostar de uma criatura como ela? Ela é a responsável por estarmos aqui”

“Eu não gosto dela” Uma voz masculina rebateu, Hunter. Era possível distinguir a raiva em sua voz. Todas minhas esperanças foram ralo a baixo. “Eu só tenho pena... Ela sequer sabe onde está”

“Por que você a resgatou? Por que não a deixou morrer no deserto? Você sabe que era o que ela merecia” Tanya praticamente suplicava, obviamente ela gostava muito dele. Eles pareciam um casal.

“Você não é a pessoa ideal para dizer o que eu devo ou não fazer, Tanya” Foi a última coisa que ele disse, antes de ambos entrarem em silêncio.

Lavei-me pela última vez, apertando meus cabelos com uma toalha. Para a minha surpresa o balcão diante de mim sustentava um imenso espelho. Uma menina pálida e estranhamente assustada me encarava. Os olhos eram cor de chocolate, um intenso chocolate que se mesclava facilmente com as pupilas. Os cabelos, mesmo molhados, eram compridos e cheios, caindo em cachos deformados pela água até a cintura. A pele era de um branco doentio, os lábios rosados e entreabertos, prontos para soltar um grito. Aquela era eu.

Era normal que eu esperasse lembrar de algo ao me ver no espelho, mas nada, apenas o vazio como companheiro. Penteei o cabelo com os dedos, ignorando todos os cortes que latejavam, e vesti a roupa que haviam separado pra mim. Eu não estava com a mínima vontade de sair dali, de ser humilhada pela pena de Hunter, mas eu tinha que sair ou seria escoltada pelos atos grosseiros de Logan.

Hunter estava sentado no chão, brincando com o medalhão entre os dedos. Espantei o pensamento de que ele pudesse gostar de mim. Ele não gostava. Não consegui distinguir a expressão que tomou conta de seus olhos assim que ele me viu. Nostalgia? Algo me dizia que não estava tão errada ao pensar que já nos conhecíamos.

– Quer comer alguma coisa? – Ele perguntou, guardando o medalhão em seu bolso.

Apenas assenti.

O monótono labirinto ergueu-se novamente. Enquanto andávamos em silêncio, eu percebia vez ou outra que Hunter me encarava, sem medo algum de ser pego realizando tal ato. Não retribui ou sequer pensei em lhe falar algo. Eu não queria ser uma pessoa digna de pena.

– É aqui – Ele murmurou, como se soubesse o que se passava em minha cabeça. Duas portas vaivém surgiram diante de nós, o cheiro que exalava lá de dentro era maravilhoso. Empurrei uma das portas, sentindo minha boca se escancarar diante da visão que eu estava tendo. Mesas e mais mesas, repletas com bolos, frutas, queijos, caldos e pães. Eu lembrava o nome dessas comidas!

– Pode escolher o que quiser, vou estar aqui fora – Ele ergueu um olhar para a última mesa, demonstrado que me daria um tempo sozinha. Meu coração quase parou de bater, quando na mesa que ele indicara, Ava remexia um prato com um pedaço de pão.

Recolhi várias frutas, praticamente lotando meu prato. Enquanto mordiscava uma maçã e seu sumo escorria por meus lábios, comecei a colocar os pensamentos em ordem. Por qual pergunta começaria?

Era hora de saber a verdade.


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