CAPÍTULO 6

A Sra. Croollyn não hesitou em ceder o porão da pensão para as aulas, pelo contrário, ela parecia mais animada do que o próprio Elliot – o que me agradou, uma vez que não queria dar as aulas na academia de Sunan, já que estava fechada para esses fins, e não queria fazer qualquer coisa da qual ele não estivesse ciente.

Por isso, na segunda-feira de manhã da semana seguinte, a Sra. Croollyn fez questão de limpar e organizar todo o porão, certificando-se de que havia espaço o suficiente – ainda me ajudou a instalar um saco de pancadas em uma das vigas do teto e a carregar alguns equipamentos até lá, tais como luvas, caneleiras e colchonetes para amortecer as quedas. Isso realmente havia me surpreendido; normalmente velhinhas da idade delas não aprovavam lutas e violência, porém ela me parecia extremamente eufórica com a ideia das aulas de Muay Thai.

Por fim, quando o pé de Elliot estava quase totalmente recuperado, o que aconteceu três dias após a faxina, nós descemos ambos ao porão afim de começar a primeira aula.

– Muito bem então, começaremos com alongamentos. – falei assim que nos posicionamos um de frente para o outro, em pé sobre os colchonetes azuis.

– Certo. – concordou ele, enquanto imitava corretamente meus movimentos; embora com certa dificuldade por conta do tornozelo, ainda não totalmente recuperado.

Fizemos uma seção com alongamentos leves, uma vez que eu não queria sobrecarregá-lo por conta da fratura recente.

– Enfim – comecei a dizer quando terminamos de nos alongar. – vamos fazer uma aula mais...superficial hoje. Não quero prejudicar seu tornozelo.

– Preocupada comigo? – perguntou debochado.

– Não seja ridículo! – exclamei. – Só não quero ser a responsável se seu pé tiver de ser amputado.

Elliot soltou uma gargalhada ruidosa e, assim que se recuperou, esticou os braços sobre a cabeça, esticando os músculos.

– Comece então nossa aula superficial.

Eu estreitei os olhos e ele fez o mesmo enquanto me fitava de volta. Eu não havia pensado por esse lado antes, mas talvez essas aulas me rendessem mais do que um mero passatempo. Elliot tinha um segredo, eu sabia. Isso ficava claro no modo como agia e como falava, ou no modo como olhava para os lados como se esperando algo acontecer; e é claro que agora, passando mais tempo com ele eu poderia descobrir o que era – não que eu me importasse tanto assim com ele, mas talvez esse segredo pudesse me ser útil no futuro... ou não. Eu não sabia porém qual era a motivação por trás da minha curiosidade, só sabia que algo dentro de mim pedia por isso. Dizia que eu precisava saber; e por algum motivo, eu ouviria essa parte.

Sorri com a possibilidade de uma descoberta e esse gesto o deixou confuso, eu não era muito de sorrir assim, de repente.

– Vamos começar com os socos, hoje. – falei, ficando séria de repente.

– Ok. – ele parecia meio perdido, desconcertado. Decidi ignorar isso e continuar com a aula: - O soco é um dos elementos mais importantes no Muay Thai. Utilizando como suporte o cotovelo – peguei seu braço e o dobrei do jeito certo para um golpe, apoiando uma das minhas mãos em seu cotovelo e fechando o seu punho com a outra. - para deixar o ataque mais forte, esse golpe facilita o controle do adversário. – Elliot assentiu, olhando-me nos olhos o tempo todo. - Há dois estilos diferentes, o soco direto,que visa atingir o rosto do oponente e costuma ser mais intenso; e o gancho, que usa o cotovelo dobrado como um arco, e em seguida usa a parte de trás dele para o ataque. – soltei seu braço, o qual permaneceu na posição em que eu colocara (deixando seus músculos mais proeminentes, não pude deixar de notar), e simulei os movimentos que eu descrevera com o meu próprio.

– Fácil. – comentou ele.

Arqueei uma sobrancelha.

– Ah, claro. Também acho.

Ele riu.

– Está achando que eu não consigo? – perguntou.

– Não disse isso.

– Não precisa, está na sua cara... Mas vou provar a você.

– Estou esperando.

Elliot apenas sorriu por alguns segundos e logo depois, para a minha surpresa executou os movimentos que eu havia mostrado com tamanha perfeição que ele não parecia ser um aluno e sim um oponente.

– E então, professora? – um sorriso torto brincava em seus lábios.

– Melhor do que eu esperava. – falei tentando reprimir a verdade.

Ele fungou e comprimiu os lábios.

– Só isso?

– É máximo que posso lhe dizer por enquanto.

Nossa primeira aula se passou entre piadinhas sarcásticas e momentos de exibição; Elliot era um ótimo aluno, aprendia rápido. Rápido demais até... Não era comum um aluno assim, aliás, eu nunca vira um aluno assim antes, só pessoas com treinamento podiam fazer o que ele fazia com tanta facilidade. Mas apesar de tudo, eu me diverti. Não que eu devesse levar isso em conta, uma vez que meu objetivo agora era descobrir o que ele mantinha oculto de todos – o segredo que eu sabia que guardava – mas, por incrível que pareça, foi nisso que pensei quando me deitei a noite, o quão divertido e fácil era passar meu tempo com ele. O quão agradável era tal coisa. Eu não sabia o que havia mudado, mas mesmo que não fosse admitir, o meu mantra de não fazer amigos havia mudado a partir daquele dia.

***

Depois de quase duas semanas a fratura no tornozelo dele estava completamente curada e decidi que já era hora de acrescentar os chutes e joelhadas as nossas aulas. Até agora, Elliot só tinha reforçado a minha ideia de que ele já era treinado, que já sabia lutar, mas eu só teria certeza quando o desafiasse para uma luta – nenhum aluno recém-começado iria vencer a sua mestra, nunca. Portanto, eu havia decidido ir com calma, talvez ele desconfiasse do que pretendia caso fosse ansiosa demais. Mas se o seu segredo fosse o fato de que já sabia lutar, porque ele ocultaria isso? Não é algo assim, tão surpreendente, muitas pessoas sabem lutar hoje em dia. E isso só me deixava ainda mais curiosa.