Os 3 escrita por Felipe Perdigão


Capítulo 5
O Brilho Eterno de uma Mente com Lembranças de mais.




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Nos últimos tempos, a vida andava tropeçando até de mais.

Jane, que estava prestes a terminar mais um período de sua universidade, estava sofrendo com problemas familiares, seu pai aos cinquenta e seis anos sofrera um infarto. A garota tinha que lidar com a pressão das provas finais e com a angústia de estar a quilômetros de distancia da casa dos seus pais e saber que sua mãe estava a cuidar sozinha do marido.

Além de tudo, a garota mal vera seus namorados. O mais velho deles, Julian, estava ocupado de mais editando seu primeiro Curta Metragem, o qual iria concorrer a um prémio na Alemanha.

Muita das vezes o rapaz não dormia em casa, o que gerava um certo desconforto em seu primo Oliver. Julian os havia abandonado pra tentar encontrar a felicidade em algum outro lugar sem esperança, e isso ainda doía em Oliver.

Certa vez, Jane chegara a achar uma correspondência com remetente que ela supôs que fosse um pseudônimo. Julian nunca havia falado de nenhuma Luna e o rapaz sempre que ficava bêbado, o que ocorria com certa frequência, falava de todas as pessoas que já passaram por sua vida. Isso gerava incomodo em Oliver, pois apesar de serem namorados, eram primos, e então sempre tinha os erros e as comédias do passado expostos pelo álcool.

Jane tinha medo de questionar quem era essa Luna. Ela demorou tempo de mais pra aprender lidar com a partida de Julian, não queria sentir aquele vazio novamente.

Oliver estava sob a cama e trajava uma samba canção. Impaciente, o garoto saboreava uma enorme xícara de café enquanto observava Porto Alegre pela janela. Ele não queria incomodar seus namorados que andavam bastante ocupados e ansiosos, e então decidira ir até uma pizzaria que vendia pizza em formas de cone. Os 3 tinham o costume de ir lá sempre na volta da faculdade.

O garoto mal acabara de anunciar que iria sair e já estava correndo escada abaixo. Ele se sentia como se fosse um pássaro e tivessem acabado de libertá-lo da gaiola. Querendo ou não, o pobre garoto se sentia sufocado pela ignorância de Julian e pelo triste olhar de Jane.

A rua estava movimentada. Aquela noite estava quente demais. Muitos dos gaúchos resolveram ir pra ruas e se refrescar pelas ruas da cidade a que ficar em seus/suas apartamentos/casas monótonos (nas) com ar-condicionado.

Assim que chegara a pizzaria, Oliver sentiu certo desconforto pelo tamanho da fila, mas o que ele pudera fazer? Já estava ali, alguns minutos esperando o atendimento não seria um monstro de sete cabeças.

Com seus fones no último volume, ele escutava Thiago Pethit e sussurrava um verso ou outro enquanto tragava um Marlboro Black Menthol tendo relaxar, o que era inútil, pois a única coisa que ele conseguia fazer é pensar no que Jane iria fazer se descobrisse que ele andava fumando novamente.

No apartamento, Jane havia recebido um telefonema de sua mãe e fora desesperada falar com Julian.

— Julian, meu pai sofreu outro infarto. Ele está internado e eu definitivamente não sei o que fazer. — Disse a garota evitando o choro.

— Jane, você tem que ir pra casa de seus pais. Ficar evitando isso pode ser pior. — O garoto parecia determinado.

— Não, eu não posso. Tenho muita coisa da universidade pra fazer.

— Mulher, puta merda. Você deveria cobrar menos de você.

— Eu não quero ter a vida que meus pais tiveram, não quero passar pelo que eles passaram. Eu entendo o tanto que eles sofreram, se eu não caminhar sem tropeçar nesse caminho estreito chamado universidade, eu não vou poder ser quem eu quero.

— Jane Doe — Julian riu lembrando que havia muito tempo que ele não chamava a namorada por esse apelido. — Não posso ver você angustiada desse jeito. Arrume as coisas que você tem que estudar e as leve com você. Você terá tempo pra estudar na casa dos seus pais.

— Nossa, quer tanto se ver longe de mim? Por quê insiste tanto pra eu ir?

— Porque eu já perdi minha mãe, lembra? Acredite, não quero que você se arrependa pelas mesmas coisas que me arrependi. Deveria ter aproveitado mais, deveria ter sorrido mais ao lado dela, deveria ter lhe dado mais abraços e nunca ter reclamado das coisas que ela fazia. — O rapaz evitou olhar pra Jane, para que ela não percebesse que seus olhos estavam vermelhos e cheios de lágrimas.

Alguns minutos depois, Oliver já havia sido atendido e esperava sentado em uma mesa na área de fumantes por chamarem sua senha. Ele estava a observar o comportamento humano. Como que as pessoas eram, como elas agiam e como se comportavam em bando. Eram todas iguais. Como se tivessem sido planejadas pra viver uma mentira, sem se preocupar com suas ideologias e metas pra vida.

Um solo de uma guitarra fez o garoto franzir o cenho. Ele olhara para o balcão aonde um painel eletrônico o número 731 piscava anunciando que o próximo pedido estava pronto. Ele olhara pelo bilhete amaçado em suas mãos e se dera conta que era o seu pedido.

Tempos depois, o garoto já havia se alimentado e trazia consigo em uma sacola de papel pizzas cones para seus namorados. Ele caminhava apressado, como se estivesse muito apertado pra ir no banheiro.

Distraído, ele pensara em como teria que olhar pra Jane para não se sentir mais preocupado do que já estava. Ele já estava na rua paralela aonde ficava o apartamento que ele morava quando inesperadamente um barulho de freio de carro o fez soltar um berro abafado demonstrando o susto que ele levara.

Alguém fora atropelado. O violão que o rapaz trazia nas costas voara alguns metros de distancia e assim que ele levantara com dificuldade o carro dera macha-ré e fugira sem prestar socorro.

Oliver correra pra ajudar o rapaz que ainda confuso procurava seu violão no asfalto.

— V-Você está bem? — Oliver tocara com cuidado o ombro do rapaz.

— Ah, estou sim. — O garoto suspirava apontando para a capa de violão negra sobre o asfalto. — Pelo visto, meu violão não está nada bem.

E então o garoto virara pra Oliver. O agradeceu pela preocupação e caminhou até seu violão o colocando nas costas. Ele passou a mão sobre o joelho que escorria um sangue vivo e então acenou com a cabeça anunciando a partida. Oliver entendera que estava tudo bem e então tomara seu caminho de volta para casa ainda assustado.

Antes do quinto passo o rapaz o gritou.

— Ei, moço! — disse o Garoto ofegante enquanto atravessava a rua correndo.

— Hã? Oi? Quer ir ao Hospital? Está sentindo alguma dor de cabeça? — Oliver se desesperou.

— Não. Está tudo bem, fora o joelho. — O garoto dera um sorriso simples que transmitia bondade. — Só queria saber se você conhece algum lugar barato pra me hospedar. Acabei de chegar de Minas Gerais e não conheço nada aqui.

— Não acredito, também sou mineiro. Vim de Belo Horizonte, e você? — Oliver riu contente, era difícil encontrar com pessoas com a mesma cultura que a sua aonde ele decidira morar com seus namorados.

— Ah, uma cidade pequena perto de Divinópolis, você não deve conhecer.

— Bem, conheço Divinópolis, mas realmente não conheço lugares ao redor. — O garoto se lembrou da pergunta que o rapaz o fizera há alguns instantes atrás. — Ah, eu acho que sei aonde você pode ficar. Só não sei te explicar direito como chegar lá, se estiver disposto a pegar um taxi.

— Ah, eu acho que não, pouca grana, acabei de me formar e ainda não arrumei emprego.

— Entendo. Bem, ah, qual é seu nome mesmo?

— Rennato. — O garoto sorriu fazendo Oliver arrepiar.

Oliver analisou o rosto do rapaz como um Leão analisava a presa antes de ataca-la e então não conseguia crer que aquela pessoa na sua frente era quem ele pensara que fosse.

Quando mais novo, Oliver tivera um amigo virtual com o mesmo nome. Ambos passavam horas filosofando sobre a vida enfrente da tela de seus computadores e smartphones. O antigo amigo de Oliver, Rennato, tocara violão e tinha alguns quilos a mais. O Rennato que estava em sua frente agora, também tocara violão, não obstante tinha o corpo esbelto, vestia uma numeração muito menor a que seu velho amigo.

— Ah, desculpe a demora pra responder. É que você... — Oliver pensou em como poderia explicar pro rapaz que ele acreditava nunca ter visto antes.

— É que você parece alguém que eu conheci? Por algum acaso você se chama... — O rapaz fora interrompido.

— Oliver.

— Não acredito. Não lembra de mim? Rennato Esteves. Cara, nós perdemos os contatos depois que entrei uma enorme depressão e sumi do mundo virtual.

Oliver soltara a sacola deixando-a cair no chão e dera um abraço no velho amigo que não hesitara em retribuir.

— Seu canalha! Como pode me abandonar e nunca mais dar notícias? Eu pensara que você havia morrido.

— Desculpa, é que no tempo que fiquei sem mexer, alguém roubara meu endereço eletrônico e tive que fazer um novo e perdi todos meus contatos antigos.

— Ah sim, entendo. E o que viera fazer aqui em Porto Alegre?

— Vim em busca da minha felicidade. Cansei da cidade que eu passei meus últimos 25 anos sendo vilipendiado, incompreendido e descartado. — Ele deu um sorriso no canto do rosto demonstrando que aquele não era um assunto que o agradava.

— Olha, eu moro com meu primo e uma garota aqui na rua de trás, se você quiser podemos ir lá, você limpa seu joelho e eu pego o carro do meu primo e te levo até o hotel.

— Não há como recusar. Eu estou exausto da viajem, preciso descansar um pouco.

Os dois seguiram colocando a conversa em dia. Eles tinham muito assunto pra se atualizarem. Ambos demonstravam que sentiam falta daquela amizade que possuíram na adolescência.

Enquanto estavam no elevador Oliver torcia para que Julian e Jane estivessem vestidos e que ela não estivesse aos berros e ele bêbado resmungando coisas sobre sua existência, da qual pra ele era inútil.

Assim que abrira a porta do apartamento, ele não vira nenhum dos dois na sala e se desesperou. “Puta merda, os dois vão estar fodendo no quarto e o Rennato vai pensar que vivo no meio de uma orgia”, pensou o garoto inquieto. Ele convidara o amigo pra entrar e depois de alguns passos percebera que Julian estava no banheiro lavando o rosto e Jane acabando de arrumar uma mala.

— Aonde vocês vão? — Oliver se assustou com a mala sob a cama. Ele havia pensado no pior.

— Moreno, decidi que devo passar um tempo com meus pais e esquecer, ou pelo menos tentar, todas as desavenças que temos. — A garota estava corada e seus olhos estavam inchados de tanto evitar o choro.

— Vou levar ela até o aeroporto. Conseguimos comprar passagens para daqui alguns minutos. — Julian havia saído do banheiro e ainda não tinha percebido a presença de um estranho na sala.

— Ah, eu ia precisar do carro emprestado pra levar o Rennato até aquele Hotel que ficamos quando mudamos de Minas pra PoA.

Jane colocara a mala sobre o chão e arrastara para a porta do quarto e com um olhar desconfiado encarou o namorado.

— Quem é Rennato? — Jane e Julian disseram juntos.

— Sou eu. — E então uma quarta voz entrou no diálogo.

— É um velho amigo meu, o encontrei lá embaixo quando fui buscar isso. —O garoto levantou a sacola anunciando que trouxera pizza cone. — ele chegou de Minas hoje e não se hospedou. Está sem dinheiro para o táxi e então o ofereci uma carona.

— Olha, desculpa, mas já estamos praticamente atrasados. — Disse Julian dando de ombros.

— Ele pode ficar aqui. — A garota sempre bondosa retrucou.

— Pode? — Julian foi até o quarto para buscar as chaves de seu carro.

— Não! Não precisa.

— Por mim, tudo bem. Não temos uma cama pra você, mas você pode ficar no sofá.

— Sério, eu acho um lugar pra ficar. — Rennato estava com vergonha, mas ele não podia negar que estava cansado.

— Pode ficar garoto, ninguém vai te devorar aqui. Até mesmo porque estou de saída. — Julian saiu do quarto com sua mochila pendurada em um dos ombros e balançava a chave do carro em uma das mãos.

O garoto pegara a mão de Jane e caminhara até Oliver, o lascara um beijo sem se preocupar com a presença de Rennato e em seguida soltara a mão da menina e continuou seu caminho até a garagem. Ela também dera um beijo em Oliver deixando Rennato cada vez mais confuso. Quando ela passara por ele, colocara a mão sobre sua face e dera um sorriso e então seguiu seu caminho.

Assim que os dois ficaram sozinhos no apartamento, Oliver, que estava envergonhado de mais pra explicar o porque seu primo lhe dera um beijo na boca e em seguida sua “amiga” fizera o mesmo, falara pro amigo tomar um banho que enquanto isso ele iria arrumar a sala pra ele descansar.

Rennato deu de ombros e assentiu. Deixou seu violão escorado no braço do sofá e levou sua mala para o banheiro para que pudesse se vestir lá mesmo.

O rapaz não demorara muito no banho, quando ele saiu ele estava secando o cabelo com uma toalha surrada e procurava Oliver pelo apartamento. Ele achara o rapaz na cozinha preparando algo.

— Espero que goste de macarrão. — Oliver sorriu.

Enquanto eles comiam, acabavam de por o assunto em dia. Falaram de bandas, dos amigos em comum que possuíam na época. De como foi o termino do colegial, das intempéries que aconteceram nos últimos tempos e tudo mais. Oliver se sentiu confortável até pra contar sobre o seu relacionamento com Julian e Jane. Para seu espanto, Rennato apoiara a ideia e disse que pra ele era algo comum. Que da mesma forma que uma mulher casada pode se apaixonar por outro homem, ele podia se apaixonar por duas pessoas e se eles também se apaixonassem entre si, não tinham porque não ficarem juntos.

Não demorara muito e os dois foram dormir.

Oliver, depois de muito tempo não iria ter a companhia de Jane e Julian em sua cama. Ele estava achando aquela sensação de dormir sozinho horrível, não obstante ele não demorara a pegar no sono.

Quando a madrugada já adentrara, Oliver acordou incomodado com uma melodia que o despertara. Ele tinha certeza que havia desligado a vitrola e o iPod, e ele estava convicto que não era algum vizinho dando alguma festa.

Depois de alguns segundos, ele percebera que o som viera de dentro do seu apartamento. Ele ficou alerta e resolveu ir verificar que som era aquele.

Para seu espanto, era Rennato. Ele estava dedilhando uma melodia qualquer e assim que percebera a presença do amigo abrira um sorriso sem graça.

— Lhe acordei, né?

Oliver deu de ombros.

— Sente-se.

E então Oliver sentou ao seu lado no sofá.

Ainda sonolento Oliver se sentia constrangido pelos dois estarem de cueca e tão próximos.

— Posso te mostrar algo? — a voz de Rennato falhou.

— Claro. — disse Oliver desconfiado. — Por que não? — Ele sussurrou.

E então a melodia que Rennato dedilhara mudou.

Alguns segundos depois ele começara a cantar o que deixou Oliver encantado.

“I remember the day that you went away

Since then, the automobiles run slower

The sun is rising later

Dust is all over the place

I don't know that to do

I don't know what to look for

Don't even know what I want to find

Since you've been gone

My life turned into a blue Sunday

But if you come back it will be forever a Sunny Saturday

We can fly a kite

We can go to the beach

We can grow together

We can be more than two

We can live more than a parallel universe

Since you've been gone

My life turned into a blue Sunday

But if you come back it will be forever a Sunny Saturday”

— Muito bom! — aplaudiu Oliver. — Foi você quem compôs?

O garoto afirmou acenando com a cabeça.

— Sério que gostou? — Rennato olhou desconfiado para o chão.

— Sim. Da pra sentir a dor solitária atrás dessa canção. Atrás desse seu sorriso de poeta.

— A fiz pra você antes de fazer um mês que não estávamos nos falando mais. — O garoto corou. — Senti muito a sua falta.

Oliver não queria dizer nada. Ele não queria magoar o amigo, afinal, ele sabia que as palavras costumam deixar marcas profundas, quando vindas daqueles que um dia você amou.

Ainda sem reação, Oliver se ajeitara no sofá se aproximando do amigo e deitara sob o ombro do amigo. Assim que fizera isso, Rennato tentara beijá-lo, porém Oliver desviara. Ele olhara dentro dos olhos do amigo e ele compreendeu que Oliver não podia fazer aquilo.

— Desculpa Rennato, mas a vida não rima mais “eu com você”.

— Está tudo bem, eu que não deveria ter feito isso.

Oliver consentiu com um sorriso e se pusera junto do amigo sobre um edredom.

Ele não queria sair daquela posição nunca mais, era como se o ombro do amigo tivesse sido esculpido por anjos especialmente para a sua cabeça.

Antes de adormecer, Oliver dera um sorriso pelo quão contente estava. A última coisa que ele escutara naquela noite fora o sussurro do amigo que acariciava seu tronco inocentemente.

— Eu queria acordar todos os dias, olhar para o lado e ver que o seu sorriso pertence a mim.


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