Os Reis do Inferno escrita por Thaís Teixeira


Capítulo 3
Encontro com o demônio.




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O farfalhar da grama molhada da chuva ao amanhecer acordava o mundo parcialmente destruído. A criança abatida nos braços da mãe parecia faminta, mas não falava para não preocupá-la – que como mãe, sabia da situação.

– Mamãe? – Disse o garoto enrolado em cobertores puídos – O que aconteceu? - Coçou os olhos com as mãozinhas de uma criança de seis anos e pouco – Por que estamos nesse lugar destruído? Isso aqui já foi melhor?

– Já foi melhor – Suspirou a mãe cansada – Mas nunca vivemos em um lugar no qual a paz reinava. Era uma paz falsa, uma amizade hipócrita, uma sensibilização mentirosa – Sorriu um riso amarelo – Mas tínhamos onde morar, ao menos.

– O que aconteceu?

– Um homem poderoso surtou. Como muitos outros anteriores, mas esse foi pior. Ele surtou de forma horrível, e fez coisas horríveis; destruiu nossos lares, nossos hospitais, nossas igrejas; destruiu tudo no que acreditávamos. Não houve tempo de reação, foi algo muito repentino – Molhou os lábios para continuar falando – E estamos assim. Um país poderoso, a Rússia, tenta fazer com que esse homem poderoso saia de onde está, mas o mesmo se recusa. A guerra já dura dois anos, praticamente três, e quase tudo foi destruído; todos os países foram atacados e tentaram reagir. Todos foram fortemente atacados e estão numa situação parecida com a nossa agora, sabe? – Abaixou os olhos – Bem... Agora não importa mais quem vai ganhar. Está tudo destruído e não há para onde fugir. Só temos que nos esconder do homem mau, da sua destruição e... Esperar.

– Como apenas um homem conseguiu fazer tudo isso? – Disse a criança, inocentemente.

Poder.

Em passos lentos, o homem moreno e de pele extremamente branca se aproximava de um prédio destruído. Deixou o sorriso tomar conta de toda a face, segurando uma risada que sairia estridente – mas não saiu. Limpou a poeira dos sapatos pretos e observou uma mulher, mirrada e pálida, aproximar-se dele. O cobertor estraçalhado nos seus braços escondia uma criança que aparentava estar morta, mas ainda respirava.

– Moço, por favor – Suplicou a senhora – Você tem comida para compartilhar? Por favor, senhor. O senhor parece saudável, não parece passar fome...

– Huh? - Encarou-a com os olhos vermelhos.

– Eu... Por favor, senhor, e...

– Certo. – Respondeu o demônio, segurando o sorriso que ameaçava escapar entre os dentes – Você é capaz de fazer qualquer coisa pelo seu filho? Inclusive dar sua alma para salvá-lo?

– Sim – Respondeu a mulher de cabelos quebrados – Sim, eu sou, por favor!

– Oh. Que pena. Não gosto de almas podres – Sebastian fez uma careta triste, tentando esconder a vontade de rir – Talvez nós nos encontremos no futuro. Tchauzinho – E então continuou seu caminho.

A mulher deixada para trás caiu nos joelhos, chorando, com o filho nos braços e lembrando-se do seu filho que tinha saído de casa para tentar salvar o país – agora o mundo – e provavelmente estava morto em algum lugar escuro, abandonado e cheio de ratos. Mais um filho morto, mais uma alma que foi levada, menos um na disputa final. Talvez a mãe do garoto se mate também, afinal, ela não aguentará o desespero de viver sem ninguém ao seu lado. Talvez ela ande por aí, louca, com o corpo de seu filho branco e sem vida, implorando por comida para alguém que já não precisa mais dela.

– Sabe – Disse Katherine com uma pequena pedra entre os dedos – O mundo fica bem mais bonito assim. Os corações das pessoas tomados por desespero é tão mais divertido – Jogou a pedra longe e entrelaçou seus cabelos compridos entre os dedos compridos – Não acha Vincent?

– O quê? – O irmão do meio estava sentado em cima de alguns destroços provocados por uma bomba alguns meses antes – Sim, acho que sim. Prefiro o ódio ao falso amor – Riu levemente – É. É verdade, eu prefiro o mundo assim.

– Mas é chato esperar – A ruiva corpulenta levantou-se em um pulo – Eu não gosto de esperar, por que temos que ficar esperando? Estou de saco cheiiiio!

Vincent bufou e Sebastian apareceu de trás de um pequeno prédio, tomando as palavras para si:

– Nada acontece assim, irmã. O mundo demorou bilhares de anos para se formar, o que te leva a crer que o final dele demoraria menos do que isso? Você deveria estar feliz, estamos mais perto do que nunca estivemos – Estreitou os olhos desafiadoramente – E foram apenas dois anos. Você é muito apressada, querida. Aguarde.

– Odeio aguardar – Ela sentou-se novamente, visivelmente chateada.

– Ah, Katherine... – O irmão mais velho virou os olhos para cima disfarçadamente – Às vezes você é tão humana.

– Não fale isso – Ela o encarou com um nojo crescente no rosto - Apenas não me compare a essas... Coisas.

– Graças a elas que existimos, minha querida – Disse o irmão de cabelos claros que permanecia se divertindo com algo que havia encontrado no chão empoeirado – Não os odeie tanto assim.

Enquanto os irmãos conversavam, os humanos lutavam por sua sobrevivência. Uma humana em especial, chamada Flora, corria para se esconder de saqueadores assassinos que passavam na rua gritando e batendo no peito, como animais. Devidamente escondida, suspirou.

– Filhos da puta – Murmurava enquanto procurava sua faca em um dos bolsos, mas acabou notando que provavelmente havia deixado-a cair há alguns metros – Merda! Merda, merda... – Ela repetia notavelmente assustada.

Para a infelicidade de Flora, estava perto demais dos irmãos. Apenas demais.

– Eu sinto – Katherine levantou em apenas um salto – Eu sinto o medo. O medo. Está muito perto, eu sinto, eu sinto.

– Acalme-se e me diga aonde – Disse o mais velho e mais alto deles.

– Não, não, não – Começou então a rir a ruiva – Não! Essa é minha. MINHA!

– Humana – Riu-se Sebastian – Tão humana. Então vá, mas vá logo. Parece-me escorregadia e esguia.

Sem nem responder, a ruiva saiu correndo incrivelmente rápido – afinal, ela é um demônio – e chegou até onde estava escondida a pobre menina de cabelos loiros e curtos que procurava sua arma. Não seria necessário falar que a garota nem sequer notou a presença dela no pequeno beco em que se encontrava e quando a notou, levou um enorme susto, deixando cair o pequeno isqueiro que levava em mãos por motivos que nem ela mesma conhecia.

– Que susto – Olhou para Katherine, realmente assustada – Você realmente me assustou, puta que pariu. O que você quer?

Sem responder, a ruiva se aproximava mais, como se estivesse sem palavras, com um sorriso cruel e divertido no rosto. As palavras não existiam no momento e o tempo, para Flora, pareceu congelar quando encontrou os olhos da moça que a cercava.

– O que você quer? – Disse Flora, sem aumentar o tom de voz – Eu conheci várias pessoas que queriam coisas de mim e não conseguiram, é bom você me falar o que quer agora. Estou armada – Mentiu, procurando a faca desolada pelos bolsos.

– Mentirosa. Mentirosa, mentirosa, mentirosa – A irmã mais nova repetia de forma maníaca enquanto se aproximava mais ainda da loira – Eu sinto seu medo, seu desespero. É óbvio que não está armada. Mas, mesmo que estivesse... – A mulher deu de ombros e colocou um pequeno tufo de cabelos para trás de uma das orelhas – Eu não iria me incomodar.

– O que você está falando, pelo amor de Deus? – A loira a encarava – Você é maluca? Está drogada? Estou realmente armada!

– Então prove – Katherine deu um pequeno empurrão com as mãos nos ombros da loira que a fez cair no chão em cima de pequenos destroços – Prove. Mostre-me sua arma que vou embora.

– Eu... – A garota não sabia o que fazer. Na verdade, estava totalmente perdida – Tá. Eu realmente não estou armada, então você vai fazer o quê? Assaltar-me, bater-me e roubar todos os meus pertences? Bom, boa sorte, porque eu só tenho essa bosta aqui – Pegou o isqueiro e jogou para a ruiva, que o pegou entre os dois dedos das mãos como se fosse algo normal – Credo. Você é um tipo de super-humano?

– Humana? – Riu a ruiva alto demais – Perfeitamente que sim. Mas enfim, voltemos para onde estávamos – A moça se aproximou da loira caída e colocou os dois joelhos sobre sua barriga – Você acha que este mundo vai morrer muito rápido ou acha que vai demorar?

– Sinceramente, eu não ligo – A resposta da garota fez a ruiva arregalar os olhos – Surpresa? Não ligo mesmo. O problema do mundo não é meu, mas sim esses humanos nojentos. Você vai me matar? Obrigada. Está me fazendo um favor – Tossiu um pouco, perdendo o ar pelo peso da mulher em cima dela – Foda-se, me mate logo ou se divirta comigo. Estou cansada desses homens nojentos que se deixam influenciar por qualquer merda e fazem uma guerra gigante. Ah, eu odeio os seres humanos – E foi então que Katherine se identificou com Flora.

– Você odeia os humanos? – Um sorriso incrivelmente feliz surgiu no rosto da ruiva, que não reconhecia os sentimentos dela mesma no momento - Então você está comigo – E então Katherine levantou-se e puxou a garota para perto de si – Acredito que também queira acabar com todos eles, não?

– Talvez – A loira sorriu e se afastou, limpando a roupa amassada e cheia de poeira – Talvez eu quisesse.

– Então teremos um trato – A ruiva acendeu o isqueiro e começou a queimar a palma da mão, fazendo Flora retorcer o rosto - Você matará humanos por mim sempre que puder.

– Eu o quê? Nem fodendo, pode me esquecer.

– O mundo não tem regras, querida – Katherine estava atrás dela sem mesmo a loira notar que fora parar lá e o isqueiro estava em seu pescoço, apagado – Você pode morrer agora ou matar humanos. Acredito que viver e matar será BEM mais divertido.

– Me larga – Ela tentou empurrar o demônio que segurava seu pescoço, falhando – Tá, tudo bem, mas eu preciso de armas pra isso, não?

– Claro que sim. – A mulher a largou e começou a andar para longe da garota – Você as encontrará.

– Aonde? - Gritou Flora para a mulher de cabelos alaranjados

– Apenas achará – E então, Katherine sumiu.


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