Hihijo escrita por Aline Vataha


Capítulo 1
Capítulo 1




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A floresta havia sido completamente destruída. Árvores tinham sido tombadas, enfileiradas ao longo do caminho como vítimas silenciosas. Animais, grandes e pequenos, mas que tinham sido lentos demais, pareciam dormir envoltos por uma tranquilidade mórbida, soterrados por centenas de galhos e folhas que forravam o chão. Algumas rochas, grandes demais para serem movidas, eram uma das poucas coisas que continuavam no lugar, mas não estavam intocadas; marcas de mordidas e de arranhões desfiguravam suas formas, algumas delas tão profundas que quase partiam a rocha ao meio.
Blaez caminhava com cautela por aquele caos, fazendo o maior esforço possível para não fazer barulho. Tinha certeza que estava sozinho, mas tinha aprendido há muito tempo a não arriscar. Seus olhos percorriam seus arredores com demora, tentando imaginar o que tinha acontecido, mas nem suas fantasias mais selvagens conseguiam dar um sentido àquilo. Ele mantinha uma mão por cima do ombro, segurando o cabo de sua espada, longa demais para ficar presa na cintura. Blaez estava numa situação delicada. Sabia que ser visto com sua espada desembainhada poderia custar sua vida, mas ficar completamente desarmado poderia causar o mesmo. E achar um meio-termo termo entre as duas coisas não o dava segurança nenhuma.
A trilha era bem clara, até mesmo para leigos. Teria que ser uma pessoa excepcionalmente burra para perder quando a destruição seguia em linha reta. Mas Blaez observava os sinais no chão mesmo assim. Marcas de patas, terra remexida, troncos quebrados por algo incrivelmente pesado que pisou neles. Coisas que fariam qualquer caçador dar meia-volta, mesmo que estivesse acompanhado por dezenas de cães de caça.
E no entanto, Blaez seguia em frente.
O mais aterrador disso tudo, como ele logo percebeu, não era a destruição ou as marcas de uma fera imensa: era o silêncio. A ausência dos pássaros, dos sons de coisas vivas, do movimento. Até mesmo a presença do vento parecia nulificada. Era como se ele estivesse completamente sozinho no mundo.
Blaez seguiu adiante, procurando manter os pensamentos pessimistas afastados. Mas visualizar cervos, pássaros, raposas e até mesmo um urso pardo mortos pelo caminho não ajudavam muito. Tentou assobiar uma canção, mas ele parou assim que a música começou a sair de seus lábios. Parecia errada ali, como se fosse algum tabu horrível. Seu humor só piorou.
Após pular uma árvore que tinha a grossura de dois homens, ele percebeu uma mudança no lugar em que estava. Ele enxergou o fim da floresta, e ao longe pôde ver o que parecia ser água corrente. Andou com uma cautela maior, apertando tanto o cabo da espada que seus dedos ficaram brancos.
Ele ultrapassou um par de árvores, saindo para uma enorme campina. Viu um rio estreito cortar a grama como uma cobra tortuosa, rastejando devagar e sem fazer som. Um grande bloco de pedra alva ficava ao lado do rio, e em seu centro, a abertura de uma caverna. Blaez não a viu, mas soube que estava lá. Sentindo sua ansiedade aumentar, andou como se suas pernas fossem de chumbo, duras e desajeitadas.
O que ele viu quando parou na entrada da caverna foi tudo, menos o que ele esperava. A loba tinha um tamanho monstruoso, era verdade, mas estava tão encolhida no canto mais afastado da luz que parecia severamente menor. Ela era branca como a neve, com marcas tribais que percorriam o seu corpo como tatuagens. Essas marcas tendiam a ter cores; um vermelho vivo para as coisas do coração, azul para a tranquilidade de espírito e verde para a determinação. Mas estavam escuras agora, e ela corria o perigo dessa escuridão se espalhar para todo o resto.
Blaez a observou por algum tempo. Os olhos da loba estavam fechados, e ele decidiu que era melhor avisar que estava ali. Não queria assustá-la mais do que já estava. Afastou-se um pouco da entrada, e procurando fazer a voz mais suave que tinha, sussurrou:
– Hihijo.
Ela abriu os olhos. Os pelos das costas se eriçaram, a boca se abriu, e ela ficou em posição de ataque, tão alta que suas costas batiam no teto da caverna. Quando a loba ia avançar, no entanto, ela hesitou. Viu o homem que a fitava. Olhou-o nos olhos. Depois para suas mãos, que estavam abertas e para cima. Viu parte do cabo da espada que o homem carregava. E ouviu ele chama-la pelo nome mais uma vez.
A fera soltou um rugido triste. Tinha o reconhecido. Abaixou as orelhas, voltando lentamente para a posição em que estava antes, parecendo ainda mais encolhida. Blaez suspirou de alívio; as coisas tinham acontecido de forma melhor que ele previra.
Ele se sentou ao lado da entrada, colocando a espada entre as pernas. Abraçou o objeto e passou a vigiar a floresta na qual ele tinha saído. Não estava na posição mais segura do mundo, era verdade. Seria questão de tempo até que alguém mais procurasse saber o que tinha acontecido, se tivesse coragem o suficiente para seguir a trilha. Mas não tinha problema. Ele a protegeria até que ela se recuperasse. Afinal, esse era o seu trabalho.
Ele tentou assobiar de novo. A música ainda soou estranha, mas parecia muito melhor do que a primeira vez. Afinal, ele não estava mais tão sozinho no mundo. E nem a loba.


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