O Meu Melhor Amigo escrita por MilaScorpions


Capítulo 3
Há um tempo em que é preciso esquecer os caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares...


Notas iniciais do capítulo

Como já é do conhecimento do todos, a imagem linda do capítulo não me pertence, achei no google. E o autor da frase do título é Fernado Texeira de Andrade

Capítulo NÃO betado. Acabei de terminar... Espero que gostem.

Recadinhos nas notas finais.
Boa leitura!



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É preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo...



Depois de passar vinte minutos assoviando e gritando como um louco tentando pegar um táxi, finalmente, cheguei em frente ao enorme dúplex do meu tio Shion, que ficava numa grande área residencial muito próxima a Plaka e a Acrópolis.

Como era difícil pegar um táxi nessa cidade, e nem era hora de ponta, Natal, mudança das mãos das ruas, nem chovia torrencialmente, nada disso. Quanta falta estava fazendo o meu carro. Não era de luxo, mas sem ele, ficava impossível se locomover em Atenas.

— Ei, Carneirinho, você parece triste. Está tudo bem? — Apenas meus pais e Eurico, o porteiro do prédio de tio Shion (Eurico era tão velho que podia fazer qualquer coisa), ainda insistiam em chamar-me pelo apelido de criança.

A verdade é que essa alcunha de carneiro era do meu pai, que esbanjava cachos loiros. Quando nasci, ele me titulou “meu carneirinho júnior”. Coisas do meu pai! Uma vez que meus cabelos sempre foram lisos como os da minha mãe, embora tão loiros quanto os dele — antes de pintá-los, claro.

— Só os problemas normais de táxi, Eurico. — Suspirei, dando-lhe um beijinho na bochecha. — Como foi o seu dia?

— Ah, ótimo como sempre — ele respondeu sem o mínimo sarcasmo.

Entrei no elevador e apertei CO.

Era um sacrilégio faltar a um jantar de domingo na casa de Shion, que além de ser bem divertido, naquela ocasião (como eu já havia dito), era uma comemoração do aniversário de namoro dele e de Dohko.

Eles tinham desenvolvido vários rituais ao longo dos quase trinta anos que haviam passado juntos. Só viajavam para três lugares: China, Tibete e Japão. Shion tinha quase l, 85 m, com o cabelo longo, tão longo quanto o meu; e Dohko mal tinha l, 70 m, com um corpo magro e atlético. Este adorava ficar sem camisa para mostrar uma enorme tatuagem de um tigre que ele tem nas costas.

A porta para o apartamento deles estava ligeiramente aberta e eu podia ouvir Kiki resmungando, enquanto perdia no jogo de videogame para Shiryu. Kiki me viu entrando e largou o controle remoto, já correndo em minha direção.

— Mu. — Pulou em meu colo, abraçando-me fortemente. — Estou tão feliz em te ver.

Kiki era meu primo, o membro casula da família. Veio morar com Shion depois que meus tios decidiram viver como hippies, viajando pelo mundo. Shion achou que aquilo não era vida para uma criança (não era mesmo), e resolveu trazê-lo para Grécia, assim como fez comigo. No entanto, quando eu vim, já tinha quase 18 anos e foi uma decisão minha acompanhar Shion. Meus pais ainda moram no Tibete e os visito vez ou outra. Eles também, às vezes, dão o ar da graça aqui na Grécia.

— Também estou muito feliz em vê-lo, Kiki. Oi, Shiryu, como está?

— Bem, Mu. E você? — Shiryu se levantou do sofá e me cumprimentou com um aperto de mão.

— Shunrei não veio com você?

— Ela não pode vim. Está enjoando muito por causa da gravidez, e anda muito sonolenta. Só ficarei por alguns dias.

Shiryu é sobrinho de Dohko. Sempre que podia, visitava o tio. Desde que seus pais morreram em um trágico acidente de carro, Dohko era sua única família, além de sua esposa Shunrei. Era um rapaz muito centrado, tinha apenas 18 anos e era bem maduro para sua idade. Eu sempre tive um grande apreço por ele. Kiki também.

— Mu, mostre ao Shiryu que você é melhor do que ele no videogame. Quero ver você ganhar do Mu agora, Shiryu... Mu é o meu mestre... Ele sabe tudo...

Eu havia dito que Shion era meu fã? Esquece. Comparado a Kiki, não é nada. Esse sim, admirava-me em tudo e ainda tentava me imitar. Por isso, eu sempre fazia o possível para manter uma conduta exemplar na frente dele. O garoto estava com 10 anos, uma fase muito complicada. Além disso, acho o fim, pessoas que tentam educar com palavras, mas que não dão bons exemplos.

Sentei-me no sofá com eles, enquanto continuavam com a disputa no videogame. Era um jogo de luta com personagens de anime. Peguei um punhado de passas cobertas de chocolate que Shion sempre mantinha em uma tigela Orrefors na mesa ao lado do sofá e as joguei na boca.

— Olá, Mu — Dohko chegou na sala e me cumprimentou.

— Oi, Dokho. Onde está Shion?

— Já está vindo. Está no quarto selecionando algumas fotos pela milésima vez — respondeu dando ênfase a última frase e bufou, sentando-se no sofá em seguida.

Deixei-os entretidos no jogo e fui até o quarto do meu tio.

— Oi, Shion. — Entrei sem bater, já que a porta estava aberta e tínhamos intimidade para isso.

— Trouxe o tal do Aldebaran? — perguntou abraçando-me e dando um beijinho rápido na minha bochecha. — Espero que não tenha ido com essas calças mal cortadas para se encontrar com ele. Você se encontrou com ele, não é mesmo?

E aí, mais uma vez, chegamos aos assuntos favoritos de Shion: o estado abjeto do meu guarda-roupa e a minha vida amorosa. Revirei os olhos para ele.

Shion era três anos mais velho do que minha mãe e ambos juravam que eram filhos do mesmo casal de pais. Entretanto, parece impossível entender. Minha mãe ficou horrorizada por eu ter aceito um emprego que exigia que usasse outras roupas que não túnicas e alpargatas, enquanto meu tio achava que eu deveria me vestir de um jeito mais moderno.

Quando Shion estava começando um pequeno solilóquio sobre eu ter que ser mais vaidoso, a empregada veio nos informar que o jantar estava servido. Graças aos Deuses! Senti-me aliviado. Shion era muito aprumado. Eu, ao contrário, nunca fui de me preocupar com roupas. Usava os mesmos jeans e camisetas que todo mundo (sem nem olhar para ver se tinham sido feitos numa fábrica de operários semi-escravos), mas não achava que eu era desleixado. Com certeza, um exagero do meu tio.

Tudo bem, que eu nunca fui uma daquelas pessoas que fazem questão de roupas de grife como Milo e Aioria. Esses dois, sim, sempre muito preocupados com a aparência, sempre impecáveis. Marin também andava muito arrumada. As únicas coisas em que eu dedicava algumas horas do meu tempo me preocupando era meu cabelo e minha pele. Acho estranho pele seca ou escamada. Então, não posso viver sem meus hidratantes. E meu cabelo também me exige muito cuidado porque, imagina só, um cabelo do tamanho do meu e tingindo ainda, ficar ressecado e sem brilho? Ah, também cuido bastante dos meus dentes. Estou sempre no dentista fazendo clareamento e limpeza. Mas roupa de grife? Acho isso dispensável.

— Então, ainda não me contou como foi o seu encontro com Aldebaran — questionou enquanto seguíamos para sala de jantar.

— Foi muito bom. Resolvi aceitar seus conselhos...

— Quem é Aldebaran? — Kiki perguntou muito curioso.

— É um amigo, Kiki. — Olhei de soslaio para Shion para que ele entendesse que devíamos mudar o assunto. Não queria que o garoto ficasse ouvido essas coisas. Até porque já havíamos tomado nossos lugares à mesa. Era só o que faltava, minha vida amorosa ser discutida enquanto era servido o prato principal.

— Então, Shiryu já sabe o sexo do bebê? — Shion indagou, servindo-se de alguns pedaços do filé fatiado.

— É um garoto — respondeu satisfeito. Os olhos brilhando de orgulho.

— Já escolheu o nome? — perguntei e comecei a devorar minha salada com gorgonzola.

— Já. O nome será Ryuho...

— Gosto desse nome — Dohko falou sorrindo. — Assim que o bebê nascer, Shion e eu faremos uma visita a vocês.

— Fico feliz. Shunrei irá adorar.

— Ei, Mu. Esse Aldebaran sabe jogar videogame? Jogo de luta? — Kiki, que estava sentado ao meu lado, me indagou cochichando, enquanto os outros conversavam sobre a China.

— Na verdade, Kiki, ele luta de verdade... — falei e sorri ao ver os olhos do garoto faiscarem.

— Me apresenta, seu amigo, Mu. Pedi ele para me ensinar lutar...

— Claro que peço, Kiki...

— Obá! — animou-se.

— Mas só se você comer tudo. Até a salada que está colocando de lado no prato. Ou então ficará fraco e não poderá aprender a lutar. — Dei outro sorriso, prazenteiro. Adorava criança e principalmente Kiki. Era um garoto maravilhoso. Um pouco travesso demais, tenho que confessar.

— Está bem! — Fez uma careta e começou a comer.

Assim que o jantar terminou, voltamos todos para sala principal. Vimos o vídeo de fotos da família que Shion preparou e conversamos todos por mais algum tempo sobre diversos assuntos. Porém, já estava tarde e precisava ir para casa. No dia seguinte, tinha uma reunião logo cedo com o escritor do livro para o qual estava produzindo a capa. Era muito famoso e exigente, e eu estava apreensivo.

Despedi-me de Shiryu e Dohko. Kiki já está cochilando e ressonando no sofá com sua serenidade infantil. Fiz um carinho em seus cabelos e dei um beijo em suas pintinhas (marca registrada da família). Shion não queria que eu voltasse de táxi para casa porque já estava tarde. Recusei a carona, mas, claro, de nada adiantou. Já no carro, voltamos ao assunto do meu encontro.

— E, então, você gostou do rapaz?

— Ah, Shion. Você sabe que sou apaixonado por Aioria. E as coisas não são assim...

— Gostou ou não gostou? — interrompeu-me e suspirei vencido.

— Foi legal. Quer dizer, acho que gostei sim.

— Você precisa parar de complicar as coisas... E quando sai do trabalho amanhã?

— Às cinco, por quê? — Fiquei intrigado.

— Ótimo. Quero que vá ao Shopping comigo. Precisamos comprar roupas novas.

— Ah não, Shion. As minhas roupas estão ótimas. Gosto delas. Nem vem... — Bufei insatisfeito.

— Você precisa ressaltar sua beleza, Mu. Ser um pouco mais vaidoso — Balançou a cabeça em negação. Aí, ele respirou fundo e continuou — Há um tempo em que é preciso esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares...

— Shion e suas metáforas... — Dei um risinho e ele fez o mesmo.

— Mas essa é de Fernando Teixeira de Andrade, escritor brasileiro.

— E desde quando você gosta de literatura brasileira?

— Leio de tudo um pouco — disse e eu tive certeza de que herdei do meu tio esse gosto pela leitura — Eu imagino que você não esteja satisfeito com a sua vida amorosa. Está? Não me diga que passar as noites sonhando com o melhor amigo é o que deseja.

— Não — respondi. Eu sabia que ele tinha razão. Como sempre.

— Mas já deu um grande passo. Está tentando se relacionar com alguém e isso é ótimo. Mas precisa ser mais vaidoso, sair mais... Ah, Mu... abandonar aquele monte de livros antigos. Não que eu seja contra você ler. Ao contrário, sinto orgulho por você ser tão inteligente e interessado nas coisas. Mas você é tão jovem... Precisa curtir sua juventude. Entende o que estou querendo dizer?

— Entendo, Shion. — Respondi e percebi que já havíamos chegado ao meu apartamento.

— Gostei muito que saiu com seus amigos. Só não fiquei satisfeito em saber que bebeu além da conta. Você é como um filho para mim e quero o seu melhor. Não é porque já é uma adulto que deixarei de preocupar com você. Então, prometa-me que irá ao menos tentar fazer as coisas de forma diferente.

— Eu prometo — garanti e ele ficou satisfeito.

— Ótimo. Boa noite, Mu. E não se esqueça, eu quero que seja sempre muito feliz. — Deu-me um beijo na bochecha.

Respirei fundo.

— Obrigada, tio. — Agradeci e despedi-me.

Quando entrei em casa, Pen, como sempre, já estava saltitante e aflita de saudade. Levei-a para meu quarto, e me permiti relaxar um pouco em minha cama. Deitei de barriga pra cima e coloquei Pen junto a mim, acariciando seu pelo macio. Meu celular apitou.

Mensagem de Aldebaran:

“Ansioso pra revê-lo. Já estou com saudades. Bjs”

Aioria ainda dominava meus pensamentos, contudo, a noite com Aldebaran havia sido muito agradável.

“Tbm gostei muito de sair com vc” respondi.

O celular apitou novamente. Outra mensagem.

“Como foi o jantar na casa de seu tio. Já está em casa? Queria ouvir a sua voz. Mil bjs”

“Foi bom. Estou sim.”

Ele me ligou em seguida e ficamos de bate-papo por algum tempo. Depois disso, nem percebi quando peguei no sono. Sonhei com livros, roupas, anjos e pássaros.

No outro dia, pela manhã, encontrava-me na sala de reuniões da empresa, esperando o escritor que estava 10 minutos atrasado. Isso só aumentava a minha tensão, porque Saga estava apreensivo e eufórico querendo, a qualquer custo, que o trabalho agradasse Shaka, que era um dos maiores autores da literatura mundial. Seus livros estavam consecutivamente na lista dos mais vendidos e sempre era sucesso, tanto com os leitores quanto com os críticos literários. Saga ficou superenvaidecido por ele ter escolhido a Designer Saint para fazer a capa do seu, provavelmente, mais novo best-seller.

Normalmente os meus clientes gostavam de primeira do meu trabalho, mas este me intimidava. Tinha a reputação de ser muito exigente e se o trabalho não o agradasse de primeira (o que raramente acontecia), ele simplesmente dispensava e partia para outra empresa. Sem chance, sem choro. Isso faria Saga enlouquecer e querer me mandar para outra dimensão.

Dediquei-me muito para montar um bom projeto, fiz uma leitura das informações técnicas e das expectativas comerciais da Editora e da obra, pesquisei informações gerais do assunto e capas de livros de editoras concorrentes sobre o mesmo tema. Também fiz uma pesquisa do perfil de Shaka e de outras obras dele, porque eu não o conhecia pessoalmente. Segundo seu agente Ikki Amamiya, Shaka era muito ocupado. E devia ser mesmo, de acordo minhas pesquisas, além de escritor, ele era engajado em várias causas sociais na Índia. Achei isso extraordinário.

Quando Shaka entrou na sala de reunião, tive uma grande surpresa.

Ele não era nada daquilo que eu imaginava. Era surpreendentemente lindo, uma beleza que não era demonstrada nas poucas fotografias que encontrei na Internet. (Não havia nenhuma imagem muito nítida, as poucas que tinham davam ares de ter sido tiradas de longe.) Shaka parecia muito jovem para o seu currículo. Seu cabelo era num tom de loiro champanhe claríssimo, bem comprido e liso como o meu. Seus olhos eram de um azul intenso e vibrante e sua pele era tão lisa e fina que lembrava a pele de uma criança. Mas ele estava longe de parecer juvenil, tinha uma pose altiva e uma presença marcante e perturbadora. Estava impecavelmente bem vestido e trazia na mão um rosário que ele segurava com dedicação. Saga o cumprimentou e nos apresentou. Ele sorriu, saudando-me de forma bem educada.

— É um prazer conhecer o homem que está trabalhando na capa do meu livro — disse. Sua voz era calma, mas imponente — Você já faz parte dele.

— O prazer em conhecê-lo é meu — falei encabulado, brincando com alguns fios do meu cabelo. Não esperava por toda aquela gentileza depois do que li sobre sua personalidade.

Cumprimentei também Ikki, que pediu para sermos rápidos na apresentação porque Shaka tinha alguns compromissos. O agente estava com uma cara enfezada. Lembrava o jeito de Aioria.

— Sentem-se, por favor — Saga proferiu e eles se acomodaram.

Com base em todas as informações que consegui coletar, preparei a montagem de dois layouts no Adobe InDesign para apresentá-lo. Para tornar a visualização do meu projeto mais realista, montei uma exposição que simulasse como a capa ficaria verdadeiramente em um livro. No primeiro projeto, coloquei um anjo orando e a figura da Fênix planando timidamente no céu e o nome do autor em realce. — Saga apreciou essa capa. No segundo, coloquei a Fênix enorme e imponente sobrevoando o céu, com o título do livro em destaque: O Anjo e a Fênix — seu agente amou a segunda.

Shaka analisava com cuidado e atenção. Seu olhar era inexpressivo. Saga queria muito agradá-lo. Eu também, ainda mais depois que o conheci. De repente, Shaka fechou os olhos por um tempo, como se tivesse meditando. (Achei muito estranho, mas durou apenas alguns segundos.) Abriu os olhos logo em seguida e pediu aos outros que se retirassem da sala. Ao que eles fizeram prontamente.

— Muito bom os seus trabalhos, Mu. Você é muito criativo, estou mesmo impressionado. Mas não era exatamente isso o que eu estava querendo — discorreu sem hesitar.

Ah, pelos Deuses, Saga vai querer meu fígado. Pensei, decepcionado e tentei argumentar:

— Acho que a capa está de acordo com as exigências do mercado e cita todos os símbolos da história, além de...

— Isso mesmo, Mu. Tem todos os símbolos da história: o anjo, a fênix; mas... sinto que falta algo. Não tem sentimento. Eu sei o que dizem as editoras técnicas e acadêmicas: que a escolha da capa não deve seguir julgamentos pessoais, mas sim, certas estratégias comerciais e posicionamentos definidos, objetivos de mercado, de público, a forma visual e blá blá blá... E sua capa tem tudo isso, não há sombra de dúvida de que é um profissional muito bem capacitado. Mas não estou interessado no que dizem as editoras acadêmicas. Estou pouco me importando com elas... Eu gostaria que a capa passasse a complexidade da emoção envolvida na história. — Então, Mu. — Ele abriu sua pasta e pegou uma cópia impressa do livro e me entregou. — Tenho um presente para você.

— Obrigado, eu acho... — peguei os papeis ainda meio confuso, estranhando aquele gesto. O livro nem tinha sido publicado ainda.

— Talvez você queira ler. É uma história interessante. Um anjo que é enviado para deter um renegado que tem o coração dominado pelas trevas e diz ser a Fênix. O anjo tenta ajudá-lo a encontrar a paz, mas a Fênix o seduz. Pense no quanto isso deve ser frustrante, Mu. O homem mais próximo de Deus, um ser divino, sucumbindo em sentimentos mundanos por alguém que ele considera maligno. Imagine a dor, os sentimentos... Como ele está confuso, perturbado e perdido... Eu sei que você pode imaginar isso.

— Shaka, eu... — murmurei e ele me interrompeu novamente.

— Eu quero que você faça a capa desse livro, não vou procurar outra editora. Se você não conseguir, ninguém conseguirá... Senti sua sensibilidade assim que pus os olhos em você. Acredito que é o único que pode fazê-la exatamente como estou desejando.

— Farei o possível... — respondi, ainda comovido com suas palavras. Despertou-me uma enorme empatia por ele.

— Tenho certeza de que vai conseguir. — Ele sorriu novamente. — Eu preciso ir, Mu. Tenho que estar na Índia ainda hoje, tem um helicóptero esperando por mim. Então, vejo você daqui a quinze dias... Acho que é um prazo muito bom, não é?

— Sim. Eu farei o possível e impossível para que sua capa esteja pronta nesse prazo, e do seu agrado.

— Não tenho dúvidas. Foi um prazer conhecê-lo. Até mais, Mu.

— Até mais, Shaka. — Senti uma sensação de paz ao apertar sua mão.

Assim que ele saiu, deixei-me cair na cadeira, pensativo. Olhei para os papeis em minha mão. Sim, eu poderia entender os sentimentos do “homem mais próximo de Deus”. Saga entrou em seguida. Não estava satisfeito, porém, ficou surpreso por Shaka não ter desistido.

Retirei-me da sala de reunião e segui para o meu compartimento. No caminho, notei Aioria tentando dividir sua atenção entre a tela do computador e Milo, que estava praticamente deitado na divisão entre suas mesas comendo uma maçã e contando algo de forma muito animada. Aproximei-me deles e sentei na cadeira ao lado de Aioria.

A Designer Saint era uma grande empresa e comerciava de tudo nesse universo. Milo e Aioria trabalhavam com Web design, e faziam desenhos de sites, interativos para a Internet. Eu ficava por conta da editoração eletrônica de livros, folhetos, jornais, entre outros.

— E aí, como foi sua apresentação? — Aioria me perguntou voltando sua atenção pra mim, deixando de lado Milo e o computador. Parecia mesmo interessado.

— O escritor não gostou da capa que eu fiz. Dediquei horas nesse projeto.

— Não acredito que não gostou! Com certeza é um babaca.

— Ele não é um babaca, esse é o problema. É culto e inteligente, e muito compassivo... Também me deu um prazo para refazer.

— Quantos elogios, heim... — Aioria falou de cara amarrada.

— Mas o que vocês conversavam de forma tão animada? — perguntei, relevando o que ele havia dito.

— Estou apaixonado, Mu! — proferiu Milo, sorridente.

— Sério?! Isso é uma novidade. — Parecia mesmo muito empolgado. — Conte, Milo quem é o felizardo?

— Camus. Você deve ser lembrar dele na boate. Passamos todo o final de semana juntos. Ele é incrível, inteligente, culto, elegante, discreto... Sabe quando você procurar por algo a vida toda e, de repente, você olha para alguém e sente que não precisa mais procurar? É exatamente assim que me sinto. — Seus olhos estavam flamejando de felicidade.

— Isso foi lindo, Milo! — exclamei enquanto alisava seus cabelos. Ele me emocionou com sua fala. Tive esse mesmo sentimento quando vi Aioria pela primeira vez. Pena que não foi recíproco.

— Também não precisa ficar bajulando... — Aioria reclamou. — Além disso, Milo, a última vez que uma paixão sua durou mais que um dia foi com aquele modelo sueco meio andrógeno, e você se lembra como terminou, não é?

— Você é um estraga prazeres, Aioria. É tão sensível quanto uma caçamba cheia de pedras descendo ladeira abaixo.

— Milo, o seu Camus trabalha em algum restaurante aqui em Atenas?

— Sim, Mu. Como sabe?

— Fui nesse final de semana com um amigo a um restaurante que é comandando por uma chef francês de nome Camus e fiquei pensando se era o mesmo Camus da boate.

— É ele mesmo....

— Que amigo?! — Aioria interrogou. — Achei que NÓS fossemos seus amigos.

— Acho que o Muzito também encontrou um namorado... — Milo fez gracinha e Aioria arregalou os olhos, sobressaltado.

— Estamos só nos conhecendo... — falei sem graça, envolvido na tarefa de prender meus cabelos. Tentando não olhar para o rosto de Aioria.

—Tem que nos apresentar, Mu... — Milo ficou eufórico com a ideia. — E que cara é essa, Aioria?!

— É a minha cara de sempre, não tá acostumado, não? Não passo arrancá-la — resmungou mal humorado.

— Credo! A culpa é de Marin que te deixou aí na seca.

— Cala a boca, Milo. Você já terminou seu trabalho? Porque eu preciso me concentrar aqui, pode ser? — Seu tom era frio e cortante.

— Tá vendo, Mu. É isso que a falta de sexo faz com as pessoas. — Milo, sem se ofender, segredou-me de modo muito sério, como se tivesse feito uma descoberta científica. — Gostaria de conhecer seu “amigo”. A festa de Shina no final de semana seria o momento ideal.

Eu já havia me esquecido do noivado de Shina, que seria no próximo sábado. Ela é uma das secretárias da empresa. Muito competente e dedicada, uma pessoal adorável, apesar de seu temperamento explosivo. Foi ela, quem apresentou Marin para Aioria.

Ainda me sentia confuso quanto a apresentar Aldebaran como namorado, mas resolvi seguir os conselhos de Shion. As coisas tinham que mudar ou eu permaneceria a vida toda a margem de mim mesmo. Então, estava na hora de seguir um caminho diferente.

— Pode ser — eu disse. — Mas Aioria tem razão, melhor mesmo irmos cuidar dos nosso projetos, segunda feira é sempre o pior dia.

Ele concordou e saímos deixando Aioria olhando fixamente para a tela do computador. Fez uma cara feia quando nos afastamos, completamente introspectivo. Gostaria de poder decifrar o que ele estava pensando.

***


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Notas finais do capítulo

Olá pessoal,

Quem assim como Mu está curioso para decifrar o que Aioria está pensando levanta a mão.
kkkkk
Próximo capítulo saberemos, pois ele será um POV de Aioria.

Então, esse não teve muito romance, mas foi necessário para apresentar alguns personagens.

Agradecimentos especiais a galera que está acompanhando e principalmente que favoritou.

Jabu Best Saint, Nane Yagami, Myrho, Jenffer, Musha e TitiaKinast, obrigada pelos cometários.

Eu mal terminei o capítulo e postei porque não terei tempo amanhã, e essa semana será corrida no trabalho, então qualquer erro por favor me avisem.

Então é isso, finalizo com um trechinho do texto que me inspirou para escrever o capítulo.

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."
Fernando Texeira de Andrade.

Bjos e até o próximo.