Quero que você conheça meu mundo escrita por River Herondale


Capítulo 22
A conjugação do verbo mudar


Notas iniciais do capítulo

QUE DEMOOOORA DE POSTAR! Sorry, galera, mas tive um mês cheio (de provas, de novos projetos, de estudos) e só agora pude terminar um capítulo que já tinha 2/3 prontos e só faltava eu ter a cara de pau de postar. Espero que ainda estejam aí



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QUATRO ANOS DEPOIS

Se em um ano as pessoas mudam, em quatro anos elas podem se tornam outra pessoa. O tempo muda as pessoas, essa é uma verdade incontestável.

Clarice pegou o café que acabara de comprar e entrou rapidamente num taxi. Eram quatro anos, sua aparência mudou. Estava mais madura, os traços infantis totalmente deixados no passado. Seu cabelo continuava acima dos ombros, mas a diferença é que seus cachos estavam bem cuidados, e não destruídos como costumavam ser quando ela tinha dezenove. Sua amiga de faculdade chamava seu estilo de “boho-chique”, como se Clarice se importasse com a nomenclatura do seu modo de vestir.

Há quatro anos tinha entrado em um avião ousadamente atrás de seu sonho: ser cineasta. Um dia depois que chegou e se acomodou no hotel sendo pago pelo estúdio que a chamara para uma reunião, sentiu o estômago embrulhar e um brilho no fim do túnel. Nunca esteve tão nervosa.

“Não costumamos fazer isso. Na verdade nunca fizemos, mas vimos algo promissor em você, no seu trabalho. Esse roteiro que nos mandou é... arrasador. Tempos que não recebíamos algo tão inovador, e é um prazer termos você conosco. Podemos começar a pré-produção, e compraremos seu roteiro, temos aqui o contrato e...”

“Espera. Mas quem irá dirigir?”

“Procuraremos um diretor que compreenda a mensagem do filme e faça algo...”

“Não. Eu irei dirigir meu filme.”

“Me desculpe, mas não podemos deixar. Nem faculdade a senhorita tem, como podemos confiar esse trabalho com você? Tem apenas dezenove anos.”

“Se esse é o problema, eu não veria problema em adiar o filme até que eu possa dirigi-lo.”

E foi decidido que ela entraria na prestigiada faculdade de cinema de AFI, estagiando no estúdio. Eles ainda pagavam sua estadia, e Clarice sabia que era mais que sorte.

Eles acreditavam nela, não iria decepcionar.

Na faculdade aprendeu mais do que esperava. Não só isso, mas estar no meio de tanta gente apaixonada e talentosa mudou seu modo de pensar. Tinha virado muito amiga de Frances, uma garota que vinha de outro estado, Missouri, atrás de seus sonhos também.

Às vezes repassava toda sua louca jornada. Estava acontecendo. No seus estágios como auxiliar de direção observava todo o trabalho dos grandes. Em séries de tv, vídeos-clipe, alguns filmes independentes. Era tão comum trabalhar com grandes atores que andar nos corredores do estúdio e dar de cara com algum famoso não mais surpreendia.

Tinha virado amiga de vários atores e diretores, e ela recebia mais contatos. Se infiltrar no mundo de Hollywood não é fácil, mas nunca foi seu plano. Ela só queria fazer seus filmes e conhecer esses futuros parceiros de profissão era apenas uma consequência.

Os artistas com estrelismo ela não era próxima. Gostava dos artistas natos, da contracultura, das rodas intelectuais e que falassem de Freud em uma hora e na outra estivesse falando sobre Reality Show e achando alguma representação sociológica nisso.

E sua formatura da faculdade aconteceu, e ela sabia o que significava: seu filme se tornaria real.

Pagou o taxista e entrou no escritório para discutir quando começava a pré-produção do seu filme.

¨¨¨

– Já estamos em produção! – Clarice comemorou pelo telefone com Tati. Ela era a única pessoa que mantivera contato do Brasil.

– Eu sabia que aconteceria! Depois de quatro anos, e tudo vai começar!

– Eu estou morrendo de ansiedade, Tati! Eu não consigo parar de pensar!

– E como vai comemorar essa vitória?

– Meus amigos vão me levar em um pub alternativo e escondido demais para realmente parecer um pub. Mas quem liga não é mesmo?

– Clarice está poderosíssima! – Brincou Tati.

– E como está aí? – Clarice mudou logo de assunto, porque ainda era estranho o contraste que sua vida tinha.

– A vida de casada é mais animada do que eu imaginava, obrigada. – Tati riu. – Matheus é um ótimo marido.

– Eu me arrependo todo dia de não ter ido no seu casamento.

– Não foi sua culpa, Claricita. – Tati suspirou. – Precisarei desligar agora, tudo bem? Aproveite sua festa.

Era uma sexta-feira quente, como costumava sempre ser em Los Angeles. Clarice não curtia esses restaurantes esnobes de LA, preferindo passar o tempo no píer de Santa Monica durante o pôr-do-sol.

Ela não abandonara a fotografia. Se não estava no estúdio, estava fotografando seus amigos americanos. Continuava com o blog que criara aos dezessete anos, mas que agora era bem maior. Seu último ensaio fora feito com uma nova modelo promissora da Burberry, apresentada para ela nos corredores do estúdio. Ela tinha um sotaque britânico encantador.

Clarice entrou no pub depois de confirmar seu nome e confirmar com quem estava. Esses lugares frequentados pela leva de artistas alternativos costumavam ser curiosos, com uma estética cheia de personalidade, música boa e clima intimista. Quando passou pela porta, ouviu seu grupo de amigos bater palma e fazer farra.

– E não é que nossa futura diretora chegou? – Hayden, um dos amigos de Clarice que era guitarrista e vocalista de uma banda de indie rock anunciou sua chegada.

– Parece que agora não tem mais desculpa para não dirigir seu vídeo clipe, não é Hayden? – Clarice brincou e cumprimentou todos da mesa. A mesa era baixa e redonda, os assentos almofadas, o que dava um clima descontraído ótimo.

Nicola apagou seu cigarro no prato em sua frente e assoprou a fumaça, falando:

– Adorarei ser dirigida por você, diretora. – Nicola tinha um cabelo loiro claro com uma pele cor de leite. Seu batom vermelho apenas destacava sua brancura e seus olhos negros e brilhantes. Ela era atriz, e sempre quando conhecia uma pessoa nova, gostava de contar sobre seu primeiro papel importante. “Eu ficava nua no meio da peça.” Ela dizia, “Interpretei uma suicida ninfomaníaca dos anos sessenta.” – Me faça ganhar um Urso de Ouro.

– Pensei que fosse trazer o Tom. – Frances comentou. Ela estava abraçada com seu namorado, Trevon, que como ela era bailarino.

– Tom e eu não estamos mais juntos. – Clarice comentou e se sentou ao lado de Nicola. - Faz três dias.

– E mais um ficante vai para a lata de lixo. – Nicola disse com um sorriso irônico enquanto acendia mais um cigarro.

– Está certa. Parceiros são bons para distrair e não para se tornar distração. – Hayden disse com convicção, por mais que seu rosto mostrasse que era apenas para irritar Nicola.

– Você deve ter passado por uma adolescência muito infeliz, Hayden. – Frances começou a falar. – Sua autoestima devia ser muito pequena, e por isso você criou essa síndrome de relacionamentos são um saco.

– Eu tenho uma banda de indie rock, preciso estar constantemente de coração partido para compor a próxima música que ganhará o Grammy de música do ano.

– Vocês não sabem o que perdem. – Trevon deu um beijo protetor na bochecha de Nicola.

– O coração partido é um ótimo estimulante para criar obras-primas, amigos. – Hayden olhou para o nada de modo filosófico e caricato. – Recomendo a todos.

– Eu gostava do Tom. – Frances foi sincera. – Seu ateliê é lindo, e aquele retrato que ele fez da Clarice é uma das coisas mais lindas que já vi.

– Tom e suas obras surrealistas. – Trevon zombou. – Aquelas unhas sujas de tinta acrílica.

– Está com inveja do Tom só porque eu disse que suas unhas e cabelo sujos de tinta era algo estranhamente sexy?

– Talvez. – Trevon disse em tom de brincadeira.

– Mas eu acho mais sexy quando você está no palco rodopiando de legging branca e seus músculos se contraem durante a dança.

– É a pior coisa que eu já vi na minha vida. – Zombou Hayden. – Nunca mais me façam ver Trevon de legging branca.

Clarice sorriu. Estava com algumas das pessoas que ela mais adorava estar.

Duas horas depois ainda conversavam. Tinham comido sashimi, e nessa altura do campeonato já tinham começado a filosofar daquele jeito que você filosofa quando está com os amigos.

Quando estavam na rua para ir embora, Clarice suspirou.

– Sempre entramos nos mesmos assuntos, não é mesmo? A existência, a vida, a morte, o amor.

Se despediu de Frances e Trevon, e da Nicola que pegou um táxi.

– Precisa conversar, não é? Vamos andando, brasileirinha. – Hayden adivinhou, como ele sempre fazia.

Los Angeles tinha um misto cativante das montanhas e palmeiras com os prédios e sonhos. Hayden chutava as pedras da rua, e Clarice estava pensativa.

– Você não costuma comemorar suas vitórias, não é mesmo?

– Eu estou feliz. Só não sei como demonstrar. – Clarice confessou.

– Sabe, aquele Tom era um babaca. Todo aquele lance surrealista era meio perturbador. Uma pessoa com corpo de bode preso em uma gaiola? É horrendo!

– Nem estou pensando no Tom, Hayden. – Confessou Clarice. – Estou pensando em mim quando escrevi esse roteiro.

– Como?

– Eu tinha dezenove anos e uma bagagem de esperança. A ideia de trabalhar com o que amo não saía da cabeça, e agora vai acontecer.

– Finalmente! Você sempre estava estudando, alugando filmes de 1920 que eu nunca sonhei com a existência deles, vendo Cinema Alemão, Francês, Argentino e meu Deus, te aturar enquanto discutia a genialidade de Kubrick ou Hitchcock já estava me angustiando!

– Agora vamos discutir sobre a trilha sonora do meu filme, meu amigo músico!

– Acho melhor discutirmos outra coisa. Você e Tom ficaram juntos por o quê? Dois meses?

– Isso. Mas qual é o proble...

– Dois meses é seu tempo limite com alguém, até que demorou para vocês terminarem mesmo.

Clarice tentou rir, mas queria entender aonde Hayden queria chegar.

– Não estava apaixonada, só isso. Foi bom enquanto durou.

– Ok, então me responda: o que te impede de se apaixonar?

Ela hesitou, e olhou os olhos atentos de Hayden. Seus pais eram do Texas, e ele saiu da casa dizendo que ia para faculdade quando na verdade só queria saber de tocar. Ele chamava seu pai de “Caipira careta e machão” e sua mãe de “Santa Virgem do Texas”. Apelidos carinhosíssimos para a família.

– Talvez o fato de que não tenho tempo para paixões.

– Não minta.

– Ou o fato de eu gostar de poupar decepções desnecessárias.

– Clarice...

– Eu só quero saber do meu filme agora, ok? Não há nada que importe mais agora do que isso. – Clarice disse impaciente, o que fez Hayden se calar.

– Sabe o que eu acho? – Hayden disse depois de alguns metros de silêncio. – Que você vai cair naquele clichê de comédias românticas onde a mocinha tem uma carreira maravilhosa, mas falta amor na sua vida. E então sabe o que vai acontecer? Ela vai encontrar alguém. E se apaixonar. E se sentir totalmente feliz então.

– Isso é tudo que eu mais tento fugir na minha vida. Clichês. E quem disse que só vou ser feliz se tiver o combo carreira perfeita + família?

– Eu sei, só estou te provocando! Sou o Hayden de sempre, esqueceu? – Ele empurrou o ombro de Clarice em provocação. As noites de Los Angeles costumam ser abafadas e cheias de energia.

– Eu sei... – Clarice suspirou. – Estou vivendo nas nuvens, Hayden!

– Agora venha aqui, Garota de Ipanema, vamos te levar para casa em segurança. - Hayden brincou enquanto acenava para um taxi parar.

– Eu nem sou de Ipanema. – Clarice retrucou, e se sentiu feliz em ter Hayden como amigo. De todos de LA, era ele quem ela era mais próxima, provavelmente porque ele não era como a maioria dos americanos babacas e consumistas. Hayden tinha seu estilo grunge, e suas músicas de tom crítico agradavam o espírito rebelde de Clarice. Ele não passava despercebido, tinha cabelo loiro até os ombros e uma barba.

– O taxi está parando! Vamos? – E então entraram.

¨¨¨

O taxi parou na frente do café. Frederico ouviu o gritinho animado de João ao seu lado enquanto se melecava de sorvete.

– Carro amarelo! Taxi!

– Isso mesmo, João. Taxi. – Disse Bento, que pegou um papel para limpar rosto do filho.

Frederico riu enquanto João saía da cadeira em que estava sentado e foi até a borda a da mesa para ver melhor o taxi.

– Volte para seu lugar, filho.

Ao invés de se sentar em seu lugar, João foi direto para o colo de Frederico.

– Eu desisto. – Disse Bento. – Ele gosta mais de você do que do próprio pai, só pode.

– É que eu sou muito mais legal, não é mesmo, João? – Frederico brincou, e então soltou um grande sorriso.

Era normal Bento pegar o João na casa da Natália em alguns fim-de-semanas e ficar com o menino. João era hiperativo que nem Bento, e seu cabelo não era loiro como do pai, mas castanho como o da mãe. Os olhos, porém, eram verdes como as de Bento.

– E então, Dr. Frederico Escobar, como andam as coisas no escritório?

– Eu estava tão feliz até você falar isso. – A expressão facial de Frederico mudou imediatamente. – A mesma porcaria de sempre.

– Às vezes me surpreendo quando penso que você conseguiu se formar de uma faculdade sem nem gostar do curso. É muita falta de amor próprio.

– Tem coisas que gosto da profissão. Tipo a flexibilidade de horários.

– E mesmo assim nunca tem tempo para sair curtir e conhecer umas garotas.

– Só faz alguns meses que estou solteiro...

– Nem vem com esse papo! Aquela garota nem vale como relacionamento porque você nem dava tanta bola pra ela! Era mais uma amizade com benefícios.

Frederico deu uma risada constrangida com o papo. Estava um dia chuvoso de março em São Paulo.

– Sabe o que eu acho que a gente precisa? Viajar!

– Viajar?

– Claro! Só nós dois, solteiros e com muito amor para dar! Podemos pegar estrada no próximo fim de semana e ir à praia conhecer pessoas novas.

– Está chovendo, Bento.

– E você vai ligar para isso? Vai que até lá o tempo abre!

– Posso ir também? – João olhou para Frederico com seus olhos verdes brilhantes e pedantes.

– Não, não pode, João. Só rapazes com mais de vinte e três anos podem ir nessa praia.

– Vinte e três? Eu tenho três!

– Exatamente! E só o papai e o tio Frederico tem idade suficiente para isso! Mas mamãe vai te levar no parque, onde rapazes de três anos podem ir.

João começou a bater palma de comemoração.

– E então? Vamos?

Frederico deu de ombros:

– Vamos.

Morar sozinho pareceu um desafio enorme quando Frederico se mudou do apartamento que dividia com seu pai. Mas agora estava acostumado a ter que levar sua própria roupa e preparar sua própria comida. Tinha se mudado quando acabou a faculdade, e agora trabalhava em outro escritório e não mais com o pai. Não queria ficar mais na cola de seu pai, dependendo dele e ouvindo-o dar palpites em sua vida. Em compensação, a cada dia que se passava ele ficava mais semelhante fisicamente ao seu pai.

Seu apartamento transmitia bem sua personalidade. Era minimalista, a cozinha americana trabalhada em cor amarela, uma sala confortável e cheia de pôsteres e quadros nerds e seu quarto coberto de fotos que colecionava.

A foto de João engatinhando. De seu primo Henrique todo molhado na piscina, e Bento girando João no parque, de sua prima Cassiana com seu violoncelo no palco (e não, ela não fez vestibular para Direito, para desgosto da vó Olga), e de ele mesmo, Frederico, em um museu onde tinha um grupo de espelhos que pediam para ser fotografados e seu reflexo refletido. Tudo em preto e branco.

Nos últimos anos ele se aproximara das artes. Era seu modo de fugir da realidade do escritório e dos problemas externos. Gostava também de sair com Bento para esfriar a cabeça, fazer experimentos culinários. Seu último experimento foi um bife tártaro que Bento fez questão de dizer que era a pior comida que ele já tinha experimentado.

Ele tinha mudado bastante. Seu corte de cabelo estava mais maduro e sua barba mais cheia. Mas as camisetas divertidas ainda continuavam em seu armário.

Em sua sala, uma parede inteira era coberta de prateleiras com livros. Depois dos vinte percebeu que gostava de escrever também. Era o seu modo de deixar as angustias saírem, e seu coração ficar mais leve. Ele mesmo dizia que escrevia por necessidade, como seu fosse uma morfina.

Seu celular vibrou no bolso da calça jeans preta. Frederico viu que era mensagem de Bento:

“Estou mandando alguns links de lugares para ficarmos na praia. Dá uma olhada aí.”

É. Talvez nem tudo tivesse mudado tanto assim.


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Notas finais do capítulo

O tempo passaaaaaaa :'(
Ai ai, gente, eu temi tanto quando comecei a criar essa parte, sabe? Não queria que ficasse muito estranho, muito "impossível" a vida de Clarice em LA. Fiquei com medo de beirar ao "nem sonhando", mas fiquei satisfeita quando criei os amigos dela (e já tenho um crush pelo Hayden porque sou dessas, hahaha). Frederico foi mais difícil de criar nessa parte, porque queria mostrar que a vida de ambos continuou mesmo depois da separação. Que Frederico anda bem sem Clarice, muito bem, obrigado. Que eles não ficam pensando um no outro, e que a vida continua. Por enquanto, hehehe
E o baby do Bento, genteeeee? *u* amodoro, hahahaha
Comentei, por favor. Estou com saudades de vcs



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