Já era noite, estava difícil enxergar a pista, e eu não fazia a mínima ideia de onde estávamos.

Mike não pronunciou uma palavra sequer a respeito do que aconteceu entre nós, mas não parecia arrependido. Aquele beijo foi uma loucura, uma coisa que não era pra ter acontecido em hipótese alguma, mas aconteceu, e não podíamos mudar os fatos.

– Pensando em mim? - ele perguntou, e só então notei que uma das minhas mãos estava sob meus lábios.

– É claro que não. - respondi, tirando a mão educadamente na intenção de ele não ter notado, porém acho que não tive muito sucesso.

– Você mente muito mal sabia! Mas não se preocupe, todas suspiram no primeiro beijo. - ele disse cinicamente.

– O que? Você é muito convencido mesmo! - rebati.

– É apenas uma constatação de fatos! Acredite, depois do beijo do cara que você vive chamando de caipira, os outros nunca mais serão os mesmos.

Mike tinha um sorriso vitorioso nos lábios, e parecia gostar de me provocar.

– E quem foi que disse que eu gostei? - perguntei.

Ele foi diminuindo a velocidade do carro até que estivesse totalmente parado, virou-se totalmente pra mim, e me fitou intensamente com o olhar, e com um sorriso de canto de boca se aproximou o suficiente para sentir sua respiração próxima a minha.

– Você não precisa dizer, posso ver em seus olhos! - ele disse, segurando meu queixo.

O que aconteceu depois foi a estranha sensação de frustração que meu corpo sentiu por ele ter se afastado tão rapidamente.

Ele saiu do carro, e foi andando em uma direção desconhecida, e me toquei que nós havíamos chegado. Somente depois de descer do carro que pude reconhecer o lugar. Nós estávamos no celeiro, no mesmo celeiro em que o cavalo do meu pai é cuidado. Ainda não tinha voltado lá desde a última vez, a que acabei voltando sozinha.

Devido a escuridão não via mais onde o Mike estava, e acabei levando um susto quando ele apareceu atrás de mim.

– Cuidado NI, está escuro e algum mau feitor pode aparecer. - ele disse debochado.

– O único com cara de mau feitor aqui é você, Michael. - ele torceu o nariz quando ouviu seu nome, e não o apelido.

– Meu nome é Mike! - respondeu turrão.

– Assim como o meu é NI! - retruquei no mesmo tom.

Mike acabou ficando de bico pra mim, virou as costas e foi até onde Pegasus estava. Estava realmente escuro, e se não fosse por uma única luz em um casebre que provavelmente servia de escritório, estaríamos no total breu.

Demorou pelo menos uns dez minutos até que ele voltasse, montado em Pegasus.

– Vem comigo. - ele disse, estendendo a mão pra mim. - Quero lhe mostrar uma coisa.

– Eu? Montar nesse cavalo brabo com você? Mas nem em seus melhores sonhos! - respondi malcriada.

– Bom, se quiser ficar aqui sozinha nessa escuridão, a escolha é toda sua.

A ideia de ir pra casa era tentadora naquele minuto, mas eu não tinha muita opção, já que não sabia como chegar lá sozinha, muito menos no escuro. Mesmo sem vontade, eu aceitei ir. Mike me ajudou a montar, mas não queria ficar muito próxima.

– É melhor se segurar. - ele disse.

– Estou bem assim. - pude ver que ele deu uma risada, e pelo visto foi de propósito porque no minuto seguinte, eu quase caí.

– Eu disse para se segurar!

– Isso não vale, você fez de propósito! - praticamente gritei em seus ouvidos.

Mike virou um pouco, ficando quase de frente pra mim.

– Ah claro, eu falei pro cavalo rebelde pra te deixar cair, já que você com certeza não ia se segurar! Você só pode ser maluca mesmo. Ou segura em mim, ou cai e se machuca, escolha!

Bufei revirando os olhos, mas automaticamente me segurei em sua cintura. Pegasus cavalgava veloz, como se ninguém estivesse montado nele. Meus cabelos que até então estavam presos, acabaram soltando-se, e o vento em meu rosto dava a sensação de liberdade. Já não me importava com o que tinha acontecido com Audrey na festa no Kansas City.

Paramos em uma estrada de terra, com muitas árvores em volta, e dava pra ver que havia um enorme lago. Mike desceu, e em seguida me ajudou a descer também. Ficamos a centímetros de distância e pude ver que seus olhos que apesar de serem bem azuis, tinha alguns raios cor de mel.

– Gostou de ficar agarrada em mim, não é! - ele disse debochadamente.

– É claro que não, seu caipira folgado! - respondi.

– Então porque ainda está abraçada a mim? - perguntou com uma das sobrancelhas arqueadas.

Ele não esperou que eu respondesse. Simplesmente me soltou, e pegou as rédeas do cavalo. Amarrou-as na árvore que ficava mais próxima ao lago e voltou ao lugar em que eu estava.

– O que viemos fazer aqui? - perguntei curiosa.

– Te trouxe aqui para esfriar a cabeça. Senta ai, e aguarde alguns minutos

– Não sei como uma escuridão como essa pode fazer eu esquecer o que aconteceu. - Mike revirou os olhos, e sentou de frente para o lago com as pernas cruzadas. Consultou o relógio e disse que não demoraria, e realmente era verdade. Não sei dizer quanto tempo passou, só sei que a visão que eu tive foi a mais linda em toda a minha vida.

O sol estava nascendo ao longe, e refletido no lago era ainda mais lindo. Em Nova Iorque eu nunca consegui ter essa visão de um nascer do sol, e nem em Ellsworth, até aquele momento. Foi realmente a visão mais incrível.

A temperatura dos primeiros raios bateram na pele, fazendo meus pêlos eriçarem. Era uma sensação gostosa, e os problemas pareciam não existir mais. Fiquei perdida em pensamentos e quando dei por mim, o dia já havia raiado.

Com o dia claro, pude ver um trailer do outro lado do lago.

– Quem em sã consciência moraria em um trailer? - perguntei curiosa.

– Alguém que goste da natureza, e não tenha outro lugar pra morar. - ele respondeu meio ríspido.

– Tá, mas em um trailer? Quer dizer, não é apertado?

– Não, é tranquilo de se morar. - Mike respondeu, sem olhar na minha direção.

– Na certa deve ser algum preguiçoso. - afirmei convicta.

– NI acho melhor ir embora. - ele disse seco. Pegou umas chaves no bolso e as jogou pra mim. - A caminhonete da prefeitura está na garagem do trailer do preguiçoso, pegue e volte pra sua vidinha de desentendimentos com a sua irmã.

Só então vi o quanto sou idiota, como não percebi que o trailer era dele? Me senti culpada por tê-lo magoado ao falar todas aquelas coisas. Tentei me desculpar, mas ele sequer prestava atenção. Estava mais preocupado em desamarrar o cavalo para ir embora.

Ainda fiquei por volta de meia hora tentando descobrir como sair daquele lugar, até que finalmente achei a estradinha que me levaria a praça da cidade.