Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 46
Enquanto isso, na sala da família


Notas iniciais do capítulo

A reação de Thorin



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46.

Enquanto isso, na sala da família

A reação de Thorin

Semanas antes

Durante uma semana inteira após a visita de Anna a Erebor, revelando estar viva e morando a oeste das Montanhas Sombrias, em Eriador, Thorin Oakenshield ficou em choque. Por uma semana inteira ele ficou intratável e praticamente incoerente. Amigos, familiares e assessores próximos já não sabiam mais como abordar o rei, agora considerado ainda mais louco, pois dizia estar conversando com assombrações e espíritos dos mortos.

Mas, durante seu período em choque, Thorin não teve acessos histéricos ou crises de raiva, como era de se supor. Aprendera com sua ghivashel que era melhor trabalhar com a realidade do que brigar com a realidade. A realidade era uma só: Anna estava viva, o pequeno Darin também, e ambos estavam longe dele. Thorin não queria conviver com esta distância, mas ele era o rei sob a montanha, soberano de Erebor. Era preciso tomar uma atitude.

Tantas vezes Anna e Thorin conversaram sobre esse momento, sobre a hora da escolha. Anna sempre se dispôs a aceitar menos por ele: recusou o título de rainha (a que ela tinha direito) e negou ao filho o direito de sangue de ser o herdeiro do trono de Durin. Anna cedeu tudo o que podia (e até o que não deveria) para evitar atrito com o povo khazâd e manter o trono de Thorin em segurança. Tudo por nada. Ela tinha sido hostilizada, atacada, e agora, para todos os propósitos práticos, estava morta.

Thorin recordou-se de uma coisa que Anna lhe dissera em Laketown. Ele já não se lembrava das palavras exatas, mas Anna lhe dissera ter consciência de que não tinha como competir com Erebor. Thorin não entendera as palavras dela na época, e julgou que sua pequena estava com ciúmes. Não era o caso. Anna quis dizer que montanha era tudo para ele, pois era seu reino, seu lar, sua herança, seu compromisso com seu povo e com seus antepassados. Thorin sabia que isso era verdade. Em Laketown, ele concordou com Anna, aceitando que Erebor era sua prioridade.

Naquele momento, porém, depois de tudo que passara, com a montanha assegurada, seu reino prosperando em paz com os vizinhos, Thorin percebeu que suas prioridades tinham mudado. Mudado muito.

E ele tomou uma decisão.

Numa noite, após profunda ponderação, ele se juntou à família para o jantar na sala íntima, o que raramente fazia desde o acidente. O clima ficou tenso. Dís tentou manter uma aparência de normalidade.

— Meu irmão, que bom ter vindo. Prove este caldo de carne, muito bom nesta noite fria.

Thorin agradeceu e disse:

— Obrigado, irmã. Gostaria que ouvissem um momento, por favor.

Fez-se tensão ainda maior. Kíli estava angustiado, e Fíli franziu o cenho. Thorin continuou:

— Sei que todos têm estado preocupados comigo, e que não sou o mesmo depois do que aconteceu. Agradeço por isso, mas daqui para frente tudo vai mudar. O trono não mais estará vazio: Erebor terá seu rei. O trono voltará a ser ocupado.

Todos se entreolharam, animados com o que ouviam. Havia sorrisos e suspiros de alívio, especialmente entre Dwalin e Balin. Thorin virou-se:

— Balin, mande recados a Mirkwood e Valle. O Rei Sob a Montanha e uma pequena comitiva farão uma visita a seus reinos para agradecer os votos de luto e para renovar as expressões de amizade e confiança.

O conselheiro franziu o cenho:

— Thorin, isso será necessário?

Pesadamente, Thorin garantiu:

— Isso é vital, Balin. Fíli precisará de meu aval para assumir o trono definitivamente.

Dís ficou alarmada e indagou:

— Meu irmão, o que está dizendo?

Thorin usou sua voz de maior autoridade para declarar:

— Eu vou abdicar do trono em favor de Fíli. Ele será o novo rei sob a montanha.

O jovem se ergueu:

— Tio!

— Thorin, não! — protestou Dís.

— Primo, o quê…? — Balin parecia aturdido.

O (ainda) rei garantiu:

— Já está decidido. Fíli e eu visitaremos os reinos vizinhos, para anunciar a decisão e assegurar a todos que nada muda em Erebor. Rei Fíli tem a minha mais total confiança que governará com paz e sabedoria. Ele conhece os inimigos da paz e não deixará Erebor jamais ser de novo tomada por forças do mal. Quero que todos vocês o ajudem nesta tarefa, já que eu não estarei aqui.

Dwalin estava mais do que alerta. Kíli quis saber:

— Thorin, para onde vai?

Thorin respondeu pesadamente:

— Para o Oeste.

Houve um silêncio pesado. Dís fez a pergunta que ninguém queria fazer:

— Você vai atrás dela, não é?

Ele nem tentou esconder:

— Sabe que sim.

— Thorin, meu irmão, por favor — disse a princesa, angustiada. — Reflita mais. Vai deixar Erebor, nosso lar reconquistado com tanto esforço, para ir atrás de um fantasma? Como sabe se o que viu é verdade? Você estava louco de dor naquele instante, eu sei como é. Eu também perdi meu khebabhûn.

Thorin não se exaltou, dizendo com firmeza e calma:

— Ela está viva. Se tivessem chegado cinco segundos antes, teriam visto. Teriam visto a águia gigante com ela. Anna está viva como eu e você, e nosso filho também vive. Eu vou atrás dela, e é melhor que não tentem me impedir.

Fíli quis saber:

— Se isso é mesmo verdade, por que ela não ficou aqui?

Thorin avermelhou-se de vergonha:

— Ela não quer mais viver em Erebor. Teme pela vida de nosso filho. Depois do que aconteceu, não posso culpá-la. Nem posso dizer que algo assim não vá acontecer uma segunda vez. Ela me disse que está bem, está segura e Darin prospera.

Dwalin deduziu:

— Então… não pretende voltar a Erebor.

Thorin o encarou, a resposta em seus olhos. Ele ficaria ao lado de Anna pelo resto de sua vida, como prometera em seus votos de casamento. E as perguntas vieram como avalanches.

— Onde vocês vão viver?

— Onde ela está?

— Vocês poderiam nos visitar, não?

Thorin esperou o burburinho cessar (era um barulho bem grande para apenas uns poucos anões) antes de responder:

— Ainda não tenho resposta para muitas dessas perguntas. Sei que ela está com elfos em Rivendell.

Dwalin rosnou:

Elfos? Por quê?

— Os elfos a adotaram como se fossem parentes e kin. Ela jamais quis que isso fosse conhecido, por causa da rivalidade entre nossos povos. Eles não lhe farão mal. Mas ela me disse que pretendia ficar com Bilbo no Shire.

Dís pegou a mão dele, aflita:

— Irmão, você já pensou que pode estar errado? Vai largar seu reino, sua vida, por um sonho, uma miragem...!

— Não é uma miragem. Mesmo se fosse, não há mais lugar para mim em Erebor. Não sem Anna. Você disse que esse é nosso lar, mas para mim Anna é meu lar. Este lugar me faz sofrer, pois tudo me faz lembrar sua presença. Para onde olho, por onde passo, em cada canto, eu a vejo, enxergo Anna por todos os lugares, e já não posso mais-

Interrompeu-se no meio da frase, incapaz de prosseguir. Fez-se silêncio, pois os olhos azuis de Thorin encheram-se d’água antes de se interromper. Ele olhou para baixo.

Balin deu um pigarro antes de indagar:

— Quando pretende partir, então?

Thorin inspirou fortemente e disse:

— Partiremos em uma semana, para dar tempo aos emissários voltarem. Irei com Fíli e Dwalin. Primeiro vamos a Valle, depois Mirkwood. De lá, vocês voltam para Erebor e eu seguirei sozinho para o oeste.

— Sozinho? É muito perigoso — disse Dwalin. — Eu vou com você para o oeste.

— Vai precisar de companhia para voltar, Sr. Dwalin — disse Kíli. — Eu vou com vocês dois.

Fíli protestou:

— Irmão!

— Está tudo bem, Fíli — disse o jovem. — Assim vamos todos juntos.

— Está decidido — determinou Thorin. — Partirei em uma semana. A coroação de Fíli será o mais breve possível. Sei que ele será um bom rei.

— Mas, tio — suplicou o jovem herdeiro, angustiado. — Como poderei ser rei sem você? E seus conselhos? Precisarei deles.

Thorin lembrou:

— É outro motivo pelo qual devo deixar Erebor. O povo precisa confiar em sua autoridade, Fíli, e minha presença aqui pode minar tudo isso. Se precisar de conselhos, ouça sua mãe, e sempre ouça Balin. Ele é filho de Fundin, principal conselheiro de seu avô Thrór antes dele adoecer. Mas confio em você, Fíli. Você é ponderado, sensato — será um rei memorável. Tem estado a meu lado desde que retomamos a montanha e nos últimos tempos tem guiado nosso povo durante minha ausência. Confio em você.

Nada mais poderia ser dito, pois nada convenceria Thorin. Em poucos dias, o povo de Erebor se reuniu no Manarbul para uma cerimônia de coroação simplificada. A justificativa oficial era que a montanha ainda estava oficialmente em luto pela consorte. O povo, porém, cochichava que o rei Thorin tinha perdido a razão por completo e era incapaz de governar. Por isso, estava sendo mandado a Ered Luin, num misto de exílio e tratamento. Era uma trágica história de um amor condenado, uma que povoaria as imaginações por muito tempo.

Pouco depois da discreta coroação de Fíli, uma comitiva numerosa deixou Erebor e tomou o rumo de Valle. Lá Thorin apresentou Fíli, Rei Sob a Montanha, e renovou políticas de aliança e comércio com os homens. Thorin achou melhor confirmar que pretendia se estabelecer perto de Ered Luin, embora ele não soubesse ao certo.

A viagem a Mirkwood, previsivelmente, foi mais tensa. Eles seriam obrigados a pernoitar no palácio de Thranduil.

Após o jantar que coroou a breve reunião de trabalho entre anões e elfos, os grupos se dispersaram. Kíli reuniu-se com a capitã da guarda, Tauriel. Os demais recolheram-se. Thorin ia fazer o mesmo, mas Thranduil o convidou para uma última bebida numa das clareiras do palácio. Como era indelicado recusar, ainda mais agora que o rei élfico tinha um nível superior ao dele, Thorin aquiesceu.

A clareira era coberta, uma espécie de alpendre coberto com uma claraboia. O mordomo Galion trouxe uma ânfora de vinho aos dois e se foi. Thranduil comentou:

— Esse era um dos locais preferidos dela no meu reino.

Thorin sentiu a dor pela menção a Anna, mas foi respeitoso:

— É um lugar aprazível, Majestade. Combina com ela.

— Pode me chamar de Thranduil, Thorin. Afinal, por Anna, somos quase parentes.

— Agradeço a concessão. Mas não me chamou aqui para discutir isso.

— É verdade. Tenho uma pergunta e preferi fazê-la reservadamente.

— Pois não?

Thranduil encarou-o, os olhos prateados cintilando:

— Eu sei que minha parente está viva. Não preciso perguntar isso. Minha pergunta é outra. Por que ela não veio a mim? Minhas portas sempre estiveram abertas a meu kin. Ela é minha parente.

"Porque ela nunca confiou em você, sua cobra albina", respondeu Thorin internamente. Em voz alta, porém, ele deu uma resposta diferente:

— Terá que perguntar a ela, pois não consigo encontrar motivos. Ela nunca escondeu a profunda afeição por seu filho Legolas, nem a imensa gratidão pela ajuda de Tauriel quando do nascimento de nosso filho. A seu respeito, posso garantir que nunca a ouvi pronunciar palavras que fossem menos que gentis.

O rei élfico ergueu o queixo, contemplando a noite silvestre:

— Ela foi uma hóspede memorável... Fiquei contente quando descobri sermos kin.

Thorin controlou o temperamento e desejou que o maldito comedor de folhas parasse de fazer insinuações. Ele estava provocando!...

Era preciso mudar de estratégia para não morder a isca. Thorin pensou em Anna, em Fíli e seu futuro governo, no quanto seu sobrinho precisaria dos elfos. E lembrou-se que provavelmente era a última vez que precisaria bancar o educado para essa lagartixa descolorida. Aquilo fez Thorin sorrir. Oh, as coisas que ele fazia por Anna...

— Está sorrindo. — A observação de Thranduil o arrancou de seus pensamentos. — Nunca o vi sorrir. Pensava nela?

Thorin respondeu:

— Pensava que essa cena seria impossível sem ela.

— Isso é bem verdade — concordou o elfo, com um meio sorriso. — Ela é admirável. Imagino como chegou a Rivendell sem passar pela minha floresta.

— É algo que me intriga também.

Thorin notou a mudança de assunto quando Thranduil indagou:

— Então pretendem partir de manhã?

— Antes do raiar do dia — confirmou Thorin. — O rei Fíli e sua comitiva voltarão a Erebor. Meu destino é Rivendell.

— Decerto não vai sozinho.

— Terei apenas a companhia de familiares. Eles voltarão, ao fim da jornada.

— Pelo visto, não pretende retornar.

— Não. Minha missão com Erebor está concluída. Longe de minha rainha, nada faz sentido.

Thranduil lembrou:

— Não é mais o rei.

Thorin sorriu como se falasse a uma criança:

— Nem por isso Anna deixou de ser minha rainha.

O rei élfico soltou uma risada alta e comentou, bebendo mais vinho:

— Pena que não fomos amigos mais tempo. Eu gostaria de fazer isso mais vezes, ter essas conversas. Mas entendo seus motivos e admiro-o por eles.

— Agradeço.

De repente Thranduil parou de sorrir e disse, de maneira solene:

— Espero que saiba a sorte que tem, Thorin Oakenshield.

Foi a vez de Thorin sorrir, dizendo:

— Fique tranquilo. Eu sei.

Palavras em Khuzdul

khebabhûn = forjado, alma gêmea

ghivashel = tesouro de todos os tesouros


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