Vida em Erebor escrita por Vindalf


Capítulo 4
Após o horror


Notas iniciais do capítulo

Reflexos do ataque



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Após o horror

Reflexos do ataque

— Fico muito agradecida, Madame Hila — disse Anna, já no quarto. — Foi muito gentil, depois do que passou por minha causa. Não quero afastá-la mais ainda de seus afazeres.

A costureira a encarou, e Anna imaginou se tinha dito algo errado. Mas a outra apenas respondeu:

— Não deve pensar nisso. Vou pedir uma bebida quente, se preferir. Bem sei que eu gostaria de tomar uma.

Anna assentiu:

— Sim, está frio, não? Engraçado, estou suando, mas tenho frio.

— Está frio mesmo — disse ela. — Vou pedir um chá e volto logo, para falarmos do enxoval do bebê, se quiser. Por que não se senta um pouco?

Havia dois guardas na porta do quarto e foi para eles que Madame Hila pediu que providenciassem chá bem quente para a senhora. Depois ela voltou para o quarto e tirou a coberta da cama, envolvendo Anna.

— Enrole-se bem, senhora, para não passar mais frio.

— Obrigada, Madame Hila — disse Anna, cheia de gratidão. — Está sendo muito gentil.

Ela explicou:

— Prometi a sua família que cuidaria de você. Mas se quiser ficar sozinha para descansar...

Por algum motivo, aquilo deixou Anna em pânico.

— Não, por favor! — Então ela se deu conta que tinha gritado. — Er... Desculpe. E não se preocupe. Se quiser voltar para sua casa, eu ficarei bem.

— Não, milady. Não deve ficar sozinha depois do que aconteceu. Pode parar de ser corajosa agora.

Antes que Anna pudesse responder, houve uma batida à porta, e Hila abriu. Uma voz severa indagou:

— Quem é você e o que está fazendo neste quarto?

— Sou Hila, senhor, e cuido de Lady Anna.

— É mentira! Lady Anna não tem criadas! Defenda-se, inimiga!

Anna interveio antes que o anão esquentado puxasse uma espada:

— Mestre Glóin! Mestre Glóin, por favor! Madame Hila não é inimiga e tem sido muito gentil!

O anão de cabelos vermelhos bufou:

— Só checando, milady. Vim assim que soube. — Ele arregalou os olhos. — Está coberta de sangue! Deixe-me deter o sangramento.

— Não é meu sangue, Mestre Glóin — Anna apressou-se a dizer. — Não estou ferida, obrigada por sua preocupação. Estou bem, só tenho frio.

A costureira, que estava ocupada reavivando o fogo na lareira, apressou-se a dizer:

— Já estou cuidando disso, minha senhora. Venha se sentar aqui perto do fogo.

Assim que Anna estava instalada na frente da lareira, a porta abriu-se e o próprio rei Bard em pessoa entrou no quarto:

— Lady Anna!...

— Majestade, meu bom amigo. — Ela sorriu e os demais se curvaram diante do rei. — Estou bem, foi apenas um susto.

— Trouxe um médico para atendê-la.

— Quanta gentileza, senhor. Mas como pode ver, estou ilesa.

Madame Hila disse:

— Meu senhor, se me perdoar, posso sugerir uma tisana leve para milady? Algo que seja seguro para a criança, só para ajudá-la a dormir depois dessa experiência terrível.

Glóin opinou:

— Excelente ideia, boa senhora. Meu irmão teria sugerido a mesma coisa.

— Providencie — pediu Bard ao médico. — Com urgência.

Anna insistiu:

— Por favor, não quero dar trabalho.

Bard garantiu:

— Lady Anna, é meu dever. Posso garantir também que os responsáveis já foram detidos e devem ser punidos.

Glóin se indignou:

— Ainda estão vivos? Um crime desse contra a Consorte do Rei merece execução sumária!

Anna interveio:

— Pois eu espero apenas que eles sejam detidos para não ameaçarem mais ninguém e que sejam julgados pelo crime que cometeram. Devemos fazer justiça, Mestre Glóin, e não vingança.

— Milady é muito bondosa — reclamou ele. — Aqueles criminosos merecem provar o gosto do machado dos anões!

Anna insistiu:

— Não pense que aqueles homens e seus atos não me causam repulsa. Mas devemos ser melhores do que eles. Além disso, rei Bard acaba de nos garantir que vai cuidar do assunto. Devemos colocar esse assunto no passado.

— Boas falas — disse Bard. — Milady sempre se mostrou muito sábia.

Anna arrematou:

— Gostaria de enviar um recado a Thorin, apenas para garantir que estou bem. Ele pode ser um pouco... er, exagerado.

Bard lembrou:

— O rei seu marido lhe tem muita dedicação, milady. Providenciarei a mensagem imediatamente.

— Obrigada, majestade. Ficarei mais tranquila.

O médico humano deixou uma xícara na mesa, recomendando:

— Essa tisana vai ajudar, milady. Não deixe de tomar.

— Obrigada, meu bom senhor.

Eles mal tinham saído quando novos visitantes chegaram ao quarto.

— Tia! — Kíli chegou perto de Anna, preocupado. — Está tudo bem? O que o médico disse?

Ela pegou as mãos dele.

— Estou bem, Kíli. E você?

Ele se assustou.

— Anna, você está tremendo! E suando!

Hila deu um passo à frente:

— A senhora ficou muito nervosa, jovem senhor. O médico recomendou repouso e deixou uma medicação.

Dori, até então calado, acrescentou:

— Precisa trocar essas roupas ensanguentadas. Posso providenciar um banho quente e relaxante?

Anna disse:

— Sim, por favor, Mestre Dori. Madame Hila deve estar ansiosa para ficar com sua família, depois dessa agitação.

A costureira fez uma mesura.

— Milady, se quiser descansar, posso sair, mas ficarei feliz em ajudar. E ainda seria bom falar do enxoval, caso queira.

— É muita gentileza sua.

— Não deve ficar sozinha. Posso ajudá-la a banhar-se e retribuir um pouco de sua gentileza, madame.

— Gentileza? Eu me sinto culpada por tudo que passou por minha causa. — A costureira a encarou, como se não entendesse do que Anna falava. A moça esclareceu: — Se não fosse por mim, a senhora não teria se envolvido nisso. Podia até ter morrido, e eu não me perdoaria.

Ao ver a expressão de Hila, Glóin entendeu o que se passava e explicou:

— Anna, Madame Hila quer apenas oferecer restituição pelo favor que fez a ela.

Anna não entendia:

— Favor? Eu coloquei a vida dela em risco!

Glóin resolveu interpelar a outra:

— Diga-me, Madame Hila, apenas para esclarecer: acha que Lady Anna salvou sua vida?

Madame Hila ainda parecia muito confusa:

— É claro que sim. O homem queria me matar, e Milady não deixou. Não entendo por que ela acha que me deve desculpas quando ela me concedeu a vida.

— Concedi a vida? — repetiu Anna, confusa. — Não entendo.

Glóin explicou:

— O homem ameaçou matar Madame Hila. Como membro da Família Real, milady, você poderia ter deixado o homem matá-la.

Anna estava escandalizada:

— O quê?! Do que está falando, Mestre Glóin?

— Mestre Glóin tem razão — disse Madame Hila. — Sou uma pessoa pobre e sem sangue nobre. Minha vida é muito inferior à da Consorte do Rei, é uma vida indigna diante da sua.

— Que absurdo! — Anna agora estava indignada. — Toda vida é igualmente preciosa e digna de ser preservada, seja do príncipe ou do mendigo!

Cada vez mais Madame Hila estava admirada. Ela olhou os demais. Dori explicou a Anna:

— É que esse conceito é revolucionário, milady. Ninguém acharia estranho se tivesse deixado Hila morrer.

Glóin reforçou:

— Por isso Madame Hila acredita que deve sua vida. Quando aquele bandido a ameaçou, ela tinha certeza que ia morrer.

Anna estava de olhos arregalados:

— Isso é verdade?

— Sim, milady. Agora tenho uma dívida de sangue, por ter me achado digna.

— Mas eu teria feito o mesmo por qualquer pessoa! — Madame Hila se admirou, e Anna acrescentou: — Claro, não faria por qualquer estranho na rua, mas a senhora não é nenhuma estranha.

Kíli sorriu, orgulhoso:

— Minha tia fez o mesmo por mim contra um orc gigante de Gundabag!

A costureira parecia que ia desmaiar ao repetir, quase sem ar:

— Um... orc?

Kíli completou:

— E antes disso, ela enfrentou um warg enorme para salvar o rei!

Dori acrescentou:

— Achamos que foi quando os dois se apaixonaram.

Anna se admirou:

— Ora...!

Glóin interveio:

— Pois eu acho que foi quando ela salvou toda a Companhia dos três trolls. Eles queriam jantar todos nós!

— Isso é um exagero, mestre Glóin — protestou Anna. — Foi o mago Gandalf, o Cinza, quem nos salvou!

Eles iam protestar, mas Madame Hila os interrompeu ao indagar:

— Então as canções são verdadeiras? Não são invenções para compensar o fato da Consorte ser estrangeira e pequena?

Anna repetiu:

— Canções? A meu respeito?

— Aye, pequena — disse Glóin. — São verdadeiras até o verso mais arrepiante.

Kíli disse, entusiasmado:

— Descobri que há canções sobre toda a Companhia! Até sobre Mestre Boggins!

Anna sorriu:

— É bom você aprender todas elas, Kíli, para espalhar por Erebor. Os rapazes vão gostar de saber.

Houve uma batida à porta. Dori sorriu:

— Deve ser a água do banho. Mestre Kíli, por favor.

Os dois pegaram a grande tina e puseram no meio do quarto. Pagens encheram de água quente e Madame Hila organizou:

— Senhores, acho que posso cuidar de milady daqui para frente.

Dori instruiu a anã:

— Há guardas na porta e nossos quartos estão próximos. Não hesite em chamar.

— Farei isso, Mestre Dori.

Anna agradeceu:

— Obrigada, gente. E agradeçam ao rei Bard.

As duas cuidaram do banho de Anna e finalmente puderam desfrutar do chá calmante. Anna tomou a tisana e Madame Hila a pôs para dormir. Mesmo com muita vergonha de dar tanto trabalho, Anna estava tão abalada que não pôde recusar a ajuda.

Mas quem disse que Anna poderia mesmo ter um sono tranquilo, com ou sem a tisana?

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A atmosfera era sufocante, e o trio de raptores a encarava com intenções malignas. Anna estava com raiva, tanta que pegou uma espada grande e larga para atacá-los. Partiu para cima deles gritando e cortando, e o sangue voou para todo lado. Era muito sangue, jorrando por todos os lugares, e Anna estava ensopada. Ela tentava se limpar com as mãos, mas só o que conseguia era espalhar mais sangue. Os bandidos se riam dela:

Você quer limpar o sangue, assassina?

Nunca vai conseguir!

Anna estava nervosa:

Não é verdade! Eu vou limpar! Água! Água vai limpar tudo!

Ela enfiou as mãos numa tigela com água, esfregou-as e tirou da água, limpas.

Viram? Eu consegui!

Um dos homens sorriu, com seus dentes amarelos, e indagou:

Tem certeza, princesinha?

Anna olhou para as suas mãos e das palmas brotavam sangue aos borbotões.

Você nunca ficará limpa, assassina!

Um grito horrorizado brotou do fundo da garganta de Anna, tão alto que se misturava às gargalhadas perversas dos três bandidos, que a provocavam. E os gritos não paravam, não diminuíam, não suavizam a dor e a culpa.

Anna gritava tanto que não conseguiu parar mesmo depois de se dar conta do lugar onde estava: no quarto de estalagem, segura em sua cama. Na verdade, ela só parou de gritar quando a porta se abriu de repente, e Kíli entrou com os guardas, espada em punho. Atrás dele, Glóin trazia sua lança na mão.

O jovem exclamou:

— Anna!...

Ela chamou:

— Kíli!

Por uns segundos, todos estavam parados, tomando pé da situação. Ninguém invadira o quarto e não havia ameaça presente.

Kíli se aproximou dela.

— Anna, o que foi? Você ouviu alguma coisa?

Ela soluçava, ao dizer, numa vozinha miúda:

— Pesa...delo...

Glóin suspirou, dizendo:

— Está tudo bem. Podem voltar a seus postos.

Kíli esperou os guardas saírem e abraçou Anna. Ele se assustou:

— Por Mahal, Anna, está tremendo!

Ela se agarrava ao rapaz com força, pedindo:

— Por favor, Kíli... Não me deixe...

— Está muito assustada. Não precisa ter medo. Está tudo bem, Anna. Quer que eu chame o médico?

— Não! Não saia, Kíli, por favor...

Por muitos minutos, ela não conseguiu pronunciar uma palavra, chorando e soluçando. Kíli a abraçava, sem saber o que mais podia fazer. Na verdade, a reação dela assustava o rapaz.

Aos poucos, ela foi se acalmando, os soluços se espaçando. Kíli a ajudou a assoar o nariz. Anna tentou sorrir:

— Desculpe...

Ele disse:

— Você ficou muito assustada. Melhor?

— Acho que sim... Obrigada.

— Deve ter sido um pesadelo e tanto. Quer falar sobre ele?

Anna negaceou com a cabeça, olhando para baixo. Kíli comentou:

— Minha mãe me fazia falar sobre os pesadelos toda vez que eu tinha um. Ajudava, sabe?

Anna voltou a chorar, dizendo:

— Kíli... Eu... Eu... — Ela não conseguiu continuar. — Oh, Kíli...!

O jovem a amparou novamente.

— Oh, minha tia... Está tudo bem. Eu estou aqui. Eu sei que você preferia que Thorin estivesse aqui.

Ela choramingou:

— Eu sinto tanta falta dele...

Kíli a encarou:

— Então vamos voltar para Erebor agora mesmo! Que tal?

— Agora? — Anna indagou: — Assim, no meio da noite?

— Poderíamos chegar de manhã! Thorin vai gostar.

Anna ponderou:

— Mas, Kíli, isso poderia refletir mal junto a Mestre Bard, e poderia ameaçar o tratado que viemos buscar. Sair assim, tão bruscamente, pode desfazer todos os esforços para obter a ajuda dos homens. Isso é importante para alimentar nosso povo, Kíli.

Ele fez bico:

— Você e Thorin não deveriam ficar separados mais tempo, só isso.

Aquilo arrancou um sorriso de Anna.

— Esse seu bico não é nada digno de um herdeiro da linhagem de Durin. Amanhã de manhã daremos adeus ao rei Bard e voltaremos a Erebor.

Kíli assentiu, ainda contrariado, mas depois sorriu:

— Está bem. Desde que você fique assim, melhor.

— Graças a você. Seu tio ficará orgulhoso. — Ela sorriu, antes de beijar a testa dele. — Obrigada, meu príncipe.

— Vai tentar dormir de novo?

— Sim, mas quero lhe pedir um favor.

— Qualquer coisa, minha tia.

— Podia ficar aqui até eu dormir? Eu não queria ficar sozinha.

— Claro. Deite-se que eu a ajeito.

E foi assim que Anna terminou sendo posta para dormir pela segunda vez naquela noite.


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