Isso não deveria me surpreender,é claro,mas surpreende. Repentinamente o impacto do que vejo me atinge. Percebo o quanto as crianças parecem com Peeta e eu,e quase consigo nos ver naquela carruagem,como se estivéssemos no lugar delas,indo para arena pela terceira vez. Mas esta batalha será completamente diferente.

Antes que eu possa dizer qualquer coisa as doze carruagens chegam na sacada da mansão presidencial.
E lá está ela,sorrindo e acenando docemente para todos. Nossa presidente,Debra.
Ela está vestindo um displicente vestido branco,seus cabelos loiros estão primorosamente trançados e enfeitados com flores,que de longe não consigo reconhecer.

Debra dá um sorriso indulgente e maternal para as carruagens e começa a falar.
"Sejam bem vindos!" diz,sua voz doce e delicada,como se não houvesse maior prazer para ela do que estar ali,olhando para crianças prestes a morrer. "Bem vindos,tributos,bem vindos,mentores,vitoriosos. É um enorme prazer para mim e para todos da Capital recebê-los para a 76° edição dos Jogos Vorazes." Nesse ponto ela passa os olhos pelo público e posso jurar que nossa presidente fica olhando fixamente para mim por mais tempo do que o necessário.

"Tributos,saudamos sua coragem e sacrifício,que suas mortes sirvam para lembrar-nos que uma nova rebelião seria inútil e só provocaria dor e destruição." diz Debra de um modo mais enérgico. "Lutem por suas vidas,tributos,e um de vocês voltará para aqueles que ama."

A voz de Prim vem à mim enquanto olho para aquela mulher desprezível

"Eu só quero que você volte para casa. Você tentará, não tentará? Realmente, realmente tentará? " E percebo o quanto Debra se parece com a minha irmã.Loira,de olhos azuis,magra. Debra é o que Prim poderia ter sido,se tivesse sido dada à minha irmã possibilidade de crescer e realizar o sonho de ser médica. Ao ter este pensamento meu coração se aperta tão forte que dói. Antes que possa me conter levanto e noto que a multidão está silenciosa. Me viram levantar e por isso silenciaram? Não me importa. Peeta tenta me puxar,me desvencilho dele e dou um passo à frente,até ficar com as pontas dos pés para fora da arquibancada. Sinto todos os olhos em mim agora. Bom. Não quero que isso passe despercebido.

Pigarreio e solto em alto e bom som o assobio de quatro notas da Rue. Depois levo meus três dedos do meio da mão esquerda aos lábios e os ergo no ar. Peeta segue meu exemplo,depois Annie,Beetee e por fim Joahnna. Nós cinco paramos com os dedos erguidos no ar e vemos que a multidão repete o feito,até o ar ficar repleto de assobios de quatro notas,como se estivéssemos numa floresta cheia de mockingjays e não na Cidade Circular brilhantemente iluminada.

Debra me lança um olhar fulminante,obviamente eu a fiz motivo de piada em toda Panem e ela está pensando em método de tortura eficaz para mim. Não me importa. Não tenho medo.

Nossa presidente dispensa os tributos e Peeta e eu corremos para ver as crianças.

"O que foi aquilo?" pergunta Effie,assim que nos vê "Vocês ficaram loucos? Não sabem o que pode acontecer?"

"Acho que o que podia acontecer de pior já aconteceu" eu digo corajosamente. Effie se cala e nos leva ao elevador. Olhando mais de perto as fantasias percebo que os relevos que eu via do alto eram,na verdade imitações de grandes pedras de carvão. Muito mais impressionante de perto,mas altamente impactante quando a fantasia acende. Indubitavelmente desenhado por Cinna.

No jantar desta noite eu me empanturro de frango à passarinho com aquele molho laranja que explode na boca a cada mordida. As crianças estão quietas,sabendo do risco da nossa atitude de hoje. Impulsiva. Impensada. É assim que eu ajo. Mas não posso dizer que estou arrependida.

Depois do jantar assistimos ao replay do Desfile de Abertura e me surpreendo ao ver que não cortaram meu assobio e gesto,nem suas repercussões. Todo mundo já viu,é claro. Sem motivos para cortes.

Depois do programa damos boa noite a todos e Peeta e eu vamos para o quarto.
"Então" pergunta Peeta assim que deitamos "O que foi aquilo?"

Eu rio pela repetição da pergunta de Effie.

"Não sei" respondo "Eu estava pensando em como a neta do Snow é parecida com a Prim e..."

Peeta não me deixa terminar.

"Também notei isso" diz "Só espero que isso não prejudique as crianças."

"Também espero" digo,sinceramente.

Peeta não sabe do meu plano de vingança que se estende muito além da sobrevivência das crianças na arena. Mas é tarde e não é hora para falar sobre sermos vingativos. Terei que deixar Peeta no escuro,ao menos por hora. Até que eu tenha sanado todas as lacunas do meu plano impulsivo,e elas são muitas. Mas uma coisa é certa. Eu ainda sou a garota em chamas e vou queimar tudo que atrapalhar minha felicidade.