Nos ver abraçados foi demais para Effie,ela corre para nós em seus saltos bico fino e nos abraça também
"Sinto muito,muito mesmo" diz ela num sussurro "Juro que se eu soubesse..."
Ela não consegue terminar. Mas eu sei o que ela tem na cabeça. Pobre Effie. Ela está se culpando.
Tento acalmá-la.
"Não se culpe Effie" digo "Muito provavelmente só havia o nome deles lá." O que era algo que realmente tinha passado pela minha cabeça,e que podia ser verdade
Effie desfaz o abraço.
"Mas...mas isso é ilegal..." diz,histérica "Eles não podem..."
Peeta não deixa que ela termine
"Não interessa,Effie,de qualquer jeito eles estão dentro" diz ele "Mas não se preocupe,já esperávamos por isso."
Verdade. Quando a neta do Snow tomou o governo através de um golpe de estado bem elaborado e que envolvia alguns dos métodos de seu avô,como veneno,logo soubemos que os Games voltariam e que era praticamente certo que nossos filhos estariam neles. O que é claro não ajudou para aliviar o horror e o medo que nos assaltaram quando escutamos seus nomes sendo chamados. Sabíamos que eles iriam ser tributos,não somente um mas provavelmente os dois. O que não esperávamos é que seriam os dois competindo até a morte num mesmo Game.

Effie nos abraça novamente e volta a ser ela mesma.
"Bem...temos um horário" gorjeia ela "Vamos,vamos"
A seguimos para um carro preto. Quando chegamos nossos filhos já estão sentados no banco de trás. Me espremo entre eles e Peeta senta no banco da frente. Mal sentamos e o carro dá a partida.

É uma viagem curta até a a estação,mas parece que dura horas,pois minha cabeça pula de uma pergunta sem resposta para outra. Meus filhos vão sobreviver? Os dois? Apenas um? Nenhum? Se sobreviverem o que terá mudado em suas cabeças? Como Peeta e eu poderemos ajudá-los na arena? E depois? Como vamos poder ajudar com suas feridas psíquicas infringidas pela arena? Antes que eu me dê conta Peeta está me chamando e pegando minha mão. Preparando-me para as câmeras. Instintivamente eu pego sua mão e sigo para a Estação com Effie e nossos filhos.

Durante vários minutos as câmeras engolem as imagens de nossos filhos e nossas também,pegando um relance de nós nas telas percebo que parecemos inacreditavelmente bem juntos,uma família feliz e saudável,apesar de estarmos quase translúcidos de tão pálidos.

Depois de algum tempo as portas prateadas fecham compassivamente atrás de nós,nos deixando finalmente sozinhos e miseráveis.

Nos abraçamos,todos nós,até mesmo Effie e ficamos assim até que um guarda da Capital diz que o almoço está pronto.
Vamos até o vagão restaurante e,como que para me animar,servem suco de laranja e cozido de cordeiro.
Desisto da sobremesa quando vejo o que é: frutas para mergulhar no chocolate. Elas me lembram o último doce que comi com Cinna,antes dele se espancado na minha frente pela Capital antes que eu entrasse na arena do relógio.

Saio silenciosamente e me dirijo para meu quarto quando lembro que,claro este quarto de tributo pertence à Lira agora. Vou então para o quarto que era de Haymitch e pego uma calça preta e uma camiseta laranja da gaveta. Tomo um banho pensando o quanto Peeta vai gostar da cor.

Não me surpreendo ao ver que Peeta me espera sentado na cama,ele sorri ao ver minha camiseta.
"Como o pôr do sol" diz
"Como o pôr do sol" digo
Me deito na cama e Peeta me abraça. Ficamos em silêncio pelo que parecem horas até quando Lira entra no quarto.
"Mãe...Pai...Effie disse que temos que ver a recapitulação das Colheitas"
"Está bem" digo "Já vamos indo".

Na verdade eu não quero ver a recapitulação das Colheitas,não quero ver os rostos daqueles que devem morrer se eu quiser que meus filhos vivam,e além disso...além disso.... tenho medo que o filho de Finnick e Annie ou a filha de Gale ou os dois sejam tributos. O que só tornaria a coisa toda pior do que já é.
Gale...sua filha com um outro par de lábios. Tento me lembrar que não me importo,que escolhi uma vida calma com Peeta,mas pensar em Gale faz meu estômago revirar.

Nessa hora meu instinto de caçadora se sobressai e diz "Conheça o oponente". Energizada pelo instinto de caça e o de proteção maternal eu pulo da cama. Peeta me olha incrédulo com aquela demonstração de energia.

"Vamos" digo
Então ele pega a minha mão e seguimos para a cabine de televisão.

Como sempre a transmissão começa com o selo de Panem. Mas há algo novo depois disso...um pronunciamento da neta do Snow. Na verdade uma gravação do dia em que ela fez seu discurso anunciando o retorno dos Jogos. Eu a odeio. Cada fibra do meu ser se aquece de nojo e ódio por aquela mulher. Pelo que ela fez comigo. Pelo que ela fez com meus filhos. Estou prestes a começar a gritar obscenidades para a tela quando acaba.

Como sempre são poucos tributos que fazem uma impressão em mim. Os enormes e fortes Carreiristas do 1,2 e 4, uma garota magrinha com cara astuta do 8 e meu estômago dá duas voltas completas ao ver uma garota franzina de cabelos negros do 11. Parecida com Rue.

Rue,minha aliada na primeira arena.Rue que eu não salvei. Rue que eu deixei morrer.
Peeta anota febrilmente informações sobre todos os Tributos para ajudar a montar uma estratégia.

Depois jantamos e não lembro do que comi,se é que comi,com meu estômago contraído como estava.
Volto a mim quando já estou deitada na cama com Peeta.
"Katniss" ele sussurra "Sei que é horrível,especialmente para você."
Faço algum tipo de som entre um soluço e um choro,para indicar que o escuto
"Mas temos que manter a moral alta,se quisermos salvá-los" completa
"Sim,eu sei" digo depois que o silêncio fica longo demais.

Ele me abraça e me aconchego em seu peito porque sei que os pesadelos serão terríveis hoje,mas também sei que Peeta me protegerá e que preciso de sua proteção para salvar nossos filhos.

Amanhã faremos uma estratégia,amanhã bolaremos um novo plano que não seja lamentar e chorar,mas hoje eu apenas deixo o trem me balançar para o esquecimento.