Sinceramente, eu não estava nem um pouco ansioso por esse treinamento, mas eu precisava ir, já que acontecimentos bizarros se tornariam rotina pra mim dali pra frente, eu precisava saber me defender. Acordei cedo, fui pra escola, fiquei com meus amigos e voltei pra casa ao meio-dia, tudo normal, como sempre foi. Jude e Caio chegariam à minha casa às 14:00, para o primeiro dia de treinamento, e assim aconteceu, eles logo chegaram e nós fomos para os fundos, onde meus pais já haviam preparado várias estruturas para nos auxiliar nas atividades.

– Espero que vocês tenham pelo menos se aquecido – disse nossa treinadora.

– Eu não descansei um minuto – Caio respondeu. Eu bem sei o aquecimento que ele fez.

– Sinceramente, eu não estou nem aí para esse treinamento – eu confessei.

Foi nesse momento que eu senti algo me derrubando e apertando meu pescoço, pressionando algo frio às minhas costas.

– Se eu quisesse, te mataria aqui e agora, com toda essa facilidade – Jude disse por trás de mim – Então se você não quer que isso aconteça pelas mãos de um demônio, é melhor seguir caladinho as minhas ordens daqui pra frente.

– Achei que os demônios não existissem, com exceção de Gustaf – eu disse com um nó na garganta.

– Pague para ver – ela ameaçou.

Eu não sabia o que responder, então apenas concordei com a cabeça e ela me soltou.

– Sabe, odiei você desde o primeiro momento em que te vi – eu consegui dizer.

– Ficaria decepcionada se fosse diferente – ela sorriu pra mim com um certo tom de maldade.

Caio apenas assistia a tudo calado no seu canto, até que decidiu interferir.

– Bom... que tal começarmos por mim? – ele propôs.

– Eu decido com quem começar – Jude respondeu com arrogância – Agora abaixe e pague 100 flexões.

Caio me olhou com esperanças que eu interferisse, mas como não gostaria de receber 200 flexões como punição, decidi ficar quieto.

– Você, para os alvos, agora. – Jude me ordenou.

Caminhei até os alvos, escolhi um arco e peguei 3 flechas.

– Você é fraco, ainda não tem força suficiente para manusear bem um arco – ela debochou de mim.

Não pensei, apenas apontei a flecha e soltei. Para a minha completa surpresa a flecha acertou o meio do alvo com perfeição, e eu não pude resistir, olhei para ela e disse:

– O que você disse?

Ela não conseguia esconder o espanto no rosto, e aquilo me deixava satisfeito, muito satisfeito. Então continuei atirando e acertei todas as flechas no centro do alvo. Caio também não conseguiu escondeu a surpresa, e eu lhe retribui a mesma expressão, pois afinal eu também estava confuso com aquilo. Caio terminou as flexões e foi tentar o Arco e Flecha, mas coitado, não tem a mínima habilidade com mira.

– Venham, quero treina-los para uma luta corpo a corpo – ela nos chamou.

Caminhamos até uma espécie de ringue, montado nos fundos do nosso espaço de treinamento, e Jude nos convidou a subir.

– Você quer que nós lutemos um contra o outro? – eu perguntei.

– Não, claro que não – ela respondeu – Vocês lutarão contra mim.

Quando anoiteceu, eu só queria minha cama, mal sustentava o peso do meu próprio corpo, vocês já devem imaginar que eu apanhei muito feio da treinadora, mas se enganam se pensam que Caio também apanhou, pelo contrário, ele quase a venceu. Pois é, eu também ainda não acredito. Ela o vencia com todos os seus movimentos rápidos, mas ele tinha uma força descomunal, ela não conseguia prendê-lo, Caio chegou a levanta-la do chão e arremessa-la contra as cordas do ringue, o que me deixou de queixo completamente caído, mas no fim, ela o paralisou com um golpe rápido e certeiro.

Depois que ele foi embora, Jude ainda quis me maltratar mais, mas me livrei dela e corri pro meu quarto. Agora só quero uma noite de sono em paz. Coisa que eu não tive, porque passei a noite toda tendo pesadelos, que se resumiam em gritos, eu não enxergava nada, mas ouvia gritos, muitos gritos, depois ouvi o som de um tiro e então acordei. Já estava na hora de ir pra escola, eu mal conseguia me mover, mas queria muito ir, precisava ver Pedro e esquecer um pouco desses problemas.

Tomar café da manhã com seus pais depois de saber de toda a verdade, é um pouco complicado, porque sempre rola aquela troca de olhares do tipo: “O que foi? Não quero falar com você”. Mas eu sobrevivi e saí a caminho do colégio. Logo quando cheguei, para a minha felicidade, Pedro estava em pé na calçada da escola, segundo ele, me esperando.

– Como foi ontem? – ele perguntou.

– Horrível, aquela mulher é um monstro – eu desabafei – Mas descobri que tenho uma mira excelente.

– E Caio? – ele quis saber.

– Cara, você tinha que ver, ele quase venceu a treinadora em uma luta – eu contei – Ele é muito forte, tipo, muito mesmo!

– Sério? Magrelo daquele jeito? – ele riu.

– Também não entendi – nós rimos juntos, e aquele momento foi de longe um dos melhores da minha semana.

– Como você está agora? – ele me olhou nos olhos.

– Fisicamente, e emocionalmente cansado – eu respondi.

Pedro então me deu um abraço, e aquele gesto foi como deitar em uma cama rosas, me senti confortável, me senti seguro em seus braços, me senti feliz. Nós entramos juntos na escola e ele me chamou até a quadra de esportes, que naquela hora estava completamente vazia. Chegando lá nós subimos até os últimos bancos e nos sentamos um ao lado do outro.

Depois de um longo silêncio, Pedro me olhou nos olhos e disse:

– Gregg, talvez você não entenda, talvez você fique bravo, talvez você me odeie depois disso – ele começou – Mas eu preciso contar um segredo para você.

– O que houve? – eu estava com medo da expressão dele. Segurei suas mãos, e elas estavam frias e tremendo – Pedro, está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

– Aconteceu – ele respondeu e me olhou nos olhos – Eu estou apaixonado por você.

Aquilo me fez desmoronar por dentro, eu não tinha a menor capacidade de reagir, eu não conseguia falar, muito menos demonstrar alguma expressão, eu fiquei ali, parado, o encarando por todo o tempo.

– Eu sempre tive medo de assumir os meus sentimentos – ele começou – Sabe, nós nunca fomos muito próximos, nunca tivemos intimidade, eu não tinha como chegar em você e dizer isso, mas eu sempre te olhei com outros olhos, você sempre teve uma beleza especial para mim, eu sempre te amei, e ainda te amo.

Eu continuava sem palavras, completamente assustado, mas por um impulso eu o puxei pela camisa e lhe beijei nos lábios. Ele no mesmo instante passou suas mãos pela minha cintura e aquele foi o beijo mais lindo que eu já pude ter.

– Você não sabe o quanto eu sonhei por esse momento – eu disse a ele.

Pedro me retribuiu com aquele sorriso que só ele tem, o sorriso mais lindo que eu já vi, então nós nos beijamos novamente e decidimos ir para a sala de mãos dadas pelos corredores da escola, com todos os olhares voltados para nós.

Na saída, nós 4 decidimos ir até a casa de Caio para conversarmos um pouco sobre tudo, e assim que chegamos lá o primeiro assunto foi o novo casal da escola.

– Eu ainda não acredito nisso – Lisa dizia com um brilho nos olhos – É tão lindo ver vocês juntos, eu já cheguei a imaginar, mas não achei que se tornaria verdade.

Eu e Pedro apenas ríamos do que ela dizia, o que me preocupava era Caio.

– Caio, você ainda não disse nada – eu falei – Você sabe que eu me preocupo com a sua opinião.

– Gregg, parceiro, eu amo você, você é meu irmão – ele disse, e lágrimas me vieram aos olhos – Eu quero ver você feliz, não importa como, e se a sua felicidade é estar com Pedro, ótimo, porque vocês são os meus melhores amigos, e os melhores que eu poderia ter. É incrível como vocês assumiram isso para tudo e todos sem nenhum medo mesmo sabendo como as pessoas são preconceituosas, vocês são os caras mais corajosos que eu já conheci, e a partir de hoje, são o meu exemplo. Além de formarem um belo casal.

Aquelas palavras ficaram guardadas na minha cabeça, foi incrível o modo como ele me surpreendeu, eu fui até ele e lhe dei um abraço, um dos melhores abraços que já tive, Caio é meu irmão, nunca vou abandona-lo, nunca.

– Bom... – Pedro começou, mas foi interrompido por um forte barulho vindo da sala.

Logo quando descemos, os pais de Caio estavam ajoelhados na sala e quatro homens mexiam em todos os móveis. Assim que nos viram eles nos mandaram para o chão também. Um medo enorme surgiu dentro de mim, medo por mim, medo por Pedro, por Caio, e por Lisa, medo de perde-los, ou de deixá-los.

– Vocês têm cofre? – perguntava um dos assaltantes aos berros.

– Não, todo nosso dinheiro está no banco – a Mãe de Caio respondeu.

– Então galera, vamos levar tudo que tiver aqui – ele disse para os seus companheiros.

Olhei pro lado e percebi que Caio não estava conosco na sala, será que ele tinha conseguido fugir? Ou estava escondido eu algum local?

– Cadê o outro moleque? – um dos encapuzados me perguntou.

– Não sei, não o vi – eu dizia gaguejando.

– Procurem esse filho da mãe! – o homem disse – E se ele tiver chamado a polícia, vocês já sabem.

Eu quase desmaiei quando entendi o que ele quis dizer, iam mata-lo.

Por um instante vi uma sombra se mover por trás da porta da cozinha, e tive medo que fosse Caio, mas acho que não era, ele não seria tão estúpido de se esconder no pior local da casa, mas então a porta se abriu e um dos assaltantes saiu de lá o puxando pelo braço e meu coração gelou.

– Você ligou para alguém garoto? – gritava o homem de capuz.

– Não! Eu juro! – Caio chorava.

– Não acredito em você, vai ter que ser mais convincente – debochava o assaltante.

Foi então que Caio fez a segunda estupidez da noite, ele derrubou o homem que o segurava, e partiu para cima do segundo, enquanto isso o terceiro sacou a arma, e eu vi que ele ia atirar, então não pensei, me joguei em cima dele, e senti algo quente e metálico perfurar meu peito. Tive tempo de ver Pedro me colocando nos seus braços enquanto os ladrões corriam para fora, meus olhos se fecharam e eu ouvia gritos de todos os lados, também ouvi sua voz, doce como sempre, dizendo "Fique comigo, não me deixe ainda", mas então apaguei.