Saga - The Alphas Pack escrita por Matheus Henrique Martins


Capítulo 7
Ghost Stories




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A manhã de Rafa começou comum como sempre. O despertador tocando estridente na cabeceira, a cama quente e confortável o convidando a ficar. O jeito trôpego e lerdo dele de se arrastar até o chuveiro. O modo mecânico conforme ele ia colocando suas roupas. A espera pelo pai e pelo irmão até eles terminarem de tomar café, seguido pela correria até o carro.

Tudo parecia normal – exceto seus pensamentos. Ele tinha poupado os fones de ouvido naquela manhã debaixo do travesseiro porque sua mente não parava de girar com os pensamentos da última semana.

Primeiro aquela festa doida, com Rafa suportando as pessoas e ingerindo álcool enquanto na verdade ele esperava por um sinal do Pack caso a criatura – que era Érika – aparecesse.

Até ali tudo bem.

Depois todo mundo se alterando, inclusive Andressa, e Eduardo e Fernando sumidos para melhorar tudo. Para fechar com chave de ouro ele tinha sido beijado pelo melhor amigo, Roberto, que confessara seus sentimentos por ele.

Seguido disso, toda aquela correria atrás de Érika, a Loba que vinha vagando a floresta de Vallywood depois de ser mordida por Carla, outra Loba, só que de classe maior, uma Alfa. Tinha sido um pandemônio até eles conseguirem pegar a garota; inclusive tiveram que lutar com uma Bruxa – se bem que, Andressa tinha salvado o dia ao se sacrificar para enfrenta-la.

Porém, no fim, Carla apareceu no final e reconheceu sua responsabilidade com a garota, prometendo vigiar ela dali para frente.

Desde aquele dia algumas coisas tinham mudado, principalmente a onda de paz iminente já que Érika estava sobre controle.

Rafa tinha lidado com aquilo tudo de uma maneira mais normal do que achava que poderia. Estava quase acostumado com a vida sobrenatural, mas tinha certeza que se visse mais um lobisomem na sua frente, começaria a ter calafrios.

Se bem que eu não me preocuparia em ver mais uma transformação, uma vozinha na cabeça de Rafa logo começou.

Ele logo se forçou a afastar os pensamentos em Fernando, as lembranças do garoto nu na frente dele, as partes intimas dele expostas, o corpo bronzeado e deli...

Não! , Rafa se refreou, apunhalando todos aqueles sentimentos inexplicáveis pelo garoto e se focando em qualquer outra coisa.

Como se invocado, outro sentimento por outro garoto se manifestou. Já fazia dois dias que os dois tinham conversado pelo celular confessado seus sentimentos um pelo o outro.

Claro, agora Rafa tinha reconhecido que sentia algo por ele Roberto tinha olhos verdes grandes e gentis, era bonito e tinha músculos atraentes por conta do treino de natação. Era compreensivo, altruísta e Rafa tinha certeza que iria respeitar sua decisão, não importasse qual fosse.

Mas para ser sincero, nem mesmo Rafa sabia o que queria.

– Pai, podemos voltar? – Rogério perguntou, acabando com o seu devaneio.

O Sr. Capoci deu uma olhada pelo retrovisor.

– Ah, por que filho? – o pai piscou os olhos azuis. – Esqueceu algo em casa?

– Não, não – Rogério respondeu diretamente. – Mas o Rafa parece que perdeu a cabeça lá atrás. Esta totalmente fora de ar.

Rafa se virou de lado para o irmão enquanto o pai revirava os olhos de volta para a estrada.

– Eu não estou fora de ar – Rafa desabafou.

– Não, você esta totalmente fora de ar, foi isso exatamente o que eu quis dizer.

– Por que você não vai cuidar da sua vida?

– Ei, ei, ei – o pai chamou a atenção na frente, tentando apaziguar qualquer briga.

– Eu estou, cara – Rogério sorriu sarcasticamente. – E agora mesmo minha vida se resume a esse carro, as pessoas nele e isso inclui você, sabichão.

– Ah, qual é – o mais novo provocou. – Me diz o que vem irritando essa carinha peludinha – ele o cutucou enquanto Rafa virava a cabeça. – É algum cara novo?

Rafa nada disse.

– São dois?

Rafa bufou.

– O que você acha que eu sou? – Rafa perguntou, seriamente se perguntando se o mais novo tinha parafusos a menos.

– Bem, Gay – Rogério deu de ombros.

Rafa soltou um suspiro de frustração enquanto o pai parava o carro no meio-fio. A Vallywood High School brilhando logo à frente.

– Já não combinamos que esse termo é meio ofensivo ao seu irmão? – o pai perguntou a Rogério, que começou a murchar no banco do carro, evidentemente entediado com mais alguma lição de moral do pai.

Rafa não precisava dizer em voz alta que a existência toda do irmão mais novo era uma ofensa a ele.

– Esta tudo bem, pai – ele abanou a cabeça. – Não me ofendeu em nada.

O pai o encarou atordoado.

– Vai deixar mesmo ele ficar te cutucando com coisas pessoais? Supondo que você esta assim por causa de um garoto?

Rafa apenas deu de ombros.

– Sinceramente, é meio verdade – ele respondeu.

Dessa vez, ambos o pai e o irmão o encararam.

– Sério? – perguntaram em uníssono.

– Sério – Rafa assentiu. – Eu ia até mesmo levar ele lá em casa mais tarde – ele acrescentou, admirando sua capacidade de improviso.

– Ah, é mesmo? – a voz do pai minguou. – E quem é esse rapaz?

Rafa se remexeu inquieto.

– É só uma coisa recente – ele foi vago. – Estamos meio que em uma fase inicial, sabe?

– Sei – Rogério foi quem respondeu, com um olhar malicioso como se soubesse exatamente a quem Rafa se referia.

– De qualquer forma – Rafa começou a pegar sua bolsa. – Eu tenho que ir.

– Vejo você e essa fase inicial mais tarde – Rogério soprou assim que ele saiu.

Com força demais, Rafa bateu a porta do carro. Ao começar a andar pra dentro da escola, uma figura esquálida e magra atravessou seu caminho.

Era Lucas. Usava uma camiseta verde sem mangas e um short cor caqui que ia até o joelho. A mochila grande demais estava enlaçada nas costas, a expressão era de uma criança que parecia querer ser perdoada depois de uma travessura.

– Ei – ele começou hesitante. – Se importa se eu falar com você?

Rafa se retesou, apesar da alegria de ver o amigo falando com ele de novo, ainda se lembrava do porque do desentendimento deles. E das brigas.

– Você já esta falando – ele se esquivou, dardejando um olhar para um garoto de bunda bonita que passava por eles.

– Rafa, eu estou falando sério – Lucas replicou, bravo.

– E eu também – ele cruzou os braços em resposta.

Lucas suspirou de forma cansada, do mesmo jeito que faria se Rafa tivesse sugerido que eles assistissem a Monte Carlo mais uma vez.

– Olha, eu sei que estamos brigados. Geralmente essa é a hora em que eu peço desculpas e você aceita.

– Tá legal – Rafa assentiu chutando a calçada. – Pode começar a pedir desculpas.

Lucas soltou um palavrão baixo.

– Odeio isso. Não falar com você. Você é o único a quem eu quero contar as coisas.

– Ah, não exagere, só esta dizendo isso por-

– Eu dormi com a Andressa – ele soltou de uma vez.

Rafa apenas o mediu inocentemente.

– Eu sei.

– Na sua cama – ele acrescentou depressa, mas então parou. – Espera... O que disse?

Rafa deu um sorrisinho travesso.

– Realmente, Lucas. Mesmo depois de anos de amizade, eu não estou preparado para te ver nu de novo. Seria excitante se não fosse tão nojento. Ainda mais na minha cama.

– Seu filho da mãe, como pode ficar nos espionando?!

– Espionando? Vocês transaram no meu quarto, tentativa pior de sacanagem seria se tivessem feito na minha sala!

Lucas passou as mãos no rosto, parecendo envergonhado.

– Você e a Andressa – Rafa murmurou para si mesmo. – Tem ideia do quanto isso soa estranho?

– Por que eu sou feio e ela é uma gostosa?

– Também, mas o que mais me surpreende é que ainda assim... Aconteceu.

Lucas assentiu em concordância, meio perturbado, mas também meio sonhador.

– Você gosta dela?

O amigo levantou a cabeça.

– Eu não deveria, não é?

– E isso importa? – Rafa expirou de frustração.

– É, acho que não – ele suspirou. – E ainda tem aquele namorado dela, não é?

Rafa sorriu por dentro, sabendo que aquele era um dos últimos fatos preocupantes. Se ele soubesse que Andressa era uma caçadora de monstros com a habilidade de ficar invisível...

– Eles namoram, né? – o amigo pressionou.

– Honestamente, eu não sei. Eles dois são muito confusos... Ao menos são ambos sexys, o que perdoa qualquer coisa.

Lucas bufou com deboche.

– Quem vê pensa que você não acha apenas ele gostoso.

Rafa abriu a boca, para dizer algo, mas então se refreou e deu de ombros.

– É, acho ele sexy mesmo – ele comentou e os dois riram.

– Senti saudades – Lucas confessou depois que os dois pararam. – Você me desculpa?

Rafa bufou.

– Claro que não! Fique ai parado enquanto eu entro na escola de um jeito bem metido.

Sem saber se ele falava sério ou não, Lucas revirou os olhos e o seguiu para dentro da escola.

Naquela mesma hora, Fernando e Eduardo rondeavam uma área densa e escura no meio da mata. Há vários metros dali uma cabana com teto despencado quase não era alcançado pelas cortinas dos raios de sol.

– Tem certeza que é aqui? – Fernando perguntou de lado para o companheiro.

– Tenho – Eduardo assentiu. – A Anna disse que quanto mais longe da civilização eles ficam, mais fácil fica para eles controlarem a transformação.

– Elas – Fernando corrigiu.

– Hein?

– Você quis dizer elas, a Carla e a Érika são garotas.

Eduardo franziu o cenho.

– Que seja.

Ao chegarem na varanda acabada, Fernando levantou o punho indeciso, sem saber se a estrutura da cabana ia aguentar se ele batesse na porta.

Eduardo revirou os olhos e invadiu com tudo.

– Ei cachorra – ele gritou para a salada casa vazia. – Precisamos de você!

– Muito sútil – Fernando entrou logo depois enquanto Carla vinha do que parecia ser um outro cômodo, um pano no meio das mãos.

– O que estão fazendo aqui?

Ao invés de responder, Eduardo apontou para as mãos dela.

– O que você estava fazendo?

Carla apenas meneou a cabeça.

– Lavando a louça – ela respondeu com um gesto vago. – A vez de vocês?

– Precisamos falar com você – Fernando se apressou, a expressão impassível.

– Ah, não – Carla se encolheu. – Não vão me dizer que criei outra Beta e não estava sabendo.

– Não – ele bufou, mas então apertou os olhos para o andar de cima. – Por falar em Betas...

– Érika? – Carla o interrompeu, olhando para cima também. – Nem tente a sorte.

– Como assim? – Eduardo questionou. – Você não tinha prometido ficar de olho nela?

– E eu estou – Carla se dirigiu a um canto da casa para despejar o pano. – Eu aqui e ela lá.

– Lá aonde, especificamente?

A Loba deu de ombros.

– Ela não quis me dizer. Está tentando se lembrar dos pais ou algo assim.

– Ela não lembra? – Fernando ficou horrorizado. – O que você fez com ela?

– Não fiz nada – ela grunhiu de volta. – Algumas vezes a mordida traz efeitos colaterais, o que quer que eu faça?

– Que a ajude – Eduardo respondeu, os olhos semicerrados. – Que a oriente. Ajude ela a se lembrar de tudo.

Carla levantou as mãos em desistência.

– Eu não posso. Ela me disse que era um assunto dela e que eu não devia me envolver. É um limite pessoal.

Fernando bufou.

– Esses limites pessoais deviam estar ultrapassados desde que você a mordeu na...

– Matos – Eduardo o reprimiu, o olhar impaciente.

– Pois bem – Carla cruzou os braços enquanto os media de cima a baixo. – Ainda não me disseram o que querem comigo.

Eduardo pareceu pegar algo do bolso e o segurou entre os dedos.

– O que é isso? – Ela farejou o ar. – É uma bala?

– Achamos isto ao sair do depósito onde Érika estava escondida. Desconfio que saiba de quem estamos falando.

Carla ficou confusa por um segundo, mas ao farejar de novo seus olhos assumiram um brilho vermelho de reconhecimento.

– Atiradores – ela sussurrou. – Como conseguiram isso?

– Várias dessas estavam do lado de fora do depósito – Eduardo explicou. - O que significa que eles estiveram por lá.

– E onde estão agora?

Os dois – Fernando e Eduardo – se entreolharam por um segundo.

– Estamos torcendo para que você nos diga.

Taffara fechou seu armário de jeito frustrado, não ligando em amassara a jaqueta de couro vermelha que tanto amava. Frustrada, ela se recostou de costas nele e ficou dardejando o olhar pelos alunos que passavam.

Desde o interrogatório frustrante com a investigadora (ou seria detetive? ) Gabriella, ela tinha ficado perturbada com o quanto a mulher parecia informada sobre as coisas.

Ela sabia sobre Henrique, o namorado de Taffara, que tinha ido embora, e tinha um vago conhecimento do assassinato do turista na Rua de Rafa. Mas o fato de ela querer ligar ele a todas aquelas coisas era perturbante.

Tudo bem que ele era uma bicha perigosa e que tinha um dedo mesmo no desaparecimento do namorado dela (mesmo Rael tendo dito a ela que Rafa apenas levara a culpa por algo que ele fez), mas ele não era um assassino. Não podia ser. Mesmo que ultimamente ele tenha tomado umas atitudes estranhas e feito novas amizades – como aquele trio de bonitos e perigosos que tinham acabado de chegar na escola.

Ele não seria capaz. Gabriella também tinha dito que a morte do turista tinha sido encomendada, o pagamento tinha sido feito de algum aluno dentro da escola. Outra coisa que Rafa não faria.

Que diabos de adolescente iria contratar um maldito assassino de aluguel?

– Eu sei o que você fez.

Taffara nem teve tempo de se virar até que Vick a puxou pelo braço para que ela a olhasse.

– Quê? – Taffara questionou, ainda meio mexida com os pensamentos sombrios em sua mente. – Do que esta falando?

– Não se faça de burra – a garota grunhiu irritada crispando as unhas no braço dela.

Taffara mudou o peso de pé enquanto media a garota desde as mechas coloridas até o par de tênis.

– Eu me faria de burra, se soubesse de que merda você esta falando, Vick.

– Você contou ao meu pai que eu estava no Rafa!

A compreensão atingiu o rosto de Taffara e ela assentiu aliviada, alegre por ter recordado um de seus feitos. Ela e Rael, bom, um amedrontado Rael, tinham ido até a casa de Vick Melo, avisar aos pais dela sobre a festa na casa dos Capoci.

– Ah, sim, disso eu me lembro.

– Você ainda admite?!

Taffara franziu a testa.

– Quer que eu me faça de burra agora?

– Ele me deu uma bronca – Vick a ignorou. – Já tinha me deixado ir à festa, nem se importou em dizer nada, mas alguém fez o favor de dizer a ele que a festa era uma praticamente uma orgia!

– De nada – Taffara deu um sorrisinho enquanto polidamente tirava a mão de Vick de seu braço.

– Qual o seu problema? Você quer apanhar de novo?

– É algum tipo de pergunta retórica? – Taffara brincou mais, feliz por saber que tinha conseguido levar ao limite.

Vick crispou as unhas ao lado do corpo, os olhos vermelhos de raiva.

– Você sente algum prazer em plantar discórdia? Seus pais foram muito ruins com você, só pode!

Taffara riu, mas então parou pensativa.

– Prazer é uma palavra meio forte... Devia ser mais usada para gente do seu grupinho.

Vick apenas a olhou sem entender.

– Espera, você não sabe? – Taffara começou a rir histericamente.

– Não sei o que? – a testa de Vick se enrugou.

Taffara apenas riu de volta, se sentindo grata por ter alguém de confiança dela no grupo de amigos estúpidos mais próximos de Rafa.

– Porque não pergunta ao seu amigo Lucas? Aparentemente, ele vem dormindo com o inimigo... Ou eu deveria dizer inimiga?

Para fechar com chave de ouro, Taffara ajeitou a bolsa e passou esbarrando nela com tudo ao começar a cruzar o corredor.

Depois das aulas do dia terminarem, Rafa e Roberto foram juntos, lado a lado, até a residência dos Capoci. Eles meio que esperavam que as coisas ficassem estranhas entre eles, mas de alguma forma o beijo dos dois apenas tinha aberto ainda mais assuntos entre os dois para conversar. E Rafa tinha que admitir, estava adorando sua mão entrelaçada com a de Roberto por todo o caminho – menos na escola, onde ninguém podia saber de nada. Ainda.

– E ele entrou na piscina, cheia de cloro, todo preparado – Roberto contava uma situação engraçada daquele dia no treino de natação; o rosto de um cara maduro, mas a expressão de uma criancinha toda animada. – Só que só faltou uma coisa... A toca de natação.

– Ai – Rafa retorceu o rosto, imaginando como seria ter cloro nos olhos. – Por que diabos ele fez isso?

– Ele tinha acabado de brigar com a Emily – o outro explicou simplesmente. – Acho que os dois namoravam... Antes de ela virar Lésbica, é claro.

– Caramba – Rafa ajeitou a mochila nas costas quando eles chegaram na varanda. – Isso definitivamente acaba com todas as minhas vontades de entrar pra algum time de esporte.

– Ah, não é pra tanto – Roberto comentou, mas então lançou um olhar preocupado para dentro da casa. – Seus pais não vão pegar muito no seu pé?... Por ficarmos sozinhos aqui na sua casa?

– Meus pais? – Rafa riu. – Acredite, eles até preferem nem ficar aqui por isso mesmo... E não vamos ficar sozinhos.

Rafa fez menção de entrar, mas Roberto o puxou de volta.

– Espera, como assim não vamos ficar sozinhos?

– Não, o Rogério esta aqui.

Assim que ele disse isso, Roberto plantou os pés na varanda enquanto o rosto todo corava.

– Acho que prefiro ficar – ele piscou rápido enquanto falava.

– Para com isso – Rafa o cutucou rindo. – Você tá parecendo um camarão desse jeito. Esta me assustando.

– Bom isso – Roberto resmungou de volta. – Deveria entrar sem mim, super-indico.

Rafa suspirou de frustração.

– Eu vou te obrigar a entrar.

– Boa sorte – o outro bufou.

Rafa mordeu o lábio inferior, achando aquela hesitação toda uma graça, mas então tomou impulso e puxou o rosto de Roberto para si.

Conforme ele o beijava mais, Roberto cedia sua pose, relaxando os braços e correspondendo o beijo da mesma forma que ele. Quando Rafa terminou e se afastou, sua expressão era de alguém que tinha acabado de acordar de um sono prazeroso.

– Agora podemos entrar? – Rafa questionou com um sorrisinho.

Roberto assentiu rapidamente.

– Sim, senhor – ele respirava arfante, ainda enfeitiçado pelo beijo.

Rafa riu baixinho e abriu a porta, puxando Roberto, que dessa vez não hesitou, para dentro do hall da casa. Eles tentaram subir as escadas sem serem percebidos, mas Rogério surgiu da cozinha quando eles já estavam na metade.

– Aha! – ele guinchou. – Eu estou vendo vocês dois.

Rafa cerrou os dentes e se virou para encarar o irmão mais novo que olhava dos dois para as mãos entrelaçadas.

– E? – ele desafiou, erguendo uma sobrancelha.

– E daí que eu sabia – ele semicerrou os olhos para Roberto. – Eu sempre soube, eu sempre soube.

– Que bom pra você, Sherlock – Rafa levantou um polegar animado. – Agora podemos ir?

– Espera – Rogério coçou a cabeça. – Isso significa que ele vai andar pelado pela casa?

Roberto olhou com uma expressão de socorro para ele, mas Rafa apenas revirou os olhos e começou a guia-lo para cima novamente.

– Ei, ao menos coloquem uma música bem alta! Pra eu não ter que ouvir os...

– Chegamos – Rafa abriu a porta de seu quarto e acenou para que ele entrasse primeiro. – Mi casa és su casa.

Roberto andou até o meio do quarto, passando os olhos pela cama, pela escrivaninha, pelo guarda roupa e pela janela enquanto jogava a mochila deles em um canto do quarto. E depois olhou com um suspiro para o que parecia ser uma foto de Rafa com Lucas quando pequenos, na terceira série.

– Amigos do peito, hein? – Roberto comentou com um sorriso.

– Sim, sim – Rafa assentiu enquanto entrava no quarto e fechava a porta atrás dele. – O dia da foto. Se eu soubesse que iam tirar foto, não teria brincado na caixa de areia. Estou horrível.

– Você esta brincando? – Roberto riu ajeitando os óculos na frente do rosto para olhar a foto. – Você está tão fofo.

Rafa revirou os olhos.

– Eu estou tão cansado das pessoas me dizerem isso. Eu não sou fofo. Gente magra não pode ser fofa de jeito nenhum.

Roberto parecia querer dizer algo ao se virar, mas então ao olhar a expressão de Rafa, seu rosto ficou um pouco sério.

– Rafa – ele começou. – Eu sei que você disse aos seus pais que ia me trazer aqui, mas...

– Mas? – Rafa se aproximou mais, juntando as mãos deles em concha.

– Mas você sabe que não é obrigado a fazer nada que não queira - Roberto disse a meia voz, meio nervoso pela aproximação dele. – Não sabe?

– Eu pareço estar fazendo algo que eu não queira?

E então, antes que Roberto pudesse dizer algo, Rafa tirou seus óculos gentilmente para colocar no criado-mudo e o puxou para a cama com ele.

O beijo foi o mesmo da entrada, delicioso, silencioso, mas então Rafa deitou em cima dele, afundando com Roberto na cama, o torso tocando o dele, as pernas se entrelaçando.

Conforme o beijo ficava mais intenso, Rafa conseguia ouvir a respiração ofegante dele quando Rafa passou as mãos em seu cabelo – ele parecia estar queimando de desejo a cada toque dele.

Roberto de repente ficou por cima, jogando todo o corpo pesado e musculoso em cima de Rafa ao beijar seus lábios de forma intensa. Suas mãos vagavam pela barriga de Rafa enquanto ele começava a beijar seu pescoço. As mãos de Rafa até agora só tinham tocado no meio das costas, mas agora ele puxava a camiseta dele a cada vez que arranhava suas costas.

Mais uma vez, Rafa tomou o controle por cima para tirar a camiseta, enquanto Roberto tirava a dele. Rafa ficou admirando o torso dele com os lábios mordidos enquanto Roberto começava a vagar as mãos pela bunda dele, apertando o jeans com os dedos magros.

Os dois já estavam prontos para outra rodada excitante de beijos, até que um som estridente do celular de Rafa dentro da bolsa fez o quarto todo dele vibrar.

Rafa trocou um olhar nervoso com ele.

– Eu não preciso atender – ele desabafou.

– Concordo – Roberto assentiu, puxando ele para baixo pela cintura.

Mas mesmo assim o celular continuou vibrando, ficando insuportável e atrapalhando toda a concentração de Rafa.

– Já chega – Rafa se desvencilhou do corpo dele para se levantar e ir até a bolsa. – Deve ser só a minha mãe ou o meu pai, querendo saber se eu trouxe mesmo você.

– Tudo bem – Roberto sentou na cama, a respiração acelerada e o rosto cheio de excitação.

Rafa sacou o celular e deslizou a tela para desbloquear. Pensou em ignorar a mensagem, mas então o visor mostrou FERNANDO logo acima e ele não pode conter um frio na barriga despida.

Estremecendo um pouco ele apertou para LER e a mensagem se abriu.

PRECISAMOS DE VOCÊ NA ESCOLA AGORA MESMO, ANDRESSA ESTA EM PERIGO. – F.

Rafa suspirou irritado e ficou encarando a mensagem, fingindo que não tinha lido nada, mas sabia que aquilo não podia ser ignorado. Eles precisavam dele.

– Eu tenho que ir – ele andou até a cama e vestiu a camiseta apressadamente.

– O que? – Roberto guinchou. – Ir pra onde?

– Er... – Rafa tentou inventar uma mentira rápida. – Uma amiga minha precisa da minha ajuda em um grupo de estudos.

– Eu vou com você – Roberto começou a descer da cama.

– Não, não, não – Rafa o tocou no ombro nu para impedi-lo. – Não precisa, sério. Eu vou sozinho.

Roberto franziu a testa, desconfortável.

– Por que assim tão repentino? Eu não entendi, achei que você tinha marcado pra ficar comigo o dia...

– Nem eu sabia – Rafa começou a pegar a bolsa como desculpa. – Nem mesmo eu sabia que eles iam precisar de mim hoje.

Roberto cruzou os braços.

– Mas você vai voltar?

O tom de voz dele quase fez Rafa querer chorar. Ele não fazia ideia do que poderia colocar Andressa em perigo, então duvidava que iria voltar cedo.

– É claro – ele mentiu, limpando a garganta.

– Tudo bem – Roberto pegou a camiseta de modo tristonho. – Eu vou esperar por você aqui.

– Isso – Rafa assentiu, já quase de saída. – E peça pro Rogério fazer alguma coisa pra você.

– Mas ele só vai me dar suco de uva!

Rafa revirou os olhos, com pressa.

– Suco de uva é ótimo! – ele disse e então partiu, se culpando por ter quebrado o clima com o cara que era tão legal com ele.

***

Chegando na rua da escola, Rafa começou a se mover pra dentro da escola com rapidez, mas então um movimento súbito e audível atrás dele fez com que ele se virasse.

– Olá? – ele vasculhou o estacionamento todo vazio. – Fernando? Andressa?

Mas ao invés de ter uma resposta, um estalo audível soou por todo o estacionamento fazendo Rafa estremecer um pouco antes de ele se lembrar de que também podia fazer coisas paranormais.

– Eu não sei quem esta ai – ele gritou para o nada. – Mas saiba que eu consegui explodir um demônio e um lobo uma vez, e o resultado não foi nada bonito!

Quem quer que fosse, não emitiu um som em resposta, então Rafa se jogou para dentro da escola.

Procurando pelos corredores e pelas salas vazias, Rafa tentava achar o cabelo loiro de Fernando ou o preto cumprido de Andressa, mas não havia sinal de nenhum deles, nem mesmo de Eduardo o tão sério membro do trio.

Só então no final do corredor, bem longe das portas duplas de entrada da escola, foi que Rafa finalmente viu algo – ou melhor, alguém.

– Você! – Rafa derrapou no corredor ao reconhecer a Bruxa que Andressa tinha ficado no depósito para enfrentar. – Eu me lembro de você!

– Ah, lembra? – ela sorriu, o cabelo preto esvoaçando na escola vazia. – Isso não vai ajudar muito no momento.

Rafa não se deixou abalar.

– Onde estão meus amigos? – ele procurou com os olhos pelos corredores. – O que fez com eles?

– Seus amigos? – ela repetiu sarcástica. – Bom, eu não sei, mas tem alguém que quer muito te ver.

Antes que Rafa pudesse perguntar algo, a Bruxa apontou com o queixo para trás dele e Rafa se virou para olhar.

No começo Rafa apenas piscou, mas o reconhecimento ultrapassou seu rosto e ele logo se viu em choque ao reconhecer o garoto na frente dele.

– Você? – ele guinchou, sentindo a cor do rosto sumir. – Mas... Mas... Isso... Isso não é possível, você... Você está...

– Surpreso em me ver? – Henrique deu um sorriso maquiavélico enquanto andava pelo corredor. – Aposto que sim – ele respondeu em um tom debochado ao medir Rafa com os olhos.

– Mas você estava morto! – Rafa guinchou sentindo sua voz ecoar por todo o corredor.

Henrique porém apenas coçou a orelha, entediado.

– Vamos logo acabar com isso? Tenho outros assuntou pra tratar.

E então ele empurrou avançou em Rafa e quebrou seu pescoço com um estalo.

Lucas tinha acabado de ajeitar sua pilha de DVD’S de Game of Trones quando a campainha de sua casa tocou. Ele tinha acabado de comprar a terceira temporada, uma edição de colecionador.

– Já vai! – ele gritou para a porta quando apertaram mais vezes. – Se for um daqueles gêmeos do fim da rua de novo curtindo com a minha cara, eu juro que separo cada um deles pela metade.

Ele abriu a porta com raiva, despreparado para quem quer que fosse. Então quando viu que era Andressa, seu rosto praticamente perdeu a cor.

– Puta merda – ele xingou e então fechou a porta de novo. – Puta merda, puta merda!

Ele começou a correr para dentro da casa, juntando os brinquedos da irmã mais nova, pegando algumas latas de Coca Cola pelo caminho e, brevemente, dando uma olhada no espelho antes de voltar para a porta.

– Andressa – ele abriu a porta de novo, colando um sorriso no rosto. – Que ótimo te ver aqui!

– Hey – Andressa fez uma cara esquisita para ele. – Tá tudo bem com você?

– Opa, claro, tudo sim, beleza – ele respirou fundo. – Melhor impossível.

Andressa assentiu.

– Eu preciso falar com você – ela o olhou seriamente. – Posso entrar?

– Claro que pode! – Lucas parecia estar aos gritos ao dizer isso. – Sinta-se em casa – ele sorriu de leve.

Andressa começou a adentrar a sala, estudando o terreno antes de se sentar em um dos três sofás no meio da sala.

– Eu posso te oferecer algo? – Lucas pairou atrás dela.

– Não – Andressa passou a mão no cabelo. – Eu pretendo ser bem breve.

Lucas começou a se mover para se sentar junto a ela, não acreditando em duas coisas: Que uma criatura podia ser tão bela. E que ela estava sentada na sala dele.

– Então Andressa, - ele tentou ficar mais calmo. – Em que eu posso te ajudar?

Andressa coçou o joelho esquerdo, meio distraída.

– É mais no que eu posso ajudar você – ela confessou. – Lucas, sinto muito pelo que fiz com você.

– Ah – Lucas ficou sem ter o que dizer por um bom tempo. – Ah, isso.

– É, isso – Andressa assentiu, girando os olhos verdes. – Me desculpa se estou sendo direta, mas nós não devíamos ter feito aquilo.

– Ah – ele disse de novo, sentindo que aquilo iria virar um bordão. – É, legal. É.

Andressa por fim encarou o rosto dele e Lucas tomou muita coragem para olhar de volta. Ela era tão linda que chegava a ser intimidante olhar para ela.

– Vai ficar aí só falando “ah”? – ela questionou.

– Não – ele falou automaticamente, mas tentou forçar algo para sair. – Eu... Eu entendo. Eu entendi o que você quis dizer.

Dessa vez ela ficou um pouco sem fala, parecendo ter gostado daquelas únicas palavras dele. Lucas logo se ajeitou para continuar falando:

– Aquela noite, foi um erro, eu sei disso. Eu bebi. Você bebeu. Nós dois bebemos. Foi... Um erro. Eu não devia ter me aproveitado de você.

Para a surpresa dele, Andressa riu sem humor algum.

– Você se aproveitou de mim? – ela questionou. – Acha mesmo que você... Sem ofensas... Se aproveitou de mim?

– Bem, você...

– Eu sabia exatamente o que eu estava fazendo – Andressa se defendeu. – Você que foi usado. Eu me aproveitei de você.

Lucas piscou várias vezes, com medo do que sentiu com aquelas palavras saindo da boca dela. De repente ele não conseguia mais pensar em outra coisa.

– Você sabia o que estava fazendo, hein? – ele questionou. – Então você estava ciente de que estava indo para a cama comigo?

– Claro que sim – Andressa o olhou duramente.

– E você queria ter ido? – ele questionou.

Dessa vez a boca de Andressa congelou e ela desviou os olhos por vários pontos da sala antes de encontrar os olhos dele.

– Eu não sei – ela admitiu, engolindo em seco.

– Tá vendo – Lucas sorriu. – Você não tem culpa de nada.

– Nem você – Andressa sibilou. – Lucas, você não entende que eu sou sempre consigo manipular as pessoas ao meu redor?

Lucas não soube o que dizer, então continuou calado.

– É chato admitir isso – ela tocou a testa com os dedos. – Mas é a verdade. É só porque eu sou bonita as pessoas caem em tudo que eu digo. Nós dois não devíamos ter feito aquilo.

– Eu sei – ele concordou, tristonho. – Eu sei que você não queria. Você provavelmente deve ter pensado no seu namorado o tempo todo.

Andressa se virou com tudo para ele.

– O que?

Lucas ergueu as mãos em rendição.

– Estou falando do Eduardo – ele engoliu em seco. – Ele não é seu namorado?

Andressa relaxou os ombros.

– Eu não sei como responder isso – ela respondeu com honestidade.

– Bem, você não precisa se não quiser – Lucas deu de ombros.

Andressa assentiu em agradecimento e ele ficou avaliando a madeira que era usada para fazer o chão, as paredes e o teto de sua casa, tentando imaginar que Andressa não estava ali.

– Você gostou? – a garota por fim desatou a falar, olhando o rosto de Lucas enquanto esperava pela resposta.

– Bem – ele começou a suar. – Você quis dizer a respeito de...?

– Sim, da transa – ela assentiu friamente.

– Eu não vou mentir – ele estufou o peito. – Gostei sim.

Andressa então começou a abanar a cabeça, parecendo teimar com algum pensamento distante.

– Mas, realmente, não foi só disso que eu gostei.

– O que quer dizer com isso? – ela questionou.

– Gostei de outras coisas. Quando você falou comigo – ele sorriu de leve. – Me dando conselhos sobre o Rafa... Você ajudou muito. Eu gostei de dançar com você e conversar com você. Você é legal.

O olhar no rosto de Andressa agora era admirado, uma visão prazerosa e angelical da qual Lucas não se achava digno de fazer parte.

– Então eu não transo bem? – ela perguntou sarcasticamente.

Lucas corou e ela riu.

– Vou dizer que sim – ele riu de volta. – Até porque essa foi a minha experiência, então não tenho nada com que comparar.

– Sério? – ela juntou as sobrancelhas elegantes. – Porque você parecia completamente experiente naquela noite.

– Não, não – Lucas abafou um riso, desviando um olhar. – De jeito nenhum.

– Você não se lembra de abrir o zíper com os dentes? – ela guinchou e Lucas teve uma crise de risos. – Meu Deus, como pode não se lembrar disso? Parecia um animal!

Eles dois riram por mais alguns segundos e depois ficaram em um silêncio agradável. Lucas não se lembrava de gostar tanto do silêncio exceto de quando dormia. É como se estivesse dormindo ao lado de Andressa... De novo.

– Mas sério, Lucas – ela colocou o braço no ombro dele. – Me desculpa mesmo por aquilo.

Lucas, porém, apenas balançou a cabeça.

– Não precisa se desculpar de nada – ele sorriu. – Eu me diverti muito.

Andressa sorriu radiante de volta e deitou seu rosto no ombro dele, enquanto Lucas tentava se conter para não pensar em besteiras de Andressa... Porque ela era uma amiga maravilhosa.

– Já chegamos? – Fernando perguntou, se arrastando atrás para acompanhar o grupo na estrada comprida à sua frente.

– Me diz você – Carla se virou uma vez para ele. – Está vendo alguma base de Atiradores em algum lugar?

Fernando semicerrou os olhos pela estrada vazia, prestes a dizer algo, mas ela o interrompeu.

– Então pronto – ela sorriu de forma falsa. – Agora cala essa maldita boca e deixe as lobas trabalharem.

Ele lançou um olhar mortal para Carla, mas ela se virou para acompanhar Érika na frente. A Loba loira tinha chegado logo depois deles, dizendo que estava interessada em ajudar eles no que fosse preciso.

– Eu preferiria uma base inteira de Atiradores do que a você – ele sussurrou, ciente de que ela podia ouvir.

– Matos – Eduardo grunhiu ao lado dele.

Matos, Matos, Matos – Fernando irritou, estressado. – Estou cansado de já ouvir você falar meu sobrenome o dia inteiro, já!

– Então para de encher o saco das Lobas, Matos – ele replicou. – Tem sorte de a Carla querer nos ajudar. Semana passada nós queríamos ela morta e olha só como ela retribuiu – ele gesticulou para as duas Lobas que riam e conversava sobre alguma coisa ao andarem lado a lado na estrada.

– Talvez eu não ficasse irritado se não tivéssemos largado o carro pra andar três quilômetros até aqui – ele grunhiu de volta. – E ainda sem encontrar absolutamente nada!

Eduardo apenas revirou os olhos.

– Mesmo assim, ao menos deixe as Lobas trabalhar – ele olhou à frente. – Ao menos Érika não precisa ficar perturbada, se perguntando sem parar quem são seus verdadeiros pais.

Demorou alguns segundos, mas enfim Eduardo notou o que tinha dito e tentou voltar atrás ao olhar para o amigo que agora ficava mais silencioso do que nunca.

– Desculpa, eu não quis dizer-

– Quis sim – Fernando fungou. – Mas eu te culpo – ele deu de ombros friamente. – É a verdade.

Antes que o amigo conseguisse falar mais alguma coisa, Fernando saiu totalmente da reta e começou a andar pela calçada, tocando as listras que ladeavam cada lado da estrada que não parecia acabar nunca.

Enquanto se concentrava em sua própria distração, Fernando não pode fazer nada quando seus pensamentos começaram a devanear para longe, para os arredores de Vallywood.

Perguntou-se por que Andressa tinha decidido ficar, batendo o pé em teimosia enquanto dizia que não tinha ouvido nenhum tiro e que Edu e ele estavam ficando loucos. Mas algo dizia a Fernando que ela devia ter outro motivo para querer ficar por lá.

E ao pensar na amiga, automaticamente, seus pensamentos foram parar em outra pessoa que também tinha ficado em Vallywood – mas que este não era obrigado a vir com eles.

A lembrança daquele final de tarde veio como um tapa para ele. Rafael conversando com alguém pelo telefone, com o que parecia ser o namorado dele. Fernando tinha que admitir que tinha suas desconfianças de quem poderia ser. Mas honestamente, nos poucos dias em que ficou na escola, ouviu tantos nomes que não conseguiu gravar um.

Bem, mais ou menos um: O nadador. Ele e Rafa pareciam estar em uma conversa animada da última vez que ele tinha visto os dois juntos, na piscina. E o nadador parecia não ter gostado muito da ousadia de Fernando com Rafa naquele dia.

Será que era ele?

Sendo ou não, uma lembrança ainda mais persistente vagava a mente de Fernando. A de quando o dia tinha enfim começado e ele se transformou em humano, bem na frente de Rafael. Ele não achava que ia ficar desconfortável nu na frente dele, uma vez que já tinha ficado tantas vezes na frente de Andressa e Edu... Mas ficou. Talvez porque fosse a primeira vez que ele tinha visto ele daquela forma.

É claro que ele tinha notado o olhar dele em cima dele enquanto ele andava por toda a trilha até de volta ao carro para colocar as roupas, mas não sabia dizer se ele estava olhando por que estava surpreso ou por que... Bem, por outro motivo.

Mas ele estava olhando. E só aquele fato estava deixando Fernando nervoso.

E então de algum lugar Fernando se acordou.

Por que diabos eu estou pensando nisso? , ele se questionou por dentro, mas não teve tempo de obter respostas porque ao levantar os olhos ele notou que o grupo todo tinha parado de andar e encarava um supermercado – parecia que eles finalmente tinham chegado à civilização.

– Está vendo aquele homem de jaqueta preta? – Carla falava com Edu, apontando para o lado de dentro do supermercado.

– Têm vários – ele respondeu, franzindo a testa para a visão. – Como vou saber quem é?

– Olhe o careca, na fila do caixa – a Loba explicou mais uma vez.

Eduardo seguiu seu olhar e Fernando o acompanhou, olhando para as portas de vidro do outro lado da rua. Um homem alto, careca e de aparência parecido com um ator de Família Soprano empacotar alguns suprimentos sozinhos, sem pedir ajuda da mulher no caixa.

– Estou vendo – Edu confirmou, assentindo. – Ele é um atirador?

– É, também – ela respondeu hesitante.

– Também? O que quer dizer com isso?

Carla parecia querer explicar, mas então algo na loja chamou a atenção de todos eles. Agora o careca discutia com a moça no caixa, enquanto ela balançava a cabeça com uma cara de estresse. O careca parecia falar alto e de jeito nervoso, mas então um cara logo atrás dele na fila começou a falar algo e tocou no ombro dele.

E então aconteceu. O careca se virou de forma tão rápida e abrupta que, se Fernando não tivesse os olhos que tinha, não teria visto nada. Ele tinha atirado no homem atrás dele na fila, a arma enorme na palma da mão soltando fumaça com o tiro recém-disparado.

Atrás dele, Fernando ouviu Érika ofegar de horror e na sua frente Eduardo parecia mais imóvel do que nunca, enquanto Carla apenas encarava uma cena revoltante que parecia ver todos os dias.

Para a surpresa dele, ninguém na loja fez nada e ele notou outras pessoas de preto com armas apontando para várias pessoas na loja, falando palavras com tanta rapidez que algumas delas nem tinha tempo para digerir.

Fernando focou o olhar em uma garotinha e ela parecia querer desatar a chorar. Ela encontrou o olhar dele do outro lado da loja e ele tentou mandar uma mensagem a ela: Não se mexa.

– São todos Atiradores? – Eduardo agora perguntava enquanto várias pessoas de preto saíam de várias áreas do mercado, homens e mulheres, saindo da loja com as armas colocadas na frente do corpo.

– Foi isso que eu quis dizer – Carla sussurrou sombria.

– E por que ninguém fez absolutamente nada? – Érika perguntou com uma voz rouca de medo.

– Não é obvio? – Fernando bufou. – Eles têm armas.

Mas Carla abanou a cabeça.

– Eu não acho que seja só por isso – ela comentou enquanto observava agora os Atiradores entrarem em uma van azul-escura.

– Como assim? – Eduardo questionou.

– Acho que eles estão controlando a área – Carla passou os olhos pelas outras lojas infelizes e paraliticas daquela área. – Toda a área.

Fernando encarou hipnotizado enquanto a van virava a rua na esquina, não se importando com o banho de sangue que tinha deixado no caixa, ou com as pessoas traumatizadas e horrorizadas no local.

– E agora, o que fazemos? – ele perguntou.

Carla se virou para ele e se endireitou, os olhos ardendo vermelhos de ódio.

– Nós o seguimos.

Rafa acordou encarando o teto abobado e entediante da escola. Uma luminária se mexendo para lá e para cá em cima dele. Algo dizia a ele que tinha dormido por pouco tempo, mas outra coisa dizia a ele que não fazia ideia do o que tinha feito dormir.

Ele então se sentou, relaxando as costas e se recostando nos armários do corredor, as lembranças voltando a pouco a pouco. Roberto e ele, no quarto dele, os dois se beijando, as coisas ficando quentes. O celular tocando. A mensagem de Fernando e então... Aqui, na escola. Era só disso que ele se lembrava?

Rafa se levantou e olhou para os corredores, procurando a saída para a escola e suas lembranças também. Enquanto vagava os olhos, algo trincou em sua mente e então ele se lembro.

– Meu Deus – ele passou as mãos no rosto com a lembrança. Aquilo tinha que ser um sonho. Só podia ser, não podia?

– Que bom que acordou.

Rafa se virou e algo se remexeu em seu estomago. Não. Não tinha sido sonho algum. Henrique estava mesmo ali na frente dele. O cabelo e os olhos eram escuros na pele pálida e ele vestia as mesmas roupas daquela noite... Uma camiseta azul-clara social, jeans escuros e o sapatênis calçado nos pés.

– Você não é real – Rafa começou a se afastar, tocando nos armários para ter algum equilíbrio. – Você esta morto, não pode ser real.

– Ah, não? – a voz de Henrique era a mesa, alta e bem articulada, de forma que você não tinha como notar. – E como eu estou aqui?

Rafa engoliu em seco e começou a sacudir a cabeça.

– É alguma invenção da sua mente, Rafa? – ele começou a se aproximar mais e girou de brincadeira, um sorriso maldoso escapando nos lábios. – Eu pareço uma invasão da sua mente, Rafa?

Rafa apenas continuou se afastando, os olhos atentos nas mãos dele, perigosas e fortes, os músculos visíveis sob a camiseta social.

– Eu vi você morrer – Rafa argumentou. – Todos nós vimos.

Henrique apenas riu levemente.

– Viu, é? – ele levou a mão até o queixo, coçando ele pensativo. – E depois que eu caí – ele ergueu dois dedos no ar para fazer aspas. - O que mais você viu?

Rafa engoliu em seco, apenas se limitando a encarar.

– É isso mesmo – o sorriso de Henrique sumiu. – Você não viu mais nada. Porque você saiu dali, fugiu. Assim como você e todos aqueles seus amiguinhos de bosta!

Todo o corpo de Henrique tremia quando ele falava. Ele ofegou de raiva ao olhar Rafa nos olhos e acertou uma porta de um dos armários, fazendo ela despencar dali até o chão. Rafa apenas encarou com horror.

– Você acabou com a minha vida – Henrique chegou perigosamente perto, o cheiro de perfume Armani infestando o ar. – Me jogou em um maldito precipício junto com seu namoradinho de merda!

Mesmo na situação em que se encontrava, Rafa não conseguiu mais ficar calado.

– Está errado – ele balançou a cabeça. – Você se lembra bem do que aconteceu... Rael não te empurrou, vocês discutiram e...

– Mentiras e mais mentiras! – Henrique gritou no corredor inteiro, os olhos vermelhos. – Você sabe contar mentiras! – ele chegou mais perto, o dedo tocando o peito de Rafa.

– Eu vi o que você falou para a Taffara – ele sorriu com escarnio. – “Eu mandei ele embora” – ele o imitou em perfeito tom. – É isso que disse a minha namorada, Capoci? Que me mandou embora? Não teve nem coragem de dizer que eu estava morto?

Não aguentando mais, Rafa ergueu as mãos e lançou Henrique no ar até o meio do corredor.

– Mas você não está mais morto – Rafa continuou com a mão erguida, louco para usar seu poder de novo. – Você esta aqui.

Para a surpresa dele, Henrique xingou baixinho e começou a se levantar de novo, torcendo o pescoço para correr atrás dele de novo.

Dessa vez Rafa usou sua barreira e Henrique foi lançando ainda mais longe, dessa vez com um estalo audível por todo o corredor.

Chocado entre a vitória ou o horror, Rafa apenas ficou olhando durante um bom tempo, notando que tinha matado de novo o garoto que uma vez já tinha sido supostamente morto.

Mas em uma cena horrorosa, Henrique desatou a rir e começou a se levantar novamente, de forma ainda mais grotesca, arrumando o cabelo preto impecável que Rafa costumava achar sexy enquanto sorria novamente para ele.

– Eu vou te pegar, Capoci – ele começou a rir de forma agourenta enquanto Rafa se virava. – Eu vou te pegar, Capoci. Não adiante se esconder.

Rafa podia sentir ganhando espaço entre os dois e continuou atravessando os corredores. Quando viu as duas portas duplas no fim de outro corredor, seu coração quase saiu pela boca. Ele olhou para Henrique atrás dele, mas o garoto ainda se encontrava longe o bastante.

Sentindo a adrenalina nos pés, Rafa continuou correndo, lutando para encontrar a saída daquele lugar, ligar para Fernando, ou Andressa para dar um jeito em seu amigo morto.

Rafa comemorou com um gemido de satisfação ao passar pelas portas duplas da saída e seus olhos se fecharam com o milagre.

Só que esse foi seu erro.

Ao abrir os olhos de novo, Rafa se deu com uma visão aterrorizante. Ele ainda estava na escola e as portas duplas ainda na frente dele. Rafa até que tentou se jogar para frente... Mas a escola não deixou... Ele não conseguia sair da escola.

Se virando chocado para trás, Rafa deu de cara com Henrique sorrindo maliciosamente para ele. Ele o pegou pelo pescoço e o ergueu no ar, parecendo não encontrar nenhuma dificuldade para isso e o arremessou de volta para escola.

– Você ia fugir Rafa? – ele começou a perguntar de forma debochada, o sorriso de vitória no rosto. – Ia fugir? Igualzinho a última vez?

Rafa tentou lutar no chão para se levantar, mas Henrique foi mais rápido ao arrancar uma das portas de um dos armários e acertar a cara dele. Enquanto sentia gosto de sangue na boca, ele observou com horror seu inimigo começar a acertar ele em vários pontos do corpo com a porta do armário.

No meio de cada pontada de dor, Rafa mergulhou no próprio sangue e na própria inconsciência.

– Vai me dizer que nunca surgiu nenhuma oportunidade antes? – Lucas questionava Andressa com uma descrença enorme enquanto os dois conversavam em um banco batido de madeira na varanda. – Tantos caras e nunca aconteceu?

– Nunca – Andressa respondeu, não querendo contar a ele que ela passou a maior parte da infância treinando para ser uma caçadora que era – como a mãe. – Eu era muita focada na... Escola, essas coisas.

– Sei – Lucas a observava. – E você nunca se interessou por ninguém?

Andressa abriu a boca para dizer algo, mas seus pensamentos logo recaírem em Eduardo, pensando nas milhares de vezes que o via treinando, sem camisa, com Fernando e Felipe em La Iglesia.

– Eu não vou mentir – ela deu de ombros. – Teve uma ou duas vezes que eu realmente quis alguém assim.

Lucas brincou um pouco com os próprios dedos.

– E com quem foi?

Andressa desviou o rosto.

– Ah, não, me fala – ele insistiu. – Por favor, agora você tem que falar, eu insisto.

– Não é ninguém importante – ela se esquivou, não querendo magoar o coração dele sendo que os dois estavam bem amigos. – É sério.

– Tá, isso só quer dizer que é alguém importante – Lucas sorriu brincalhão. – Agora me diz, quem é?

Andressa mordeu o lábio, prestes a se decidir se dizia ou não, até que foi interrompida por alguém atravessando o jardim. Lucas parou para olhar também e se levantou na hora.

– Vick? – ele franziu o cenho. – O que você esta fazendo aqui?

Mas já no meio da frase ela olhou de Lucas para Andressa com um olhar acusador, as narinas inflando de ódio.

– Eu não acredito – ela começou com a voz elevada. – Eu não acredito que aquela vagabunda estava falando a verdade esse tempo todo.

Lucas franziu o cenho para ela em dúvida.

– Vagabunda? – ele questionou.

– A Taffara – Vick bufou. – Quem mais?

– O que ela te disse?

Vick levantou os braços para o alto.

– Não é obvio?! – ela dardejou o olhar entre Lucas e Andressa. – Que vocês dois vem dormindo junto!

Os dois se olharam na mesma hora, pálidos de tanta vergonha.

– Quem...? – Lucas começou a gaguejar. – Como... Como ela descobriu isso?!

– Eu não sei! – ela guinchou e o encarou. – É verdade, não é?!

Andressa se levantou.

– Na verdade, Vick, não foi bem...

– Eu não falei com você – Vick ergueu um dedo enquanto Andressa se retraia. – É verdade? – ela olhou para Lucas.

O garoto sentiu o medo da raia se esgueirando sobre ele. Vick, a garota que supostamente ele gostava, estava crispando as mãos para bater nele enquanto perguntava algo que não a deixaria feliz.

Ele olhou uma vez para Andressa e ela apenas assentiu com um sinal de cabeça.

– É verdade – ele respondeu, olhando ela nos olhos. – É verdade.

Vick respirou bem fundo e Lucas esperou loucamente pelo tapa que viria. Mas então Vick apenas o encarou por um longo tempo antes de começa a descer a varanda.

– Vick, ei – ele começou a correr atrás dela. – Vick, espera!

Quando ele a alcançou, ela apenas se virou para ele, o dedo levantado enquanto o encarava de volta, os olhos bem vermelhos de raiva.

– Você me disse que não gostava dela – ela o lembrou. – E agora esta trepando com ela?

Ele balançou a cabeça.

– Não é bem...

– Agora só falta você pegar aqueles outros dois que anda com ela também! – ela acrescentou com escarnio.

– Vick me escuta!

– Não, Lucas, não!

Com um ódio, Lucas quase soltou algo que estava entalado na própria garganta.

– Por que isso importa pra você?

Pela primeira vez, Vick não falou e não fez nada, encarando ele com uma expressão indecifrável. Ele ficou se perguntando por uma contagem imensurável de tempo... Ela sabia? Ela sentia...?

Só que então Vick interrompeu o contato e saiu sem pressa dali, a cabeça baixa, mas o corpo rígido. Parecia que ela também se esforçava para não dizer alguma coisa.

Fernando, Eduardo, Carla e Érika tinham percorrido todo o caminha a pé até a base dos atiradores. Mesmo com algumas reclamações de Fernando e as lamentações de Érika como “eu não deveria estar aqui, eu deveria estar procurando pelos meus pais”.

A base dos atiradores parecia uma daquelas indústrias de fabricação. Tinha mais de dezesseis janelões na frente e uma torre enorme no centro, que mais parecia um farol visto dali.

Carla parou, avaliando o local com os olhos vermelhos cheios de reconhecimento. Fernando se perguntou se ela tinha estado ali antes ou se tinha alguma vaga lembrança desconfortável do local que não gostaria de recordar.

– Tá legal, essa é a base – ela começou a falar. – Como vamos entrar?

Eduardo estudou o terreno da frente, com portas de metais laterais que nem o depósito, mas diferente daquelas não estavam abertas e ele duvidava que fosse fácil de abri-las.

– Eu posso lançar bolas de fogo por toda a frente – Eduardo indicou. – Aí eu já começo um ataque e...

– Ficou maluco? – Carla balançou a cabeça. – Atacar de frente é sempre a pior sugestão!

– Podemos entrar pelos fundos, sabe – Fernando indicou. – Se bem que, pode ter alguns guardas e...

Enquanto os três continuavam falando, desprezando a sugestão de cada um, Érika deu uma olhadela pelo terraço e começou a andar até um canto do prédio onde não tinha janelas.

– Esse plano é uma droga! – Eduardo grunhiu. – Onde já se viu vestir as roupas deles! Eu consigo roupas de melhor qualidade sem precisar usar aqueles tipos de armas!

– E você prefere lançar um jato de água neles?! – Carla retrucou. – Maravilhoso plano esse o de vocês!

– Pessoal – Fernando parou de falar ao reparar em uma coisa. – Pessoal, onde esta a Érika?

Eles cessaram a discussão e começaram a procurar por todos os lados. Mas então algo pareceu atrair o olhar de Carla e ela olhou para cima da base.

Érika estava bem ali, um pontinho loiro em cima da fábrica cinza, parecendo mais uma princesa. Sorriu para eles e acenou para que se juntassem a ela, apontando para o lado do prédio onde não tinha janelas.

Os outros se entreolharam e logo começaram a escalar. Carla na frente, com todo o seu poder Alpha, subiu rapidinho. Fernando foi logo atrás, com Eduardo em sua cola.

Quando os meninos enfim conseguiram subir, sorriram para Érika, todos orgulhosos por alguém que tinha acabado de começar agora já ter se acostumado tão rápido.

– Agora onde entramos? – Eduardo perguntou.

Carla apontou para uma espécie de portinha no centro do terraço e eles começaram a seguiram. Ao chegarem ali e Érika usar a força bruta para abrir, descobriram que não se tratava de uma simples entrada e sim um elevador.

Eles pularam para dentro e Edu começou a analisar os números de andares.

– Em que andar ficam os armários de vassouras? – ele resmungou.

– Por que, vai trancar o monitor de novo? – Fernando riu, alheio a brincadeira.

– Não brinque com isso – Carla grunhiu. – Qualquer botão errado e podemos acabar em um andar onde poderão fuzilar a gente!

– Ok, sem fuzilagem – Eduardo apertou o botão cinco e o elevador começou a descer.

Ambos começaram a olhar seus reflexos no espelho. Érika olhando as presas no canto da boca. Fernando ajeitando o cabelo. Eduardo arrumando a gola da camiseta e Carla apenas parada, tentando escutar alguma coisa.

Para a surpresa deles, o elevador parou em uma área subitamente calma, com um corredor amplo e branco vazio. Fernando logo esperou que aparecessem homens de jaleco com bazucas, mas nada disso apareceu.

– Sente cheiro de algo? – Érika questionou Carla e esta por sua vez apenas fechou os olhos por um instante.

– Menta... Creme... Antisséptico... Uva...

– Que isso? – Fernando se remexeu. – Virou sorveteria agora? Achei que era uma base de Atiradores!

– Fala baixo – Eduardo o reprimiu.

– Espera – Érika ergueu a mão. – Carla, você disse Antisséptico?

Antes que ela pudesse responder, uma frota de capuzes pretos entrou no corredor, trajando as mesmas armas que os outros no mercado.

– É isso mesmo que você ouviu, Loba – um do capuzes menores disse. – Antisséptico.

Eles apertaram os gatilhos ao mesmo tempo e uma substancia gasosa começou a invadir o ar, irritando as narinas de Carla e Érika. Fernando e Edu apenas protegeram os narizes, não muito afetados.

– Espera – Fernando semicerrou os olhos. – Essa voz...

Surprise Bitch – Carolina abaixou o capuz. – Nos reencontramos de novo, hein?

Lucas se sentou no canto do quarto ao lado de sua cama, longe de estar bem. Não sabia mais o que estava ferido, o orgulho ou o coração. A cena de Vick dando as costas a ele cortou mais do que deveria. Deus do céu, o que era aquele olhar? Aquele olhar que ela tinha dado a ele por segundos imensuráveis? Será que ela gostava dele?

Ele logo começou a bater a cabeça na parede, se recusando a acreditar nisso. Parte dele queria alimentar aquele sinal e ficar se iludindo – enquanto outra parte dele sentiria o efeito colateral da ilusão depois que ele se decepcionasse de novo e de novo.

Ele nem precisou olhar para cima para ver Andressa entrar no quarto dele. Ainda o surpreendia muito que ela ainda estivesse ali, sendo que ela já tinha falado o que queria falar com ele e, de quebra, visto ele ser humilhado na própria casa.

Andressa se sentou na parede ao lado horizontal, ficando de um ângulo em que podia encarar o rosto de Lucas. Não disse nada por um bom tempo e só o que se seguiu no quarto foi a respiração fraca e entrecortada de Lucas, que se esforçava para não chorar.

Mas ele já esperava pela pergunta dela, por isso nem se surpreendeu quando ela a fez.

– Você gosta dela, não é? – a voz dela mal era um sussurro.

Se recusando em abrir a boca e mostrar o quanto a voz devia estar rouca e fraca, Lucas apenas assentiu, os olhos vidrados no chão.

Andressa então se aproximou, se recostando bem ao lado dele, as coxas se triscando por um momento. Lucas levantou a cabeça e ela o estava olhando de um jeito bastante piedoso – mas ele não tinha coragem para dizer para ela não olhar.

– Dói muito? – Andressa perguntou com a voz rouca.

Lucas assentiu e desviou o olhar para a porta entreaberta do quarto.

– Mais do que se possa imaginar.

A frase dele saiu engraçada para ela. Ela podia imaginar todo o tipo de dor já que era quem era. Agora, algo pior do que aquilo? Será que podia ser pior do que tudo?

Sem saber o que dizer, ela passou os braços nos ombros dele procurando consola-lo. O gesto foi gentil e caridoso, mas quando Lucas virou o olhar para ela a situação mudou. De repente, parecia que ele tinha mudado completamente do garoto tímido que se desculpava mais cedo para o homem que agora sofria.

Tomada pelo sentimento, Andressa se aninhou ainda mais a ele e o beijou avidamente, sentindo toda a dor dele passar para ela naquele beijo.

Lucas correspondeu o beijo de forma triste, porem intensa, as pálpebras tremendo, o coração batendo fraco e a respiração irregular. Quando ele passou as pernas dela na cintura dele e a puxou para ir para a cama com ele, ela não reclamou nem hesitou por um segundo.

Quando Fernando abriu os olhos de novo, estava em uma sala com uma péssima iluminação cheia de pessoas. Homens e mulheres de preto cercavam todo o quartinho, todos trajando armas na frente do corpo. Ele começou a se remexer, mas não demorou para perceber as amarras nos pés e nas mãos.

Tinham tirado sua camiseta e ele estava entregue e suspenso no ar, com todos ao redor da sala o olhando.

– Gostou do lugar que achamos pra você? – Carolina saiu do meio da multidão com um sorrisinho desagradável. – Eu pessoalmente adorei, e você?

Fernando apenas a encarou enquanto tentava se soltar das amarras, mas então sua visão aguçou e ele pode ver os companheiros na mesma sala, todos derrotados: Eduardo amarrado a uma cadeira, parecendo inconsciente. Carla e Érika ambas com algemas nos braços, nas pernas e na testa, do tipo que pareciam dar choque toda vez que elas tentassem se soltar.

– Você não respondeu minha pergunta – Carolina entrou em seu campo de visão. – Gostou das amarras ou não?

– Vá pro inferno – ele grunhiu.

Carolina riu, mas então pegou algo parecia ser uma vareta feita de couro e o acertou no bíceps exposto. Não doeu, mas Fernando trincou os dentes de raiva. Como odiava ser tocado, ainda mais por alguém tão detestável.

– Então você e seu Pack nos seguiram? - ela questionou, começando a andar de lá para cá. – Desde onde, exatamente?

Fernando não respondeu, apenas ficou tentando achar alguma janela, algo que apontasse se a noite estava no fim ou não.

Carolina o bateu com a vareta mais uma vez, na área abaixo do sovaco, mas ainda assim ele apenas se retraiu, querendo dar uma voadora naquela Atiradora ousada.

– Não me toque – ele grunhiu.

– Mas isso não é tocar – ela riu e então tocou a mão em seu peito nu. – Isso é tocar.

Mesmo na posição em que se encontrava, Fernando se lançou para frente, louca para pegar o cabelo dela com os dentes. Mas Carolina desviou na hora e vários ali na sala levantaram as armas.

– Deixem, deixem – ela riu mas então parou. – Como acharam nosso esconderijo?

Fernando desatou a rir.

– Esconderijo? – ele questionou. – Chama aquela torre enorme de comando de discrição?

Carolina apenas bateu o pé impaciente.

– A Anna mandou vocês aqui? Isso é alguma missão?

Em vez de respondê-la, ele continuou procurando alguma abertura no quarto que mostrasse se era dia ou noite, mas era tudo fechado.

– Não se preocupe com o sol – ela interrompeu sua inspeção. – Já sabemos do seu tal enigma e só digo uma coisa: Esta bem longe de escurecer.

Enquanto esperava para ter certeza se era um blefe, ele observou Carolina suspirar para um dos Atiradores, o careca de mais cedo e ele deu a ela um controle remoto.

– Cansei do jogo do silêncio – ela começou a andar até onde Érika e Carla se encontravam algemadas. – Ou você me dá respostas, ou dou a elas um pouco de choque.

Fernando engoliu em seco.

– Desde onde vocês estão nos seguindo?

– Supermercado – ele respondeu rápido.

– Bom – ela assentiu. – E isso é alguma missão da Anna?

– Não, viemos por conta própria.

– Sério? E por quê?

Fernando suspirou, dando uma olhadela para Eduardo; dessa vez seus olhos estavam abertos e ele tentava dizer algo com os olhos.

– Er... – Fernando buscou se concentrar. – Achamos rastros de Atiradores em um depósito.

– Rastros? – Carolina questionou, cética.

– É – Fernando assentiu. – Haviam algumas balas no chão, então só deduzimos... Alguém do seu bando vem infringindo regras? – ele lançou essa e Eduardo atrás dos Atiradores elogiou com um aceno de cabeça.

Carolina trocou um olhar com o careca, mas voltou a se dirigir a ele.

– Primeiro, nós somos, um clã, não um bando – ela começou. – Diferente de anormais como vocês, preferimos o mano a mano.

– Estou vendo – Fernando assentiu gesticulando para a sala.

Carolina revirou os olhos para ele, mas então analisou algo dentre os prisioneiros e pareceu ter feito uma revelação.

– Me perdoe se eu estiver errada – ela começou, com um sorrisinho crescente. – Mas não tem sempre uma morena com vocês dois? – ela apontou para Fernando e depois para Edu; que rapidamente fechou os olhos.

Fernando nada disse, os olhos focados nas mãos de Eduardo que não paravam de rodar. Ele estava preparando alguma coisa para eles saírem dali.

– E tem outro garoto – Carolina continuou. – Um que abriu a caixa.

Fernando logo a encarou.

– Isso não é da sua conta – ele grunhiu enquanto ela apenas sorria de volta, em desafio.

Ele tentou prestar atenção enquanto Edu agora olhava para a estrutura do quarto, procurando algum elemento para influenciar, mas algo fez com que ele encarasse a Atiradora na sua frente.

– Espera – ele a chamou. – Como sabe que ele abriu a caixa?

O sorriso de Carolina em resposta era diferente de todos que ela tinha dado o dia inteiro. Parecia esconder algum trunfo poderoso que Fernando não fazia ideia do que podia ser.

– Ah, meu querido – ela riu. – Se você soubesse de metade do que eu já sei.

Aquilo deixou Fernando totalmente curioso, mas logo ele notou Eduardo fazer um sinal do outro lado da sala e logo aproveitou para causar uma distração.

– Que se dane – ele cresceu as garras e soltou uma das amarras, chamando a atenção de vários dos Atiradores. Na mesma hora, Eduardo se soltou da deles, aproveitando que ninguém olhava na direção dele, e sacudiu as mãos para o teto.

Água se explodiu de todos os canos e logo todos acabaram sendo surpreendidos por um banho enorme d’agua. As algemas de Érika e Carla, que eram mesmo elétricas, perderam a força e elas as quebraram, lançando dois atiradores no chão.

Carolina se virou para o pandemônio, mas Fernando se soltou da última amarra de seus pés e a chutou com tudo no rosto. Ela guinchou, pegando a vareta, mas ele já estava se afastando.

Edu facilmente queimou uma das paredes e eles começaram a saltar para fora. Quatro guardas esperavam do lado de fora, mas Carla deu um rugido e arrancou a cabeça de dois rapidamente.

Os dois que sobraram apenas se renderam no chão.

Eles começaram a correr dali o mais rápido que podiam, mas Fernando não conseguiu deixar de lançar um olhar para uma Carolina brava na abertura do buraco.

O que ela sabia?

Rafa não sabia quanto tempo havia se passado, nem como ainda estava aguentando tudo ainda. Seu braço esquerdo, sua perna direita, o baço e maior parte da região de sua barriga tinha sido atingida por Henrique. Pela quantidade de sangue ele já devia estar morto, mas não estava ainda.

Ele ainda podia senti-lo, brincando com ele na escola. Logo, logo Henrique iria aparecer e investir para cima dele. Parecia tão impossível, mas era Henrique mesmo, Rafa não tinha duvidas.

Chegando a um corredor familiar, Rafa se sentou no armário e sacou o celular do bolso. Começou a tocar na tela furiosamente até achar o contato de Roberto. Alguém tinha que ajuda-lo ou o lunático o mataria.

Ele ligou uma vez para o namorado e ficou apenas chamando, o silêncio da outra linha era cortante. Enfim, graças a Deus, Roberto atendeu:

– Rafa? – ele chamou com a voz educada.

– Deus do céu, ainda bem que você atendeu!

– Rafa? Rafa, eu não consigo te ouvir! Consegue me ouvir?

Como assim não consegue me ouvir? – Rafa olhou o celular. – Roberto, eu estou aqui! Roberto, eu estou aqui!

Rafa? Você esta aí?

– Eu estou aqui! Por favor, me escute!

– Eu estou te escutando.

Rafa olhou para cima e Henrique o tinha achado mais uma vez. Ele chutou sua mão com força, lançando o celular longe e começou a levanta-lo pela gola da camiseta.

– Roberto, é? – Henrique sorriu cruelmente. – Não acredito que você chutou o Raelzinho. Ele me mata por você e é assim que você agradece?

– Me solta! – Rafa tentava mover as mãos, mas Henrique parecia ser de aço. – Me larga!

– Com prazer – Henrique o largou sim no chão, mas só para começar a dar chutes no estomago dele e joelhadas em todo o seu rosto.

Eram tantos os golpes que Rafa não sabia se concentrar em contar. Mas também, quem diabos conta os golpes que leva antes de morrer?

– Vamos acabar com isso – Henrique o puxou pelo braço e começou a arrasta-lo pelo corredor. Rafa ficou olhando a trilha de sangue que surgia dele mesmo.

Ele nem sequer olhou para onde estava sendo levado, não ia dar a satisfação ao seu assassino de saber o quanto ele estava horrorizado.

E talvez fosse certo morrer ali, nas mãos de Henrique, uma vez que Rafa era o culpado de tudo.

Henrique parou e então Rafa abriu os olhos para sua morte. Mas a visão que seus olhos encontraram foi extremamente diferente. Ele estava fora da escola, no estacionamento, ainda em pé.

E na sua frente estava a Bruxa de antes, sendo jogada no chão por alguém como se tivesse acabado de ser derrotada. Rafa ergueu os olhos e era Fernando, as garras expostas.

Ele olhou para Rafa por um segundo, mas então baixou o olhar.

– O que diabos aconteceu aqui?

Rafa seguiu seu olhar e viu sua mão erguida no ar, o celular na palma da mão com UMA CHAMADA ENCERRADA na tela.

– Eu não sei.

– Que dia foi esse! – Érika comentou enquanto andava de lado com Carla pela mata.

– Só mais um dia de Atiradores e explosões de jato d’agua – Carla suspirou cansada. – Se acostume.

Érika a avaliou com curiosidade.

– Você é a amiga do Edu e do Fernando?

Carla bufou.

– Amiga? Eles tentaram me matar uma vez!

– E a mim também – Érika deu de ombros. – Agora olha só como estamos.

Carla cruzou os braços ceticamente para a mais nova.

– E como vocês estão?

Para a surpresa dela, Érika juntou os dois dedos indicadores.

– Bem desse jeito – ela respondeu. – Juntinhos. Sou do Pack deles – ela piscou e soltou um rugido de brincadeira.

Carla revirou os olhos para ela e passou a chave na porta de sua cabana.

– Eu deveria ir – Érika mordeu o lábio inferior.

– Por quê? – a outra perguntou.

– É pessoal – Érika se esquivou, jogando o cabelo por sobre o ombro.

– Você vive dizendo isso – Carla sorriu. – E vai dizer tantas vezes que vai deixar de ser.

Érika revirou os olhos em resposta e Carla riu.

– É sério, eu tenho que ir.

– Por quê? Dorme aqui em casa.

– Não, não – Érika meneou a cabeça. – É muito abuso da minha parte.

– Érika, eu mordi você e te fiz esquecer-se dos seus pais – Carla apontou. – Não acha que eu que abusei de algo aqui.

A Loba loira fez uma trança no cabelo, pensativa e Carla inconscientemente seguiu seu olhar.

– Tudo bem – ela enfim desistiu.

Carla sorriu e as duas adentraram a casa. Érika passou pela sala e gemeu para o sofá.

– Eu não vou dormir nisso! – ela apontou.

– Não vai mesmo.

– Então aonde eu vou dormir?

– Na minha cama – Carla a encarou nos olhos. – Comigo.

Érika ficou sem saber o que dizer, não conseguindo se livrar dos olhos escuros da Alfa dela.

– Algum problema pra você? – ela perguntou.

– Nenhum – Carla deu de ombros. – E pra você?

– Nenhum.

– Então tudo bem – Carla entrou na cozinha, o cabelo preto voando para trás. – Seja bem-vinda.

Érika ficou parada na sala, sem saber exatamente o que tinha acontecido ali.

– Eu não acredito que foi tudo uma ilusão! – Rafa reclamou, se jogando em um dos degraus na entrada da escola.

– É o que parece – Fernando respondeu, se sentando na outra extremidade da escada. – Ela lançou o feitiço antes de você entrar e fez com que parecesse que você tinha entrado lá.

Rafa passou a mão no rosto, ainda inconformado. Leticia, mesmo depois de receber um arranhão na nuca de Fernando, conseguiu simplesmente se levantar e aparatou ali do nada.

Só depois disso foi que Fernando explicou a Rafa que ele estivera o dia inteiro em uma ilusão criada pela Bruxa. Ou seja, Henrique, que parecia ter dado mesmo uma surra real nele, nem tinha aparecido. Era só uma ilusão, Rafa continuava ileso. Henrique continuava morto.

– Eu ainda não consigo acreditar – Rafa desabafou. – Pareceu tão real.

– É assim que as ilusões geralmente são – Fernando deu de ombros. – Mas ei, o que ela fez com você?

Rafa não ousou olhar ele nos olhos.

– Hum, nada, só me trancou na escola – ele não estava totalmente mentindo.

– Só isso? Mas então porque você ficou ligando do seu celular?

Ele mordeu o lábio, tentando parecer não ter uma expressão muito culpada.

– Eu juro, foi só isso – ele mal murmurou.

– Ah, por favor – Fernando se aproximou só um pouco. – Vai me dizer que ela te trancou em um feitiço quase o dia inteiro e você não viu nada?

Rafa desistiu, sabendo que cedo ou tarde ele diria algo que o denunciaria, então era melhor falar de uma vez.

– Tudo bem – ele começou. – Ela invocou um amigo morto meu, do passado.

Fernando piscou, parecendo um pouco surpreso. Ao que parece esperava por uma confissão mais constrangedora.

– Ah – ele assentiu. – E isso é ruim?

– Pra mim foi – Rafa mal sussurrou ao responder.

– O que quer dizer com isso?

Rafa olhou as mãos enquanto falava.

– Se quiser ouvir essa história, eu já te aviso desde já – ele o olhou nos olhos. – Você nunca mais vai me ver da mesma forma que antes.

Fernando tentou sorrir de brincadeira, mas ao ver que Rafa falava sério, seu rosto se fechou.

– Tudo bem – ele engoliu em seco. – O que você fez?

– Eu matei alguém – Rafa soltou.

Fernando demorou um bom tempo pra responder.

– Não pode estar falando sério – sua voz mal era um sussurro.

– Eu estou – Rafa desviou o olhar. – Sei que muitos dizem que eu não tenho culpa nessa história, mas foi extremamente culpa minha. Foi do ano passado, eu estava trocando mensagens com esse amigo, Henrique. Não era nada demais, nós nunca sequer passamos de amigos. Mas na época eu namorava um cara muito ciumento – Rafa engoliu em seco, fazendo de tudo para não falar de Rael. – E ele interpretou as coisas muuuito errado. Ele achou que eu estava traindo ele e que ia me encontrar com Henrique em uma certa de noite.

“E sim, de fato, eu ia me encontrar com ele, mas não para o que ele estava pensando. E então quando eu cheguei lá, meu namorado e Henrique já estavam discutindo. Eu tinha a intenção de explicar pra ele que não era nada daquilo que ele estava pensando, mas já era tarde. Ele não me ouvia e já tinha ofendido o Henrique demais. E então os dois brigaram.”

Fernando se inclinou parecendo saber que a melhor (pior, no caso) parte estava por vir.

– Henrique deu uma surra nele, ele era muito mais forte e também muito maior. Mas isso não fez com que meu namorado parasse, ele só quis continuar brigando. Eles já estavam chegando perto do precipício, e aí... Quando eu fui ver, aconteceu: Henrique caiu.

Fernando respirou fundo, um sinal sútil de que a história o deixou ainda mais surpreso.

– Eu tentei fazer algo a respeito, tentar descer tudo, mas estava muito escuro e eu tinha medo de cair dali também. Meu namorado ficou se desculpando o tempo todo, mas eu o ignorei, porque tinha outro problema: Alguém viu. Um amigo próximo do Henrique e eu fiquei com medo que ele contasse a alguém. Então eu pedi que uma amiga minha desse em cima dele e fizesse com que ele esquecesse tudo aquilo. Contei a mais um amigo de confiança e juramos nunca mais contar nada a ninguém.

– Mas e quanto aos pais do Henrique? Como vocês fizeram para encobrir isso tudo?

Rafa coçou a cabeça.

– Quanto aos pais, é meio difícil, eles se mudaram logo uma semana após o acontecido e nunca... Nunca vi eles questionarem algo ou pedirem mandado de busca ou algo do tipo. Na minha opinião, eles nunca gostaram do filho. Mas se teve alguém que notou o sumiço dele, foi a namorada dele, Taffara.

– A Taffara? – Fernando guinchou.

– A própria – ele assentiu. – Eles costumavam ser um grude e ela costumava ser mais cruel, mas não tinha nada contra mim... Pra ser honesto nem me notava antes do que aconteceu.

– Ela descobriu?

– Sim.

– Como?

– Eu contei a ela – ele respondeu e Fernando franziu o cenho. – Contei a ela mais ou menos uma versão diferente. Disse que eu tinha problemas com o namorado dela – Rafa soluçou. – Que eu não gostava dele e que, por isso, eu o mandei embora.

Fernando as mãos no rosto, chocado.

– E agora? Ela ainda...

– Sim – Rafa assentiu. – Ela ainda pensa que eu só o mandei embora. Não sabe que ele morreu.

Fernando ficou um bom tempo sem dizer nada, os olhos baixos e a mente bem longe dali naquele momento. Rafa observou enquanto ele balançava a cabeça, horrorizado.

– Grande história de terror, não é? – Rafa comentou de leve, para já ter que se preparar para as ofensas que ele ia desabar nele.

– Olha, Rafa, eu não sei o que você pensou que eu ia achar dessa história – ele parou. – Mas você sabe que não é culpado de nada, não sabe?

Rafa girou para encarar ele.

– Você ficou louco? – ele grunhiu. – Não acabou de me ouvir dizer que eu arruinei a vida de todo mundo!

– Só o que eu ouvi foi que seu namorado ciumento jogou um amigo seu do precipício – Fernando defendeu.

– Sim, mas eu não fiz nada na hora! – Rafa guinchou. – Eu deixei tudo acontecer!

Fernando abanou a cabeça.

– Cedo ou tarde ia acontecer... E se acontecesse diferente, podia nem ter sido Henrique que tivesse caído... Podia ser você.

Rafa apenas balançou a cabeça, inconformado.

– Se tivesse sido com você, acha que o tal do Henrique teria o mesmo empenho em assumir a culpa como você?

– Eu não sei – Rafa fungou. – Foi ele quem morreu, não eu.

– Mesmo assim – Fernando insistiu. – Mas e se tivesse sido?

Agora Fernando estava bem perto, os olhos sábios e a expressão teimosa como sempre fazia quando queria que Rafa entendesse o seu lado. Ele notou que Rafa logo o estava avaliando e se apressou em fazer o mesmo, se recusando a desviar o olhar.

– Rafa?

Os dois se viraram para frente e – puta que pariu – Roberto estava parado bem na frente deles.

– Você veio – Rafa se levantou de prontidão, correndo para o namorado.

– O que aconteceu? – a pergunta de Roberto saiu abafada.

– Eu fiquei trancado na escola – ele mentiu. – Você tinha que ver, foi horrível.

Roberto sorriu para ele, mas então olhou Fernando.

– E ele estava com você?

– Ele, não, ele – Rafa olhou com agradecimento. – Ele me salvou.

Mas mesmo com a declaração, Roberto ainda encarava o outro impassível.

– Salvou, é?

– É – Fernando o encarou de volta. – Salvei.

Rafa apenas se remexeu inconfortável, fingindo não perceber o clima de tensão explicito ali.


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