Todos esses pensamentos confusos se misturaram e apenas um fato que fazia sentido no meio dessa corrente de confusão: Kardia ainda estava vivo e ainda precisava de ajuda. Seguiu o emanar fraco do cosmo e o encontrou desacordado. Preocupou-se por causa do coração e foi correndo ao seu encontro.

“Kardia, Kardia, acorde, vamos! Acorde!”

“Traça de livros, nem no inferno você me deixa em paz?”

“Não está no inferno, estamos vivos.”

“O QUÊ?”

“Não vou repetir. Sinta por si mesmo. Levante-se.”

“Meu coração está ardendo, como nunca antes.”

“Vou lhe esfriar.”

“Não, eu aguento. Me deixa sentir isso um pouco mais.”

“O que vai adiantar você cair morto aqui por causa do seu coração quando sobrevivemos ao cataclismo trazido por Hades? Largue dessa teimosia.”

“Deixa eu me lembrar e sentir o que eu bem entender, larga de ser intrometido. Ah, e quem é Seraphina?”

O aquariano não respondeu e ruborizou. “Do que está falando?”

“Oras, você gritava esse nome como se não tivesse amanhã, o que na verdade não tinha mesmo. Achei que essa pobre diaba estava lhe perseguindo ou você a estava perseguindo. Hummmmm..então a traça de livros astrológica tem mais interesses do que um bando de papéis velhos e estrelas tão distantes? Interessante, conte-me como ela é.”

“Cale essa maldita boca e vamos logo. Isso não lhe interessa, ela não lhe interessa e eu não vou falar disso com você.”

“Oras, agora me senti ofendido. Você nem parece que está feliz por estar vivo aqui comigo. Vai me dizer que preferiria que aquele pato idiota que quase nos matou estivesse aqui? Agora me diga, eu não sou a pessoa mais próxima de você? A mais importante da sua vida?”

“Você é o meu melhor amigo Kardia, mas não é a pessoa mais importante.”

“Até nessas horas você ainda pensa como um cavaleiro de ouro? Já pensou na possibilidade de Athena estar morta? Seria interessante se ela desencarnasse e apenas Sasha ficasse, seria muito melhor. Ela não teria que sofrer tanto.”

“Não estou falando de Athena. Cale essa boca e vamos embora.”

“Quem é?”

“Vamos embora.”

“Vamos, me conte quem é. Seraphina. Aaaaaaaah, é ela certamente. Não me admira que tenha ficado tão envergonhado quando eu falei dela. Oras, então aqueles gritos eram de luxúria?? Dégel, Dégel, eu não sabia que se interessava por essas coisas meu amigo. E você nem vai esperar a moça acordar? Que indelicadeza de sua parte.”

“ELA NÃO ESTÁ AQUI E CALE ESSA BOCA, VAMOS EMBORA.”

Kardia se assustou com a explosão do amigo e ficou calado, embora estivesse morrendo de vontade de perguntar então o motivo dos gritos. Achou que era algo relacionado à autossatisfação e continuou com seus risinhos irônicos que passaram despercebidos.

Degel ficou calado e continuou caminhando para fora daquele lugar, completamente desnorteado com as lembranças que se misturavam em uma velocidade assustadora. Sentiu suas bochechas queimarem pelo atrevimento que teve em tocar a bochecha direita de Seraphina no suspiro final, sentir aquela pele de veludo na ponta de seus dedos e trouxe o rosto dela bem próximo ao seu. Os olhos marejados dela ainda estavam cravados em sua memória, chorosa pois vira seu corpo se tornar mero receptáculo de um deus e ter se dado conta disso. O próprio Degel chorava, mas não conseguia parar de sorrir e estava quase beijando-a quando o Esquife de gelo foi completado, impedindo que o beijo se concretizasse.

Um grunhido frustrado tirou o aquariano de seus devaneios, somente para ser lançado aos mesmos com mais força. Continuou meditando sobre tudo e parecia meio alheio ao fato de estarem vivos. Seraphina também podia estar viva?? Por mais que tenha morrido antes de terem a encontrado? Será que o fato dela o ter reconhecido era uma prova que ela ainda era ela? Será que ela não estava realmente morta, mas apenas em um estado de dormência? Como aqueles contos de fadas que eram contados? Aquilo existia. Era possível alguém passar anos dormindo apenas e acordar como se nada tivesse acontecido. Provavelmente Unity começou suas operações no corpo de Seraphina enquanto ela estava nesse estado de suspensão de vida. Totalmente possível.

Queria encontra-la mais do que tudo no universo, mas não sabia por onde começar. Quem sabe uma consulta através das estrelas? E o que faria caso a encontrasse? Levaria para o seu lar? Mas ele só se sentia em casa quando estava perto dela, o que era deveras estranho pois não era uma habitação e sim uma pessoa. Seraphina, Unity e o mestre Krest eram seu lar. Kardia também era o seu lar, mas como unir todos eles? E será que ele iria querer isso? Será que eles iriam querer isso?

Divagou tanto que nem percebeu as mudanças do clima, a intensidade do sol e a mudança das cores da paisagem.

Em um lugar ignorado, longe de onde Kardia e Degel estavam, uma jovem de cabelos prateados andava errante ao redor, trajava roupas olimpianas surradas e andou até encontrar uma taverna, onde sequer hesitou em adentrar. Chegou até onde estava uma moça e lhe pediu um copo de vodka, que lhe respondeu que não fazia ideia do que seria aquela estranha bebida.

A platinada se desesperou perguntando sobre um tal de Degel e Calvera achou que a pobrezinha tinha perdido o resto do juízo e um pouco do pudor também, já que as suas roupas eram bem reveladoras. Encheu uma caneca de cerveja e ofereceu à jovem que bebera como se fosse a primeira bebida em muito tempo.

“Oi, eu sou a Calvera, como é seu nome?”

“Seraphina.”

“Como chegou aqui Seraphina? Posso dizer certamente que não é dessas bandas.”

“Não faço a menor ideia.” E desmaiou.