Entre Ódios e Desejos escrita por Lara Campos


Capítulo 2
Capítulo 2 - Leitchfield, aqui pagamos.


Notas iniciais do capítulo

Nova historinha, personas. Boa leitura!



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_Alex, alguma coisa que eu te falei até agora, você escutou?

Meus olhos fitavam o nada, indefinidamente, e meus dedos passeavam pelas junções dos dois pedaços de mármore rachados da mesa.

_Me desculpe, Jonh. De verdade... Volta na parte da delação, por favor. O que eu tenho que fazer?

John Galinger, um advogado “meia-boca” mandado por Kubra, obviamente tentava me ajudar, ali. Eu sequer sabia onde estava, para ser honesta, pois flutuara em não-pensamentos durante toda minha volta num voo militar escoltado até a América. Desci algemada da viagem e, sem nenhuma palavra, oficiais mandaram que eu entrasse num Mercedes velho e me trouxeram até ali, onde então me encontrava, tentando fazer com que minha estadia na prisão durasse bem pouco.

_Ok, Alex, vou ter que repetir tudo. Tempo é dinheiro, querida. Dinheiro vivo.

John dissera que eu não pegaria nenhum tipo de barra pesada reclusiva. Ou melhor, por ser ré primária, apesar da gravidade do crime do qual me acusavam, no máximo uma penitenciária federal, provavelmente uma daquelas bastante sucateadas e nem de perto, algo como uma segurança máxima. Eu já conhecia meus direitos, no entanto também listara para mim cada um deles, como o fato de eu precisar urgentemente de alguém que me mandasse dinheiro regularmente na prisão, que não ligado a Kubra, claro. Eu não tinha para onde correr, porém. Nenhum tipo de ligação familiar, pais falecidos há tempos e uma tia distante russa que me mandava cartões de Natal todos os anos, num endereço que eu nem usava mais, só recebendo-as quando contatada pelo caseiro Peter, que cuidava de uma casinha pequena e minha, em Buenos Aires.

_E não se esqueça, Vause, que quanto mais você disser aos policias, livrando o nome do chefe disso, mais você diminuirá sua pena.

_E você espera que eu dedure todo um esquema, sem dizer sobre Kubra? Nada vai fazer sentido, John, nada disso.

_Querida, faça como bem entender. As consequências são de escolha sua. Só suas. Lembre-se disso.

Após sair da antessala em que nos encontrávamos, um policial com crachá bordado com seu nome, Eduard Colt, levou John até o final do corredor e voltou para me direcionar a uma cela provisória, no meio de uma repartição civil cheia de delegados e supervisores. Aquilo parecia mais um freak show. Várias cabeças pensantes zanzando para lá e para cá, muita falta de cabelo nos homens, pouco seios nas mulheres e um mesmo uniforme azul e preto deprimente, que ainda conseguia engordá-las. Oh, céus, um belo de um estrago era necessário para tornar mulheres tão belas, em grandes cones azulados e comedores de rosquinhas fritas.

Passei dois dias ali. Alimentavam-me, como um cachorrinho adestrado, alguns subalternos passavam a caçoavam da barra de minha calça rasgada e da minha expressão, passadas 48 horas em que um banho não me fora cedido. Outros, até, flertavam como crianças e diziam coisas do tipo “Mas que mulherão, hein. Você é do tipo que me dá medo”, ou “Isso tudo, lindinha, só dois de nós pra conseguir aguentar”. Enfim, repugnante.

Já torturada, sem meios plausíveis de esvaziar minha cabeça a mil, John apareceu para me avisar que eu seria transferida para uma penitenciária chamada Leitchfield, nos arredores de alguma cidadezinha que eu não sabia ainda, e lá eu falaria com os investigadores do caso, caso quisesse utilizar do prêmio de diminuição ou abrandamento de pena, por delatar pessoas, pontos de venda das drogas, ou algo que colaborasse nas buscas.

Chegando lá, fazia um tremendo frio. Avistei de longe um tipo de van que me introduziria nas dependências do presídio, e uma garota de cabelos negros e curtos, belos cílios e um batom vermelho sangue esperando ao lado do automóvel, a minha entrada.

_Oi, novata. Feliz de estar aqui? Aposto que sim, hein! Oh, me desculpe, claro. Meu nome é Morello. E o seu?

_Alex – respondi meio desconfiada -.

_Oh, querida, o sobrenome por favor. Aqui somos só estatísticas.

_Vause.

_Seja bem vinda, Vause. Não prometemos uma ótima hospedagem, mas oferecemos o suficiente pra você não perder esse sorrisinho branco, nem seus cabelos, talvez só sua dignidade.

Ela sorriu longamente como uma gaita, numa frequência alta e irritante. Parecia simpática, ao menos. Já vira piores.

As paredes sem cor, num tom de barro seco, os guardas com bigodes que cheiravam a gordura e atendentes nem um pouco sutis fizeram parte da minha primeira volta dentro daquela prisão. Eu já estava ciente de que odiaria aquele local, afinal, apesar de a garota da van parecer falar sobre o local como uma colônia de férias, aquilo não era nem de longe algo do tipo.

Mulheres com feições estranhas, das mais diversas cores e etnias, faziam parte daquele mosaico grotesco de sentimentos reprimidos em rostos marcados pelas linhas de expressão. Eu, com minha altura exagerada e o ar de recém chegada, não passava despercebida de maneira alguma. Anne, uma das oficiais até simpática, apresentou-me cada dependência e assim que uma sirene tocara, mandou que eu já fosse para a biblioteca, pois lá seria meu local de trabalho.

Mal havia eu organizado minhas coisas, sequer sabia se teria algo, de fato, não conhecia minhas dependências, e já teria que trabalhar. Eu amava livros, nenhum bom autor me escapava. Porém dificilmente algo me prenderia o pensamento naquele lugar. Eu lia para relaxar, para ter meu próprio mundo e para entender as pessoas, não para passar o tempo numa prisão suja e cheia de odores desagradáveis. Logo ao menos uma coisa me surpreendera positivamente, em estar ali.

_Hey... – a garota virou o pescoço para ver o nome em meu crachá – Vause. Quem é você, docinho?

_Foda-se, eu não sou ninguém aqui.

A mulher dos olhos enormes e cabelos desgrenhados franziu o cenho e sorriu meio de lado.

_Calma, gracinha. Ninguém é ninguém aqui, mas você, com certeza é. Uma mulher linda e elegante num local como esse, não é simplesmente ninguém.

Sorri zombando de mim mesma e ela me acompanhou. Levantei os óculos que estavam em meus olhos, pousando-os em minha cabeça.

_É, pois é. Vause, Alex Vause. Essa sou eu, aparentemente. A nova sensação do pedaço.

_Todas estão falando de você – disse-me subindo e descendo seus olhos por toda a extensão do meu corpo – Afinal, carne de primeira, sempre interessante, certo?

Algo nela me provocava empatia. Apesar das insinuações, do olhar pouco discreto e do jeito meio malandro de dizer tudo, ali parecia estar uma mulher de verdade. Não boa, não ruim, mas de verdade. E isso me confortava, pois há tempos havia me cansado de mulheres pela metade. Elas acabam com qualquer um.

_Sou um pedaço de carne, agora. Falta só um rótulo com o nome da peça bovina em minha bunda, não acha?

_Concordo que ficaria maravilhosa com um crachá no traseiro.

Ela gargalhou e pinçou a manga da minha nova camiseta alaranjada com dois dedos.

_Nicky, enfim. Essa sou eu – disse-me após a risada -.

_Prazer, Nicky. Nos vemos por aí.

_Com certeza, princesa.

E saí da biblioteca rumo ao que seria meu novo quarto.

Já era noite. Fiz minha primeira refeição às seis da tarde, num banquete que mais parecia comida industrializada vencida há meses. Não pude fazer nada, no entanto, uma vez que eu não estava exatamente num hotel cinco estrelas. Fui para um quarto compartilhado com mais três mulheres, divididas em duas beliches e com um mictório no meio do quarto.

Deitei em uma espécie de colchão que era inútil, visto que nem sequer amortecia meu corpo e também não cobria meus pés. Aquele repentino silêncio de uma primeira noite de sono em dias me atordoava. Eu não sabia no que pensar. Muito menos o que fazer. As palavras de John ecoavam em minha cabeça e eu pensava seriamente em tocar o terror. Delataria Kubra e todos os envolvidos. Daria quantos nomes precisasse para ficar presa o menos tempo que fosse. E quando saísse, iria para a Argentina viver em paz, fugiria e todos estariam presos.

Utopia demais pensar em tudo dando certo, porém. Se eu delatasse todos, provavelmente algum deles se vingaria de mim em algum ponto. Ao menos o que tivessem calibre para isso. Logo eu realmente não sabia o que fazer. Tentei fechar os olhos, pegar no sono e assim que dei uma pausa insignificante para o meu consciente, mais um vez ele falhara comigo. Piper aparecia sempre, nesses momentos. Ela era praticamente a dona do meu inconsciente. Ela e a raiva.

Enxuguei os olhos com as mãos, como quem tentava afastar os pensamentos, mas já era tarde demais. Olhei para os lados e vi uma garota latina se remexendo na cama e fazendo movimentos bizarros. Não era possível distinguir o que ela dizia, meu espanhol era péssimo, mas obviamente ela gemia baixinho e aquilo era desconsertante. Quando eu imaginaria estar num quarto com outras quatro mulheres – a não ser que elas estivessem a minha disposição para deleite – totalmente estranhas, marrentas e uma delas gemendo sozinha, talvez com um toque próprio que eu não sabia distinguir, ou talvez com um sonho? Nunca.

Era demais para um dia só. A latina não parava de gemer e cada vez ficava mais alto. Olhei para o lado e soltei um Cala a boca, garota. Ela retribuíra em plena consciência um Foda-se, riquinha mimada e continuou. Já não conseguindo mais dormir e atordoada com aquela situação grotesca, minha mente fluiu para dez anos atrás e lembrei-me de Silvia. Eu havia passado cerca de três meses com ela e só conseguira um orgasmo depois de quatro semanas. Por outro lado, ela chegava lá três, quatro vezes por noite e eu nunca reclamava de estar somente dando prazer. Era muito gostoso, também, apesar de me sentir, de certa forma, incompleta, sem o devido êxtase sempre que transávamos.

No terceiro mês, conheci Piper. A garotinha ingênua e com os cabelos loiros e longos mais lindos que eu já vira, de apenas 22 anos, apenas com duas primeiras tentativas, já havia me deixado de quatro por ela. Digo, literalmente. O que aquela mulher sabia fazer com a boca era maravilhoso, quase um dom. E eu simplesmente quase a perdi, na época, por não contar que estava enrolada com Silvia.

Mas o que importa, afinal? Hoje Piper não era mais nada minha. Ela havia me deixado quando mais precisei dela. E apesar de ser a mais perfeita na cama, a mais divertida, a mais alegre e... tudo o que um dia ela foi e não era mais, hoje, nada mais éramos uma da outra. E todas as lembranças que eu tinha dela me cortavam em fina lâmina, afiada e corrosiva. Eu nunca saberia como dar o troco por todo o mal que ela fizera a mim. E, sim, eu tinha esse desejo de vingança.

Espere...

Na verdade, eu sabia bem como lhe castigaria por tudo. Piper pagaria na mesma moeda que hoje eu estava pagando.

Piper seria a primeira em minha lista de cúmplices a ser entregue para o investigador.


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