Quando Amanhecer escrita por Clara Luar


Capítulo 7
Bailando


Notas iniciais do capítulo

Olá! Tenha uma boa leitura :)



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À meia noite em ponto, desce do carro Krad, vestindo a camiseta azul escura e uma gravata com presilha de opala, o paletó bem passado balança com o andar suave, e vai ajudar sua companheira. Fay aceita a mão que ele oferece, mostrando-se à luz das lamparinas penduradas na porta da mansão St. Clair. Com pérolas e rendas nas mangas, seu vestido tem a cor do céu da manhã, turquesa, sobrepondo-se ao negrume da noite.

– Você ainda não me disse como arranjou o convite - reclama.

– Tenho negócios a tratar aqui.

O mordomo abre as pesadas portas de mármore para os convidados e os conduz ao salão principal. Lá os pisos são quadriculares de preto e branco, as cortinas claras cobrem as molduras negras das janelas e todas as mobílias tem a cor prateada da lua. Os garçons e empregadas desfilam com vestimentas cinza para destacar entre a monocromática decoração, com bandejas cheias de taças altas e quitutes. Coloridas damas e cavalheiros conversam em cochichos como se confessassem segredos ao redor da pista de dança. Os violoncelistas afinam as primeiras notas valsadas e pouco a pouco os homens convidam as jovens à dança.

O vampiro cumprimenta alguns senhores de bigodes espessos, que trazem em companhia moças jovens, com apertos de mãos cheios de joias. Fay faz uma reverência perfeita, sem soltar o braço de Krad. Enquanto ele conduz a conversa com falso interesse, a telepata resolve passear nas mentes dos convidados. Todos diziam coisas que não sentiam de verdade. Riam por educação. Ali era um ninho de falsidade e avareza. Ergue o olhar até o canto esquerdo do salão, onde nota seu conhecido.

Um rapaz em terno preto sobe ao centro do palco dos músicos. Basta ver para notar que não era igual aos outros contratados. Possuía uma atmosfera diferente a seu redor. Como se não estivesse na mansão do anfitrião atrasado, e sim em algum outro lugar mais silencioso e pacífico, talvez numa floresta verde intocada. Posiciona seu violino nas mãos e puxa o primeiro compasso. A melodia que sai de suas cordas é harmoniosa e também selvagem. Um ritmo apressado que de súbito se retrai, e então torna a correr.

– Vamos dançar - informa ao companheiro.

Ele mostra um último sorriso às damas e põe-se a segui-la. Estava farto daquela conversa sobre vinhos e o princípio do xadrez. Entre outros casais, passa a mão na cintura de Fay, aproximam seus corpos, e dançam. Os dois bailam com perfeição. A jovialidade, a vitalidade e o frescor dos passos combinados chamam a atenção dos outros convidados. Tendo-a em seus braços, Krad podia sentir o peito queimar, e custava-lhe manter as feições suaves e não devorá-la com beijos. Já a garota se divertia rodopiando. Dançar em um baile com uma beleza vampírica que pertencia só a ela poderia ser o sonho de muitas outras. Contudo, também não desprendia a atenção do violinista. A música tão bela era uma massagem relaxante ao lado psicologicamente poderoso da mente.

– Tantos estão olhando. Será que estou bonita o suficiente? – pergunta a ele no intervalo de Lá à Lá do violino.

– Você é bonita. – responde olhando-a num relance, voltando logo em seguida a estreitar o olhar como sempre fazia quando interpretava um personagem para agradar o público. Naquele mundo, tudo é uma questão de aparências.

O único elogio dele, algo raro, já a engrandece. Sorri apaixonada e torna a concentrar-se em fazer a saia bailar.

Repentinamente o amado interrompe os passos. Fay para com ele.

– Tenho que ir - diz, enquanto fita um ponto atrás da parceira.

– Como? Por quê? - procura pelo dono da atenção de Krad. Há muitas pessoas, por tanto não descobre.

– Negócios - responde de maneira vaga. - Cuide-se até que eu volte.

Caminha desviando dos outros participantes da festa. Passa ao lado do garçom que em sua bandeja carrega muitas taças vazias, entre elas há uma única vermelha.

A garota deixada tenta seguir. No entanto, a inabilidade de andar em multidão a atrasa. Cercada por altos ou gordos ricaços, não o vê desaparecer atrás da porta escondida com cortina cinza. Começa a sentir-se sufocada. Esbarra na barriga de um velhaco. Muda a direção de seu caminhar. Quando uma mão lhe puxa, ela assusta, batendo a mão direita na bandeja da garçonete. Consegue reagir por puro reflexo. Captura os sanduíches de patê com a telecinese e impede que caíssem desperdiçados no piso lustroso. Repõe-los na bandeja de prata rodopiando no ar. A empregada observa-a espantada. Seus poderes destacou Fay na multidão como um animal exótico. Não sabe o que fazer para reverter à situação.

O violinista, que terminara sua atuação, é quem puxou sua mão. Ainda apertando-a, aproxima da bandeja flutuante, segura-a e exibe ao público que assiste em círculo. Ele sorri, devolvendo-a a empregada.

– O show de mágica só começara às duas horas, senhorita Fay. Por favor, aguarde mais um pouco para exibir seus truques.

Acreditando que fora apenas um truque de mágica, os convidados batem palmas entre risos e dizem o quanto estão ansiosos para isso. E a roda dispersa.

– Obrigada, Ryan – agradece com singela preocupação na face.

– A seu dispor. – beija as costas da mão dela e sorri mais uma vez. – Concede esta dança?

– Claro.

Dançam mais ao canto da pista para não serem atropelados por outros casais. Os passos são mais contidos do que quando dançara com Krad, já que não estava acostumada a bailar com outro parceiro. Ele enlaça firme a sua cintura, há graça no modo com que a conduz e seu sempre disposto sorriso é o charme imprescindível. As íris verdes a fitam com amabilidade do bosque francês.

– Deve tomar mais cuidado com isso de levitar objetos, ou entortar colheres... Essas coisas que você faz. – comenta, aparentando indiferença.

Fay gosta da forma natural com que ele trata seus poderes, embora não saiba nem da metade deles. Assim, conseguia sentir-se uma humana normal. É bom o loiro não ter reagido a gritos e pavores ao saber. Que culpa ela tinha por ser mais evoluída em comparação aos reles humanos? Ryan a admirava com encanto.

– Não deixar as coisas quebrarem foi uma das primeiras lições quando aprendia a controlar esse... poder. Foi automático, não a minha intenção.

– Achei legal. – alegra-a com mais um dos seus sorrisos, sinceros apenas para ela.

Fay sorri de volta.

– Estamos atrasados – diz ele de repente.

– Para quê? – está intrigada. Pressente que ele também irá fugir do baile.

– Para outro mistério. – pisca o olho direito, travesso.

Arrasta-a para os fundos, entram em uma porta, chegam ao pequeno salão. Leva-a para cima pela escadaria branca em forma de cascata coberto de tapete preto. Adentram o último quarto do corredor. Há apenas uma cama e muitos quadros e espelhos pendurados nas paredes. Não há cheiro de perfume ou qualquer fragrância de limpeza. Está inabitada há muito tempo. Ryan pede para tomar cuidado e ser o mais silenciosa possível. Seus sapatos não produzem qualquer som com o chão de tábuas corridas. A menina faz o mesmo. O garoto a traz até a varanda. O vento corre e balança os cabelos deles, a rosa misturando com hortelã outra vez. A noite é fria e as nuvens, misteriosas. É possível avistar muitos carros, mas nenhum convidado. A rua está deserta. O silêncio é o único que os encara.

– Vamos descer.

– O que...?

Ryan passa a perna para o outro lado do parapeito prateado. Desce o corpo agarrado aos bastões de prata. Procura uma base para os pés. Prossegue furtivamente até que pousa na varanda à diagonal inferior da que deixara Fay.

– Vem! – sussurra alto, os braços jurando segurá-la.

A telepata toma fôlego. Passa um de cada vez os pés para fora do cerco prata. Tomava cuidado para não rasgar o vestido ou que o vento a empurrasse demais. Não demonstra nem a mínima intenção de que irá escalar como ele o fez. Bate duas vezes a sola da sandália direita no resto de chão da varanda. E salta. Sabia levitar objetos, mas também corpos, o seu por exemplo. Desce num pulo bailarino de encontro ao amigo, que mesmo surpreso com a façanha mantém as mãos abertas. Por isso, ela o deixa carregá-la, como uma princesa, caindo perfeitamente em seus braços. Abraça-o pelo pescoço. Nota a gentileza em toda a fisionomia de Ryan. Os olhos dele tornam a selvageria do desejo da floresta, atraindo-a parcialmente. Resiste à súbita e inexplicável vontade de beijá-lo, pondo-se logo de pé.

Após certo constrangimento, o rapaz aponta para entre a fresta de uma cortina espessa que cobre por dentro as portas de vidro da varanda.

– Preste atenção a essa reunião de máfia.


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Notas finais do capítulo

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