Quando Amanhecer escrita por Clara Luar


Capítulo 6
Presas


Notas iniciais do capítulo

Olá. Desejo uma boa leitura.



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São quase onze horas da noite quando Krad finalmente torna ao hotel, LA’ RÚBIA, com feições duras e a frieza de um vampiro. Ignora os cumprimentos do porteiro e da recepcionista, aguarda o elevador e chega ao seu quarto. Cada movimento é furtivo, discreto e elegante.

– Até que enfim! – Fay pula para um abraço caloroso.

Acolhe-a nos braços e carrega-a quarto adentro, deixando a porta fechar-se silenciosamente. Deixa a garota na borda da cama sentada, com um suspiro de cansaço. Apesar de que “cansaço” seja uma das palavras que não se aplica a um vampiro. Fay ajuda-o a tirar o paletó negro com gesto de mão, seus poderes fazendo o resto. O casaco flutua e repousa na cadeira da mesa com o café posto à tarde. O bule também se ergue e serve uma xícara de chá para ele.

– Obrigado – agradece, levando um gole à boca.

A garota cruza os braços sobre o colo, sorri docilmente antes de seu olhar violeta faiscar uma curiosidade ameaçadora: - O que fez a tarde toda?

– Preparativos.

Ele repousa a xícara vazia. Serve mais chá e entrega a porcelana à menina.

– Vamos sair do país.

– Do país?

O companheiro continua a despir-se em frente ao guarda roupa, começando pela gravata.

– Fui me informar das consequências da explosão do banco de Cambridge. Sou procurando em mais de doze cidades, em pelo menos cinco estados. E o pior: você também está sendo caçada.

– Poderia ser pior... – foge a face sentindo um incômodo crescer no peito como todas as vezes que analisava as consequências quando deixava os poderes se descontrolarem: a Culpa.

– Não. – diz sério, a fúria contida. Aproxima-se, a camisa cor de uva desabotoada mostrava a fresta do corpo forte e malhado, e o cabelo um tanto desarrumado acentuava a rebeldia em seu charme. Segura firme o rosto da telepata e contorna sua expressão preocupada. – No momento, você é o meu bem mais precioso.

E pressiona seus lábios contra os dela. Rapidamente solta e volta à escolha do novo terno.

Fay responde à repentina demonstração de afeto com uma expressão confusa. Bebe o chá a fim de afogar o coração palpitante. Procura desconcertada por algo para preencher o silêncio, ainda estava irritada por ter sido deixada sozinha no hotel.

– E o que foi fazer no beco, de Sant’Anna?

O rapaz interrompe sua busca no armário por uma gravata que combine com a camiseta azul escura que resolveu usar. Aguarda a xícara retornar levitando para a mesa.

– Isso é segredo. – sorri com ar de travessura.

– Tudo bem. Eu descubro.

Levanta-se da cama. Afina os olhos para ler sua mente. Porém, em um milésimo de segundo Krad já não estava mais a sua frente.

– Assim não vai ter graça – sussurra ele, chamando atenção logo atrás dela.

– Eu não gosto de segredos. – afasta dois passos e ameaça outra vez.

– É uma surpresa boa. – some e reaparece bem próximo a ela.

As pontas dos narizes se tocam. Ele a agarra pelos braços. Fay resiste com telecinese à força do vampiro querendo pressioná-la contra a parede. Vê os olhos dele se avermelharem ao empurrar com mais força. Mostra um sorriso malicioso. Estava se divertindo. De certa forma, ela também. Ambos odiavam perder o confronto de poderes. Embora quando chegavam perto demais um do outro as intenções acabassem mudando. E estavam bem próximos. Krad inclina o rosto, mergulha entre os cabelos escuros dela e saboreia o cheiro de rosas. A pele dela se aquecia com a proximidade dos corpos. O corpo do vampiro recorda-se da vivacidade de quando era humano. Suas mãos pareciam febris, seu peito queimava como uma fogueira e o desejo de possuí-la começou a dominá-lo. Os lábios dela o atraíam. Contudo, antes de sucumbir ao desejo, ele foge um passo. Ainda segura firme os punhos de Fay.

– O que você fez enquanto estive fora? – a voz é sombria.

Fay precisa piscar algumas vezes para desprender-se da fumaça de luxúria e paixão para concentrar-se na pergunta do companheiro.

– O que você fez hoje? – repete.

– Bem, tentei em vão descobrir aonde você foi. Depois...

Pactuou? - escorrega o olhar dos lábios dela para as suas mãos procurando a cauda do fantasma em forma de anel.

– Sim. Porém, já cortei a aliança. – informa, adivinhando o que ele procurava.

– Não gosto quando fala com os mortos – resmunga.

Eles falam comigo. O que posso fazer?

Aproveita para criar uma bolha de energia envolta dos pulsos, expulsando as mãos do vampiro. Livre, dá de ombros.

Ela ergue o olhar debaixo para cima, com receio do que iria dizer.

– E você não está exatamente vivo.

O lampejo de raiva pinta de uma vez as íris dele com o tom mais escuro de vermelho. Krad a pressiona contra a parede. Fay não reage, sabia que havia dito o que não devia. No entanto, não compreendia por que ele odiava tanto ser o que era. Ela o amava sendo um vampiro. Queria que o vampiro aceitasse ser o que é. E por isso estava disposta a carregar sua fúria, na medida do possível.

– É. Não estou. – a voz é cortante ao pé do seu ouvido.

Fay sente a força com que o amado crava suas presas em seu pescoço. Não era bom, nem um pouco carinhoso. O local começa a formigar e latejar. Até queimava. Seu ombro parecia endurecer. A mordida do vampiro nunca fora tão doloroso. Estava pronta a desprendê-lo à força. Não foi preciso. Krad a rejeita, nenhuma gota de sangue mancha sua boca. Foi apenas uma tortura, não uma refeição.

– Você cheira a outro humano. Outro homem.

Ele toma distância. Põe a mão na cintura e limpa os lábios furiosos com a outra. Evita encará-la.

A médium expira longamente, pressionando o local da mordida para aliviar a dor. Desmancha algumas dobras do vestido. Recolhe do chão a gargantilha de renda que o companheiro rasgara antes de ataca-la com as presas afiadas. Por normalmente não adquirir sentimento, a força das emoções do vampiro vazava dele e involuntariamente ela era capaz de receber a ira, o ciúme e a culpa misturados como num caldeirão.

– Eu fui à piscina. – mantém a calma no tom de voz.

Não existia o porquê do ciúme ou da culpa. Mas ele era teimoso. Fazê-lo compreender isto seria mais fácil se o rapaz também fosse capaz de ler mentes.

Tendo a ideia, Fay senta-se no tapete cinza que cobre todo o quarto, estendendo a saia verde menta por cima das pernas. Puxa com a mente o rosto do vampiro para que a observe. Sorri e dá duas tapinhas no lugar ao seu lado, convidando-o a sentar-se. Lutando contra a própria vontade, ele aproxima e aguarda em frente à menina, não iria baixar-se ao chão. Fay, mantendo o sorriso paciente, empurra mentalmente e com toda a força os ombros dele, que é compelido a assentar. Krad a fita furioso, porém, depois do descontrole vampírico, estava disposto a “aturar”. Ela toma suas mãos, que ainda guarda o calor dos minutos que a desejou, nas suas entrelaçando os dedos. Fecha os olhos e permite sua memória fluir para o companheiro de ligação. Compartilha o que fez no dia, até mesmo na sala de jogos, como se lesse para ele as páginas do seu diário. O coquetel rosa, o jogo de dardos, a aproximação, o desmanche em risadas, a conversa e o convite...

O cansaço toma-lhe o corpo assim que termina. Mais do que fluir as memórias também teve que invadir um vampiro, o que não é fácil. Apoia a cabeça, que girava igual um globo, em seu peito. Não consegue ouvir seu coração bater. Fay gostava do vazio que sente vir de dentro dele. Nota no meio desse vazio a dúvida que persistia.

– Foi divertido. Acho que fiz um amigo. – sorri.

– Divertido, hum...

Solta outro dos seus suspiros sem significado. Traz a mão para acariciar os longos cabelos dela, e inspira o cheiro de rosas e hortelã. Dois dedos encostam as feridas que suas presas deixaram. Carrega a cabeça dela com cuidado, visto que ela parecia zonza, e beija o rastro da fúria no pescoço dela. Longamente. Sua saliva cicatrizaria o machucado, permanecendo somente os dois negros círculos na raiz do pescoço, o estigma de que Fay pertencia ao vampiro Krad.

– Pelo visto fomos convidados para a mesma festa – diz por fim, revelando o convite preto com caprichadas bordas douradas guardado no fundo do terno novo.

– É. – mostra-se já disposta. Estala os dedos. Idêntico cartão sai debaixo do travesseiro e voa para sua mão, sendo capturado com graça por ela.


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Notas finais do capítulo

O que Fay e o humano fizeram depois possa ter sido muito vago para o destaque que dei nas notas finais do capítulo anterior, mas paciência, que mais para frente irei usar e mostrar o que "realmente" aconteceu. Obrigada por ler. Até logo.



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