Quando Amanhecer escrita por Clara Luar


Capítulo 16
Serpente


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, demorei! Passei por algo chamado "bloqueio de escritor(a)". Não pensei que isso realmente acontecesse @.@ Minhas sinceras desculpas...
Mas estou de volta! Obrigada Lady Holland B por recomendar essa história, fiquei emocionada :') Quero que saibam que cada comentário de vocês leitores é importante para mim e me incentivam a melhorar!
Vamos ao capítulo aguardado, espero que gostem :)



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As roletas giram, cartas na mesa, dados jogados, um sobe e desce das alavancas. A jogatina rolava solta no Cassino Trevo da Sorte.

O salão dourado está repleto de magnatas, milionários em ascensão, máfias e yakusas, ao redor de várias mesas. Entre ternos franceses e gravatas borboleta é possível notar madames em vestidos de gala, casacos de pelo e enfeitadas de joias. Os funcionários agitam com ternos verde-escuro brilhantes e as garçonetes de vestidos curtos e colados em tons de verde e de dourado. Das bebidas às cartas, cada detalhe é luxuoso.

Krad joga em uma das mesas, as cartas de pôquer em mãos, como os demais policiais infiltrados. Cada agente está de olho em seu alvo dentro do Cassino. O dele é a assassina ruiva, o braço direito de st. Clair, Désirée.

Varre ao redor com olhos de predador. Está rodeado de humanos: magnatas gordos, garçons tatuados, madames de caras chupadas e ousadas damas de companhia, mas nenhum lhe atrai. Nem mesmo a ruiva e seu corpo de curvas definidas embrulhado com o caríssimo vestido vermelho que, com corte lateral, deixa as belas coxas à mostra. Qualquer pirralho, homem e velhote a devoraria com os olhos. Ela realmente era linda, visualmente apetitosa, no entanto, não lhe abrira o apetite. Sem fome, apenas a mataria e isso seria um desperdício. A presa mais deliciosa, o cheiro mais doce, tudo estava guardado no fundo de suas recordações. Apesar da sede pelo sangue de sua pequena companheira, ele manteria o controle até deixar de desejá-la tanto. Sim. Bastaria esquecer o gosto, o som de sua voz, a aura poderosa, o instinto mutante, a rosa mais bela que um dia colhera. Mesmo que isso signifique nunca mais sentir a humanidade dentro dele.

Viram mais um “A” sobre a mesa. O vampiro passa a dividir sua atenção entre as cartas e a ruiva. O naipe que surge em seguida é favorável. Um garçom aproxima e lhe faz sinal com a taça. É um dos funcionários comprados pela polícia. O mesmo vai até a assassina, sussurra algo em seu ouvido. “O Mestre te espera” é o que sua audição aguçada capta. Désirée sai do bar, corta caminho entre as garçonetes que derramam champanhe numa pirâmide de taças, e, discreta, sobe a escadaria para o gabinete do dono. E as cartas já foram todas abertas

— Full House – abre as cartas de sua mão. Recolhe o monte de fichas e empurra-o para o funcionário da banca. – Quero tudo em euro.

Deixa a mesa com os magnatas de olhos esbugalhados para ir atrás da mulher que vigiara a noite toda.

Segue-a ligeiro. Pressente que a assassina está com os sentidos aguçados. Aproveita o segundo que ela pisca para correr como um vampiro e chegar à sala do “Mestre” antes dela.

O verdadeiro dono do Cassino é um velho gorducho qualquer. Fez sua barriga com a grana que rouba dos clientes e, portanto, merecia ser roubado. No mundo dos crimes, muitos ratos são comidos por ratos maiores, ou os lobos como Krad, que pela primeira vez, estava do lado dos federais. Ajudaria os homens que sempre o perseguiram a capturar os mafiosos que têm causado muito alarde no submundo. Tudo para conseguir sua carta de alforria; o acordo era simples: em troca de sua colaboração, o vampiro teria seus crimes praticados neste país perdoados e ganharia uma viagem só de ida para outro continente. Fácil demais, provando o quanto eles estão desesperados. Pensam em capturar St. Clair há anos, enfim conseguiriam, graças a Krad, que só pensava na vida vazia que teria na Europa.

A falta de Fay era gritante. Desde que deixara o hotel, têm matado. Matado e devorado. Qualquer um: criança, velho, homem, mulher. A fome é insaciável. A escuridão o havia dominado. Mantinha com a memória da primeira vez que encontrara sua menina a gota de humanidade que restou. Contudo, ela não lhe queria mais e aliara-se ao inimigo. Ele não subestima a capacidade dela, embora acredite que é mais forte que ela. Mas esta é tão importante, que mesmo que ela fosse imortal cuidaria como a mais frágil do mundo, um bibelô de cristal. No período que passaram junto, a mutante refletia a alma luminosa de uma humana, ocupando o posto de Sol do seu dia, Lua de sua noite. Não era uma qualquer. Era a sua vida. Sem ela, o vampiro morreu outra vez. Uma morte mais dolorosa, e por mais uma eternidade.

Deixa o Mestre trancado desacordado no banheiro, clássico. Põe-se na cadeira gigante atrás da escrivaninha dourada, gira o assento para mostrar as costas à porta e aguarda sua convidada...

Désirée adentra o quarto de Maxwell. É um grande escritório. Pisos vermelhos e todo o resto é dourado. Escrivaninha larga, poltrona gigante, cama extensa ao lado, somadas a telas, estátuas e cabeças de animais empalados. Muito mau gosto.

Nota os cabelos foscos saindo da poltrona. Imaginava um velho babão, porém, ele parece mais jovem. Talvez usar o corpo possa valer a pena. Já que chamou para um quarto-dormitório, não há dúvidas de que o dono do Cassino tem fraco por mulheres bonitas. Ela é bela, corpo de curvas, palpável, boca carnuda. Uma perfeita distração. Faria o serviço necessário e depois o mataria, como todos os assassinatos encomendados.

Desfaz-se do seu casaco de pele branco. O vestido vermelho marca do decote às coxas, como traços de sangue. Uma serpente.

Fácil.

— Olá — a voz é sedutora.

Fácil.

Os truques da assassina são muito previsíveis. Seduzir e conquistar. Se Krad fosse humano, seria impossível não cair na tentação de devorá-la. Mas ele era um ser sobrenatural com um suposto coração quebrado.

Num piscar de olhos reverte a situação e está na cama, sobre o corpo estendido da ruiva. A expressão atônita não deixa a face de Désirée desde que viu presas avantajadas se projetando na boca do vampiro. Ela já desistiu de escapar. As mãos dele a empurram para o colchão, prende-a no travesseiro, enquanto a cintura dele pressiona seu corpo imóvel. A assassina já não pode andar: ele quebrara sua coluna. Dor e sangue espalham-se fora das veias. E uma raiva por não notar que o homem a sua frente não era Maxwell, por não ter podido se quer reagir, por estar fracassando. Contudo, procura uma forma de escapar. Desfaz o pânico do olhar. Procura acalmar as palpitações assustadas dentro do peito. Ao concentrar-se, consegue mostrar a face mais doce e frágil. Apela para uma manipulação emocional.

O olhar parece de menina fugida de casa. Assemelha-se tanto aos olhares de Fay na época que a encontrou, que algo se revira no peito oco do vampiro. A súbita inquietação de seu corpo, como achou que jamais sentiria outra vez, o surpreende. O instinto vampírico aflora com desejo. A força de seus dedos quebram os pulsos da mulher, que range os dentes, mas não muda o olhar, pois sabe que algo está funcionando. Krad não nota seu lado selvagem cegando-o.

Com uma das mãos, acaricia o rosto pálido de Désirée como se fosse de sua amada mutante. O cabelo é diferente, o corpo, o cheiro... Porém o olhar é idêntico. Poderia projetar sua Fay nessa humana sob ele.

O gesto do ser sobrenatural a encoraja.

— Não me mate, por favor... — suplica dócil.

Krad expira pesadamente. Pondera o pedido sem desgrudar os olhos prateados da vítima.

— Se eu não matá-la, irá mofar na cadeia, sabe disso – informa de forma imparcial.

— V-você — finge um gaguejo. — ...está do lado deles? Dos federais?

— Não. Estou do meu lado — há uma fúria contida na sua voz que ela não compreende.

Désirée reforça sua fragilidade contorcendo-se de dor. Está quase se salvando.

— Não me entregue a eles... — sussurra o pedido.

Ele mergulha o nariz na raiz do pescoço dela. O perfume que esta usa não lhe agrada, no entanto, o vampiro tem um desejo que quer satisfazer.

— O que quer que eu faça? — sussurra tentado a abocanhá-la como faria com Fay.

— Me leve com você.

Afastando, Krad a fita, curioso.

— Torne-me como você... — ainda mantém o tom baixo, entretanto, sua fragilidade se tornou um pouco dura. Usando Krad, poderia escapar dos policiais. No entanto, de que adiantaria sobreviver e não ser capaz de andar ou mexer as mãos? Tornar-se como ele não lhe parece má ideia. — Torne-me sua escrava se preciso for. Juro lealdade e... Amor.

— Você é burra? — indaga as furiosas presas. Ela estava mesmo jogando a humanidade dela fora? Como não aprecia poder sentir, ter prazer, comer e beber coisas além de sangue? E, outra vez ‘Amor’? Os humanos são movidos apenas por isso? Ela acha que pode amá-la como Fay amava-o? Acha que ele a “amaria” como ele “ama” sua mutante?

O vampiro volta a ser ameaçador. A assassina sabe que colocou tudo a perder. Sabe que será morta.

— Por favor, não me mate! – exclama.

— Não.

Krad entorta duas das barras da grade dourada da cabeceira, enfiando-as no colchão de maneira curvada, prendendo embaixo os pulsos da mulher. Estende as mãos gélidas para o pescoço de Désirée.

— Quero matá-la eu mesmo.

A aflição, o medo, a raiva, tudo explode na garganta da assassina.

— Mas que saco! Era para eu sair rica dessa história! — braveja alguns palavrões.

— Que pena.

— Pena o caramba! — Range os dentes. Debate o busto, tentando em vão escapar. Está derrotada. — Vocês estão enganados se vão sair vivos dessa!

— Acha que está em condições de ameaçar alguém? — ironiza macabro.

Ela solta uma risada. Gargalha. Parece louca.

— Não sabe? Vou te contar, porque, não tem chance nenhuma de você conseguir salvar todos os seus amiguinhos. – ri com escárnio. — Vocês tentaram pensar um passo a frente, mas há algo sigiloso no nosso plano. Óbvio que não iríamos nos arriscar tanto sem pensar em uma forma de eliminar todas as provas caso desse errado. A base do plano arquitetado por St. Clair é: se uma etapa falhar, exploda todas as outras.

Dessa vez, é a ruiva quem mostra sua face satírica.

— Era para eu ter voltado ao salão e sinalizado para um dos nossos sobre a execução do querido Max. Já devem ter desconfiado que algo deu errado. Escutou o que te disse antes? Na dúvida, vamos explodir tudo. O cassino, a joalheria, o carro com o dinheiro falso... Tudo!

Joalheria.

Desce da cama para bebericar uma taça de vinho para conter-se. O resquício de humanidade ressurgiu e cresce, conflitando com o vampiro dentro dele. Sua menina estará bem mesmo com uma explosão. Pode proteger-se e escapar. Recorda do incidente que a colocou na lista de procurados dos policiais. Lembra-se de como ela ficou exausta, cansada, e chamuscada. Os poderes dela são muito temperamentais, talvez falhe. Talvez ela morra. Isso poria fim a tudo o que viveram juntos. É a maneira mais fácil de livrar-se do resto de humano que lhe resta.

Badaladas de relógio ecoam na escuridão da noite.

— É oficial: seus amigos irão para os ares a qualquer momento. — a assassina se diverte.

Com a velocidade de vampiro, Krad retorna à cama para quebrar o pescoço dela.

— Vê-se cala a boca. — Os ossos estalam.

Olhos vidrados, a cabeça de Désirée tomba no travesseiro.

O vampiro visualiza seu reflexo na janela. Nota as luzes da cidade. Está olhando para a direção da joalheria. Só de imaginar o sorriso de Fay, seu corpo faísca. Sente sua mente invadida por outro pensamento. É como um barulho agudo, uma agulha no crânio. Não é ele, é ela: sua Fay que chama por ele.

Alinha o terno.

— Não acredito que estou me movendo por Amor...

Deixa o quarto em direção a sua Vida.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler :)



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