Silêncio se espalhou pela sala, serpenteando pelos pés das carteiras e rodeando os dois jovens que continuavam parados.

Os sons que vinham de fora estavam abafados e nem pareciam chegar em seus ouvidos.

Os olhos azuis de Sapphire encararam a tela do celular de Ruby mais uma vez.

–O quê...? - O murmúrio escapou de seus lábios enquanto o garoto a sua frente abaixava o celular.

Devia ter alguma coisa errada. Sim, aquilo era um sonho, só podia ser.

Ou um pesadelo.

A morena olhou para o seu próprio aparelho e conferiu se havia enviado certo, mas no meio da ação ela percebeu que era inútil.

Ela não tinha o contato de Ruby na sua memória...

E o nome "Haruru" estava bem visível na tela dele, ela conseguia se lembrar.

O choque deu lugar a surpresa que subiu por suas gargantas e se condensou em um grito:

–VOCÊ É O YUUKI?

–VOCÊ É A HARURU?

Ambos deram um passo para trás, mais assustados com a sincronia do que com as acusações.

É, era mesmo verdade.

–E- Eu não acredito que você é a Haruru! - Ele apontou acusadoramente.

–N- Não me c- chama assim!! - Foi o que conseguiu retrucar, sentindo as bochechas esquentarem.

Ruby piscou e um rosado percorreu suas bochechas.

–H- Haruka! - Corrigiu-se. - N- Não importa!

–E- E você, hein?! – Sapphire bateu o pé. – Eu não acredito que você é o Yuuki!

–Então estamos no mesmo barco!

–É, parece que estamos!

E se encararam.

–Ah, isso é muito esquisito. – Pensaram ao mesmo tempo.

E como se não bastasse, as mentes de ambos resolveram bombardea-los com os ultimos acontecimentos que ocorreram entre Yuuki e Haruka, todas as mensagens e conversas trocadas, cada olhar, cada risada.

Até chegar ao beijo na frente do hospital que ocorrera no dia anterior.

Um apito pareceu ser ouvido enquanto fumaça branca saía pelas orelhas dos dois morenos e se viravam de costas um para outro, com a face vermelha escondida por suas mãos.

–Eu tô me sentindo traído! – O garoto choramingou enquanto a imagem de uma mini Haruru com asinhas de anjo saía voando para o céu aparecia em sua cabeça.

–Ah, tá! Como se você fosse o único!! – A garota se virou para ele de novo. – E mais!! Você tá enganando todo mundo com essa história de ser o Yuuki, mas na verdade não ser!

Ruby parou de choramingar e se virou para ela também, a mesma expressão indignada no rosto.

–Com licença?! Você tá fazendo a mesma coisa, não acha?! – Retrucou e sentiu vontade de sorrir ao vê-la recuar um passo. Na mosca.

–N- Não estamos falando de mim! Estamos falando de você!

–Olha, eu acho que você tá tão inclusa nesse assunto quanto eu, sabia?!

–O quê?! Olha, aq-!

Mas a garota foi interrompida pela porta que se abriu com um estrondo.

–Mas o que tá acontecendo aqui?! – Uma voz grossa foi ouvida e logo um homem moreno, alto, de porte forte e com uma cara de poucos amigos entrou na sala de aula, pisando duro.

–Geeheee!! – Foi o som que ambos os jovens soltaram ao perceberem quem era. Esquecendo completamente da briga, a morena correu para perto do garoto, a procura de algum escudo que a protegesse do perigo iminente.

–Ah, então são vocês de novo! – O homem esbravejou, ele usava casaco e calças de treinador, um apito estava preso em seu pescoço, tinha uma bandana azul presa em sua cabeça e uma estranha marca em “x” na região entre os seus olhos. – Eu devia ter imaginado!

–A- Archie-sensei... – Ruby tentou falar, mas foi cortado por uma exclamação de homem a sua frente.

–HÁÁÁ! Mas o que vocês estão fazendo aqui?!!? – Então, seus olhos pousaram na folha de exercícios na carteira de Sapphire. – AH! Então aquele engomadinho metido a besta resolveu lhes dar um castigo?

–Até parece! Como se resolver uns exercícios fosse castigo, um castigo de verdade tem que te fazer suar e se arrepender de ter nascido. – Oi? O quê ele disse? Um sorriso que estava longe de ser amigável se abriu em seu rosto. – Talvez eu devesse castigá-los!

Um calafrio percorreu as costas de Ruby e Sapphire, amaldiçoaram em pensamento a maldita briga que tiveram minutos atrás. Eles estavam perdidos, só um milagre para salvá-los.

–Archie-sensei.

Estranhamente, parecia que milagres tinha a voz de Steven.

O homem se virou para o outro que sorria calmamente, de pé ao lado da porta.

–Que é, Steven?

–Eu acho que você se equivocou, Ruby e Sapphire não estão aqui porque foram castigados por Maxie-sensei.

Os jovens o encararam, assim como o outro professor.

–Não? – Archie parecia genuinamente confuso. O homem de cabelos prateados fez que não com a cabeça.

–Na verdade, eles estão aqui para me ajudar com algumas folhas de exercícios que eu fiquei de organizar.

O homem de pele morena encarou a folha e voltou seu olhar para Steven.

–Você leciona geografia, não matemática.

–Pois é, veja você! – O outro soltou uma risada sem graça. – Parece que além de ter de cuidar das minhas folhas de exercícios, eu ainda me ofereci para cuidar das de matemática e história também.

Steven coçou a cabeça.

–Maxie-sensei e Cynthia-sensei pareciam tão atarefados que eu me ofereci, mas acho que acabei exagerando. – Então, gesticulou com a mão para os dois alunos amedrontados no canto da sala. – Que bom que eu tenho Ruby e Sapphire para me ajudar. O que me lembra... Nós ainda temos muito que fazer, não é vocês dois? Venham comigo.

Não foi preciso repetir uma segunda vez, os dois morenos rapidamente agarraram as folhas de exercício e correram para perto do outro professor.

–Se nos der licença, Archie-sensei. – O homem de cabelos prateados se despediu e empurrou os dois jovens pela porta afora.

Archie permaneceu no centro da sala, de braços cruzados.

–Tsc, que chato. – Resmungou.

Já há alguns corredores de distância daquela sala de aula, os três se encontravam parados perto das escadas que levavam ao primeiro andar, Ruby e Sapphire respiravam fundo, esbaforidos, como se tivessem corrido uma maratona, mas provavelmente era só por causa do susto que o professor de educação física os dera.

–Eu já avisei vocês sobre essas gritarias. – Steven cruzou os braços e franziu o cenho. – O que você teriam feito se eu não tivesse aparecido?

–Obrigada, Steven-sensei!! - Sapphire foi rápida em agradecer e curvou-se várias vezes. – Você é o melhor professor do... Da... Do...

–Do mundo! Do universo! – Ruby completou com os olhos brilhando. – Desde que o Big Bang explodiu!

–Sim! – A morena concordou com a mesma empolgação.

–Também não é para tanto. – O professor sentiu uma gota descer por sua testa, mas riu mesmo assim. Depois, olhou para o relógio que tinha no pulso e assumiu um rosto mais sério. – Bom, vocês podem me agradecer depois. Acho que vocês devem ter um compromisso agora, não?

Ambos pararam e se encaram por alguns segundos, até a ficha cair na cabeça deles como uma pedra.

–Ah, é verdade! Eu tenho aquela-! ... Coisa. – A garota colocou uma mão sobre a boca. O garoto com o gorro ao seu lado assentiu.

–É... Eu também tenho. Tchau, Steven-sensei! E obrigado!

–Sim, até mais! – Sapphire assentiu e acenou.

Os dois jovens saíram correndo pelas escadas, a morena tropeçou em um dos degraus, mas foi rapidamente amparada pelo outro moreno.

–E- Ei, cuidado!

–E- Eu sei, não preciso de ajuda!

–Ah, claro que não.

Depois que a atingiram o primeiro andar, seus gritos ainda podiam ser ouvidos.

–Vem logo, seu lerdo!

–Eu estou calçando o meu sapato!!

O professor continuou os ouvindo, até que as vozes não passassem de murmúrios na distância enquanto os outros dois se afastavam do prédio da escola.

Steven não conteve o riso que deixou seus lábios.

–Ah, eles não tem jeito mesmo. – E suspirou, ainda sorrindo. – Bem, é melhor eu ir ou a Cynthia vai ficar furiosa se eu me atrasar de novo.

***

A mulher de longos cabelos violetas colocou uma mão na testa enquanto o homem de cabelos esverdeados ao seu lado suspirou.

–Você pode... Repetir, por favor? – Ele pediu, tentando manter a calma.

Winona estava só esperando a morena aparecer para lhe dar uma bela bronca, mas as palavras sumiram de sua boca quando viu Sapphire entrando na sala reservada para eles ainda com o uniforme escolar enquanto arrastava um garoto de gorro branco com o mesmo uniforme pelo pulso.

E que descobriu ser Yuuki, alguns minutos depois que os dois jovens se encontravam já sentados no sofá, como Wallace a revelara.

–Yuuki. – Sapphire falou, apontando para o garoto ao seu lado.

–Harur-! ...Haruka. – Ruby falou de volta, apontando para a garota ao seu lado.

Winona suspirou.

–Quem diria, não é? – E dirigiu seus olhos violetas para o homem de cabelos claros. – Então, a Har- Digo, a Sapphire também tem uma vida dupla como o Ruby.,,

–É o que parece... – A mulher assentiu e olhou para a sua cliente.

–Foi ideia sua?

Ela piscou e voltou a encará-lo, soltou um xingo em pensamento ao perceber o leve sorriso que o mesmo tinha nos lábios.

– ...Sim. – Ela cruzou os braços. – Presumo que a ideia de Ruby ter uma vida dupla também foi sua?

Wallace assentiu.

–É... Não é surpresa que pensemos igual, ás vezes.

Winona virou o rosto para o lado, se concentrando em outro ponto, mas um leve rubor apareceu em suas bochechas.

Isso fez Sapphire franzir o cenho, olhar para Wallace – que segurou sua visão sobre a mulher de cabelos violetas por mais um tempo, antes de voltá-la para ela e o moreno ao seu lado – e arregalou os olhos.

Estava muito ocupada com sua realização para perceber que Ruby fizera o mesmo.

–De qualquer forma... – O agente de Ruby começou. – Independentemente disso, o AltaFest será daqui a menos de duas semanas, não podemos deixar que atrapalhe o dueto, certo?

Os dois jovens trocaram olhares e viraram para direções opostas, emburrados.

–Eu acho. – A garota respondeu.

–Sim. – O moreno concordou.

O homem de boina branca suspirou.

–Isso pode ser mais difícil do que imaginei.

***

Olhos verdes piscaram rapidamente, os lábios rosados formavam um bico e a testa estava franzida. De braços cruzados e pensamentos a mil por hora, Lisia encarava sem piscar os outros dois idols do palco.

Havia saído cansada de seu próprio ensaio, mas estava feliz porque teria tempo de ver seus dois amigos queridos agindo fofamente como um casal de apaixonados, mesmo que estivessem alheios a isso.

O que encontrou, no entanto, fez seu sorriso quebrar em mil pedaços.

O ensaio correra bem, alias, correra ótimo, como sempre. As vozes estavam em sincronia, assim como os movimentos, a melodia fluía e ambos pareciam estar absolutamente confortáveis.

Isto é; até que o ensaio acabasse, os sorrisos sumissem e ambos virassem de costas um para o outro.

Aquilo não estava certo! Lisia sentiu vontade de bater o pé.

–Hm? Que tal melhorar nessa parte, Haruka? – Ela ouviu Yuuki perguntar para a morena.

Lisia congelou.

HARUKA?!?

–C- C- Como assim!? O que aconteceu com o ‘‘Haruru’’?!?! – Ela exclamou indignada, mas em pensamento.

–Pode ser. – Haruka respondeu simplesmente e se afastou logo depois.

–E porque você tá tão fria, Haruru?!?! – A garota de cabelos esverdeados mordeu a manga de seu casaco, olhos lacrimejando. – Você costumava demorar para sair de perto dele!!!

–Lisi?

Ela parou e olhou para trás, dando de cara com seu irmão.

–Nii-chan?

–Tá tudo bem?

–Uhum.

–Então porque você tá mordendo a manga do seu casaco? – Ele levantou uma sobrancelha.

A garota arregalou os olhos e abriu a boca.

–Por nada, hahahah... ha. – E voltou a olhar para frente. Wallace ficou com uma gota.

–Vou buscar uma água. – O moreno com as mechas bicolores falou e desceu do palco.

–EEH!? Espera, você costuma perguntar se a Haruru quer algo também!! – Lisia mexeu os braços freneticamente, mas continuou apenas exclamando em seus pensamentos.

Ela olhou para a morena que continuava lendo a letra e anotando coisas aqui e ali.

–Você não vai falar nada, Haruru?!?! – A dona dos olhos esverdeados ficou boquiaberta, até assumir uma expressão emburrada. – Mas o que tá acontecendo aqui?!?!

E saiu correndo atrás do moreno, decidida a descobrir.

Parado na frente da máquina de bebidas, Ruby abaixou-se para pegar a água que caíra no vão do aparelho.

–YUUKI!!!

–GEHEEE!! – Ele gritou e jogou a água para o ar. Logo depois olhou para cima e tentou agarrar a garrafa de novo, mas ela continuou quicando em suas mãos até que ele finalmente conseguisse. Suspirou e olhou para trás. – Lisi-chan! Que ideia foi essa?!

–Detalhes, detalhes! Eu te comprava outra água se fosse o caso! – Lisia correu para perto dele e ficou a sua frente. Ruby recuou um passo, levemente assustado. – Agora, explique-se!

Ele piscou.

–Hah?

–Explique-se!!

–Mas sobre o quê?! – Ele exclamou de volta, confuso.

–Sobre você e a Haruru!

O moreno parou.

–Ah.

A garota a sua frente estufou as bochechas.

–Aí, tá vendo!?!? – Ele deu um passo para trás, outra vez. – Toda vez que eu mencionava a Haruru, você ficava vermelho e com um brilho nos olhos! O que houve?!!?

Ruby sentiu seu rosto arder. Ele não ficava assim, ficava?

–N- Não é para tanto, sab-!

–Ah, é sim, Senhor Tonto Apaixonado!

–Lisi-chan!

–Explica!

O moreno a encarou e depois olhou para seus sapatos.

–É complicado...

–Como assim? – Lisia piscou e sua expressão mudou para uma preocupada.

–Digamos que... Ela não era quem eu pensava ser...

–Não era quem voc... – A garota arfou quase que dramaticamente. – Ela tava te traindo?!?

Ruby teve de se segurar para não cair para trás.

–Não é nada disso!! – Ele exclamou, completamente vermelho. – E a Haruru nunca faria iss-! D- Digo...

E calou-se.

A garota de cabelos esverdeados piscou e se encolheu um pouco.

–C- Claro, eu sei que não... – Quase se deu um tapa por ter pensado aquilo. – Mas então o que aconteceu...?

O moreno suspirou.

–Não é nada, Lisi-chan. Deixa para lá.

–Como assim “nada”?!?! É óbvio que é alguma coisa, se não vocês não estariam desse jeito!! – Ela insistiu, mas não houve resposta do seu amigo. – Yuuki!!

A garota agarrou a manga de seu moletom e começou a balançá-lo.

–E- Eh!? Lisi-chan, espe-!

Foi então que ele escorregou, o que fez os dois caírem no chão.

–A- Ai...

–Ah! Desculpa! – Lisia saiu de cima dele e se afastou. – Você tá bem?

O som de tênis arranhando o assoalho chamou a atenção de ambos e os fez olharem para a direção de onde tinham ouvido.

Foi nesse momento que encontraram Sapphire parada perto da máquina, olhando para eles fixamente com seus olhos azuis.

–H- Haruru! – Lisia gaguejou.

Mas a morena nada disse, apenas caminhou até a máquina, depositou uma moeda e apertou um botão. Esperou até que seu refrigerante caísse, o pegou e saiu andando de volta para o corredor de onde viera, sem nem ao menos dar um tchau.

A outra garota piscou.

–E- Eh...? – E se virou para Ruby, este olhava para um ponto qualquer que não fosse por onde a morena saíra. – Yuuki..?

Ele apenas se levantou e pegou sua água.

–Mas o quê tá acontecendo aqui?!?! – Lisia choramingou em pensamento.

Enquanto isso, andando pelo corredor, Sapphire quase quebrou a tampa da garrafa de seu refrigerante ao tentar abri-la.

–Por que eu tô tão irritada? – Ela pensou e amaldiçoou a si mesma em pensamento.

***

Só faltava apenas uma semana para o Altaria Festival.

E tudo corria bem, os preparativos estavam prontos, a iluminação, cenário, figurinos... Tudo checado e organizado! Os ensaios estavam ótimos também e todos pareciam animados.

Exceto um casal de morenos.

Nos ensaios tudo estava ás mil maravilhas, mas quando tudo terminava. Os dois apenas viravam um de costas para o outro e seguiam seus caminhos.

Nada de conversas, nada de risadas e nem mensagens trocadas.

Era frio e sem-graça.

E não podia continuar daquele jeito.

A porta do armário de Sapphire foi fechada rapidamente assim que ela terminara de guardar seus livros, mas não foi ela que fechara.

Olhou para a mão ainda encostada na porta de metal e seguiu os olhos pelo braço, depois ombro até chegar no rosto do culpado.

–Precisamos conversar. –Ruby falou e tirou a mão do armário.

–Não tenho nada para conversar com você. – Ela respondeu e saiu andando.

–Sapphire, espera!

–Tchau, Ruby.

–Eu falei espera! – O garoto conseguiu alcançá-la e andou ao seu lado. – A gente precisa mesmo conversar, é sério!

–Eu não estou afim. – A morena apertou o passo sem olhar para trás.

–Sapphire! – Ruby exclamou, grato por ser final de tarde e não ter nenhum aluno no corredor. Sim, ele esperara até que as atividades do clube dela tivessem terminado. – Por favor!

Suspirou aliviado ao ver que ela parara de andar. Demorou um pouco, mas a garota se virou.

–Me paga um refri, aí eu penso no assunto.

Do lado de fora da escola, a morena se encontrava sentada na mureta que separava o pátio da frente do terreno gramado lotado de árvores que ficava de ambos os lados da entrada do prédio.

Sentiu algo gelado tocar sua testa e olhou para cima, encontrou Ruby lhe estendendo uma lata do seu refrigerante favorito.

–Obrigada. – Ela a segurou e abriu. Enquanto tomava o primeiro gole, viu o moreno se sentar ao seu lado e abrir a sua própria lata. Engoliu. – Então, o que você queria falar?

O garoto suspirou logo após tomar um gole.

–Precisamos parar com isso. – Falou e ela o encarou.

–Parar com o quê?

–Com isso! Ficar se ignorando sem parar e só falando como duas pessoas normais durante os ensaios. – Ele a olhou. – As pessoas vão começar a reparar e isso pode ser um problema. Quer dizer, a Lisi-chan já percebeu.

A morena sentiu sua sobrancelha esquerda tremer.

–Era por isso que vocês estavam caídos no chão? – Resmungou e o moreno levantou uma sobrancelha, confuso.

–Bom, sim! Ela agarrou a manga do meu moletom e ficou me balançando até que a gente tropeçasse.

A garota ia bufar, mas parou.

–... É bem a cara dela fazer isso... – Murmurou.

–Pois é. – O garoto concordou e tomou outro gole de sua bebida.

Bom, ele tinha razão. Aquilo estava ficando muito desagradável, ter de evitar um ao outro, agir forçadamente durante os ensaios e ainda por cima aguentar aquela sensação de que algo estava deixado por fazer.

–Quero dizer, eu sei que a gente se odeia, pelo menos até o fim do Festival...

Ela o encarou.

–Eu não te odeio.

Ruby parou e foi a vez dele a encará-la.

–Como é?

–Eu não te odeio. Nunca te odiei.

–Não?! – Ele piscou.

Sapphire negou com a cabeça.

–Claro que você me irrita bastante quando quer, mas não. Eu nunca cheguei a te odiar. – Ela tomou outro gole. – Por quê? Você me odeia?

–A- Ah, não! – Ele olhou para cima e coçou a cabeça. – Só falei aquilo porque eu achei que você me odiasse.

–Hm. – Foi a resposta.

Um leve calor se apossou do peito de ambos naquele momento, diante a aquela descoberta, mas preferiram ignorar.

–Bom... De qualquer forma, o que você acha? Vamos ficar em bons termos pelo menos até o AltaFest acabar?

Sapphire assoprou uma mecha para longe de seus olhos e olhou para o céu.

–É... Acho que não tem problema, digo... Ficar ignorando alguém é bem chato e eu sinceramente detesto esse clima pesado. Dói os ombros.

–Doí os ombros? – Ruby levantou uma sobrancelha.

–É. Porque é pesado. – Ela se virou para ele e pôs as mãos nos ombros para dar ênfase.

–Mas é só um termo figurativo...

–Ah, mesmo assim, só sei que dói! – Ela bufou.

O moreno segurou a risada, mas continuou com um sorriso no rosto.

–Certo, certo. Como você quiser. Combinado, então?

–Uhum. – Ela assentiu.

–... E eu posso voltar a te chamar de Haruru?

Ela o encarou.

–Não abusa.

–Ah, por favor. O que tem?

–Ruby.

–Por favooor!

A morena estufou as bochechas, mas parou ao ter uma ideia.

–Tudo bem, mas com uma condição!

–Hm? Qual? – Ele piscou.

–Essa! – Sapphire deixou a lata na mureta, se levantou rapidamente e arrancou o gorro da cabeça dele.

–Eh!? Ei!! – O garoto dos olhos vermelhos exclamou.

–Oooh... – Ela murmurou ao passar os dedos pelas duas mechas coloridas em meios aos fios negros. – Então você pintou mesmo...

–Mas hein? Era isso que você queria saber? – Ele perguntou com uma sobrancelha arqueada.

–Sim, e... Ah! – Ela tocou levemente a cicatriz, o que fez um arrepio percorrer as costas de Ruby pelo contado com a pele sensível. – E essa cicatriz é de verdade mesmo...

–Bem, é. Eu me machuquei quando era mais novo.

A morena fez uma careta.

–Deve ter doído.

–Eu nem lembro direito... Ah, mas peraí! Você já terminou de ver ou não?

–Hmm... – Ela murmurou. – Será que é de verdade mesmo...?

–Ei!

Sapphire riu.

–É brincadeira, é brincadeira.

O garoto estreitou os olhos enquanto a outra ainda soltava alguns risos e, de repente, segurou suas bochechas, assustando-a.

–AI! O quê?!

Ruby continuou com os olhos estreitados até que piscou e voltou a olhar normalmente.

–Ah, seus olhos são azuis mesmo.

A morena piscou.

–Mas o quê!? É claro que são! – Respondeu ofendida.

–Ora, não me culpe! Eu achei mesmo que fossem lentes, afinal é muito raro encontrar alguém com olhos tão brilhantes assim, sabia?

Ela parou e o moreno observou enquanto um rastro de rosa se espalhava pelas bochechas dela. Piscou e percebeu como estavam próximos, principalmente seus rostos, visto que ela se aproximara para ver seu cabelo e cicatriz e ele para ver seus olhos.

O garoto de olhos vermelhos sentiu suas bochechas esquentarem e largou devagar das bochechas dela, a garota fez o mesmo com seu cabelo.

Sapphire se afastou e agarrou a mochila, junto da latinha de refri.

–Ó- Ótimo. – Ela andou alguns passos de costas e parou. – Tá decidido então.

O rastro de rosa lentamente se tornava vermelho e ele percebeu como a cabeça inclinada dela fazia com que alguns fios se soltassem dos demais do seu cabelo e encostassem levemente nos lábios da jovem.

Opa, espera.

–E- Então, tchau! – E assim, a morena saiu correndo.

–A- Ah! Tchau! – Ele acenou brevemente e olhou para suas mãos depois que a viu sumir de vista. – Por um momento, tive a impressão que não queria soltá-la...

***

–Droga! Droga! Droga! – Sapphire gritava consigo mesma em pensamento enquanto corria pela calçada. – Mas o que raios foi aquilo?!

A morena parou de repente e olhou para o chão, lentamente levou as duas mãos para tocar suas bochechas.

“... Afinal é muito raro encontrar alguém com olhos tão brilhantes assim, sabia?”

–Por que raios ele teve que dizer aquilo?! – Ela bateu o pé e parou, sentindo as bochechas arderem de novo. - ...As mãos dele... Sempre foram quentes assim...?

Mas arregalou os olhos ao perceber o que pensava.

–ARGH! Mas o que tá acontecendo comigo!? – Ela finalmente berrou enquanto bagunçava o seu cabelo com as duas mãos. – Vê se você se controla, Sapph-

–Haruru?

A morena congelou.

Lentamente, ela virou o rosto para a esquerda e se deparou com uma garota de longos cabelos esverdeados que estavam soltos, olhos da mesma cor, usava uma calça jeans e uma blusa de manga comprida branca. Atrás dela, estava a entrada do que pareciam ser um daqueles prédios luxuosos da cidade.

Sapphire não demorou em reconhecê-la. Teria sido mais rápido se ela estivesse com seu usual rabo de cavalo, no entanto.

–Haruru, é você? – A garota repetiu ao inclinar a cabeça para o lado.

Lisia.