Depois da Meia-Noite escrita por Borboleta Negra


Capítulo 3
Intrusos




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Elizabeth fitou o lago até o outro lado da margem, onde começava a cidade de Forks. Ali em cima do penhasco, o vento soprava seus cabelos armados de cachos negros e longos e ela parecia uma estátua viva, com o olhar vidrado e semblante pensativo. Que estátua maravilhosa aquela! Parecia uma deusa africana. A pele negra, de um brilho acinzentado, e as feições combinadas da miscigenação queniana com a britânica criavam um aspecto único à sua figura.

Ela ponderava atravessar o Lago. Mas não sabia ao certo se aquilo iria mata-la ou não. Com tão pouco tempo de existência vampírica – sete meses não era muito para quem tinha toda uma eternidade pela frente – não sabia ainda ao certo se era realmente imortal a tudo. Não havia tido um mestre, aliás, nenhum deles havia. Eram filhos de um mesmo vampiro, porém criados numa noite de inverno e abandonados a própria sorte nessa mesma noite, com apenas algumas instruções básicas de sobrevivência.  

Os outros eram Charlotte e Theo Vincent. A primeira, uma garota tipicamente americana, com talvez alguma herança celta. Seus cabelos ruivos caíam como uma cascata em chamas pelas suas costas, com várias nuances de vermelho e laranja. A pele branca um dia já tivera sardas, mas agora era lisa e imaculada. Colocava-se a direita de Elizabeth, mas não fitava o lago como ela, apenas brincava de se equilibrar na pontinha do penhasco, imaginando como seria a queda. Se fosse humana, teria medo de fazer aquilo, mas agora, a possibilidade lhe intrigava.

O rapaz era um galês que havia tido a falta de sorte de estar no lugar errado e na hora errada naquela fatídica noite em Londres, quando foi transformado. Sua extraordinária beleza tinha um quê de cigana ou nórdica. Era alto e seus cabelos negros estavam bagunçados e um pouco grandes, o que lhe conferia um ar rebelde e despojado. Os olhos eram de um tom de verde esmeralda felino, ressaltado pelas sobrancelhas negras e grossas.

Foi ele o primeiro a quebrar o silêncio com seu sotaque francês, arrancando a deusa africana de seus pensamentos.

— E então? Dá para atravessar?

Elizabeth deu de ombros, frustrada. Não imaginava como uma longa distância percorrida a nado afetava um corpo vampírico. Sabia que atravessar aquele lago era humanamente impossível, no entanto, sabia também que agora não era mais humana e seu corpo estava muito mais resistente. Ainda assim...

— Sinceramente, não faço ideia. — declarou, franzindo o cenho. Odiava ter todas aquelas dúvidas sobre sua própria condição de espécie.

— Bem... — suspirou Vince — Sempre há a opção de dar a volta.

A negra suspirou também, porém com indignação. Não queria dar a volta! Se recusava a fazer isso! Estava farta daquela viagem. Sentia-se cansada, por mais que seu corpo fosse incapaz de sentir cansaço. Haviam sido sete longos meses de busca, medo, apreensão, corrida. Agora que estavam tão perto, ela não queria ser obrigada a dar a volta e demorar mais um dia para chegar ao destino. Ainda assim, não adiantaria nada morrer no meio da travessia, não é...?

— Ah! Pelo amor de Deus! — falou uma voz feminina, com impulsividade irrepreensível. No instante seguinte, Theo Vincent e Elizabeth ouviram o som de algo mergulhando na água.

— Scar! — gritou o rapaz, mas era tarde. Os dois correram intuitivamente para a borda do penhasco, a fim de enxergar melhor o lago.

A ruiva havia desaparecido em meio às águas negras e geladas.

Dali a pouco, a cabeleira vermelha reapareceu na superfície. Porém, Charlotte parecia agonizar.

— Oh, não! Me ajudem! Estou derretendo!

Elizabeth e Vincent estavam horrorizados! Com muita força de vontade contiveram o impulso de pular na água para salvá-la. Mas de que adiantaria pular e começar a derreter também? Os dois foram invadidos por um sentimento de pânico pela impotência de salvar a ruiva.

No entanto, nem bem cinco segundos haviam se passado e eles ouviram a risada zombeteira e audaciosa de Charlotte. Ela emergiu tranquilamente, boiando na água turva e depois nadando como uma sereia.

— Qual é! Vocês estavam preocupados com um laguinho de nada! Deviam ter visto suas caras! — ela riu — Pulem logo pra cá, a água está ótima!

— Sua...! — chispou Vincent, dizendo depois algum xingamento numa língua estranha e ininteligível. — Você podia ter se matado! E se a água fosse mesmo prejudicial para nós como é o fogo? Você teria sabido?

— Nunca iríamos saber se não tentássemos, oras! — a ruiva deu mais uma risada que irritou Vincent. Como ela podia ser tão inconsequente?

— Chega. — falou Elizabeth, antes que o rapaz gritasse mais alguma coisa em resposta à Charlotte. – Não temos tempo para perder com discussões.

Com isso, a líder também pulou na água e foi seguida por um cigano contrariado, de cenho franzido.

— Viram? Não há problema algum. — constatou a ruiva. — Nós até nem precisamos voltar à superfície para respirar. Podemos mergulhar uma única vez e já sair do outro lado da floresta!

— Ótimo. É exatamente o que faremos.

— Mas, da próxima vez que nos assustar desse jeito, — Vince disse ameaçadoramente para Charlotte, porém com um prenúncio de sorriso nos lábios. — Você me paga, ma puce*!

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A Mercedes só parou quando em frente a uma belíssima casa em meio à floresta. A casa dos Cullen estava exatamente do mesmo jeito que havia sido completamente deixada há 20 anos, quando Bella ainda era uma humana insegura e Renesmee uma criança de 8 meses com aparência de 10 anos. Salvo alguns reparos feitos ao longo dos verões em que eles passaram ali, a casa estava praticamente intocada.

Esme, Carlisle, Rosalie e Emmett esperavam reunidos na varanda. Eles haviam chegado ali três dias antes, para arrumar algumas coisas antes que os outros chegassem. Mais um verão vinha, e por mais um verão aquela morada serviria de refúgio para os Cullen.

Renesmee nem bem prestou atenção à casa que lhe trazia tantas lembranças nostálgicas, imediatamente voltou seu olhar para o meio das árvores, para os bosques em penumbra logo ali na frente. Ela sentia o chão vibrar com o que eram passos rápidos que se aproximavam a cada segundo. Um sorriso lhe escapou dos lábios. E um segundo após, a matilha de lobos explodiu para fora da mata, em sua direção. Ela foi cercada por enormes criaturas de pelagem macia, cada uma com uma cor diferente.

— Oi Leah, Seth, Embry...! — ela os cumprimentou a todos, agarrando-se em seus pelos macios. Mas quando notou que havia alguém faltando, seu olhar se voltou novamente para o bosque, cheio de expectativa. Onde estava Jake?

Logo mais, o rapaz apareceu entre as árvores, já em sua forma humana, vestindo apenas uma bermuda e uma camiseta sem mangas. O olhar profundo encarando Nessie, e trazendo no canto dos lábios um sorriso.

O coração da garota pareceu que ia parar de repente. Ela entrou num estado de transe e confusão, e não sabia o que fazer. Nos verões passados, teria corrido sem pestanejar na direção de Jacob e pulado em cima dele, derrubando-o no chão com sua força. Mas agora ela não conseguia. Suas pernas não se mexiam.

Ficou parada como uma idiota, esperando que ele viesse ao seu encontro, o que não demorou muito. Ao contrário dela, Jacob parecia saber muito bem o que fazer. Ele colocou as mãos fortes, grandes e firmes em sua cintura... e a ergueu no ar!

— Garota, como você cresceu! — ele riu, e rodopiou com Nessie ainda em seus braços.

— Seu besta, me põe no chão! — ela riu também, e sua inibição desapareceu. Seu coração voltava a bater normalmente e ela não se sentia mais insegura.

— Senti sua falta, pequena... — Jacob a colocou de volta no chão e, antes de poder vê-la ruborizar um pouquinho com aquele comentário, virou-se para olhar na direção dos outros vampiros. — E de vocês também, apesar do mau-cheiro! Lhes deixei ganhar a corrida como presente de boas-vindas, agradeçam-me!

— Até parece. — zombou Edward. — Você estava comendo poeira, isso sim!

— E aí, Jake? Como vão as coisas? — interrompeu Bella.

— Nada demais... Forks continua a mesma e La Push também. A gente quase morre de tédio sem vocês por aqui pra provocar uma briguinha. Então, vão ficar por quanto tempo dessa vez?

— Só até o verão acabar, como sempre... — suspirou Renesmee, dirigindo um olhar com um quê de irritação para o nada.

— Não pode estar falando sério...! Carlisle havia dito que...

— Jacob! — interrompeu o próprio chefe da família — Rose preparou o jantar para você e Renesmee. Você sabe como ela fica brava quando não apreciam o seu trabalho. Vamos entrar e conversar sobre essas coisas mais tarde?

Edward ergueu uma sobrancelha. O que significava aquele sorriso amarelo e olhar sugestivo que seu pai dirigia para o lobo? E aquele convite aleatório? O vampiro imediatamente considerou vasculhar os pensamentos de ambos para saber o que aqueles dois haviam partilhado em segredo na sua ausência, mas um olhar repreensivo de Bella o fez pensar duas vezes sobre isso. Ele não queria ouvir dela outro sermão sobre privacidade, respeito à integridade psíquica alheia, liberdade de pensamento e etc. O último havia durado duas semanas inteiras!

Assim, sem mais delongas, todos entraram na casa e sentaram-se à mesa de jantar, embora apenas Jacob e Renesmee fossem efetivamente apreciar aquela refeição. Rosalie buscou na cozinha uma travessa gigante de lasanha e serviu com seu melhor sorriso de dona de casa perfeita, antes, é claro, de franzir o cenho para o lobo sentado à mesa. Os olhos de Jacob saltaram sobre a comida e quando ele ia finalmente ao ataque, um barulho de vidro se espatifando no chão foi ouvido da cozinha.

Alice havia deixado cair a jarra de suco que estava levando para a mesa, mas não só isso, ela havia entrado em um estado de transe que todos conheciam muito bem.

— Ah, qual é... A cartomante não pode esperar pra ter visões malucas depois do jantar, não? — resmungou Jacob, recebendo logo após um tapa no pé da orelha dado por Bella.

   Jasper — sempre Jasper ­— foi o primeiro a ampará-la, controlando sua ansiedade.

— O que você viu?

— Intrusos... — disse Alice — Três vampiros nômades acabam de cruzar a fronteira da cidade. Estão vindo para cá.

— Quanto tempo temos? — perguntou Carlisle.

— Chegarão em 10 minutos.

 Jacob levantou-se da mesa.

— Não se a gente pegar eles primeiro.

E, antes que alguém pudesse protestar, disparou porta afora para dentro da floresta, sendo seguido pelos outros lobos da matilha.

 

 


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Notas finais do capítulo

[1] Do francês: Minha pulga, significado literal – Minha querida, significado pretendido. Equivalente ao português “Queridinha...”, em sentido irônico.

Próximo cap sai amanhã! Bjinhoss



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