O anjo e o demonio escrita por Lu Rosa


Capítulo 5
Como o mundo é pequeno...




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David abriu a porta do pub e ele e Nigel adentraram o salão. Um balcão de madeira maciça dominava o ambiente. O local bem iluminado estava repleto de flâmulas heráldicas e de time de futebol. Uma televisão de pelo menos 42 polegadas estava numa parede e vários homens estavam vendo uma partida de futebol. David reconheceu o Bayern de Munich, mas não saberia dizer qual era o outro time, que estava ganhando do Bayern por dois a zero.

Ele viu Bryan equilibrando várias canecas de cerveja escura que ele sabia ser a bebida favorita na Irlanda, a Guiness. Ele mesmo já a provara e gostara do sabor forte. Fora a única vez que ele se embebedara em um bar.

Nigel teu um breve toque em seu ombro e os dois se dirigiram para o balcão. Um homem sólido como um tronco de árvore e tão grande quanto, cabelos brancos quanto a neve, mas com cara de poucos amigos, parou de secar um copo e perguntou:

– Os cavalheiros vão querer...

David e Nigel se entreolharam e David respondeu.

– Um uísque pra mim e uma cerveja pro meu amigo.

O homem começou a se ocupar das bebidas quando Bryan chegou com as canecas vazias. David imaginou se ele havia recolhido as canecas ou se elas eram as cheias que Bryan estava equilibrando na bandeja quando eles chegaram. E que espécie de homens bebe meio jarro de cerveja em cinco minutos?

– Pai, esses são os senhores Marshall e Bourne que estão hospedados no hotel.

– Minha mulher gostou de vocês e ela é ótima pra julgar o caráter das pessoas. Sou Thomas Michaelis. – ele colocou os copos sobre o balcão e Nigel pegou a caneca de cerveja.

– David Marshall e Nigel Bourne – indicou Nigel que estava tomando sua bebida. – É sempre movimentado assim?

– Hoje tem jogo. – Thomas esclareceu. – É semifinal da Copa da UEFA. E esse ano, nós vamos ser campeões. Salve Saint Patrick! – ele gritou em direção aos homens que estava vendo o jogo.

Os homens responderam de volta com todo o entusiasmo que um irlandês pode ter.

– E os senhores são da América, não?

– Sim. Somos do sul dos Estados Unidos. De Atlanta. Eu sou historiador e Nigel é meu assistente. – ele tomou o uísque de uma única vez, sentindo o líquido queimar sua garganta. Não pôde evitar uma tossidela. Ao erguer os olhos, ele reparou em algo que não tinha visto. Um brasão enorme retratava um leão rampante segurando uma espada sob as patas e embaixo havia alguns dizeres em latim que ele não conseguia ler.

– Engraçado, eu estudei um pouco de heráldica irlandesa e conheço aquele brasão.

Thomas e Bryan giraram o corpo para ver o que David indicava. Foi o homem mais velho que esclareceu.

– Aquele é o brasão da minha família materna. – ele começou a passar o pano sobre o balcão secando uma poça imaginária.

– Curioso... - começou David pegando sua carteira e tirando uma carteirinha dela. – Esse é o brasão da minha família, os Maguire.

O velho parou de secar o balcão na hora e olhou para David com o cenho franzido.

– Como assim sua família? – alguns expectadores do jogo perceberam a mudança de tom de voz do dono do estabelecimento e muitos já começaram a se aproximar do grupo.

Nigel percebeu a mudança no ambiente e cutucou David, mas o rapaz pareceu não ter se dado conta.

– Veja, - ele tirou outro papel da carteira. – Aqui esta minha árvore genealógica – Meu avô era soldado na segunda grande guerra e conheceu minha avó que era enfermeira na França. Depois do fim da guerra na Europa, os dois conseguiram se encontrar, se casaram e foram para os Estados Unidos

– Espera ai. Como é o nome do seu avô?

– Era Thomas Willian Maguire. Ele morreu quando eu era um adolescente. Minha avó o seguiu logo depois. Ela não conseguiu lidar com a morte dele.

– Com os Diabos! – o grandão deu um soco no ombro de David que quase o derrubou – além de você ser um Maguire você é meu parente. Por que minha mãe vivia falando de um irmão que havia ido pra guerra. E que lá havia conhecido uma americana e ido para os Estados Unidos com ela. – ele apontou um retrato na parede. – Ele mandou um retrato dele e da esposa.

David e Nigel olharam para a parede e viram um casal vestido de acordo com os anos cinquenta.

– Eu não tenho uma foto aqui comigo. Mas eles tiveram uma filha...

– Que se chamava Mary Elisabeth. – completou o irlandês. – era o nome da mãe dele. – ele colocou mais copos sobre o balcão, enchendo-os com uísque. – Ei pessoal! Uma rodada por conta da casa, por que eu acabei de encontrar um primo meu.

Os homens no bar rodearam David dando tapas em seu ombro. Bastava a palavra de Thomas para que eles o aceitassem.

Quando a onda de euforia passou, os homens passaram a comemorar o final do jogo, por que o Saint Patrick havia ganhado de dois a zero do Bayern de Munich. E eles saíram porta a fora. Nigel, David, Bryan e Thomas ficaram no pub. Nigel por que não conseguia levantar da cadeira. O pobre rapaz não estava acostumado a beber uísque e no segundo copo já estava dormindo sobre a mesa. Bryan e Thomas estavam arrumando as cadeiras e David estava silencioso olhando as chamas da lareira.

– E então, David? O que traz você a Raphoe? – Thomas sentou-se ao lado dele.

– Thomas, eu sou um historiador. E vim para Raphoe por causa da Torre Dougherty.

– Você quer ver os fantasmas?

– Você pode falar sobre eles?

– Bem, eu nunca fui até lá, e que Deus me proteja seu eu precisar ir. – ele fez o sinal da cruz, benzendo-se – Mas homens; cuja quantidade de uísque ingerida os tornam corajosos, foram. E, David, dizem quem não tornam a colocar os pés lá enquanto viverem.

– Mas o que eles falam? O que eles viram?

– Não viram nada, é verdade. Mas ouviram. Gritos, barulho de espadas, o vento soprando mais rápido e trovões sem nenhum sinal de tempestade. E ai, um silêncio de enregelar o sangue. E depois do silêncio, um choro feminino de cortar o coração do mais empedernido homem. Dizem que é o choro daqueles que perderam seus entes queridos.

David apoiou o queixo na mão pensativo.

– E para conhecer a Torre eu vou precisar falar com Margaret Dougherty. Você a conhece?

– Eu tento manter distância das Dougherty, apesar de sermos parentes distantes. Mas minha mulher sempre esta com elas por causa da caridade. Elas são bruxas.

– É, sua esposa já havia falado algo a respeito. Mas ela tem muita consideração por elas.

– Sim. Elas são boa gente, apesar da fama da família. Desde o final do século dezessete, quando a única sobrevivente da família assumiu como chefe do clã, não se nasce um menino da família.

– Como assim? – David endireitou-se na cadeira. – Algum distúrbio genético?

– Aparentemente não. Todas saudáveis. Mas nenhum varão nasce naquela família desde o final do século dezessete. – O irlandês ajeitou a lenha na lareira e tornou a se sentar. – Você que ouvir uma história de bênçãos e maldições?

– É claro.

O tom do homem tornou-se mais cavernoso, o que divertiu David.

– Dizem que quando o bando da Besta de Donegal foi embora do castelo, eles queimaram parte dele. Mas a chuva forte que se seguiu controlou o incêndio. Um dos poucos sobreviventes homens, um padre, começou a procurar por sobreviventes. Quando ele viu o corpo decapitado de seu senhor ao lado dos corpos de seus dois filhos homens que lutaram ao lado do pai, ele não conseguiu conter um grito de dor. Seus gritos de lamento eram ouvidos pelos camponeses que voltavam após terem fugido. E assim ele foi de corpo em corpo, murmurando uma prece aos céus para que Ele mostrasse um sinal de esperança em meio àquela desgraça.

E quando o padre já estava desistindo, ele encontrou ao pé da escada o corpo de sua senhora deitada de bruços. Ao virar o corpo, ele viu uma criança. Era a filha mais nova dos senhores, a pequena Moira. Lady Maria era uma mulher grande, e seus vestidos maiores ainda. Moira sempre fora frágil e seu corpinho franzino escondido pela mãe a salvou da carnificina. A menina só tinha um corte no braço onde a lâmina da espada que matara a sua mãe passou.

O padre pegou a pequenina desmaiada nos braços e seu grito agora era de pura alegria. Porque o sangue de seus senhores sobreviveria naquela criança. Com a euforia, a criança acordou olhando ao redor assustada. O padre a colocou no chão, cobrindo seus olhos com as mãos.

Para sua surpresa, a menina colocou as mãozinhas sobre as suas retirando-as de seus olhos. – o irlandês inclinou-se para o americano. - Agora, David, preste atenção: a menina tinha apenas seis anos, o que uma criança dessa idade faria ao ver um cenário de destruição e morte?

– Bem, ela choraria e buscaria conforto no adulto mais próximo. Poderia até entrar em choque. – considerou David.

– Mas a pequena Moira não derramou uma lágrima. Diria que havia tornado-se adulta naquele momento. Diz a história, aqueles que viram que calmamente ela se voltou para o clérigo e perguntou:

“- Quem fez isso, Paddy?” “Foram homens muito maus, milady.”

“- Os homens fazem isso com as pessoas, Paddy?” “Alguns homens sim, milady.”

“- E suas mães saberiam que eles se tornariam maus, Paddy?”

Ele estranhou a pergunta, mas respondeu: “Não, milady. Elas não poderiam saber.”

Dizem que ela, então, colocou as mãos sobre o coração e falou algo que arrepiou todos os que estavam próximos.

“- Mães. Criaturas inocentes que dão a luz a criaturas infames. Pois eu, e todas as que virão depois de mim não amamentaremos a homens maus. Nenhum homem há de sair de nós.”

– Ah, isso é conversa, Thomas! – riu-se David. – nenhuma criança tem tal poder.

– Lenda ou não, distúrbio genético ou não, a verdade é que, em linha direta, na descendência da menina não houve nenhum homem. É como se o corpo delas se recusasse gerar um menino. E elas tinham a magia no sangue. Foi uma benção e ao mesmo tempo uma maldição.

– E como elas continuaram com o nome da família?

– Elas se casavam, é claro. Mas o marido assumia o nome.

– Hoje em dia isso poderia ser considerado normal. Mas há dois séculos? Nenhum homem aceitaria.

– Mas eles aceitavam... As Dougherty deveriam ser muito boas, se você me entende... – Thomas riu com gosto.

David deu um sorriso meio constrangido pelas palavras do outro. Ele viu Nigel debruçado sobre a mesa e balançou a cabeça. Ele precisava dizer a Nigel para tomar cuidado com o uísque irlandês. Era muito mais forte do que as margueritas que ele costuma tomar nas noites em Nova Orleans

– Bem, acho que já é hora de voltarmos ao hotel. – David se levantou. – Eu ainda vou ter que levar esse rapaz.

– Eu ajudo você. Tenho experiência com entrega a domicilio de rapazes que subestimaram o meu uísque. – Thomas riu.

Os dois homens pegaram Nigel e saíram pela porta. Bryan fechou tudo e os seguiu.


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