Anjo da Cara Suja - betada escrita por Celso Innocente


Capítulo 7
O primeiro filho




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Talvez devido às emoções do acontecido com Regis, Sara não conseguira dormir durante toda a noite, se remoendo e virando na cama, enquanto o sono não vinha. Porém não era insônia. Sentia mesmo era um tipo de cólica constante, que acreditava estar começando as contrações, para então chegar a trabalho de parto.

Como naquela manhã, de vinte e um de março, ela se sentia melhor, conseguindo até dormir um pouco, Luciano decidiu que iria trabalhar normalmente e na hora do almoço, mesmo que fosse preciso pedir autorização aos pais de Regis, iria buscá-lo, para que na parte da tarde, fizesse companhia a ela.

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O menino, apesar de ter as pernas e braços marcados por profundos vergões, fora a escola normalmente, inclusive, usando o mesmo uniforme em calça e camisa curta de sempre. Como de costume, tanto para ir, como no retorno, teria passado à casa de Elizabeth, de sua idade, morena clara, cabelos negros, lisos e longos; a qual, ele julgava ser muito bonita; com certeza a mais bonita de toda a escola; sendo sua colega de sala e companhia, desde a segunda metade do primeiro ano, inclusive morando no mesmo bairro, distante aproximadamente três quilômetros da escola. Com isto seguiram juntos, embora, evitando que ela olhasse diretamente para ele e também, evitando conversar muito, tentando assim, esconder seu trágico drama. Mesmo na escola, evitava ao máximo seus amiguinhos e não brincou durante o intervalo do recreio. Por sua sorte, criança não presta muita atenção em detalhes dos amigos e assim, ele teria conseguido driblar todo o período, sem que ninguém lhe fizesse gozações.

Às onze e meia daquela manhã, soara o sinal, indicando o final das aulas para aquele período matutino. Ele aguardou Beth, tomando o caminho de volta, subindo à Rua Jacomo Paro, chegando à rua que vem a ser prolongação da Rua Mato Grosso, que passa por detrás da Casa Anjo da Guarda, conhecida como estrada boiadeira, devido falta de pavimentação e muita sujeira, além de ser também, o local por onde os peões guiam suas boiadas, ao passarem pela cidade, inclusive em destino ao embarcadouro municipal, junto à linha férrea, para serem transportadas pelos gigantescos trens boiadeiros.

Ao adentrarem nesta rua suja, o menino a convidou:

— Beth, vamos pelo caminho do aeroporto!

— Por quê? — perguntou ela espantada.

— Por nada! Eu só queria passar por lá! Não precisa ter motivos.

— E você acha que isto é convite que um menino faz a uma garota?

— Por que não? — O estranhou.

— Quem você pensa que eu sou Regis?

— Uma menina bonita! — Afirmou ele em leve sorriso.

— No aeroporto tem mato!

—Tem trilhas!

— Continua tendo matos!

— E o que tem isso?

— Muita coisa! — Disse-lhe ela brava.

— Por favor, Beth, não pense mal de mim.

— Quem você pensa que eu sou pra andar no mato com meninos?

— Desculpe-me, não estou com má intenção!

— Quer ir por lá, que vá você! Eu irei pelo caminho de sempre.

— Você não se importa, se eu for por lá?

— Claro que não! Eu não mando em você!

— Então tchau! Vá direto pra casa.

— Afinal de contas, o que você vai fazer no mato?

— Apenas atravessá-lo! Tchau!

Ela seguiu pelo mesmo caminho de sempre, enquanto que o menino, sem motivos aparente, seguiu por outro, atravessando os apertados espaços, entre os vãos da cerca de arame farpado e tomando o terreno do então aeroporto, ou como todos o chamavam: aeroclube municipal, onde realmente possuía pequena trilha quase infiltrável, sendo dominado por um denso matagal que chegava a encobrir o pequeno aventureiro.

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Luciano chegou à sua casa ao meio dia, encontrando a esposa ainda na cama, sentindo muitas dores, sem sequer ter conseguido preparar o almoço. Com isto, ele mesmo preparou uma refeição rápida à base de caldo de galinha, para que ela também conseguisse comer algo, levando no próprio quarto. Ela sentou-se sobre a cama e conseguiu comer muito pouco, voltando a se deitar. Luciano decidiu então, que não sairia de casa, durante o resto daquele dia.

No período da tarde, estranhou a ausência do pequeno amigo, visto que depois que Sara entrara nos últimos meses de gestação, aparecia pelo menos por pouco tempo, todos os dias, a fim de saber se ela estava bem.

Às quatro horas da tarde, como as dores e contrações havia aumentado consideravelmente, Luciano apanhou sua bicicleta e correu até a estação rodoviária, em busca de um taxi.

Pouco depois das cinco horas, Sara estava internada na Santa Casa de Misericórdia, devidamente acompanhada por seu médico ginecologista, doutor Jorge Araujo.

Pouco depois das seis e meia, graças ao prestígio como funcionário público na Vara da Infância, Luciano teve contato com seu médico, que lhe tranquilizou, dizendo que Sara estava com pequenas contrações e que deveria entrar em trabalho de parto normal, ainda naquela noite, algumas horas da madrugada. Portanto, ele resolveu voltar para sua casa, no intuito de tomar um bom banho e preparar um jantar decente, pois praticamente não havia almoçado.

Enquanto tomava banho, pouco antes das sete horas, deixou a porta entreaberta, pois com certeza, Regis chegaria para assistir a novela.

Após o banho, ligou a televisão e foi para a cozinha, se aventurar como dona de casa, pilotando o fogão e mexendo com as panelas.

O estranho era que já teria passado da hora, inclusive com a novela pela metade e seu visitante diário não aparecia, começando a lhe deixar triste e meio preocupado: estaria ele de castigo? Estaria doente?

Mesmo quando as crianças começaram a brincar na rua, não conseguiu ouvir sua risada, ou gritos entre os demais. Com certeza estaria mesmo de castigo, imposto pela mãe.

Ainda não eram nove horas da noite, quando Luciano retornou ao hospital, onde passaria a noite, ao lado de sua esposa.

As contrações aumentaram muito durante toda a madrugada, novamente não lhe deixando dormir. Porém às quatro horas da manhã, ela foi levada para algum lugar, que talvez fosse à sala de parto.

Com o sofrimento da esposa, Luciano também não conseguira dormir durante toda a noite e depois que ela saiu, permaneceu de pé, andando por todos os cantos possíveis e permitidos dentro daquele hospital, parecendo mesmo, como todos dizem: uma barata tonta. Era a normal preocupação de um pai de primeira viagem.

Às cinco horas, uma enfermeira o encontrou dizendo:

— Pode ficar descansado. Já está tudo muito bem!

— E minha esposa? — Insistiu ele nervoso.

— Ela está bem! Daqui a pouco voltará pro quarto.

— Acalmaram-se as dores?

— Ela não terá mais nenhuma dor — riu a enfermeira com cordialidade.

— E o nenê?

— Está muito bem! Nasceu forte, com quase três quilos e medindo quarenta e cinco centímetros.

— Meu filho já nasceu? — Não acreditou ele.

— É um menino saudável. Logo você irá conhecê-lo.

Só então ele suspirou aliviado e muito feliz. Seu grande sonho em se tornar pai, acabava de se tornar realidade. Continuou andando feito a tal barata tonta, dentro daquele hospital e comentando com todas as pouquíssimas pessoas que encontrava pelos corredores, devido o horário da manhã. Ele era pai. Era um menino. Que melhor presente poderia querer?

Três ansiedades passavam agora por seu ser: Reencontrar urgentemente sua esposa, para dar-lhe um grande beijo; conhecer logo seu filhinho adorado, para segurá-lo com carinho entre seus braços; e contar a novidade a seu querido Regis, que coincidentemente teria nascido no mesmo horário de seu nenê e se tornara parte integrante de sua família feliz.

Pouco depois das seis horas, Sara foi devolvida à (a) seu leito, no quarto, onde o marido já a aguardava com muita ansiedade, porém não pode lhe dar um grande beijo, devido seu estado debilitado pela dor, se contentando com um pouco de carinho, entre um leve abraço.

— Nosso filhinho chegou! — Insinuou ela, com leve sorriso, em meio a sentimento dolorido.

— Você o viu? Ele é bonito?

— Muito lindo! Cabelos castanhos e olhos muito pretos, parecendo duas bolinhas de gude.

— Se parece comigo?

— É tudo uma miniatura de você.

Ela deitou-se sobre o mesmo leito anterior e em poucos minutos, dominada pelo cansaço de mais de vinte e quatro horas, estava dormindo.

Pouco depois das sete horas da manhã, o bebê foi levado para junto da mãe, onde Luciano pôde conhecê-lo, chegando a conclusão de que não tinha muito a ver consigo: era muito vermelho e testa toda franzida, olhos e cabelos muito pretos. Não sabia onde Sara teria visto cabelos castanhos e miniatura do pai.

Mas tudo aquilo era muito normal. Os bebês nascem geralmente assim, depois vão se transformando, tal qual uma metamorfose humana. Aquele bebê, que ainda não sabia o nome, pois não se preocuparam com isto, devido desconhecerem o sexo, aos poucos deveria mudar a cor dos olhos e dos cabelos e sua pele voltaria a um tom rosado, vindo então a sumir todo o franzido da testa e a tal icterícia do corpo, que com certeza, se demonstraria primeiro.

Apesar de o bebê estar ali, Sara dormiu até às onze horas, onde, depois de garantir estar muito bem, fez com que Luciano resolvesse voltar para casa, a fim de preparar um almoço e descansar um pouco, devido também, as duas noites quase sem pregar os olhos.

Deitou-se pouco depois do meio dia e só acordou às três horas da tarde; tomou um banho rápido e às quatro horas já estava novamente no hospital.

Sara estava acordada, com o bebê nos braços, forçando para que se amamentasse, apesar de que os primeiros leites, dizem se chamar tal colosso, que é um remédio natural para os recém-nascidos. O fato é que ela estava então com a pele corada e animada; oposto ao dia anterior.

Algumas pessoas amigas e familiares passaram pelo hospital durante todos aqueles dias, incluindo os pais do casal, alguns dos colegas de trabalho de Luciano e poucos de seus vizinhos.

Às seis e meia, Luciano retornou novamente à sua casa, onde requentou sobras do almoço, jantou, deixando a porta da sala aberta, para receber seu visitante, que desta feita deveria aparecer... Deveria.

Ele estava ansioso para lhes contar sobre o novo membro do mundo dos vivos, que com certeza, chegava para alegrar um lar quase deserto e dar sequência a seu nome de família.

O horário da novela estava se esgotando e ele não aparecia, o que estava o deixando muito preocupado: Não era possível, que menino tão bom, continuasse de castigo, por causa de uma briguinha entre amigos. Todas as crianças acabam mesmo se desentendendo e muitas vezes, partindo para chutes e pontapés; só que com certeza, os dois mesmos, já estavam como se diz: “de bem novamente”. Por que será que os pais, insistem tanto em castigo banal?

Ao retornar para o hospital, onde passaria novamente a noite, seguiu com sua bicicleta até a esquina de sua casa, na intenção de pelo menos vê-lo e saber que estava bem. Estranhou ainda mais, quando, alem de não encontrá-lo, não haver nenhuma criança na rua. Àquela hora, elas deveriam estar todas correndo e gritando, tal qual enxame de abelhas, pelas ruas e terrenos baldios, ao redor daquela quadra.

Montado na bicicleta subiu a rua, passando em frente à casa do menino, que estava com as portas fechadas e luzes acesas. Chegou a parar e pensar em chamar, para saber o que estava acontecendo, mas acabou por desistir, seguindo seu trajeto para o hospital, com o pensamento confuso: será que alem de seus pais o proibirem de brincar na rua, também proibiram a criançada de ficar em frente sua casa? Sabia ser um fato muito triste, um filho, apesar de ainda tão imaturo, em momento de irá, se voltar e tentar contra a própria mãe. Será que precisava dar-lhe tantas varadas doloridas pelas pernas e braços? Pessoas de bem, dizem que as crianças são realmente peraltas por natureza e para corrigi-las, Deus ensinou que realmente se deve usar de punição e que para isto já fez o jeito (as mãos) e o lugar certo (as nádegas).

A noite no hospital, transcorreu tudo normal, com o bebê dormindo durante quase todo o tempo e Sara, devido o cansaço acumulado, vindo a dormir até bem. Luciano, porém, como não conseguia dormir em hospitais e além de que, preocupado com a ausência de seu pequeno amigo Regis, acabou por assistir a cada hora daquela longa noite, onde, às vezes, percebia o bebê resmungando um pouco: acreditava que o bebê estava sonhando com seu antigo mundo, em sua antiga casa, protegido pelo útero sagrado de sua querida mamãe. Ele mal sabia que agora teria um mundo diferente pela frente, totalmente desprotegido contra muitas adversidades, como doenças infantis e perigos constantes. Por outro lado, ele deveria saber que teria um papai e uma mamãe, que tanto o aguardavam para lhe proteger, dando-lhe amor, carinho, assistência geral e até a vida, se preciso for.

Aquela criança ali no berço era tudo o que Luciano almejava em sua quase recente vida de casado, com uma santa esposa. Tanto fazia se tivesse nascido menino ou menina; seria amado da mesma forma. Aquele anjinho, era a peça que faltava, para completar aquela família, em um lar consagrado pelas mãos de Deus.

Às sete horas, Sara já acordada, tomara um reforçado e nutritivo café hospitalar, enquanto uma enfermeira ministrava o segundo banho na vida de seu filhinho querido; sendo o primeiro, o qual Luciano muito atento, assistia na intenção de aprender, pois sabia que teria essa tarefa constantemente, principalmente nos primeiros dias; sendo assim, ele pode observar todo o corpo desajeitado, de uma criança recém-nascida, com suas pernas encolhidas e a enfermeira, por praxe, dizendo que era bonitinho.

— Bonitinho? — Ironizou ele — Parece uma perereca.

— Tadinho, bem! — Reclamou Sara — Onde se viu chamar seu filho de perereca!

— Não parece mesmo? — Brincou.

— Não me faça rir — reclamou ela. — Estou toda dolorida.

Realmente, um bebê recém-nascido não é tão lindo como todos dizem. Aos poucos, vai mudando o jeito e a cor, então sim, ficará lindo. Mas quando nasce, com a cara franzida, pele vermelha, corpo parecendo ser revestido por pele de cobra que está para ser trocada e saquinho grande, não tem nada de tão bonito.

Às nove horas, o médico visitara Sara e o bebê no quarto e assinara sua alta, autorizando-os a voltarem para casa, a fim de retomarem suas vidas, que a partir de então, não seria assim tão rotineira.

Sara e o bebê, de taxi e Luciano, fazendo uso de sua bicicleta, que havia guardado em um dos corredores do hospital, tomaram seu caminho de volta ao lar, chegando pouco antes das dez horas.

A mamãe com o bebê, bem protegido nos braços, seguira direto para o quarto, acomodando-o confortavelmente em seu lindo berço em mogno e novamente deitou-se para descansar. Luciano estaria de folga do trabalho, exatamente para poder cuidar da casa e de seus afazeres.

Já se preparava para iniciar estas atividades rotineiras, quando alguém bateu palmas na entrada do portão. Com certeza, algum amigo ou vizinho, querendo visitar o bebê.


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Notas finais do capítulo

Quem será o visitante? Regis?
Puxa como seria legal um comentário!



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