Anjo da Cara Suja - betada escrita por Celso Innocente


Capítulo 6
O que fazer durante as férias?


Notas iniciais do capítulo

Desculpe a demora em postar cada capítulo.
Mas... enfim... Aqui está.



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Final de novembro foi marcado pelas provas finais, as quais deixavam todas as crianças apreensivas e ansiosas. Na sala do segundo ano do primário, todas as matérias eram apresentadas em apenas um exame final e lá estavam eles, coraçõezinhos assustados, diante de dona Maria do Carmo, que, como substituta, para não haver casos de favorecimentos a alguns alunos favoritos ou prediletos, enquanto sua querida dona Mercedes, faria o mesmo em outra sala.

Assim, a mestra, pegou do armário, um caderno brochura, novinho em folha e a partir do centro, desdobrou os grampos, retirando folha por folha e entregando aos pequeninos, informando-lhes para que escrevessem o cabeçalho:

Grupo Escolar Marcos Trench

29 de novembro de 1972

Regis Fernando de Araujo – 2º ano A

Exame final.

Assim, rapidamente, a professora dividiu o quadro em quatro partes e o encheu com exercícios separados, em cada parte por uma matéria diferente: Linguagem, Aritmética, Estudos Sociais e Ciências e Saúde.

Apesar da ansiedade, para Regis estava tudo bem, pois o que ele tinha de simples e tímido, tinha de inteligente e com isto, conforme anotava as questões do exame, as respostas já estavam na ponta da língua; quer dizer: na ponta dos dedos; com exceção de Estudos Sociais, que pegava um pouco, devido tantos nomes e datas de coisas e lugares, tais como:

Qual é a data do descobrimento do Brasil?

Parece simples. Seria, porém, para um menino de oito anos de idade?

Qual o nome das caravelas comandadas pelo almirante Pedro Álvares Cabral?

Quem celebrou a primeira missa no Brasil?

Quais foram os nomes dados ao Brasil?...

Uma vez terminado o exame, a criança o depositava sobre a mesa da mestra e estava dispensado, para só retornar à escola na segunda feira, dia quatro, onde teriam o veredicto final: aprovado para o terceiro ano, ou condenado a permanecer por um novo e longo ano inteirinho, em repeteco, na mesma sala.

Estando entre os dez primeiros, todos meninos, a terminar o exame, Regis, sentado do lado externo, junto ao alambrado que cercava a escola, aguardou por Beth, que como todas as meninas, era mais cautelosa com deveres escolares e foi uma entre as últimas a terminar...

De volta ao lar, com a mãe ciente das férias escolares, ela decidiu que aproveitaria este período, para trabalhar na lavoura com os dois filhos pré-adolescentes, Luis e Leandro, enquanto que o pai Rogério, mantinha seu emprego na construção civil e com isto, deixaria a incumbência de cuidar do lar e dos irmãos menores, ao então homem substituto da casa, na ausência dos demais.

Atividades como: lavar a louça, varrer a casa, estender os lençóis sobre as camas, cuidar da horta, alimentar as galinhas, limpar os armários e fazer o almoço, alem de manter a ordem entre os pequeninos, passava a ser exclusivamente do senhor Regis Fernando de Araujo.

Tudo bem com todas as atividades. No entanto, a mais complicada, seria talvez, cuidar do almoço, pois mexer com o fogão em brasa e fogo, panelas ferventes e crianças pequenas por perto, poderia ser perigoso. A mãe, dona Odete, porém, no intuito de ajudar, já deixava o feijão pronto, bastando requentá-lo. Regis cuidava de fazer o arroz, fritar ovos ou batatas, inclusive suas cascas, que o menino aprendera sabe-se lá com quem, que se lavasse muito bem tais cascas, ficaria uma delícia se as fritasse até deixá-las crocante. Acho que na verdade foi a necessidade de pobre que o fez aprender isso. Colher, lavar e temperar alfaces e muitas vezes, fritar um bife ou cozer algum tipo de carne ou legumes, também fazia parte de tal refeição.

Às onze horas, o pai chegava para almoçar e tudo teria que estar pronto.

Assim se passou por vários dias, com exceção da segunda feira, dia quatro, que ele retornara à escola com Beth, a fim de saber seu destino para o próximo ano. Quer dizer: ele já sabia seu destino para o próximo ano. O exame final teria sido bem fácil, mesmo os tais Estudos Sociais, com aquelas perguntas que fundem a cuca e ele, com certeza, estava aprovado para o terceiro ano ou terceira série, como queiram.

Em uma manhã de tempo fechado, depois de cuidar de quase todas as atividades lhe impostas, Regis se dirigiu ao quintal, apanhou alguns paus de pés de cafés secos, que lhe serviam de lenha, levando-os para o fogão: armou-os tal como arapuca, como já era de seu costume, tomou uma folha de seu caderno usado, colocando-a amassada sobre a lenha e riscou o fósforo. O fogo brotou preguiçoso, queimando o papel e se apagando novamente. O menino repetiu toda a façanha e o fogo teimoso, insistia em se apagar. Tentou mais uma... Duas... Três vezes e nada. Até parecia que a lenha estava molhada. Mas não estava. Apesar do tempo fechado, fazia dezenas de dias, que não caia uma gota de água dos céus.

Para o menino Regis, sua Penápolis se parecia muito com personagem Cascão, do brasileiro Mauricio de Souza: não gostava de tomar banho. As chuvas que sempre ameaçavam cair dos céus, até escurecendo o dia, acabavam fazendo muito barulho, molhando todas as cidades circunvizinhas e indo embora, sem deixar cair uma única gota sobre sua querida Penápolis.

Nervoso e com a cara até preta de fuligens e vermelha de suor, de tanto assoprar entre aqueles paus, na tentativa em vão de fazer fogo, abandonou tudo, deitando-se sobre sua cama, disposto a abandonar sua carreira de dono do lar, enquanto os irmãos menores brincavam no Buffet da sala, com quatro cadeiras e as portas abertas sobre elas, fazendo de conta que era um caminhão.

Às onze horas, Rogério encostou sua bicicleta na lateral esquerda da casa, entrando pela sala, indo até a cozinha para almoçar e teve uma surpresa, ao perceber que o fogo estava completamente apagado.

— Hoje não tem almoço nesta casa? — Questionou ele, surpreso.

— O fogo não quer ascender! — Protestou o menino, que se levantando, se dirigiu à cozinha.

Em silêncio, Rogério ajeitou os gravetos sobre o fogão, adicionou um pedaço de papel, ascendeu seu isqueiro à gasolina, ascendeu o papel e em poucos segundos, como mágica, o fogo ardia muito vivo naquele fogão. Então sem nada falar, se afastou para a sala e Regis voltou a sua atividade urgente: preparar o almoço do pai.

Naquela noite, seguindo o tradicional costume de seres humanos, em se acomodarem sempre nos mesmos lugares, como sendo donos dali, na sala de estar, enquanto Sara permanecia deitada sobre o sofá de três lugares e Luciano, sentado no de dois lugares, Regis fazia uso da poltrona.

— Sara me disse que você não tem vindo visitá-la durante o dia — insinuou Luciano, se dirigindo ao menino.

— Minha mãe está trabalhando na roça. Eu preciso ficar em casa, pra cuidar das crianças.

— Você, um adulto de oito anos, tem que cuidar das crianças? — Ironizou Luciano — Quantos anos eles têm?

— Letícia tem sete; Henrique cinco e Paulinho quatro. Eu acho!

— Você cuida também do almoço pra eles? — Questionou-lhe Sara.

— Hoje quando fui fazer almoço, o fogo não queria ascender de jeito nenhum. Então eu não fiz. Quando papai chegou e viu tudo apagado, me perguntou por que não tinha almoço. Eu disse que o fogo não queria ascender. Então ele foi lá e ascendeu muito fácil. Acho que o fogão tava de marcação comigo! Papai não falou nada. Nem ficou bravo! Foi pra sala e eu fiz o almoço.

— Nem lhe deu umas cintadas? — Ironizou Luciano.

— Papai nunca bate nas crianças! Ele nem ficou bravo! Por que será?

— Não seria porque ele sabe que você é só uma criança, pra tantas responsabilidades? — Insinuou o homem, sério.

©©©

O tempo passou muito depressa e quando se pôde perceber, o bebê já estava nos últimos dias de gestação. O casal Cavalari sentia que a qualquer momento, teriam que sair correndo para o hospital, aonde Sara, deveria em parto normal, dar à luz a uma criança, que ainda não sabiam o sexo. Com isto, o quarto já estava preparado para tal recepção, com as roupas de cama e uso do próprio bebê, em cores predominantes em verde e branco.

©©©

Sem que ninguém, nem sua família, nem mesmo ele próprio ou os Cavalari percebesse, Regis já havia completado seus nove anos de idade, no então dia oito de março. Sendo de família humilde, tal data, sempre passava despercebida e só alguns dias depois acabava descobrindo que já era um ano mais velho.

Estávamos em vinte de março. Ele, depois que chegou da escola, tirou seu uniforme, vestindo roupas surradas, almoçou, lavou a louça, varreu toda a casa, fez rápida visita à Sara, que tinha um barrigão muito grande, devido seu nono mês de gestação e então, pouco depois das quatro horas da tarde, foi para sua principal atividade: brincar; as vezes sozinho, outras vezes acompanhado pelos irmãos Paulinho e Carlos Henrique e algumas vezes, quando tinha outros visitantes, acabavam brincando de esconde-esconde, inclusive com a presença de sua mamãe Odete, que até parecia criança, no meio da molecada da tarde, se opondo ao pai Rogério, que sempre reclamava por tal tumulto: “Essa molecada não sai aqui de casa, vocês precisam ir fazer um pouco de barulho na casa deles também”.

Naquela tarde, Regis, sozinho, de calça curta, sem camisa, fazendo uso de uma caixa de fósforos vazia, estava na rua defronte sua casa, perseguindo as infelizes vespas, que talvez, para fugir do terrível calor de quase quarenta graus, que torrava tal local, na época de final de verão, em questão de segundos, cavavam rapidamente pequena toca na rua de terra dura, entrando para se refrescar. Com isto, o menino sorrateiramente se aproximava, colocando a caixa aberta sobre sua toca e fazendo uso de um talo de capim amargoso, introduzia sobre tal buraco, forçando a infeliz a abandonar o local, acabando presa sobre a caixa, que era imediatamente fechada, depois levada ao ouvido, onde seu desespero em tentar escapar, funcionava como música cruel, para tal anjinho da cara suja. Depois de alguns minutos, percebendo que a pobre vespa, sem muito oxigênio em presídio apertado, acabaria morrendo, ele abria lentamente a caixa, deixando que a pobrezinha, encontrando a saída, voasse apressada, sumindo para jamais voltar àquele local perigoso.

De repente, lá da casa da esquina de cima, surgiu Fabinho, que, tomando à rua, já iniciou seu jeito provocativo:

— Ei Regis mariquinha! Tá brincando de quê?

— Mariquinha quem me chama! — Protestou ele, com a cara vermelha de suor.

— Quem é que só fica brincando com menina? — Caçoou Fabinho.

— Não brinco só com meninas!

— Com quem que você brinca a toda hora? Com a Regina.

— Brinco com quem quero! — Reclamou ele, já um tanto bravo.

— Quem brinca com menina é mariquinha!

— Cala a boca seu filho da... — Pensou para completar e mudou — ...mãe.

Do jeito que Fabinho chegou valente, já foi lhe dando um soco na cara, fazendo o sangue escorrer pelas narinas e pintando seu peito, em vermelho escuro.

Nervoso e para revidar, grudou sobre tal agressor, traçando-lhe uma rasteira, levando-o ao chão, montando sobre ele e com a mão esquerda grudada em sua garganta e punho direito cerrado fortemente, agitou-o com toda sua força, esfregando contra seu nariz, ameaçando esmagá-lo, porém se acovardando ao final, sem, contudo o atingir.

O portão de sua casa se abriu rapidamente, surgindo sua mãe, quase correndo, com uma varinha verde fina por entre as mãos, chegando em sobressalto sobre eles. Regis, deixando Fabinho, se levantou e sendo imediatamente segurado pela mão esquerda, levou varias varadas sobre as nádegas, costas, pernas e braços nus, fazendo com que os vergões surgissem de imediato. Porém, enquanto o inimigo se afastava em zombaria à seu infortúnio, ele, conseguindo se esquivar, saiu correndo para dentro de seu quintal, com sua mãe em seu encalço, gritando:

— Espere aí, se não vai ser pior!

O que poderia ser pior? Já teria levado ao menos dez varadas cortantes sobre as pernas e costas. Por que a mãe não o viu antes, para saber que fora Fabinho que o provocara e o esmurrara, lhe ferindo seriamente.

Devido os fortes gritos ameaçadores de sua mãe, ele, sem compreender, acabou por esperar no quintal e quando ela lhe desferiu outra varada, nas pernas já doloridas, o pavor e o ódio lhe dominaram, fazendo-o em força descomunal, segurar as mãos da mãe, lhe tomando a vara e ameaçando-a imediatamente a desferir-lhe tais golpes em sua cara. Porém, talvez um tal de anjo da guarda, o fez se arrepender na hora e ele soltou-lhe a mãe, entregou-lhe novamente a varinha cruel, que novamente nas mãos de sua dona, voltou a fazer estragos. Dona Odete, nervosa e para lhe mostrar poder de mãe, desferiu-lhe dezenas de novas varadas, sobre todo seu corpinho frágil, fazendo com que sua bexiga se soltasse, despejando toda a urina acumulada, de menino que se esquece de ir ao banheiro, sobre sua calça curta.

Quando dona Odete o deixou, ele, chorando muito por tudo: ódio, medo, raiva, arrependimento, tristeza, dor, vergonha... seguiu para sua cama, deitando-se encolhido, todo molhado de sangue, suor e urina, permanecendo soluçando por muito tempo.

Para piorar a situação, o irmão Leandro, adentrou ao quarto e caçoou:

— Viu o que dá querer bater em nossa mãe? Apanhou bastante. Vai bater nela de novo?

Ele, apesar da vontade em mandá-lo para aquele lugar, se manteve calado.

— Fez xixi na calça! Moleque de nove anos, fazendo xixi na calça! Vou contar pra todo mundo. Até pra Beth.

Apesar de sua ira, sabendo que o irmão o provocava, para que ele reagisse e sua mãe lhe surrasse novamente, mantinha-se calado, pois não suportaria mais uma única varada. Sabia que, com certeza o levaria à morte, o que seria até bom, pois deixaria de ser incômodo para todos. Seu corpo tinha tantos vergões, que talvez jamais sarasse e com isto, seria sempre um menino marcado.

— Você sabia que quem bate na mãe, vai direto pro inferno? — Continuou provocando-o Leandro — Vai ser espetado pelo garfão do capeta até virar sabão.

Inferno! Temeu Regis em silêncio. Justo ele a quem os amigos acreditavam ser tão bom, que merecesse viver junto aos anjos do céu.

— Deixe Regis em paz, Leandro — gritou Luis, que adentrou ao quarto, talvez sentindo piedade do maninho.

— Ele ameaçou bater em nossa mãe — explicou Leandro.

— E por acaso você é santo? — Reclamou Luis — Regis, vá tomar um banho. É melhor.

— Não quero — negou o menino, recomeçando seu choro sentido.

— Eu preparo a água pra você.

Ele continuou chorando.

— Tá bom? — Insistiu o irmão mais velho.

Mesmo choroso, acenou que sim, se levantando e acompanhando o irmão até o banheiro, onde acabou de se despir. Luis seguiu até o poço, descendo o balde rapidamente até seu fundo e girando o sarilho, trazendo o balde cheio de uma água límpida e até morna, despejando-a em outro balde, levando até o banheiro, despejando-a sobre o chuveiro inventado pelo pai, depois seguiu até a cozinha, apanhou um monte de sal e jogou na água, mexendo-a com as mãos.

— Pra que isso? — Perguntou-lhe Regis, em tom baixo.

— É sal.

— Você quer me temperar? — Riu o menino, entre soluços.

— Não. O sal é bom pra aliviar as dores. Mas terá que tomar banho frio. O banho quente fará arder muito suas marcas.

— Gosto de banho frio!

Luis puxou a corda, fazendo com que o chuveiro subisse, através da carretilha no teto do banheiro; prendeu a corda sobre gancho na parede e abriu o chuveiro, saindo em seguida, deixando o irmão se deliciando debaixo da água até morna, porém salgada.

©©©

Como sempre, Regis chegava à casa dos Cavalari próximo às sete horas da noite. Ao contrário das primeiras vezes, já de banho tomado e também, depois de tanto autorizado, não pedia licença: abria o portão sozinho e entrava, os encontrando na sala, onde geralmente os cumprimentava com pelo menos um oi.

Quando ele adentrou em sua sala naquela noite, alguma coisa não estava bem. Estava cabisbaixo, usando calça comprida, camisa de manga longa e conga marrom, alem de muito quieto e sentar-se na mesma poltrona de sempre.

— Boa noite meu amigo! — Cumprimentou-o Luciano com ironia, já que ele entrou calado e emburrado.

— Boa noite! — Respondeu tristemente.

Luciano olhou muito bem para ele e percebendo seu jeito muito triste, perguntou-lhe:

— O que há? Algum bicho o mordeu?

Continuou calado.

— Por que esta roupa linda? Vai a alguma festa?

Ele começou a chorar.

Luciano levantou-se, sendo acompanhado por Sara, que, devido a grande barriga, apenas sentou-se no sofá de três lugares. Luciano abaixou-se diante dele e percebendo marcas de espancamento em seu rosto, imaginou do que se tratava e perguntou:

— O que houve com você?

— Minha mãe me bateu... bastante — as lágrimas sentidas aumentaram consideravelmente.

— Dá pra notar — insinuou o homem, sentido — O que você fez de arte?

— Sabe o Fabinho? Que mora perto da minha casa?

— O menino que gosta de uma encrenquinha?

— Nós brigamos em frente de casa.

— E daí? Crianças brigam!

— Ele me deu um soco forte no nariz. Saiu muito sangue. Então eu fiquei muito nervoso, derrubei ele no chão, sentei em cima dele e com o punho fechado, ameacei arrebentar todos seus dentes e nariz...

— Compreendo — insinuou Luciano, com sinceridade.

— Mas não fiz nada! Assim mesmo, minha mãe me bateu bastante, com uma varinha.

— Sinto muito.

— Eu escapei dela e corri pra casa. No quintal ela me segurou de novo e me deu outras varadas e...

Não conseguia falar direito, devido às lágrimas sentidas.

— Calma Regis — pediu Luciano, abraçando-o com carinho — Agora já está tudo bem.

Ele forçou o homem a largá-lo, devido sentir dores pelo abraço e também por não ser habituado a tal gesto de carinho. Nem se lembraria de quando foi a última vez, se é que já houve, em que foi abraçado ou beijado pelos pais, ou outro ente próximo qualquer.

— Eu fiquei muito nervoso, por causa das dores de tantas varadas nas pernas e...

Ele chorava muito.

— ...tomei a vara de minha mãe e quase dei varadas em sua cara.

— Como assim?

— Ela me bateu muito! E foi o Fabinho que me machucou primeiro. Fiquei muito nervoso, porque estava doendo demais. Eu ameacei bater em minha mãe. Eu vou pro inferno. Sou muito malvado.

— Você não é malvado, meu amiguinho. Conheço-te tanto. Você é um anjinho bom.

— Você chegou a bater em sua mãe com a vara? — Questionou preocupada Sara.

— Não! Arrependi e devolvi a vara pra ela.

— Tá vendo como você não vai pro inferno! — Explicou Luciano, aliviado — Conheço seu coraçãozinho lindo!

— O que mais aconteceu Regis? — Questionou ainda Sara.

— Ela me bateu muito, me machucando todo. Bateu nas pernas... Nos braços... Na bund... Até em minha cara ela bateu forte. Sorte que não acertou meu olho.

— Meu querido amiguinho — Luciano nem sabia o que dizer — O que eu poderia fazer por você?

— Sabe senhor Luciano: Não conte pra ninguém. Chorei tanto, porque a dor foi muita e eu não aguentei mesmo.

Ele também não aguentou. Habituado a enfrentar casos dramáticos de famílias e situações drásticas, devido sua profissão de lidar com menores... infratores... ou sofredores, por alguma trama de um destino criado pela própria sociedade mórbida, que os deveria protegê-los e que muitas vezes são tratados como meros objetos sem valor, até dentro do próprio lar.

Mesmo assim, aquele homem se tornara frágil. As lágrimas molharam seu rosto e ele evitava olhar para o menino, para que não visse sua fraqueza, enquanto este continuou falando devagar:

— O pior é que meu irmão Leandro, disse que vou pro inferno, ser espetado pelo capeta.

— Pode ter certeza que você vai diretinho pro céu — Riu Sara, embora com certa tristeza.

— Com certeza vai! — Confirmou Luciano — Só espero que demore muito pra esse dia chegar.

— Por isso essa roupa comprida? — Questionou Sara.

Ele acenou tristemente que sim.

Luciano começou a desabotoar sua camisa, na intenção de ver possíveis marcas de varadas, mas ele tímido, recusou.

A novela já havia começado fazia tempo, porém, pela primeira vez, nenhum deles, estava preocupado com ela; pois, ao contrário daquela fantasia, havia algo real e muito importante para que eles se preocupassem. Por que espancar de tal modo, um anjinho como Regis? Tudo bem que eles não o conheciam em seu dia-a-dia. Mas a pouca convivência que tinham com ele, dava para saber o quanto era puro de coração. Um menino de apenas nove anos de idade, que ajuda seus pais nos afazeres domésticos, cuidando dos irmãos menores, limpando a casa, lavando louça e até mesmo preparando almoço.

Assim que a novela terminou, ele, tendo parado de chorar, mas ainda sentido e ao contrário de todos os dias, onde o casal precisava insistir para que fosse brincar com os amiguinhos; naquele dia, por si próprio, se levantou dizendo:

— Já vou embora. Tchau!

Sara respondeu sua despedida e Luciano o acompanhou até o portão, onde lhe disse:

— Não fique triste. Sei que você está com o corpo dolorido; só que vai passar loguinho. O pior, talvez seja a tristeza que sente no coração. Por que você não faz o seguinte: mesmo sendo um menininho inocente, peça desculpa pra mamãe. Não precisa ser hoje, pois sei que está magoado. Espere você se acalmar um pouco e peça desculpas. Ela vai gostar de sua atitude. Quem sabe, faça com que ela se desculpe também.

— Está bem! — Concordou ele.

Foi-se embora lentamente, enquanto o amigo adulto, o acompanhava com os olhos, até que tenha dobrado a esquina, então voltou para sua sala, tornando a deitar-se tristemente em seu sofá de dois lugares.

— Pobre menino — insinuou preocupada Sara. — Duvido que tenha merecido uma só daquelas varadas. Varinha verde dói demais.

— Pra ele ter feito o que disse que fez, deve ter doido muito mesmo.

Regis chegou à frente de sua casa, encontrando Regina e Juan Nogueira, que já aguardavam para iniciarem a reunião noturna; ele, no entanto, passou pelos dois amigos, abrindo o portão e adentrando em seu quintal.

— Aonde vai Regis? — Questionou Regina.

— Vou lá dentro. Hoje não quero brincar.

Seguiu direto para seu quarto, se despindo completamente, vestindo uma roupa leve, sem cueca e deitando-se em seguida, sem se despedir de qualquer de seus familiares; ao contrário de sempre, onde todos se despediam cordialmente, inclusive, pedindo a benção de seus pais.

Em sua casa, Luciano ficara curioso e prestara atenção no barulho das crianças brincando, no entanto naquela noite, entre os gritos da algazarra que provocavam em volta de toda a quadra, por mais que ele prestasse atenção, não o ouviu nenhuma única vez.

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Notas finais do capítulo

O lado ternura desta estória está acabando.
Vamos começar a apresentar o lado drama.



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