Filhos de Clairmond Interativa escrita por Le Clair


Capítulo 6
Capítulo 5




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Cleopatra de Nile Valyse

A rainha havia perdido os sapatos há muito; seus pés esmagavam a lama causada pela chuva e o cabelo preto estava encharcado, grudado no rosto. Seus braços trêmulos abraçavam uma bolsa de couro onde todos os seus pertences que poderiam ser carregados nos braços estavam. Três de seus soldados cobriam-na na retaguarda, enquanto outros três haviam se prontificado a atrasar seus perseguidores. Argh, os perseguidores; eles perseguiam-na desde o segundo em que colocou seus pés para fora dos domínios de Valyse. E mais ainda esperavam-na quando atracou sobre os domínios de Lúthien, há quinze dias – pequenos mercenários com os bolsos transbordando de joias preciosas com a marca oficial de Valyse.

― Vossa Majestade!― um dos soldados gritou, sua voz mal atravessando o barulho incessante da chuva ― Só mais alguns metros. Aí estaremos dentro dos limites de Clairmond.

Ela fez sinal positivo com a mão. Algumas horas atrás, os mercenários de Lúthien haviam encontrado o esconderijo onde a rainha estava se abrigando, e, desde então estavam perseguindo-a. Não era nada pessoal, ela sabia. Muita coisa estava em jogo; Phytos poderia oferecer tudo e qualquer coisa, mesmo que apenas algumas pedras, que fariam o trabalho sujo para ele. Sempre foi assim – uma criança mimada que brincava de ser Deus. Seu detestável irmão.

Caiu no chão, seu tornozelo virado numa posição grotesca. Gritou. Imediatamente, um de seus soldados veio ao seu encontro.

― A senhorita está bem?― O que você acha?! Mas perdoou o indivíduo, já que, olhando em seus olhos, ela podia ver que era apenas um garoto, um garoto coberto pelos músculos que o treinamento lhe proporcionava. Acenou negativamente. Ele suspendeu sua cintura, colocando-a nos braços. Uma de suas mãos deslizou (talvez acidentalmente) para mais abaixo de sua cintura.

― Ainda sou sua rainha, rapaz!― deu um leve tapa em sua mão, mas ele continuou. Talvez se divertindo, ela não sabia, pois sua visão estava embaçada pela chuva e a dor impedia-a de ver qualquer coisa que não fosse dor, dor e dor.

Cleopatra não choraria, não mesmo. Por quase um mês, tentou chorar. Tentou chorar pela morte dos pais, tentou chorar pela deserção, tentou chorar por ter sido caçada, por ter fugido, mas a verdade era brilhantemente estampada em seus olhos: era uma moça de poucas lágrimas. Mal se lembrava da última vez que se permitiu deixar algumas lágrimas mancharem seu Kohl espesso em volta dos olhos. Chorar, como seu pai dizia, é demonstração de fraqueza. E acontecesse o que acontecesse, Cleopatra Amethyst não era fraca.

― Sirius ― chamou o soldado. O homem era um soldado de Valyse, tão honrado quanto seus antepassados, quais serviram à família de Cleopatra por gerações incontáveis. Era um defensor do reino, não importava como. Apesar de não admitir, a garota (ou princesa, ou rainha, ou desertora. Ela não tinha exatamente certeza de sua atual posição) estava mais do que contente em tê-lo em sua retaguarda ― Eles não vão nos receber ― sua boca tremia ― Phytos provavelmente ofereceu-lhes mundos e fundos em troca da minha cabeça.

― Clairmond não é tão cega por poder assim, Vossa Majestade.

Vossa Majestade. Ela adorava o título mais do que o seu próprio nome, embora não tivesse totalmente certeza de ainda possuí-lo: fora expulsa de seu próprio trono com tochas e forcados (não exatamente) em suas costas, mesmo depois dos pais deixarem o testamento claramente especificando que: “Ambos, filho e filha, devem assumir o trono.Juntos; como verdadeiros filhos de Valyse”. E, como se não bastasse, expulsa de sua própria cidade, Alexandria, com toda uma legião de assassinos contratados atirando contra ela. Sempre soube que Phytos queria o trono para si só, mas nunca imaginou que tivesse tamanha bancada no Parlamento para tal ato. Suas guerras consistiram em olhares frios e ameaças vazias, tentativas de assassinato no corredor não bem sucedidas e envenenamentos na banheira.

A relação entre os dois podia ser um tanto conturbada, cheia de seus altos e baixos (muito baixos mesmo), mas ela amava o irmão. Cortaria a garganta dele assim que tivesse a chance, provavelmente, ― mas o que é uma relação fraterna sem suas pequenas desavenças?

Esperamos que não ―ela ajustou o véu fino em suas costas, que, embora não lhe trouxesse mais calor do que um pedaço de gelo, lhe confortava como incenso aceso no fim da tarde alaranjada de Valyse.

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Gaara Chang Wong Huán

Gaara colocou-se de costas para o espelho, virando a cabeça para ter uma visão melhor. As cicatrizes. Ele tinha apenas onze anos quando elas foram colocadas ali, mas, mesmo assim, ainda doíam. E a culpa sequer fora sua – Mortícia, sua irmã, é quem fugiu. Mas ele não suportaria vê-la sendo repreendida ou castigada, afinal, era sua irmãzinha. Era seu dever protegê-la e ele o faria com todo seu ser, se necessário.

― Chang― foi uma voz que veio do outro lado da porta. Imediatamente, reconheceu-a como a do pai –e não foi porque ele era o único a chamá-lo de Chang, não de Gaara, mas porque a rigidez e frieza com que falava era unicamente e direcionada ao príncipe.

Foi com uma rapidez surpreendente que o rapaz passou a gola da camiseta pelo pescoço, escondendo as cicatrizes esbranquiçadas e extensas, sentando-se na escrivaninha de madeira e focando numa palavra qualquer o primeiro livro que encontrou. Seu pai não admitia que se admirasse no espelho, muito menos que olhasse as cicatrizes por muito tempo; quando menor, achava que lhe trazia uma pontada de remorso, mas agora, no entanto, tinha certeza de que nada poderia trazer quaisquer sentimentos de arrependimento ao rei. Muito menos remorso.

― Sim, senhor? ― ergueu a cabeça do livro quando o homem adentrou seu aposento; simples e perfeitamente organizado, desde os livros nas prateleiras (em ordem alfabética e de tamanho) até os lençóis da cama.

O rei, Ho-Ji Wong, tinha uma aparência severa e controladora, com aqueles olhos negros, como os seus, sempre estreitos e analíticos, postura perfeitamente ereta e andar confiante. Ho-Ji já fora um soldado, e, como todo e qualquer soldado, tinha de saber disciplinar os filhos. E soube muito bem. Psicologia reversa e conversas descontraídas e habituais no café da manhã? Não. A regra era simples: o rei mandava pular, o príncipe pulava. Hierarquia mais do que bem definida. E apesar de tudo isso, Gaara não tinha um pingo de medo do homem.

― Você tem de se aprontar. O anúncio é em uma hora.

― Estou ciente, ―respondeu sem ao menos levantar a cabeça para Ho-Ji.

― Se não estiver lá em trinta minutos, providenciarei pessoalmente para que seja punido.

Gaara cerrou os dentes, apertando a caneta com força. Controle-se, Gaara. Não hoje. Balançou a cabeça positivamente. Não satisfeito, o rei gritou:

Entendeu? ― e finalizou com um soco na escrivaninha do príncipe.

Ele não tinha certeza se tinha visto sangue, mas rezava para que tivesse doído, ao menos.

― Sim, Vossa Majestade.

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William Alexander Pendragon Barringhton

As mãos de Will deslizaram pela cintura da moça, traçando um caminho cheio de curvas até a coxa lisa e macia. Afastou os fios loiros para que pudesse traçar uma linha do pescoço até os lábios da senhorita.

“Ai, Deus” ela disse com um bom humor, rindo entre os beijos.

“Will” ele corrigiu, sorrindo levemente. Puxou-a para mais perto, os dedos hábeis vasculhando o material fino e delicado dos botões que seguravam o vestido da moça em seu corpo.

William voltou à realidade, balançando a cabeça para livrar-se das lembranças que choviam pela sua cabeça. Voltou bem a ponto de bloquear a espada de Sir. Thorne, que descia com uma rapidez inacreditável – mas Will era melhor do que ele, muito melhor. Havia superado seu mestre de espadas antes dos quatorze anos, o que fora motivo de grande orgulho da parte do pai. As irmãs apenas aplaudiram, como sempre faziam, mas elas não entendiam a graça em cortar cabeças e perfurar corações.

― Está cansado da viajem, Alexander?― a voz de Sir. Thorne esbravejou acima de si. Era o único que o chamava assim, o único. Talvez fosse um método meio louco de provocá-lo, mas não funcionava, de qualquer modo.

― Está ficando velho, Eddard?― no chão, Will ergueu a perna e chutou a parte de trás do joelho de apoio do homem, fazendo com que ele cambaleasse.

Num salto, William colocou-se de pé; um sorriso sádico preenchendo suas feições.

“Não vá, Marianne” ele girou-a em seus braços “Qual é o problema? Não sou bom o suficiente?” seu ar era de dor genuína.

“Você, William, é perfeito”, ela tinha aquele sotaque encantador, que fazia qualquer homem homem o suficiente tremer nas bases.

― A idade lhe atrasou― balançou a cabeça falsamente decepcionado ― É uma pena. Você costumava contra-atacar belamente.

Thorne rugiu, erguendo a espada e fazendo com que esta emitisse um estalido agudo ao chocar-se com a de Will. Ele sorriu novamente, divertindo-se.

― Conforme o esperado, Pendragon, você luta com a graciosidade de uma mulherzinha.

― E tal luta melhor que você― quando as espadas se chocaram novamente, Will foi rápido, girando-a no punho de Sir. Thorne. A espada do adversário voou para o lado e o moreno pegou-a com agilidade.

― Atacar um homem sem arma, rapaz?― seu olhar era de reprovação.

O príncipe levava a luta na esportiva, porque, afinal, havia sido Sir. Thorne que ensinara-o tudo aquilo. Ele poderia ter acabado com o mestre em alguns poucos minutos, mas estava fazendo uma luta maior, sem todos os seus truques coletados através dos anos em que passou fora de Barringhton. Mas nutria respeito o suficiente para não derrubá-lo com um só golpe.

Will finalmente sorriu, jogando a cabeça para trás. ― Suas irmãs diziam que era irritantemente sexy; Will estava sempre com aquele sorrisinho maroto e travesso no canto dos lábios, como se estivesse flertando com cada mulher em sua frente ou desafiando qualquer um dos Cavaleiros do pai. Elas, suas irmãs, apelidavam de “Sorriso Williano”, o que fazia seu peito inflar de orgulho ao ouvir a marca registrada.

― Não acho que esteja sem arma, professor― ergueu uma sobrancelha, apontando para as costas do homem com uma das espadas; Ele tirava de lá uma adaga especialmente afiada e mortal.

Ele estava sentindo falta de uma boa luta como aquela, afinal, haviam bons dois anos que não encontrava um adversário a altura – embora discordasse que Sir. Thorne fosse exatamente o tipo de esgrimista que procurava lutar, mas o homem sabia exatamente o que fazer com uma espada em mãos.

― Seja preparado ― e o mestre sorriu ― Você pode encontrar seu pior inimigo enquanto bebe café.

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Ariadne KroustalakidisEllíada

Ariadne acariciou Bastet, que emitiu um chiado rouco, ainda com a cabeça repousada em seu colo.

― Preguiçosa― ela disse para a gata, “jogando-a” no chão. Ela lançou aqueles olhos felinos e ameaçadores para princesa antes de enrolar-se no pé desta e sair rebolando pelo corredor. Apesar da aparente ingratidão e frequentes desentendimentos entre elas duas, Ariadne jamais se perdoaria se algo machucasse sua amiga.

Tamborilava as unhas na superfície da mesa, perdendo-se no ritmo dos dedos e pensamentos mais profundos do que poderia imaginar. Com a outra mão, tocou involuntariamente no colar prateado que Perseus lhe dera, –quando querem presentear uma garota, geralmente dão um cordão de ouro com um grande diamante no centro. Mas não seu irmão. Ele dizia que prateado combinava com ela, com seus olhos, com sua pele. Tinha essa pequena bolinha como pingente, também prateada, que consistia em vários fios, enrolados uns nos outros e nada brilhante, como um novelo de lã. Era também uma piada entre eles: Ariadne, a mitológica moça de quem seu nome viera, que tinha esse fio que indicava a saída do labirinto.

E ela sentia, além de tristeza, uma enorme culpa crescendo dentro de si por não ter aproveitado seu pai e Perseus da maneira como deveria. Arrependia-se de cada momento em que eles lhe pediam algo e ela recusava com um aceno apenas porque tinha uma festa para ir. Sentia falta dos mimos que eles lhe davam, dos abraços apertados e da confiança que emitiam.

― Pensando?― Zaonir pousou seus olhos maternos em cima da moça (que, agora, parecia mais uma pequena menina assustada, procurando por um chão). Ela não era sua mãe, mas, de certa forma, sempre foi.

― Um pouco― sorriu, embora seus olhos não acompanhassem. Afastou-se para que Zaonir se sentasse ao seu lado.

A mulher o fez, passando o braço pelos ombros da princesa e deixando que a cabeça desta deitasse confortavelmente em cima dela.

― Sabe, sua mãe pensava muito― um sorriso formou-se em seus lábios. Um sorriso de conforto e sabedoria, como se relembrando algo de maneira profunda ― E ela sempre soube o que fazer, no final das contas.

Ariadne balançou a cabeça.

― Eu não sou como ela― era clichê dizer aquilo, mas ela não era. Fora ingrata metade da sua vida, e, agora, tentava repassar seus erros, embora fosse algo quase impossível.

― Mais do que imagina, minha criança― puxou a pontinha do nariz da garota, como fazia com ela quando pequena... Como, dizia ela, fazia com a mãe da princesa ― Mas quais são suas dúvidas?

Ir. Deixar Ellíada na mão deles... Não compactua.

― Mas você precisa. Consiga apoio. Volte com uma legião e acabe com Nicomedes. Tome seu lugar no trono por direito e ainda consiga um bom partido― ela empurrou-a carinhosamente para o lado, sorrindo daquele jeito que sempre sorria para Ariadne ― Certo, minha moça?

Certo.

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Daenerys Aderyn Idris

Não, sua voz soou firme e calma, conforme desejou que soasse. Os rostos espalhados pela mesa endureceram-se. Eles não esperavam por isso.

―... Mas, princesa...

― Sem argumentações, Caius. Eu não irei ceder o trono de boa vontade― sua mão se fechou em volta da caneta azul que segurava e apertou-a. O trono era seu, apesar de Luicus tê-lo usurpado, ela era a rainha, mesmo que afirmassem que não poderia. Pelo amor de Deus, nem uma justificativa plausível para isso eles tinham.

― Sabe que estará começando uma guerra, não sabe, senhorita?― Caius cruzou as mãos na mesa. Aquele era um Conselho completamente improvisado e desmembrado, apenas com aqueles em que seu pai e irmão confiaram, apenas aqueles que ela tinha certeza de que prefeririam morrer a revelar seu plano ou continuar sobre o governo de Lucius.

Não é como se ele fosse o melhor e mais merecedor rei que Idris já teve.

Começando uma guerra?― ela repetiu, a fala quase perplexa ― Ele começou-a quando decidiu que tomaria o trono para si.

― Não se rebaixe ao nível dele― Arthur colocou a mão em seu ombro, confortando-a de uma maneira estranhamente familiar. Seu pai. Ele fazia isso com mais frequência com que ela poderia dizer, mas passava tão despercebido que ela mal percebia – bem, não até sentir Arthur fazer o mesmo.

― Não estou me rebaixando― defendeu-se― Apenas pontuando que eu não irei, de modo algum, aceitar quieta e calada e assistir enquanto que usurpam meu trono e colocam meu povo contra mim sem sequer me consultar. Se ele estivesse ao menos fazendo um bom trabalho― balançou a cabeça ― É meu dever para com os habitantes de Idris.

Viu Caius acenar da outra extremidade da mesa.

― Você fala como Draco― observou com os olhos molhados ― E Arstan.

Por um momento, tomou como uma crítica, pronta para se armar. Mas, noutro, percebeu: ele estava elogiando-a. Talvez de uma maneira um tanto estranha, como Caius sempre fazia, mas estava. Draco Aderyn fora o melhor entre os melhores reis. E Arstan, seu irmão, não estava muito atrás; seguia os passos do pai. Eram visionários. Justos. Leais.

― Eu falo como uma Aderyn.


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Notas finais do capítulo

O que acharam?? Próximo será o último das apresentações ^^ Provavelmente ficará enormezinho, heheheh.
Qualquer erro, me reportem! Eu dei uma revisada, mas algumas coisas sempre passam despercebidas por nós mesmos.