Capítulo Um ♛ Étienne Clairmond

― Já pensou em fazer alguma coisa da sua vida?― Dorian brincava com a bolinha vermelha de Petit.

― Além de ser irresistivelmente bonito?― Étienne sorriu de lado.

― Além de ser absurdamente patético, é― o rapaz revirou os olhos, pegando o objeto vermelho, que pulava no chão. Algo que jamais poderiam dizer é que Dorian era um rapaz feio; olhos negros como duas pedras de carvão e cabelo do mesmo tom. Tinha o sorriso mais aberto do mundo, mas sua cara de mistério era pura sedução. Usava sempre aquela pulseira de couro desgastada que Étienne lhe dera em algum natal passado ― Sua vida se resume em brincar com o Petit, correr com o Petit e ir às reuniões do Conselho... Levando o Petit. Você é um maldito viciado nesse cachorro.

― Ele tem sentimentos, pare― o rapaz acariciou a cabeça do animal, que se contorceu em sua mão ― Não posso fazer nada se esse maldito cachorro é uma companhia melhor que você.

― Vocês parecem duas mulherzinhas brigando― Damien pontuou, jogando uma das almofadas vermelhas do sofá em direção aos dois.

― A minha masculinidade já foi comprovada inúmeras vezes― soltou um olhar desdenhoso― A dele não.

Um suspiro irritado veio da parte de Dorian, que engoliu sua bebida de uma só vez, colocando o copo de vidro em cima da mesa de madeira em que Étienne apoiava os pés.

― Não sou eu que saio por aí pegando galinhas― sorriu.

― Elas eram todas boas moças, DoDó.

― Teve aquela espiã russa― Damien lembrou― Eu lembro que você passou todas as três semanas com hematomas nos braços...

― E a filha do primeiro ministro de Illéa― Dorian completou― Cara, ele te deu uma surra inesquecível.

― Lembra daquela empregada que falou que ‘tava grávida?

― Você gritou como uma galinha, Étienne.

Irritado, o príncipe jogou mais almofadas em direção aos primos. Damien era filho de Athos, irmão de seu pai, Porthos, e Dorian de Aramis, também irmão de seu pai. E tinha a ovelha negra, o tio d’Artagnan, que havia mudado o sobrenome para Deteaux e desonrado a família, tendo Desmond fora do casamento. Étienne adorava o tio, mas odiava Desmond. De algum modo, sua avó tinha uma obsessão desproporcional pelos Três Mosqueteiros, que na verdade eram quatro, de modo que todos os seus filhos saíram com nomes personalizados.

― Rapazes― foi uma voz feminina que veio do portal; tinha o tom bem humorado e alegre ― Não se esqueçam de que depois ele desmaiou.

― Traidora... ― Étienne revirou os olhos para a irmã.

―Line!― Damien e Dorian pularam o sofá, correndo em direção à garota, abraçando-a como um ursinho de pelúcia.

A garota sorriu, deixando a bengala cair quando Dam e Dorian a suspenderam. Ela balançou as pernas no ar.

― Vê só? Ainda têm garotas maravilhosas como a sua irmã por aí― Dorian beijou a testa de Céline ―Eu só estou poupando minhas energias.

Al deitou sua cabeça sobre o colo de Céline, colocando os pés, propositalmente, em cima de Étienne – que, por sua vez, arrancou-as e jogou na testa do garoto.

―Tão delicado quanto o coice de cavalo...

― Prazer, Étienne Clairmond― o príncipe retrucou.

Ele adorava aqueles raros momentos em que se reuniam daquela maneira; Dorian, Étienne, Damien e Céline. Tinha aquele ar de infância, como se, de repente, nenhuma atmosfera ridícula houvesse sido imposta sobre eles; nada com que se preocupar, nenhum passado trágico ou amantes loucas através dos anos. E Étienne tivera-as tanto quanto podia; quanto mais exótica, melhor. Não importava se era uma espiã russa chamada Asha ou a bela filha do primeiro ministro de Illéa.

― Você trapaceou!― Céline bateu em Dorian.

― Claro que não!― defendeu-se, falsamente ofendido.

― Você viu minhas cartas,― ergueu uma sobrancelha― E agora está falando-as errado― cruzou os braços― Sua mãe nunca ensinou que é feio usar as deficiências dos outros contra eles mesmos?

Apesar do tom, Étienne sabia que a irmã estava agradecida por alguma companhia. Ela mal saía do quarto desde o acidente; sabia que se sentia inferior, principalmente agora que sequer poderia servir como garantia do trono para seu povo. Podia camuflar-se com o sorriso doce de sempre, mas ele conhecia-a como a palma de sua mão. Sabia da guerra interna na qual ela se encontrava, em como se sentia fraca e inútil. Ele discordava: Céline sempre foi independente, embora agora precisasse de mais ajuda do que sempre, e sabia também que ela odiava ter de pedir a alguém para ajudá-la com as escadas ou se situar num cômodo desconhecido. E era essa vontade louca de fazer tudo por si só que fazia com que se metesse em problemas, como bater de cara nos vidros ou meter as costelas nas quinas das mesas. Ou bater com a bengala nos tornozelos dos outros, mas, na maioria das vezes, era um ato consciente e proposital.

― Pardon, mademoiselle.― Dorian usou aquele tom insuportavelmente sedutor que usava com as mulheres. Céline gesticulou para que continuassem com o jogo.

Damien abaixou o livro, fitando os dois.

― Acho que você faz o tipo romântico, sabe?― referiu-se a Dorian.

― Se com romântico você quer dizer gay, acho que acertou― Étienne provocou, chutando o amigo. Era de consciência geral que o rapaz não jogava para o outro time, mas a provocação nunca poderia ser dispensada entre os Clairmonds.

― Se com romântico você quer dizer “um homem que tem o conhecimento da superioridade do sexo feminino”, então acho que aceito o título― voltou-se para Céline― Vamos, sua vez.

A “coisa” entre Étienne e Dorian era uma constante briga silenciosa pelo poder do grupo; estavam sempre debatendo, sempre, sempre que viam a oportunidade de fazer uma com a cara do outro, faziam. Apesar de serem melhores amigos, um grupo sempre tinha de ter o “macho alfa”, embora Damien afirmasse, por debaixo dos panos, claro, que ele era o comandante da Quadrilha de Assalto à Cozinha. A operação “Quack!”, como apelidavam.

― Caras― Damien começou, mas acrescentou rapidamente, antes mesmo que Céline pudesse o repreender― E cara... No sentido feminino. ― balançando a cabeça de forma confusa, continuou― Recebi notícias do distante reino da Dinamarca.

― E por que eu estaria interessado no reino da Dinamarca?

― Foi uma expressão― irritou-se― Do tio d’Artagnan.

― Ele ainda mora naquele castelo no fim do mundo?

― Claro― revirou os olhos― Ele jamais deixaria aquele lugar. Pobre Desmond, tendo que viver naquele pântano...― enquanto Damien continuava, tudo que Étienne queria fazer era sufocar o primo com o travesseiro até que ele parasse de respirar ―... Escuro, sem diversão ou... ―E ele fez. Esticou o braço e esmurrou seu estômago; ele encurvou-se com uma expressão confusa ― Ai, Deus, como eu sou estúpido― Étienne respondeu é com os olhos― Me bate, me esmurra, droga, droga, droga.

Céline tateou o sofá com a expressão sombria, as cartas que estavam em suas mãos caíram no chão. Ela parecia à beira de lágrimas

― Cellie― Étienne chamou, mas ela ignorou, contornando a mesinha de centro com os dedos e se colocando para fora do círculo de sofás. Com o dorso da mão, limpou uma das lágrimas que começavam a descer. Falar em Desmond perto dela ainda era um grande pesadelo. Viu a irmã agachar perto da porta para procurar sua bengala, com sucesso, e sair da sala ― Mandou bem, Damn.

― Eu... Ai, cara, me mata ―Damien pulou o sofá e saiu pela porta, procurando Céline.

― Ele tem algum problema mental. Alzheimer ou algo assim... ― Dorian balançou a cabeça ― A gente não menciona Desmond nem pra você, quanto mais pra Céllie― Jogou suas cartas na mesa, bagunçando a cabeleira negra ― Mas ainda bem que o fez.

Étienne virou-se para o primo, confuso.

― Por quê?

― Ela estava ganhando.