Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 38
Ela




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"Um nome é importante para você?" - Ouço a voz de Enrico ecoando pelas paredes rochosas da doca.

Olho em volta estou completamente sozinha. As luzes piscam e falham enquanto eu corro a plenos pulmões sem saber exatamente aonde estou indo. Estou perdida e preciso me manter em movimento. Chego em uma bifurcação, preciso escolher um dos corredores que se estendem ao meu redor. Para onde que que eu olhe há uma direção a seguir e a iluminação tênue não me deixa ver além, de modo que terei que seguir a minha intuição, já que perdi a noção até de onde eu vim... Definitivamente não sei qual desses corredores me trouxe até aqui...

" Estamos preparando vocês para serem soldados e não rebeldes!" - Agora a voz do General Sparks parece vir diretamente da minha cabeça... Estou ficando louca.

Nesse momento retomo o ritmo da corrida adentrando o corredor mais próximo, fugindo da voz na minha cabeça... Uma lâmpada do teto explode lançando uma chuva de faíscas sobre mim, mas eu não ligo, mantenho o ritmo até que me deparo com uma única porta branca, ela é de madeira, simples com uma maçaneta redonda. Eu agarro a maçaneta e a giro violentamente, mas a porta não abre, inutilmente eu persisto tentando mais uma, duas, três, quatro vezes, então frustrada afasto-me da porta o suficiente para ganhar impulso e a chuto com toda a minha força, mas ela nem se quer mexe. Fico parada com os braços cruzados junto ao peito, enumerando as minhas opções, que na verdade resume-se a voltar de onde eu vim e escolher outro corredor. Mas então eu olho para trás e o corredor por onde eu vim não existe mais, tudo o que há é a minha imagem refletida em um enorme espelho que toma conta do que deveria ser uma parede... Uma simulação?! Estou em uma simulação? - Mas se isto é uma simulação, porque não estive ciente antes?

Enquanto pondero, aproximando-me lentamente do espelho ouço um rangido, olho por cima do ombro e vejo a porta branca se abrindo lentamente, um vulto parece flutuar pela escuridão através da porta, até desaparecer por completo. Desisto do espelho e atravesso a porta. Caminho de forma cautelosa, tateando na escuridão. O ar aqui parece denso e pesado, o que me lembra vagamente o soro da morte... Forço a minha mente a permanecer lúcida e os meus pés a continuar andando... Mais um passo, só mais um, e então um clarão ofusca machuca meus olhos, são apenas luzes que se ascendem. Sigo andando, com menos dificuldades, meus olhos se habituam à luminosidade, de modo que agora posso ver a névoa que tornou o ar tão denso... Na verdade é mais como uma fumaça acinzentada, que contrasta com as paredes impecavelmente brancas. Aos poucos ela vai se dispersando, como se estivesse sendo sugada lentamente pelas próprias paredes... Num piscar de olhos, a minha volta, o senário muda bruscamente, estou no centro de uma imensa biblioteca, com estantes douradas do chão ao teto, repleta de livros suntuosos, de todas as cores e espessuras, escadas com rodízios estão espalhadas ao longo das quatro paredes forradas de livro... No teto pequenos querubins pintados a mão por algum artista incrivelmente talentoso, voam com livros abertos nas mãos num céu límpido e azul. Há também um enorme balcão há uns dois metros de altura que circunda todo o ambiente... É simplesmente fascinante.

Caminho em direção aos livros, não consigo conter o ímpeto de tocar todos eles com as pontas dos meus dedos... Eu percorro a sala repetindo gesto até que um livro em especial chama a minha atenção, ele destaca-se dos demais, pois está junto a uma longa fileira cuja as capas são de um tom carmim, que variam apenas alguns tons, mas este reluz, pois a capa de couro é impecavelmente branca. Quer seja quem o tenha posto ali, tinha a intenção de que se destacasse. Eu o puxo da pilha, e ouço um pequeno rangido, a estante moveu-se revelando uma pequena fenda entre a junção dos cantos da parede, bem a minha direita. Uma passagem secreta, numa biblioteca, que clichê!

Eu espio pela fenda, o que vejo faz com que as minha mãos fiquem ainda mais úmidas, por reflexo eu as esfrego nas minhas calças numa tentativa inútil de me acalmar...

Uma figura fantasmagórica está curvada sobre uma mesa, com apenas uma luminária focando o que quer que ele esteja examinando. O cenário ao redor está obscuro pela falta de luminosidade. Eu não o conheço, mas sei de quem se trata.

Rapidamente avalio as minhas opções... E minha cabeça é um vácuo sem fim. Como pude chegar até aqui sem um plano?! Pense Tris! Pense Tris! Isso não é real! - Entoo a frase feito um mantra, enquanto caminho na direção da figura fantasmagórica... Agora estou perto o suficiente para estender a mão e tocá-lo.

_ Tem certeza? - A voz grave e rouca ecoa pela sala.

Eu salto para trás com o susto. Não que eu tivesse a ilusão de passar despercebida, mas isso tudo parece tão surreal.

_ Tem certeza Soldado Prior? - A voz insiste.

_ Certeza sobre o quê? - Não sei como encontrei a minha voz...

_ Ora, não seja tola, você está aí, afirmando para si mesma com tanto afinco que isto não é real. - Ele me olha por cima do ombro, sorrindo perigosamente. E me pergunto se cheguei verbalizar meus pensamentos...

_ Creio que seja parte de uma simulação. Não seria tão fácil assim chegar até você. - Digo, mas não reconheço a minha própria voz, que soa altiva e segura, o oposto de como me sinto agora.

_ Aproxime-se. Não costumo morder... - Ele fala melodiosamente, o que soa escabroso e ameaçador. Eu deviria girar os calcanhares e correr de volta para as docas, mas sou idiota o suficiente para circundar a mesa e posicionar-me frente a frente com o Presidente Nicholaus King.

Encaro a figura diante de mim e tenho uma perspectiva melhor de sua aparência... Ele é mais alto do que imaginava, talvez seja a voz, ou a postura intimidante, que o faz maior do que realmente é. O sorriso parece esculpido numa face de pedra, revelando impecáveis dentes brancos e parelhos que parecem ter sido talhados no mais nobre dos mármores, os olhos são de um tom azul claro e límpido, como um céu, plácido e calmo. O cabelo, grande e revolto, mistura-se a barba rala e bem desenhada, ambos tão brancos feito a neve. Tudo exala perigo...

_ Acho que podemos dispensar as formalidades, não é mesmo Beatrice? Ou melhor, posso chamá-la de Tris? - Ele pergunta cordialmente. E eu apenas aceno com a cabeça em concordância, ao passo e ele prossegue:

_ Como excelente estrategista, imagino que seja boa com quebra-cabeças. Pode me ajudar com esse? - Ele chama a atenção para uma paisagem inacabada com um emaranhado de peças em cima da mesa, sobre a qual ele está debruçado.

Eu não tinha prestado atenção, mas a paisagem que ele está montando é enorme. Vejo a silhueta de uma grande cidade insinuando-se sob um céu tempestuoso e a julgar pela quantidade de pequenas peças encaixadas e pela quantidade de peças soltas. Obviamente a solução do quebra-cabeças demandará dias de trabalho pela frente. Seco as mãos nas calças e troco o pé de apoio nervosamente.

_ Não me interessa quebra-cabeças!

_ Pois deveria, um quebra-cabeça geralmente coloca nosso cérebro num estado receptivo e lúdico que, por si só, já nos proporciona uma fuga prazerosa. E por ora Tris, essa é única fuga que lhe será permitida. - Seus olhos cravados no meu enfatizam a ameça intrínseca em suas palavras.

_ E continuando meu raciocínio... Quando resolvemos um problema, utilizamos basicamente dois processos, um analítico e outro intuitivo. A resolução de problemas pelo processo analítico requer o uso da inferência e da tentativa e erro, o que na minha opinião é a parte mais divertida do processo. Mas aí nos valemos também da intuição, mais associado à famosa “sacada” que por sua vez é adquirida ou lapidada pela experiência... Ou seja, retomamos ao círculo vicioso de tentativa e erro... - Ele encaixa mais uma pequena peça, completando parte do topo de um edifício, testa outras duas que não encaixam, me olha e inclina a cabeça, como que para provar sua tese.

Não sei onde é que essa conversa vai nos levar, mas tento ganhar tempo para planejar meu ataque, mas essa paisagem está me distraindo e sinto minha cabeça como um balão de ar, ideias soltas que não se conectam entre si...

_ Pesquisadores acreditam que esses dois processos não utilizam necessariamente as mesmas habilidades cerebrais, porém a solução criativa de problemas geralmente requer tanto análise quanto intuição, fazendo com que nosso cérebro alterne entre esses dois estados mentais até encontrarmos a solução. Eu no entanto acredito apenas naquilo que eu vejo, e naquilo que eu já vi... Mais uma vez incidindo na experiência de vida... Definitivamente não vejo a intuição como um sexto sentido...

_ Não estou interessada! - Grito, num misto de nervosismo e raiva. Mas ele finge não me ouvir e continua falando ao mesmo tempo em que tenta encaixar mais as peças.

_ Esse estado criativo em que a análise e intuição/experiência, trabalham juntas, utilizando todos os modos de pensamento, gerou uma teoria chamada de memória inteligente. Mas este conceito é polêmico, pois acaba com a ideia de que um hemisfério do cérebro está mais associado à criatividade... Gostaria de poder ver, em tempo real como um cérebro tão criativo feito o seu trabalha nessa situação... As conexões se ascendo feito faíscas enquanto as peças são encaixadas... Fascinante!. - Ele fala com o olhar vidrado em mim, como se de fato pudesse abrir minha cabeça nesse exato momento para analisar meu cérebro. O pensamento faz com que um arrepio percorra a minha coluna.

_ Por quê você me manteve viva?! - As palavras se formam na minha boca, sem que eu tenha de fato pensado nelas... Elas simplesmente saem...

Ele ri como se eu tivesse acabado de contar-lhe uma piada.

_ O que é tão engraçado?

_ Menina tola, se nem você reconhece seu valor, como pode questionar-me a respeito disso?!

_ Não sou mais uma menina! - Grito irritada pelo seu desdém.

_ Você tem exatamente o tamanho e a importância que acredita ter. - Ele diz agora desviando os olhos para o seu maldito quebra-cabeças.

_ O que diabos isso quer dizer? - Eu insisto, cada vez mais irritada, sem entender o que está acontecendo aqui.

Ele apenas balança a cabeça negativamente e sorri desdenhosamente.Eu já não posso mais conter-me, avanço com as duas mãos em garras na direção de seu pescoço e aperto com toda a força que consigo empregar em minhas mão... Ele não se desvencilha de mim, apenas ri, continua rindo sua risada escabrosa ecoa pelo ambiente enquanto aperto o pescoço dele que parece ser feito de borracha. Tento imaginar porque seus guardas não estão me detendo ou como ele consegue rir enquanto eu o estou sufocando, mas então ele começa a tossir, espirrando no meu rosto gotículas de um líquido pegajoso e espesso. Eu o solto e me afasto enojada, limpo meu rosto nervosamente e ele continua tossindo e se aproximando ainda mais de mim... Espirrando ainda sangue no meu rosto, espesso, escuro e com um odor pútrido. Enquanto aproxima-se eu caminho de costas até que uma parede acaba por limitar meu movimento e a cada passo dele, a distância entre nós diminui e o pavor em mim só faz aumentar...

Ele continua vindo para cima de mim, protejo meu rosto com os braços e grito a plenos pulmões. Sinto suas mãos se fechando nos meus braços, mas já não sei ao certo, pois a essa altura já estou tão apavorada que cerrei meu olhos, mas ainda posso sentir... Suas unhas cravadas na minha pele com movimentos bruscos sacodem meu corpo.

_ Tris! Tris!.. Tris!!! Meu Deus! Chamem um médico, acho que ela está convulsionando. - A voz me desperta e eu inspiro uma lufada de ar violentamente, como se estivesse voltando de um afogamento... Afogamento num rio de sangue fétido e pútrido...

Sento no chão desorientada, ainda limpando o líquido pútrido do rosto... Examino minhas mãos, elas estão limpas, não há sinal nenhum de sangue.

_ Tris! Meus Deus, o que aconteceu com você?

Olho em volta, tentando entender como vim parar aqui... Estou no meio do centro de treinamento, Celina mantém as mãos nos meu ombros, ajoelhada diante de mim, enquanto os outros recrutas formam um semi-círculo a nosso redor.

_ Eu.. Eu.. Não sei... Como vim parar aqui?

_ Você não sabe?! - Ela me olha assustada e preocupada, e prossegue:

_ Viemos treinar, você passou uma sequência de golpes e estava observando e então de repente seu olhar ficou perdido... Vidrado. Como se você estivesse em transe... Eu chamei e você não respondeu... E quando eu tentei me aproximar e chamar a sua atenção você foi se esquivando, caiu no chão e começou a debater-se...

_ Por quanto tempo estive assim?

_ Não sei, mas não mais do que uns 2 ou 3 minutos.

Eu começo a levantar e então o Tenente Keaton vem correndo em minha direção.

_ O Que houve recruta?! Acabo de receber a informação de que você estava convulsionando. - Ele diz com os olhos sérios avaliando-me de alto a baixo.

_ Estou bem, foi apenas um mal estar. Agora, se me derem licença, vou ao banheiro. - Digo levantando, meu reflexos ainda estão confusos, sinto as pernas bambearem, mas me forço a aparentar o melhor possível. Celina me ampara, segurando meu braço.

_ Eu vou com você. - Ela diz, percebendo que não estou nada bem.

_ Tudo bem, obrigada.

_ Vou esperá-la no meu ambulatório para examiná-la. - O Tenente Keaton sentencia secamente enquanto gira os calcanhares e se vai.

Celina começa conduzir-me em direção ao banheiro, mas eu travo os pés.

_ Celina, preciso ver o Dr. Wes.

_ Okay. Vamos ao banheiro e daí eu levo você até o hospital.

_ Não, vamos direto ao hospital.

Caminhamos apressadamente até o hospital, mas por sorte eu o encontro na metade do caminho, andando pelos corredores, com uma prancheta nas mãos. Ele abre um sorriso quando me vê, mas quando chego perto o suficiente o sorriso dá lugar a uma expressão preocupada.

_ Beatrice, o que houve com você? - Ele pergunta, ignorando a presença de Celina ao meu lado.

_ Precisamos conversar.

_ Okay, você consegue andar?

_ Sim.

_ Vamos ao meu consultório.

Andamos a passos rápidos em direção ao consultório de Wes que fica dentro do Hospital, uma sala pequena, com uma escrivaninha, três cadeiras, uma maca, e instrumentos básicos para exames...

_ Tris, deite-se na maca. E você Celina, sente-se. - Obedecemos sem protestar.

Ele pega seus instrumentos para iniciar um exame clínico. Primeiro, ele levanta as minhas pálpebras e foca no meu olho uma pequena lanterna, um após o outro. Examina a garganta, e em seguida ouve meus batimentos cardíacos com estetoscópio.

_ Suas pupilas estão dilatadas e a frequência cardíaca alterada. Precisamos fazer um exame de sangue em você. E para não perdermos tempo vamos fazer uma tomografia de crânio com contrate. Há quanto tempo você não come?

_ Eu não sei...

_ Tomamos café juntas hoje pela manhã, mas não a vi no almoço. - Celina responde.

_ Vamos torcer para que você esteja em jejum...

_ Wes, eu alucinei... Eu acho... E não consigo lembrar de nada do que aconteceu hoje até acordar no chão do centro de treinamento.

_ Beatrice, esses sintomas estão ligados a quatro possíveis quadros: Você pode ter sido drogada, envenenada, alguma lesão no crânio, ou algum estresse emocional intenso... E como você não recorda de nada, acho prudente que façamos todos os exames o mais rápido possível. - Fala Wes, no modus operandi médico eficiente, enquanto liga do telefone que fica em cima da escrivaninha solicitando preparação para uma tomografia de crânio com contraste e hemograma completo.

_ Dr. Wes, nada de diferente ocorreu enquanto estivemos juntas, apenas nos separamos no intervalo do almoço e voltei a vê-la, agora, no meio da tarde. - Celina completa.

_ Beatrice, qual a sua última lembrança? - Ele diz enquanto abre a porta e empurra a minha maca pelo corredor.

_ Eu estou tentando Wes, mas a última coisa da qual me lembro, foi de deitar a minha cabeça no travesseiro para dormir, ontem a noite... E depois disso só me vem a mente as alucinações.

_ Certo. Vou querer que você me conte direitinho com o quê você andou alucinando. Outra coisa, quando foi a última vez que nos vimos? - Ele pergunta, olhando de cima para baixo, fitando-me deitada na maca.

_ Eu não lembro, almoçamos juntos?

_ Beatrice, talvez seja mais grave do que imaginamos... Nos vimos há três dias. Você estava esperando por uma resposta minha. Não recordas?

_ Resposta? - Ele abaixa a cabeça e diz junto ao meu ouvido:

_ Sobre Tobias, você pediu para que eu verificasse se ele está na cidade e se está bem.

Não lembro dessa conversa... O desespero começa a tomar conta de mim!

_ Tobias! Por quê? O que está acontecendo Wes? -

_ Acalme-se, preciso saber o que há de errado com você.

_ Não, você precisa me dizer o que está acontecendo, por que você ficou de verificar se Tobias está bem! Tem alguma coisa acontecendo, eu exijo saber o que é!

_ Beatrice, não sabemos o que está acontecendo com você, talvez não seja seguro falar a respeito disso nesse momento.

Eu me inclino de modo que eu possa ver em volta, Celina está nos seguindo. Imagino que seja por causa dela.

_ Celina, você pode me fazer um favor? - Eu pergunto.

_ Claro Tris!

_ Diga ao Capitão Keaton que está tudo bem e que eu resolvi descansar um pouco e que mais tarde passo no seu ambulatório. Não conte a ele que estou com Wes.

_ Okay. Pode deixar Tris e Dr. Wes, por favor me dê notícias! - Ela fala e parte em direção ao Alojamento.

_ Pronto, estamos a sós.

_ Beatrice, não sabemos o que está acontecendo aí dentro da sua cabeça... Essa manhã quando acessei aos arquivos de pesquisa no computador da Dr. Gail, encontrei um projeto sobre o qual ela nunca falou comigo... O que achei intrigante, já somos parceiros de pesquisas... O projeto envolve a subtração de memórias, o cérebro é escaneado, as memórias recentes são usurpadas enquanto o cérebro é induzido ao medo, para tornar essas lembranças desprotegidas...

_ Você acha que as minhas memórias foram subtraídas?

_ Não sei, acredito que não, caso contrário estaríamos todos presos agora, mas prefiro ter embasamento clínico comprovado para descartar a hipótese.

Na sala de exames, uma enfermeira que nem se quer me detenho identificar, como costumava fazer, insere um cateter no meu braço, de onde retira uma pequena quantidade de sangue e então insere uma seringa e pressiona o embolo com o seu conteúdo e imediatamente sinto o líquido gelado percorrendo as minhas veias. Estamos apenas nós duas na sala, eu estou na maca do tomógrafo e Wes está em outra sala de olho nos computadores que vão analisar o meu cérebro.

A maca deslisa para dentro do aparelho, ouço vários cliques simultâneos, imagino meu cérebro sendo fatiado numa tela de computador. Afasto o pensamento e me concentro, tentando desesperadamente lembrar das últimas conversas que tive com Wes. Procuro em todos os cantos da minha mente refazer meus últimos passos. Mas tão logo as imagens começam a aparecer, sinto-as se desintegrando como poeira ao vento. O que há de errado comigo? Tenho um rápido vislumbre de De Wes confidenciando-me algo importante, meu cérebro processando a imagem de pessoas simples sendo escoltadas por militares, percorrendo as docas, mas a imagem evapora... Fecho os olhos e sinto um frio na barriga, uma excitação familiar... Diante do que só pode ser algum tipo de perigo consentido, adrenalina! Então me vejo na garupa de Enrico numa moto potente, e mais uma vez a imagem se vai.

_ Beatrice, pode abrir os olhos. - Diz Wes.

_ Já? Encontrou algo?

_ Na verdade não, seu cérebro está perfeito, vamos aguardar o exame de sangue. Agora, vem vamos, ao seu antigo dormitório. Pedi que o resultado seja entregue lá pela Enfermeira Emma, sei que você assim como eu, também confia nela. Por via das dúvidas eu pus outro nome na identificação do seu material, para que não desperte a atenção de ninguém.

_ Okay.

_ Você conseguiu descartar a hipótese de subtração de memórias?

_ Na verdade não, preciso estudar mais sobre o assunto e ainda tem o resultado toxicológico do seu material.

_ Wes, enquanto eu estava no tomógrafo, forcei algumas lembranças, elas surgiam e antes que eu pudesse assimilá-las por completo, elas simplesmente desapareceram..

_ Isso é um bom sinal... De qualquer forma as coisas estão ficando complicadas por aqui. Sinto que a situação está fugindo de controle... Estou temendo por você.

_ Wes, na minha alucinação eu o vi.

_ Quem?

_ O Presidente.

Ele levanta as sobrancelhas e abre a porta do quarto para eu entrar. Imediatamente sento na minha antiga cama abraçando meus joelhos... A lembrança da alucinação provoca arrepios na minha coluna.

_ Como assim?

_ Não sei, eu o vi, estive na sua biblioteca e o encontrei montando um quebra-cabeças numa sala escura... ele se chama Nicholaus King. Eu pensei que estivesse sob efeito de uma simulação, mas não conseguia lembrar ao certo como tinha ido parar lá...

_ Deve ser fruto da sua imaginação, não sabemos como ele é, muito menos o seu nome. - Ele justifica e nesse exato momento vejo em minha menta Enrico pronunciando a pergunta que ecoou na minha alucinação: " Um nome é importante pra você?"

_ Enrico!! Wes, o Enrico me falou sobre ele! É claro, Alejandra deve ter contado para ele. Nós andamos de moto, estávamos num local diferente daqui, com uma paisagem árida e muitos destroços ao redor. É tudo que consigo lembrar!

_ Faz sentido. Precisamos falar com Enrico. Se ele esteve com você vai saber datar e explicar o que aconteceu antes e depois.

_ Isso! Precisamos chamá-lo.

_ Claro, mas antes preciso falar com você. - Ele diz num tom complacente e sinto meus ossos congelarem... Imagino que deva ser sobre Tobias.

_ O que houve?

_ Bem, conversamos há dois dias Beatrice, eu lhe contei sobre as pessoas trazidas de caminhão pelos soldados da base...

_ Eu lembrei disso no tomógrafo! Só que na hora me pareceu sem sentido.

_ Pois então, eles foram levados até o laboratório de infectologia e Gail aplicou neles um vírus fatal e contagioso, depois foram levados pelo mesmo caminhão para fora da cerca. Você suspeitava que tivessem ido a Chicago. Pediu que eu acompanhasse as câmeras de segurança, para saber se Tobias estava bem e se de fato, as pessoas foram deixadas lá.

Eu estou estupefata, as lembranças estão jorrando na minha mente, sinto meu crânio latejar a compreensão me atingindo feito uma paulada na cabeça!

_ E então??? Como está o Tobias? - Ele me encara, com olhos preocupados e nesse momento sinto as lágrimas transbordarem dos meus olhos.

_ Beatrice... - Ele se aproxima, senta ao meu lado e põe o braço em volta dos meus ombros.

_ Diga Wes!

_ As pessoas foram deixadas junto aos portões de Chicago. Não localizamos o Tobias, tem algumas pessoas de minha confiança monitorando a cidade nessas últimas 48 horas e ele não foi visto...

_ Como assim não foi visto? Ele não anda pelas ruas há dois dias?!

_ Bem, pode ser que algum movimento dele tenha passado despercebido, mas até agora não o localizamos. Pedi que rastreassem seus amigos. Estou no aguardo de informações.

_ Wes! A cidade está cheia de câmeras e o Tobias não foi visto! Só há duas alternativas, ou ele passou pela cerca...Ou... Ou.. Não pode ser!!!! Eu preciso ir até lá, eu preciso descobrir o que aconteceu! - Digo enquanto tento desvencilhar-me dos braços de Wes que agora apertam tentando me conter.

_ Não Beatrice! É muito cedo para saber! Hoje mesmo deveremos ter uma posição a respeito dos demais. E se mais alguém estiver desaparecido podemos concluir de que eles saíram de Chicago. - Ele fala num tom contido e pausado, como se estivesse tentando explicar o óbvio a uma criança de 5 anos.

_ Você acredita que ele tenha atravessado a cerca? - Eu pergunto, como se minha vida, ou minha motivação para viver dependesse da sua resposta.

_ Não conheço o Tobias tão bem quanto você, mas imagino que se pessoas doentes fossem deixadas no meu quintal e outras pessoas estivessem adoecendo por conta disso, eu iria buscar as respostas. - Ele responde sinceramente... E sinto meu ânimo arrefecer...

_ É, você tem razão.

_ É mais seguro para ele estar fora da cerca do que dentro dela... Se ele saiu do nosso campo de visão, Beatrice, significa que também não está mais sob a vigília da Base.

_ Sim... - Um misto de agonia e esperança invadem meu peito, quem sabe ele não esteja vindo para mim? Será que ele será capaz de me perdoar?

_ No que você está pensando? As lembranças estão voltado?

_ Algumas... Acredito que com algum estímulo, assim como na conversa que tivemos, lembrarei de tudo.

_ Mas tem algo mais, não é? - Ele diz com os olhos analíticos fixos em mim.

_ E se ele estiver vindo para cá?

_ Nesse caso, ele facilitaria as coisas para você...

Batidas na porta interrompem a nossa conversa.

_ Pode entrar. - Wes responde.

Emma entra na sala segurando um envelope nas mãos, como sempre sorridente e solícita.

_ Menina, como está?

_ Bem, Emma, obrigada. Sinto falta das nossas conversas.

_ Ah, eu também menina! Venha nos visitar uma hora dessas! Os garotos vão adorar conhecê-la!

_ Eu vou, com certeza.

Ela entrega um envelope a Wes e sai da sala, sorrindo e acenando. Ele abre o envelope e passa os olhos rapidamente pelas folhas. Eu aguardo ansiosa pela sua explicação.

_ Bem, foi encontrado no seu sangue uma grande concentração dietilamida do ácido lisérgico. O que explica as alucinações, a pupila dilatada, e a alta frequência cardíaca.

_ O que é isso?

_ Uma droga sintética, que age nos neurotransmissores serotoninérgicos e dopaminérgicos, provocando as alucinações das quais você falou e a perda de memória pode ser um efeito colateral explicado pela inibição da atividade dos neurônios de rafe, visuais e sensoriais. Em outras palavras você foi drogada... E como essa droga pode ser administrada por várias vias, além de intravenosa, todos que estiveram com você nas últimas horas são suspeitos.

_ Eu fui drogada?

_ Sim! Beatrice e pode ter sido durante o sono, no café da manhã, bebendo água, na roupa íntima... Ou durante qualquer outra atividade trivial... Essa droga tem muitas formas de administração... O contato contínuo com a pele, ingestão, intravenosa, inalação. - Ele explica.

_ Existe uma forma de descobrirmos como isso pode ter acontecido?

_ Bem, podemos coletar sua saliva, para detectar se foi por ingestão e também suor, para saber se foi por absorção, mas não vejo no isso poderia nos ajudar. O que você precisa agora é preservar-se, está se expondo demais Beatrice!

_ Você disse que a perda de memória é um efeito colateral da substância, então é passageiro? Em quanto tempo devo recuperar a minha memória?

_ Sim, é passageiro, creio que dentro de 6 a 12 horas o seu corpo deverá excretar toda a droga, de modo que as funções cerebrais serão restabelecidas, sem nenhum dano.

_ Wes, mas se esta droga não causa nenhum dano permanente à saúde, qual o propósito da pessoa que me drogou?

_ Não sei Beatrice, em altas dosagens, pode ser fatal e além do mais as alucinações podem levar o indivíduo a cometer atrocidades contra a própria vida ou de terceiros. Quem sabe qual seria a sua reação se você estivesse alucinando durante uma aula de tiros por exemplo...

_ Independente da motivação, tenho que descobrir uma forma de proteger-me destas investidas.

_ Vou falar com o Capitão Finth e com a ajuda dele vou convencer o General Sparks de que você deve vir morar comigo na vila.

_ Não sei... Acho que não será uma boa ideia, o Capitão Finth conversou com ele a respeito da minha promoção a soldado, mas ele disse que eu não estou preparada para receber tanta liberdade...

_ Mas agora, se trata da sua segurança. Você foi drogada!

_ Okay, boa sorte!

_ Não aceitarei um não como resposta. - Ele diz, enfático.

Levando as mãos em sinal de rendição, mas ainda assim acredito que será muito difícil que consiga algo...

_ Agora, devo voltar para o Alojamento.

_ Eu acompanho você, faço questão de resolver as coisas agora mesmo.

_ Tudo bem.

Caminhamos em direção ao escritório do Capitão Finth, minha mente vagando, fantasia sobre a possibilidade de Tobias estar vindo me encontrar... Eu o vejo dirigindo pelas estradas poeirentas diminuindo cada vez mais a distância entre nós, o vejo chegando, meus olhos examinando cada movimento seu, descendo do carro, aproximando-se lentamente, duvidando do que vê a sua frente, imaginando se o cansaço ou o calor estão lhe pregando uma peça... Mas a crescente proximidade confirma de que estou aqui, viva, esperando por ele... Então ele para do outro lado da cerca, que agora é o único obstáculo entre nós... Seus olhos fixos nos meus... Os portões se abrem, corremos na direção um do outro, nossos corpos se chocam violentamente, o impacto nos leva ao chão. Minhas mãos engrenhando em seu cabelo, eu avanço contra seus lábios, como se deles eu sugasse o ar que preciso para viver...

_ Beatrice! Beatrice! - Wes estala os dedos em frente aos meus olhos.

_ Desculpe, o que foi?

_ Você estava alucinando novamente?

_ Não... Acho que não.

_ Bem, então, estava contando aqui para o Capitão Finth que você foi drogada e que não conseguimos identificar de que forma e que neste caso acho prudente que você fique sob os meus cuidados.

_ Okay. - Digo ainda distraída. Meus lábios estão formigando, como se fato, Tobias e eu tivéssemos nos beijado.

_ Hey! Beatrice, você está se sentindo bem? - Wes insiste, ele parece preocupado e também um pouco engraçado, quero dizer, a sua fisionomia, os olhos parecem terem crescido substancialmente em seu rosto... Eu olho por mais uns segundos, só para ter certeza de que é real.

_ Dr. Shefield, ela não está bem! - Observa o Capitão Finth.

Desvio os olhos de Wes para ele e chego a conclusão de que provavelmente quem não está bem é ele, pois a sua pele está assumindo uma tonalidade esverdeada... Ele está quase parecendo uma soldadinho de brinquedo, exceto pelo tamanho... Cubro a boca para conter um riso, afinal seria muita falta de respeito caçoar da doença alheia.

_ Beatrice, me diga, agora! O que você está vendo?

_ Você e o Solda.. Solda.. desculpe, o Capitão Finth. - Falo, contendo o riso, pois quase chamei o Capitão Finch de Soldadinho.

_ Vê o que estou querendo dizer?

_ Sim, leve-a, depois eu me entendo com o Tenente Keaton e com o General Sparks.

_ Obrigado Capitão Finth. Se descobrir qualquer coisa, qualquer indício de quem, ou como ela pode ter sido drogada, gostaria de saber.

_ Certo Doutor.

_ Outra coisa, o senhor pode solicitar ao Soldado Enrico que me procure? Estaremos no antigo dormitório de Beatrice.

_ Okay.

_ Vem Beatrice, vou levar você de volta.

_ Eu não estou bem?

_ Acho que não.

_ Por quê seus olhos estão tão grandes?

_ Acho que para te ver melhor. - Ele responde, e dá uma risadinha enquanto passa os braços pelas minhas pernas e me carrega em seus braços.

Deito minha cabeça em seu peito e sinto o mundo girar, num mix de cores tão lindas, verde, azul, vermelho, roxo, amarelo, rosa... Fecho os olhos e deixo a sensação de paz tomar conta do meu coração. Não faço ideia de quanto tempo se passou, mas agora sinto a maciez do lençol sob meu corpo e o cheiro de roupa lavada no ambiente. Abro os olhos e tudo o que vejo é a imensidão de um teto branco sem fim... Olho em volta e o pânico começa a tomar conta de mim, estou cercada por paredes cobertas por um estofado tecido também branco, meu primeiro ímpeto é levantar o tronco para sentar na cama, mão não consigo. Meu tronco, meus braços, punhos e pernas estão amarrados à cama!

Abro a boca para gritar mas o som da minha voz fica preso na caixa de vidro que envolve minha cabeça, minha respiração embaça o vidro, dificultando ainda mais a minha visão! Fecho os olhos com força, e me concentro nas batidas do meu coração, tentando ritmá-las. Respiro fundo, solto o ar lentamente e tento lembrar a mim mesma que isto provavelmente não está acontecendo, estou drogada. Isso tudo é efeito da droga.

Então ouço vozes ao meu redor...

_ Ela está dormindo agora?

_ Tive que sedá-la. Ela estava oscilando entre a realidade e as alucinações, achei mais seguro.

_ Como aconteceu?

_ Não sabemos ainda, aliás é por isso que pedi que viesse até aqui. Ela me disse que esteve com você, saíram de moto, o que exatamente aconteceu?

_ Dr. Wes, o senhor não está achando que fui eu que a drogou, não é?

_ Mas é claro que não! Preciso refazer os passos dela para descobrir como e quem a drogou.

Forço meus olhos a se abrirem, mas eles não me obedecem, estão pesados e parecem ter vontade própria, assim como a minha boca, que não se move, independente do grau de esforço que eu tente empregar. Mas que diabos! Quando isso vai acabar?!

_ Eu a levei para as ruínas para conversarmos sobre o que Alejandra me contou sobre o Presidente.

_ Como vocês passaram pela cerca?

_ Os guardas acharam que eu estava levando a Alejandra para dar uma volta, já fizemos isso antes... E por algum motivo eles a respeitam, embora ela mesma diga que nunca contou para ninguém sua descendência real, como ela mesma diz.

_ E o que vocês fizeram?

_ Bom, você sabe né Dr. Wes, fizemos o que todo casal faz... E depois falamos do Presidente.

_ Como assim casal? - Wes levanta a voz pelo menos duas oitavas, e tenho certeza de que se meu corpo estiver esboçando alguma reação, nesse momento minhas bochechas devem estar coradas.

_ Não, não... Estou falando de Alejandra.

_ Não me interessa o que vocês dois fazem, me referi a Beatrice.

_ Assim, desculpe. Contei a ela detalhes sobre o Presidente, seus gostos, onde ele se esconde, embora eu não saiba a localização exata... Falamos basicamente sobre isso. Depois voltamos direto para Base, nos separamos com a promessa de que eu tentaria descobrir a localização exata do Bunker do Presidente.

_ E você não sabe onde ela esteve depois?

_ Ela me disse que procuraria por você.

_ Mas não chegou até mim. Quando foi que isso aconteceu?

_ Ontem ao meio dia.

_ Ela disse que procuraria por mim e mais de 24 horas se passaram sem que ela tivesse de fato chegado até mim... Acordou desorientada no meio do centro de treinamento... Aparentemente enquanto orientava os outros recrutas sobre técnicas de luta... Muito Estranho.

_ Qual é a sua teoria?

_ Obviamente ele encontrou outra pessoa no caminho, que a drogou.

Ouço com atenção e pela primeira vez em algumas horas consigo refazer os meus passos com clareza, sim, as lembranças estão voltando. Enrico e eu nos despedimos, parti em disparada na direção do hospital, tentando obter alguma informação sobre o Tobias. No caminho passei por alguns enfermeiros que pareceram não notar a minha presença. Parei na recepção e a recepcionista Andy Whaters interfonou para a sala dele e não o encontrou. Então David Goldman apareceu e se ofereceu para conduzir-me até Wes.

_ David... David Goldman! - Minha voz sai embargada e por fim consigo abrir os olhos e vejo Wes e Enrico surgirem em meu campo de visão.

_ O que você está dizendo Beatrice?

_ David Goldman, ele me drogou. Levou-me até seu consultório, disse que o chamaria, saiu da sala e quando voltou, se dirigiu a mim e sem que eu pudesse antever injetou a droga no meu braço com uma pistola. Foi tudo muito rápido... Luzes começaram a piscar, senti as minhas pernas bambearem e em seguida tudo escureceu.

_ Aquele maldito! - Enrico esbraveja.

_ E depois, do que mais você lembra? - Wes pergunta.

_ Acordei na minha cama, no alojamento, mas sem entender ao certo o que estava acontecendo... Tive momentos de delírio completo e lucidez... Iam e vinham como em ondas... Quando estava no refeitório com Celina, tive a impressão de que a comida estava viva, foi nojento, não consegui ingerir nada além do suco... Fui ao banheiro lavei o rosto, e quando me olhei no espelho, estava mais uma vez de frente ao espelho da minha casa no setor da abnegação. Tudo se alternava entre real e fantasia... Mas o ápice foi quando me vi correndo nas docas e depois me deparando com o próprio presidente.

_ Você passou por todos os estágios alucinatórios da droga, mas agora, pelo que monitorei ela já saiu da sua corrente sanguínea e em breve será excretada na urina.

_ Quer dizer que acabou?

_ Sim, creio que sim. - Wes responde.

_ Agora precisamos descobrir por que David fez isso! - Enrico diz.

_ Deixe comigo Enrico. Assim que eu tiver certeza de que Beatrice está bem eu vou atrás dele.

_ Acho melhor que vá o quanto antes, afinal enquanto ele acreditar que ela está sob o efeito da droga, estará seguro de não ser descoberto. - Enrico pondera.

_ Pode ser... Você tem condições de ficar com ela por alguns minutos?

_ Wes, estou bem! Não preciso de supervisão de ninguém.

_ Não discuta Beatrice, só saio daqui se você tiver a companhia de alguém de confiança.

_ Pode ficar tranquilo, eu fico com ela.

_ Qualquer coisa me pode me bipar.

_ Okay.

Wes sai do dormitório apressadamente, nem sequer olha na minha direção. Enrico senta num cantinho da minha cama e me olha sorrindo ternamente.

_ Então, as nuvens já não são mais tão coloridas assim? - Ele diz em tom de brincadeira.

_ É , acho que não.

Ele passa mão suavemente pelos meus cabelos, eu fico desconfortável com o gesto, afinal estou deitada numa cama e ele está sentando tão próximo, que sinto a necessidade de impor a presença de Tobias entre nós.

_ Eu acho que Tobias está a caminho da Base.

Suas sobrancelhas se arqueiam e a fisionomia tranquila desaparece.

_ De onde você tirou esse disparate?

_ Wes não contou-lhe sobre as pessoas doentes que foram deixadas junto a cerca em Chicago?

_ Não! Como assim.

_ Bem, resumindo, Gail injetou em um grupo de pessoas aparentemente vindas da Margem um vírus contagioso e mortal e os deixou na cerca de Chicago. Parece que as pessoas foram acolhidas e acabaram espalhando o vírus e Tobias saiu para investigar. E como ele é muito esperto, vai acabar chegando até nós.

_ Como é que você sabe? Você o viu sair? - Ele pergunta pragmático.

_ Não vi, mas Wes disse que ele não foi visto na cidade já tem dois dias, então é obvio que ele sai para buscar explicações ou quem sabe até mesmo uma cura. Você sabe dizer se alguém na Margem tem conhecimento da Base.

_ Os líderes sempre sabem... Por quê?

_ Porque com certeza esse é o primeiro rumo que ele irá tomar.

_ Como você pode saber que ele não está doente, já que você mesma disse que esse vírus é contagioso?

_ Enrico! Eu sei! Ele não pode estar doente! Já o teriam visto mesmo que no hospital! - Diogo gritando, para convencê-lo de que Tobias está bem e a caminho, grito e enfatizo cada palavra, para convencer-me também.

_ Se você estiver mesmo certa, e sobreviver a estrada, quando chegar aqui será preso.

_ O que diabos deu em você?

_ Só estou lhe falando a verdade.

_ A impressão que tenho é que você está torcendo para que ele esteja doente, ou que morra no caminho... E se isso não ocorrer você ainda conta com a possibilidade dele ser preso! É isso mesmo Enrico? Porque se for, pode ir embora agora mesmo!

_ Desculpe Tris, não foi essa a minha intenção.

_ Se você pensa que algo mudaria entre nós caso Tobias... Caso Tobias... Não consigo nem pronunciar as palavras! - O pensamento me assombra e preciso tomar fôlego para continuar...

_ Saiba que se caso acontecer alguma coisa com ele, eu não sobreviverei Enrico! Eu não posso simplesmente seguir a diante. Ele é o único motivo pelo qual eu me levanto todas as manhãs! Sim, eu sou essa criatura egoísta! Todos os meus movimentos, as minhas atitudes, são motivadas pela possibilidade de estar com ele novamente! E se você ou qualquer outra pessoa me tirar isso, não retará nada! - Meus olhos marejados ameaçando transbordar... Falar abertamente dessa possibilidade a torna mais real e isso me fragiliza, me apavora, eu preciso vê-lo, preciso saber que ele está bem!

_ Tris, desculpe. Não acho que você seja egoísta. Na verdade eu é que estou sendo. Você deixou as coisas tão claras para mim... Mas as vezes é tão difícil. Quando você sorri para mim, quando me toca, quando me olha, algo em mim ascende... Esperança Tris! Embora você já tenha ditos de todas as maneiras, das mais rudes e duras à mais condescendente eu não consigo evitar... De onde eu vim esperança é a única herança que recebemos de família e ainda não aprendi a abrir mão dela. Então me desculpe.

_ Não posso me responsabilizar pelas suas expectativas, mas no que toca a mim, Beatrice Prior, posso afirmar que são infundadas. Etão se você preza nossa amizade, peço que não faça nenhum mal ao Tobias...

_ Jamais faria qualquer coisa para prejudicá-lo, não sou um monstro Tris. - Ele fala e parece ofendido.

_ Eu sei, mas as vezes pode ser que inconscientemente você o deseje mal... Isso me incomoda.

_ Já entendi, então podemos mudar de assunto? As nuvens coloridas estavam mais interessantes. - Ele fala sorrindo.

_ Que loucura isso! Você tem algum palpite sobre o que motivou David Goldman a me drogar?

_ Imagino que não tenha sido para te carregar para o banco traseiro do carro dele. Já que ele te deu alucinógenos. - Ele continua em tom de brincadeira!

_ Ah, cala a boca!

_ O que é?! Se eu fosse drogar você usaria algo que a deixasse mais suscetível as minhas sugestões.

_ É isso! Ele não se arriscaria apenas com a intenção de me drogar! Isso é uma espécie de soro! Um soro! Mas como é que está fazendo algum tipo de efeito em mim? E qual é o objetivo?

_ Você quer que eu chame o Dr. Wes?

_ Não, vamos esperar... Quem sabe ele encontra David Goldman.

_ Não sei, se é como você diz, provavelmente ele já esteja longe...

A porta se abre e Wes adentra o quarto com a aparência pálida e os olhos arregalados. Meu coração dá um salto no peito. Ele olha em volta, como que para certificar-se de que estamos realmente só nos três. Eu já não aguento mais a ansiedade.

_ O que foi?! - Enrico atropela.

_ Encontrei David Goldman. - Ele diz e faz uma pausa, como se procurasse as palavras certas.

_ E então, por que você não o forçou a vir nos dar uma explicação? - Enrico inquiri.

Ele suspira pesadamente e responde:

_ Porque os mortos não podem dar explicações.

*****


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