Convergente II escrita por Juliane


Capítulo 19
Ela




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/544355/chapter/19

Não sei exatamente quais palavras usar para explicar o que é a dor. Não falo daquela dor lancinante quando você topa o seu dedão do pé numa mobilha qualquer, ou aquela ocasionada por um joelho ralado, por um soco bem dado no seu maxilar, um osso quebrado, um ferimento a bala. A dor física nem se compara com essa sensação, por tanto não sei se posso ser justa nomeando isso tudo de dor. Angústia, desespero. Estou perdida dentro de um labirinto de emoções, e quando estou prestes a sucumbir lembro-me onde eu estou e qual é o meu propósito e sei que não está tudo acabado.

Respiro fundo, solto o ar de vagar, tentando ritmar as batidas do meu coração. Abro os olhos e tudo que vejo é a luz que escapa por debaixo da porta da sala de controle. Ora some, ora reaparece. Demoro um certo tempo para perceber que estou sentada no chão, abraçando os joelhos, não sei exatamente quanto tempo permaneci aqui e assim que o reconhecimento me atinge levanto instintivamente olhando em volta. Ainda estou sozinha, mas agora os monitores mostram apena o abandono do velho parque. Ele se foi. Não paro para pensar, apenas abro a porta e corro pelos corredores, enquanto ouço a porta se fechando num baque surdo, não ouso olhar para trás porque sei que devo ter posto Wes numa encrenca, mas eu não ligo.

Tudo o que eu quero neste momento é apenas correr... Correr até que eu sinta meus pulmões queimando, até que minhas pernas fiquem dormentes, até que eu não possa mais aguentar. E é o que faço, sem direção, sem pensar em mais nada. E quando eu sinto que já não posso mais continuar eu forço um pouco mais, só um pouco mais.

Minha pernas vacilantes me traem, eu tropeço nos meus próprios pés e caio na grama macia. Permaneço deitada no chão por alguns minutos, tentando recuperar o fôlego. Fecho os olhos buscando dentro mim a força de que preciso para continuar, inspiro, espiro absorvendo o cheiro de grama recém cortada. Concentro-me apenas no leve toque das folhas na minha pele, na textura suave.

_ Tris, você está bem? - Ouço a voz e sinto a preocupação implícita, mas não a reconheço de imediato.

Ainda estou deitada, de modo que viro minha cabeça na direção de onde vem a voz e então encontro um par olhos castanhos ansiosos esperando por uma resposta. Enrico.

_ Oi, estou. - Digo ainda ofegante.

_ Não é o que parece. - Ele reponde.

_ Então porque perguntou, se você já sabia a resposta? - Eu digo irritada.

_ O que houve? - Ele diz ignorando minha pergunta.

_ Não houve nada! - Eu respondo, sentando-me e passando a mão nos braços para retirar pedaços de grama que ficaram presos a minha camiseta.

Ele continua me encarando enquanto se senta ao meu lado, evidentemente não satisfeito com a minha resposta. Eu continuo com a tarefa de retirar a grama da roupa e o ignoro deliberadamente.

_ Estamos do mesmo lado. Pode confiar em mim Tris. - Ele diz num tom de voz controlado como se estivesse falando com um animal prestes a atacar.

_ O que te faz pensar que estamos do mesmo lado! Você não me conhece! - Eu estou gritando, a raiva eclodindo na voz.

Enrico olha em volta, verificando se as outras pessoas estão reparando em nós e eu faço o mesmo, e vejo Wes vindo em nossa direção. Ele está uns 500 metros de distância.

Enrico pega o meu braço me levantando junto com ele, então se aproxima de modo que seus lábios quase tocam a minha orelha,eu tensiono meu corpo no mesmo instante e apesar das cócegas que sua respiração provoca, não esboço reação.

_ Eu sei que você quer sair daqui. Eu também. Pode confiar. - Ele diz e agora seus olhos encontram os meus procurando um sinal de entendimento e confiança. Eu estou confusa, não sei o que pensar mas acho que ele deve ter visto algo em meus olhos que o convenceu de alguma forma: desespero, falta de alternativas, pois ele acena levemente com a cabeça e solta meu braço.

_ Beatrice, o que aconteceu? Você está bem? - Wes diz enquanto dispensa com um gesto os dois guardas armados que o seguem eles recuam mas mantém seus olhos sobre mim, eles estão prontos para me deter se preciso for.

_ Desculpe Wes. Eu precisava de um pouco de ar puro. - Eu digo e embora esta não seja a verdade eu realmente sinto muito, não quero complicar as coisas, já que ele tem atendido aos meus pedidos e essa minha atitude impensada pode fazer com que ele perca a confiança em mim.

_ Tudo bem! Mas que isso não se repita! - Ele diz num tom de voz firme, impassível.

_ Certo. - Eu digo, olhando para os meus pés, porque realmente estou envergonhada. Não entendo de onde vem esse sentimento. Não deveria me sentir mal por infringir as regras de um estranho, muito menos me envergonhar por isso.

_ E quanto a você Enrico, não deveria estar no Centro de Treinamento? - Ele repreende.

_ Sim Dr. Wes. Eu estava a caminho, mas me pareceu que Tris estivesse passando mal, então parei para ajudá-la. - Ele justifica.

_ Pois bem, agora ela está sob os meus cuidados, então pode ficar tranquilo. - Wes lança um olhar inquisitivo em sua direção, mas ele parece não notar ou realmente não se importa.

_ Sim. Já vou. Tchau Tris. - Enrico fala enquanto corre na direção dos colegas que o acompanharam durante o almoço e percebo que mais um vez a garota está me encarando notoriamente com raiva. Talvez ciúme, sim, ela só pode ser namorada de Enrico.

Quando Enrico está longe o suficiente Wes diz.

_ Beatrice, você não pode reagir desse jeito cada vez que você o vir. Isso vai me complicar e dificultar as coisas para você. - Ele me olha ponderando, e como conclui que não pretendo responder, ele continua:

_ Eu quero te ajudar. Eu quero fazer isso por ela, mas desse jeito você não colabora. - Ele conclui.

_ Por ela? - Eu pergunto. Estou curiosa, a quem ele se refere?!

_ Sim, por ela. É uma longa história. Se você me acompanhar até o seu quarto poderei lhe dar algumas respostas.

***************

Estou sentada na minha cama e Wes puxou a cadeira e a posicionou de modo que estamos frente a frente, o silêncio impera enquanto ele me olha avaliando por onde começar e eu já não posso mais esperar.

_ Comece pelo começo! - Eu digo e ele arregala os olhos, surpreso.

_ Nada passa despercebido aos seus olhos. - Wes diz com um sorriso nos lábios.

Eu não contraponho, estou curiosa demais para pensar em algo a dizer. Depois do que parece uma eternidade, ele pigarreia e por fim inicia seu relato.

_ Beatrice, eu acompanhei boa parte da sua trajetória. O dia da escolha, a sua coragem durante o ataque... - Ele não conclui a frase seus olhos estão perdidos em algum ponto que não posso ver, mas consigo imaginar.: O massacre da abnegação, a caça aos divergentes, eu assassinando Will, a morte dos meus pais.

Ele respira fundo e continua:

_ Naquela época eu tinha apenas um interesse especial pela sua sua família, não sabia de nada, não suspeitava de nada. Desde de que me entendo por gente cresci neste local. Não tinha tido curiosidade alguma a cerca da minha origem, quando mais jovem eu nutria a ilusão de que eu era apenas uma máquina, criada por um cientista deste laboratório eu custava a acreditar de que eu realmente fosse humano. Humanos têm família, tem pais e irmãos, mas eu não tinha nada. - Ele pára e olha para cima, como se no teto impecavelmente branco houvesse uma tela de projeção, onde ele pudesse ver a sua infância sendo transmitida como um filme.

Não sei onde ele quer chegar com essa conversa, não vejo qual relação possa ter comigo, mas não ouso interrompê-lo.

_ Acompanhar a suas vidas como um filme, era como se eu estivesse de alguma forma vivenciando uma vida em família. Era estranho, mas eu não me questionava, apenas seguia todos os dias acompanhando de longe, isso me distraia me tornava mais humano. Então quando assisti a morte da sua mãe, algo se quebrou dentro de mim e eu chorei, como se uma parte de mim estivesse partindo com ela. Pela primeira vez na minha vida me senti impotente e inútil.

_ Você não a conhecia! - Eu digo e começo a temer que Wes na verdade realmente a conhecesse. E se ele tivesse sido seu namorado?! Mas pelo que ele me disse nunca saiu daqui e minha mãe segundo o seu diário esteve apenas na Margem e no Departamento antes de Chicago.

_ Depois que Natalie morreu, vocês pararam a simulação e enfim estavam a salvo na sede da amizade, as coisas se abrandaram em Chicago e eu pude afinal sair da sala de controle. Resoluto, decidi que deveria saber mais a respeito dela. Então resolvi pesquisar nos arquivos do governo. -

Wes me olha em expectativa, aparentemente esperando algum tipo de repressão ou acusação, mas estou sedenta demais por saber a respeito do que ele de fato descobriu sobre a minha mãe que fico quieta. Então ele prossegue:

_ Nos relatórios descobri que Natalie era filha de Jenna e Mark Wright. mas as informações são confusas, não há detalhes apenas alguns documentos como a certidão de nascimento da sua mãe, um boletim de ocorrência assinado por Jenna atestando o desaparecimento de Mark Wright e posteriormente outro atestando o desaparecimento da filha Nathalie Wright, na época com 12 anos. Cinco anos após a data de desaparecimento de sua mãe há uma certidão de casamento. Jenna se casou com Collin Sheifild. - Ele me olha, procurando algum entendimento nos meus olhos, mas eu estou confusa.

_ Datada de dois anos após o casamento de Jenna e Collins há a certidão de nascimento de um menino, Paul Wes Sheifild. - Ele conclui, sua voz duas oitavas mais baixa, os olhos intensos fitando os meus. E então o reconhecimento me atinge: Wes é filho de Jenna, assim como a minha minha... Wes é meio irmão da minha mãe! Wes é meu tio!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Convergente II" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.