Elemento escrita por Grind


Capítulo 21
Capítulo 21 - Vazio




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Elemento / Capítulo 21 - Vazio

Estava irritado. Sentia minhas veias pulsarem em ódio quando lembranças vinham à tona. Respiração profunda, testa banhada em suor; era um dos poucos elementos que denunciavam o que eu sentia verdadeiramente. Era impressionante como ela possuía o dom de fazer perder a cabeça.

Mas eu não lhe dei o braço a torcer, não me humilharia indo atrás dela, ou qualquer coisa do gênero, estávamos na realidade e não em um conto de fadas. Eu virei na direção contrária, o passo apertado para que chegasse em casa o mais rápido possível. Quando avistei o enorme condomínio cinza, agradeci mentalmente.

Não estava com cabeça para nada, não me dei ao trabalho de cumprimentar o porteiro quando ele ergueu uma mão, o sorriso sugestivo no rosto prestes a dar inicio ao assunto do "porquê do sumiço". Eu atravessei o hall de entrada sem me dar o trabalho de olhar para os lados, evitar olhares de conhecidos que poderiam me barrar era o objetivo. Eu entrei no elevador com ignorância, e quando alguém gritou para que segurasse a porta, eu fiquei satisfeito quando ela se fechou não dando tempo o suficiente a quem quer que fosse.

E quando eu finalmente entrei no apartamento, foi como se eu respirasse depois de um mergulho profundo. Tentei ignorar a camada de poeira que se apossara das coisas, o lugar já não era muito grande, sujo, era pior ainda.

Eu me joguei no sofá. Afundando o rosto por entre as mãos tentando controlar meus nervos a flor da pele. Eu podia escutar a voz dela ecoando na minha cabeça, o sermão como se estivesse na ponta da língua, como se ela tivesse o preparado a dias. E aquilo só me serviu para me irritar mais, a ideia de que eu pudesse ser tão previsível daquela maneira para ela era de certa forma, deprimente.

Lorota, mentira, falsidade. Não havia necessidade dela inventar todo um sofrimento enquanto eu estivera em coma, de qualquer maneira, ela não ganharia nada com isso. E se esse era o objetivo, afinal o que ela queria?

Como eu odiava mentiras. E essa me surgiu com uma das mais cabeludas, era muita cara de pau me olhar nos olhos e ter se dito preocupada. Eu voltei a erguer a cabeça, o corpo inclinado ligeiramente para frente enquanto eu encarava a TV encardida e desligada.

Eu me levantei, me desfazendo das roupas no caminho, foi um alivio sentir meu corpo relaxar em baixo da água gelada. Eu apoiei ambas as mãos na parede, fechando os olhos, deixando que a água fosse a única preocupação no momento, e senti minha dor de cabeça amenizar.

E por uma razão desconhecida, eu lembrei de como seria Gabrielle no banho, como eu havia a imaginado. Com os olhos fechados, um tremor percorreu meu corpo, o calor me subindo as pernas.

Eu acordei. Fechando o chuveiro e procurando a toalha. Não quis ver meu reflexo no espelho. De alguma maneira, estava sentindo repulsa de tudo ao meu redor, inclusive de mim mesmo. Em meio a pensamentos indistinguíveis, apenas me vi capaz de secar a água restante em meu corpo, vestir uma peça de roupas quaisquer e me lançar na cama.

– Um teto familiar - Murmurei - Há muito tempo não o vejo dessa maneira.

Cinza, plano, mofado. Repleto de problemas Problemas do primeiro mundo. Problemas das quais eu me recusava a resolver tão cedo. Um barulho veio do alto, o vizinho de cima arrastando os móveis e um bater de pé incessante, senti minha cabeça voltar a latejar, certas coisas não mudavam.

O pior fato de se estar na merda, é alguém prever isso, alertar você, e você possuir um orgulho grande demais para se dar aos ouvidos. Aquele pensamento fez o meu ódio por Gabrielle crescer. Não sei ao certo quanto tempo eu passei deitado, mas já estava escuro quando liguei para minha mãe.

Eu só pensava no que Gabrielle havia dito, e a coragem que teve em olhar pra mim ao dizer.

– Alô?

– Oi mãe.

– Oi! - Exclamou, não tão animada como de costume - Tudo bom? Ja chegou em casa?

– Eu... Cheguei tem um tempo. Você descansou?

Ela hesitou.

– Passei a tarde toda sem fazer nada, conversando com uma amiga antiga pelo telefone, ela queria saber se você tinha melhorado. Seu pai saiu agora pouco, foi na padaria pra mim, e você?

– Eu não fiz nada - Me sentei suspirando, a mão passando nervosamente pelo rosto - Eu e Gabrielle discutimos, e cada um foi para um lado. É provável que você não volte a vê-la, a discussão não foi nada bonita,

Houve um silêncio do outro lado da linha.

– É um pena - Respondeu por fim. Eu estranhei, mentalmente, eu me considerava preparado para um sermão de que o erro era meu e blá blá blá – Eu sempre gostei muito dela - Prosseguiu, como se para evitar o rumo dos meus pensamentos - O que aconteceu?

– Ela mentiu pra mim - Minha voz saíra sem emoção alguma - E você sabe como eu odeio mentiras.

– Você deixou ela se explicar? Talvez você possa ter mal a interpretado.

– Não tinha nada para ser explicado - Cerrei o punho com força.

– Então está bem - Suspirou cansada, como se pudesse prever tudo isso - Se precisar de alguma coisa, qualquer coisa você me liga está bem?

– Tá bom mãe - Voltei a jogar o corpo para trás, o braço disponível cobrindo os olhos, o cansaço pesando sobre minhas pálpebras.

Desliguei o aparelho, agora me vendo livre dos ruídos da chamada. O silêncio voltou a consumir os arredores. Mórbidos, as cortinas me assistiam conforme balançavam seguindo o fluxo singelo do vento. Irritado, eu fechei a janela com brutalidade.

Voltei a jogar-me na cama, e quando abri os olhos já era dia.

(...)

Sendo apenas mais uma noite mal dormida eu me levantei cedo. Determinado a acabar de vez com aquela serie de problemas. Na hora do almoço eu já havia feito uma faxina completa. O minusculo apartamento estava um brinco. Eu havia até arrumado o teto tanto do quarto, como do banheiro que estavam em um estado deplorável.

Estava tudo tão bem, que eu poderia vender o apartamento. A questão seguinte era o trabalho, eu passara toda a tarde no batalhão resolvendo a papelada de atestado médico, os salários presos na banco, a restrição para que eu trabalhasse interno - pelo menos, até que o médico me liberasse, já que, segundo Marcelo, eu não estava em condições para voltar pra rua.

Arrumando o expediente, acertando o dia que eu voltaria a ativa, pagando contas atrasadas, levando roupa pra lavar, ligando para amigos que não sabiam do meu sumiço, e coisas que não acabavam mais.

Quando eu finalmente voltei pra casa, as 20hrs, era como se faltasse alguma coisa. Mas não faltava. Era o mesmo apartamento, o mesmo silêncio que eu sempre presei.


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