Um Outro Lado da Meia-Noite escrita por Gato Cinza


Capítulo 7
Zona Proibida




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Deixamos Meg no club – para a felicidade dela – pouco depois do nosso almoço, Verbena explicou que onde estávamos indo era uma passagem secreta e segura, não podia-se correr risco de não iniciados ou renegados ou qualquer criatura que não fosse uma feiticeira ou mago de confiança descobrir como entrar na Zona Verde.

“Que zona verde?” perguntei tentando me lembrar de onde se integrava essa zona. A única que me lembro é a zona negra – onde ficam os mercadores da sombra, nunca estive lá, mas sei que fica nas proximidades da zona morta, hum, a zona morta pertence á cidade dos mortos e acho que eu não me daria muito bem com fantasmas e zumbis.

– Zona verde é onde se vende artigos mágicos naturais, coisas de origem mineral, animal e claro vegetal. Na verdade não fica em nossa dimensão física.

Novidade, qual das zonas proibidas ficam em nossa dimensão física? Alias se não fossem proibidas suas existências, venderiam ervas, minérios e órgãos em feiras na praça aos domingos.

– O que vai comprar? – me pergunta Verbena quando estamos chegando á sua casa

– Preciso de pedras elementais para fazer um talismã. E algumas coisas á mais que preciso. Por que estamos na sua casa?

Entramos no escritório do barão e fui sufocada pelo cheiro de charutos. Verbena não respondeu, apenas deu um sorriso torto e parou ao lado de uma única estante com livros existentes naquele lugar. Murmurou algo e seu cajado – que estava no porão-caverna de casa – surgiu em um lampejo vermelho em sua mão. Não disse nada, eu jamais seria capaz de convocar algo que não estivesse pelo menos ao alcance de minha visão, não era segredo que Verbena era a bruxa mais poderosa de Ferrara ou qualquer província da redondeza de.

Verbena bateu com a base do cajado na parede acima da estante e disse “Deixe-me ir além do que os olhos podem ver” depois se afastou, observamos em um piscar a estante ser empurrada por mãos invisíveis contra a parede que se dissolveu instantaneamente e escorregar para o lado. Eu apenas sorri.

“Passagem secreta e segura” claro, quem em sã consciência diria que no escritório de um barão havia uma passagem para uma zona proibida?

– A quanto tempo isso existe? – perguntei.

– Aqui ficava um poço durante o século X, o poço dos lamentos. Era uma passagem segura de nosso mundo para o não-mundo, mas ele foi destruído e a casa do duque La’Rossi foi erguida sobre ele. Levei mais de um ano para descobrir exatamente onde ficava o poço e usei um feitiço que achei no grimório de Odete para abrir a passagem novamente. Aqui só abre quando não há ninguém normal presente.

Olho se solaio á minha irmã, por um segundo pensei em lhe perguntar como ela sabia da existência de um poço se a casa do duque fora construída no fim do século XIII e vendida á família do barão de Quirini no inicio do século XV. Eu mesma me lembro da lenda do poço dos lamentos, diz que foi por ele que as famílias bruxas vieram para Ferrara, mas nunca ninguém soube como ele funcionava. “Apenas uma passagem entre mundos” diz as lendas, mas toda lenda esconde um segredo sombrio.

Entramos em uma floresta fechada, olhei por cima do ombro antes do escritório sumir de vista. As folhas e galhos secos estalavam sob nossos pés a cada passo. Podíamos ouvir sons da floresta, sons tristes, como se a floresta lamentasse algo. Olhando para cima meus olhos se perdiam entre enormes árvores que cresciam até onde o tempo lhes permitisse. Eram sem duvida as maiores árvores que meus olhos já tinham visto, elas se embrenhavam umas nas outras, nem uma brecha de luz solar podia ser encontrada.

– A Floresta Sombria – murmurei para mim mesma.

Segui Verbena até uma trilha, levou poucos minutos para chegarmos á um vilarejo. As casas eram baixas, feitas de palha, tabuas e madeira amarradas umas nas outras com cipós. Levou mais tempo para notar que aquilo não era uma vila habitacional e sim um grande mercado ao ar livre. Cada casebre tinha coisas á venda, ervas seca... cascas de plantas... pedrarias... poções...metais preciosos ... grãos... partes animais legalmente comerciáveis como ovos, pelos, dentes e unhas... animais e insetos vivos...livretos de magia... talismãs e amuletos prontos...

Parei olhando para uma gaiola onde haviam pequenos e coloridos pássaros canoros, suas penas não eram verdes e azuis comuns como folha ou céu, eram de um tom brilhante e hipnotizante que mantinha os olhos congelados.

– Colibris da caverna – disse uma mulher gorda de olhos esbugalhados – Tem propriedade fluorescente e brilham no escuro, são apenas enfeites musicais muito bons para quartos de crianças.

Antes que eu fizesse alguma pergunta fui arrastada por Verbena.

– Aqueles pássaros morreriam assim que atravessássemos o portal com eles, não pertencem ao mundo do outro lado.

Encontramos a herbolária que procurávamos. Assim que ela recaiu os olhos castanhos escuros em mim deu um largo sorriso mostrando dois dentes de ouro.

– Madame Belaya, imaginamos que viesse á nossa procura antes da lua nova terminar. Temos algo para ti.

Sra Gale era uma vidente, as vezes mentia descaradamente, outras dizia coisas que ninguém gostava de ouvir. Devia ter qualquer coisa acima dos sessenta anos e já tinha essa aparência de maracujá de gaveta sorridente desde a primeira vez que fui ao Palazzo Romeno com meu pai aos oito anos de idade para encomendar carvalho e uma pedra da lua para forjar meu cajado. Desde que me viu pela primeira vez ela me chama de Madame Belaya, eu tinha segundo ela o gênio ruim do meu avô. Para minha infelicidade ela não era a única pessoa que expunha sua opinião sobre meu mau gênio.

– Por que imaginou que eu viria? – perguntei.

– Intuição, e também por que um passarinho verde nos disse que fora hoje de manhã no velho Palazzo.

A Sra Gale se abaixou abrindo as gavetas trancadas a chave do balcão. Levou vários minutos até ela se erguer com um sorriso maligno nos olhos e os lábios comprimidos em um sorriso estranho, ela parecia feliz em se livrar de algo que lhe desagradava. Senti um frio percorrer a espinha e congelar em meu estomago. Lentamente ela abriu a caixinha de madeira barata esculpida á mão que continha um símbolo hindu da água talhado na tampa. Verbena e eu trocamos um olhar desconfiado quando vimos a pequena pedra lá dentro. Era simplesmente uma pedra, como se tirada da beira de um rio. Branca, lisa, arredondada, chata e pequenina.

– Uma pedra? – disse e repeti – Uma pedra?

Estendi a mão para pegar a pedra, mas a velha fechou a tampa. Me lançando um olhar perverso – ela me dá arrepios.

– Estivamos na índia á mais de um ano procurando uma coisa muito especifica para troca, e quando passamos pelo rio Zuari encontramos uma pedra bastante curiosa, sim... uma pedra normal do rio como qualquer outra pedra, mas por algum motivo mais interessante que todas as outras. Quando demos por nós já tavamos carregando a pedra como se fosse um diamante precioso. Não sabemos por que a pedra nos chamou, mas quando ti vimos nos sabemos. É para a Madame Belaya, ela sabe o que fazer com a pedra do rio. Ela sabe.

Depois de um estranho silêncio ela me olhou desconfiada.

– Sabe o que fazer não sabe?

Neguei com a cabeça, o que diabos eu faria com uma pedra? Tinha ido até a cidade para comprar uma gema para fazer um talismã para Andreas, tive que entrar na Zona Proibida para achar o que procuro e ela vinha me oferecer uma... dei um sorriso. Eu sabia o que fazer.

– Guardou essa pedra todo esse tempo para Morty? – perguntou Verbena.

– Sim, na verdade nos não sabia o que fazer e quando vimos ela nós sabia. A pedra veio para ela entregar ao dono dele, alguém nascido nas estrelas da água.

Estrelas da água... Andreas era do fim de maio, câncer.

Agradeci pelo presente. Passamos as horas seguintes fazendo compras, comprei algumas velas feitas com ervas, alguns frascos limpos e um cordão feita de cabelo de sereias – é uma fina corrente trançada de cor dourado, cheira á mar. Verbena comprou uma quantidade impressionável de ervas exóticas para usar na cozinha e uma caixa com algo que ela havia encomendado e não me disse o que era.

Felizmente não havia ninguém do outro lado do portal quando voltamos e passamos sem problemas, bom quase. Assim que atravessamos meus pacotes caíram, eu me transformei em um gato mais uma vez.

– Oh! São quase quatro da tarde – informou Verbena olhando pela janela.

Sei o que ela estava pensando, eu deveria ter me transformado as duas da tarde. Então levitando os meus pertences sem ao mesmo dar-lhes atenção Verbena teu um tapa em sua testa.

– A Zona Proibida, claro – depois de me lançar um olhar esperando reação lógica de minha parte ela explicou - No outro lado a magia tem leis próprias, sua maldição não tem efeito nenhum lá. Mas se você fosse enfeitiçada naquela dimensão o feitiço não se quebraria deste lado.

Apenas fiquei quieta. Observei Verbena empacotar minhas coisas em uma caixa grande e fazê-la sumir juntamente com o cajado e sua caixa. Depois me aconselhou á não mexer na caixa por que ela havia mandando para meu quarto, como se eu fosse resistir. Aguardei na casa de Verbena enquanto ela ia até o club, onde Magnolia estava aflita nos esperando.

– A histérica já estava roendo as unhas pensando as piores coisas sobre nosso paradeiro – informou Verbena entrando em seu quarto onde eu esperava.

– Não sou histérica, vocês me contam toda aquela historia de Oods e depois me deixam aguardando por quatro horas. E olhe á Morty... se alguém visse ela mudando de forma?

Verbena deu de ombros. Eu apenas abri a boca em um falso bocejo.

– Vai dizer que não gostou de estar no club usufruindo das mordomias cedidas em nome de Verbena? – perguntei pulando para a janela.

O quarto de Verbena fica de frente para o jardim, há uma mimosa alta cheia de flores e uma arvore alta de flores amarelas que Verbena me disse se chamar ipê. Estava de costas, mas pelo suspiro longo de Meg posso supor que ela deu um largo sorriso, apenas virei a cabeça, ela estava sentada em uma cadeira toda dourada e estufada. Olhei de volta para o jardim, de repente notei que queria estar entre as flores.

– Sabe – mais um suspiro de Meg – Eu tive uma tarde bem agradável na verdade. Encontrei alguém no club.

– Oh! ela encontrou alguém no club – comentei dando ênfase as palavras como se fosse a coisa mais impressionante que eu já tinha ouvido.

Verbena sentou ao meu lado, de costas para o jardim, me mandou morder a língua enquanto Meg continuava a nos dizer que ela havia encontrado com Dylan.

– Isabelle e eu estávamos indo para a capela onde ela queria me mostrar a imagem da virgem que fora restaurada, então ela viu um amigo de Florença e me arrastou para ir cumprimenta-lo. Dylan Walker estava sentado com ele. Oh! ele ficou me olhando por um tempo e me cumprimentou beijando minha mão, nos convidou para nos sentamos com eles para tomarmos chá.

– E vocês moças prendadas recusaram o convite com risos tímidos e seguiram para a capela onde ficaram espiando para Dylan e o amigo florentino enquanto cochichavam mesmices femininas – terminei o que ela dizia me alongando.

– Sim fizemos isso. Mas o que importa é que...

Toc...toc...toc

– Entre Fran – mandou Verbena, a criada entrou informando que o barão havia voltado.

– Eis nossa deixa – disse assim que Francesca saiu do quarto – Te encontro no beco em quinze minutos Meg.

Antes que elas me dissessem qualquer coisa, fiz algo que queria fazer sempre; testar a capacidade dos gatos de caírem em pé. Pulei do segundo andar da enorme casa de minha irmã senti o vento em todos os cantos de meu corpo e uma coisa... acho que instinto animal... contrai meus joelhos e cai com menos impacto que imaginei no gramado abaixo da janela. Olhei para cima, Verbena e Meg me olhavam como se fossem gritar comigo por ter feito algo imprudente. Corri até a sebe que cercava o canteiro de flores do campo e desapareci da vista delas.

Felinamente falando: “os humanos são loucos”

Fui enxotada apenas por passar na frente das casas das pessoas. Duas mulheres me ameaçaram com suas bengalas. Um homem me chutou e ele foi amaldiçoado, queria saber como ele vai reagir quando o pé começar a coçar, inchar e ficar roxo, não poderá usar sapato nenhum até o inicio da lua minguante no fim do mês. Para finalizar fui perseguida por algumas crianças com pedaços de madeira nas mãos que me caçaram como se eu fosse um cervo e eles caçadores profissionais... terão pesadelos esta noite e amanhã amarão os animais como se fossem eles mesmos.

Quando cheguei finalmente ao beco, minhas irmãs estavam lá me esperando. Preferi nem falar nada com elas, afinal eu sou o gato e não elas. Um toque na parede suja de pedras e minha cama entrou em foco. Atravessei antes de Meg e assim que ela passou o espelho atrás de minha porta voltou a refletir meu quarto. Fiquei embolada debaixo na mesa da cozinha enquanto Meg tagarelava sobre Dylan.

– Queria saber o porquê Narciso não gosta dele – comentei tendo a satisfação de fazê-la se calar.

Eu teria prazer em desaparecer de casa para não ajudar a fazer jantar, realmente cozinhar não é minha melhor habilidade, sou boa cortando coisas, mas as cozinhando. Felizmente eu tinha um motivo para não ajudar, era apenas uma gatinha inofensiva. O jantar foi calmo, falamos sobre nossa visita a Verbena deixando algumas coisas – quase tudo – fora de questão. Felizmente Meg concordou que Narciso não precisava saber sobre os Oods, nem sobre Dylan, nem sobre eu ter ficado horas com Verbena a deixando no club sem supervisão.

A caixa de Verbena em meu quarto estava trancada por magia, então empurrei para o pé de minha cama e joguei uma toalha de renda em cima. Vou pedir para Sra Gale uma muda de planta carnívora para colocar em meu quarto. Dormi como gato e acordei aos berros, já estava em forma humana. Tinha algo em meus sonhos... presas e garras.


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