Ultraviolência - Batman e Coringa escrita por Charbitch


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Olá, tenha uma excelente leitura :D.
Baseado no filme "Batman - O Cavaleiro das Trevas" do Christopher Nolan e na graphic novel "A Piada Mortal" do Alan Moore.



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Batman tentava a todo custo entender a mente doentia do seu arquirrival. Mas como compreender o Coringa? O Homem Morcego até hoje procurava pela resposta, não só para satisfazer a sua curiosidade, como também para evitar que mais pessoas fossem mortas pelo Palhaço do Crime. Todavia, todas as suas tentativas de frear a loucura do inimigo só pareciam instigar o psicopata cada vez mais a seguir pelo caminho do crime. Mesmo assim, nunca desistia de tentar entendê-lo. Seria como desistir do bem estar em Gotham City, o que o cavaleiro das trevas se recusava a fazer.

O palhaço estava sentado numa cadeira, evitando olhar nos olhos do seu arqui-inimigo. Batman estava de frente para ele, também sentado numa cadeira. Havia uma mesa entre os dois. O criminoso colocava as suas cartas de baralho sobre a mesa:

_Você veio aqui para jogar comigo? – disse ele, com a voz baixa e ao mesmo tempo desafiadora.

_Não. – respondeu Batman, sério como sempre – Eu vim aqui para interrogá-lo.

_Claro! – riu sarcasticamente – Afinal nós estamos no hospício. E como ninguém aqui conseguiu até hoje descobrir o que se passa na minha cabeça, chamaram-no para ver se daria conta do recado. Vamos em frente então. Não perca tempo. Eu estou esperando! Venha! Você, rato voador, não vai me dar uma lição?

_Hoje eu quero te entender.

_Entender-me? – o Coringa parou por um instante de organizar as suas cartas e olhou de relance para o Batman, esbanjando desconfiança – O que você ganha com isso? Resolveu se tornar um Bat-psiquiatra?

_Eu apenas gostaria de saber: Por que você mata?

_O mundo tem pessoas demais. De vez em quando é preciso fazer uma faxina. Eu só estou faxinando Gotham City. Aqui tem idiotas em excesso, preciso eliminá-los.

_Você não tem o direito de fazer isso. São pessoas inocentes! – disse o Batman, procurando manter a calma diante da insensibilidade do inimigo.

_Inocentes? Mas, afinal, o que pode definir se uma pessoa é inocente ou não? A inocência é um conceito muito relativo e muito enganador também. Tão enganador quanto um show de mágica. Você acredita piamente que todos os que você defende são de fato inocentes? Eu já matei outros criminosos. Eles são inocentes?

_Não. – murmurou o Batman, parecendo estar queimando por dentro só de ter que concordar com o psicopata – Contudo não me importa, você não tem o direito de matar as pessoas, mesmo elas sendo criminosas. Fazer justiça com as próprias mãos é errado. Eu não mato, mesmo quando estou tentado a fazer isso. Por que você não é como eu?

_Pelo simples e lógico fato, meu caro – respondeu o interrogado, ostentando o seu sorriso maléfico – De que eu não sou como ninguém. Eu sou uma carta única no baralho. Existem reis, damas e valetes de vários tipos, mas o Coringa só possui uma carta no baralho. Eu sou o primeiro e único, o mais poderoso do jogo. E não pense que um dia eu possa ser como você. Você sabe muito bem que estamos e sempre estaremos em lados opostos nesse jogo. E compactuar com o adversário é mais do que entregar os pontos nesse jogo que chamam de jogo da vida, ou de jogo da morte. É uma completa tolice. E eu posso ser louco, no entanto não sou idiota.

_Eu não estou pedindo para se aliar a mim. Poderia ao menos dar um pouco de sossego à cidade – comentou o Homem Morcego, já cansado das picuinhas do homem de cabelos verdes.

_Dê-me um bom motivo para tal. Eu não dou ponto sem nó. Saiba que eu não vou deixar de cometer crimes apenas para o seu agrado, Batman. Dê-me uma razão plausível. Jogue comigo. Uma argumentação pode ser divertida agora. – colocou várias cartas lado a lado na mesa, não tendo vergonha de mostrar o seu típico semblante tão alegre e ao mesmo tempo tão perturbador.

_Você poderá ser um homem normal, encontrará uma esposa, terá filhos. Pense numa vida sem crimes. Você conquistará tudo honestamente. Isso não é gratificante?

_Pff, Batman, você sabe mesmo como estragar um jogo! – resmungou o palhaço, esparramando com força a sua mão pela mesa, o que fez com que todas as cartas do seu baralho caíssem no chão – Poderia haver razão mais clichê do que essa? Eu esperava algo mais ousado da sua parte! Tsc, tsc, você me decepcionou!

_E o que você esperava que eu dissesse? – indagou o Batman.

_Eu não sei, talvez algo que pudesse me tirar do precipício em que estou... – disse o palhaço, fechando os olhos por um segundo e logo em seguida os abrindo – Algo que pudesse me salvar de mim mesmo... – ele afundou o próprio rosto nas mãos.

_Nada que eu te disser te salvará de quem você se tornou. Apenas você tem o poder de reconstruir a sua pessoa.

_Poder? – perguntou o louco, dando um salto de supetão, ficando de pé sobre a sua cadeira e apontando o dedo indicador para o Batman – Você não sabe o que é poder! Você fala como se fosse fácil ter poder sobre a própria mente! Eu já disse que não sou você, não tenho o seu invejável autocontrole. Eu não sei o que eu estou fazendo, sou um trem que saiu dos trilhos, sou as bandas demoníacas dos anos 80, sou todos os livros proibidos pela igreja, sou tudo o que as pessoas mais repugnam! Eu não sou um criminoso comum, eu sou muito mais do que isso, eu sou a face do mal e...

_Orgulha-se disso? – interrompeu o Homem Morcego.

_Se me orgulho de ser a face do mal?

_É. Orgulha-se?

_Orgulho-me como você nem imagina! – respondeu com toda a sua convicção, ainda de pé sobre a cadeira, enquanto estufava o peito e se sentia o mais poderoso de todos os homens, deixando o Batman furioso.

_Orgulha-se de matar? De torturar? – bradou o Batman, batendo na mesa com toda a sua implacável força - Orgulha-se das facas que porta, das armas que tanto ostenta? Orgulha-se do sofrimento que já causou a tantas pessoas? Orgulha-se disso, miserável? – berrou o herói, levantando-se da sua cadeira e agarrando o inimigo pelo pescoço – Com certeza também se orgulhará de apanhar!

_Você não pode fazer isso! – lembrou o palhaço, sorrindo como sempre – Não te deram o direito de me bater. Mas se faz tanta questão assim, vá em frente – o seu sorriso se alargou ainda mais – Saiba que sou apaixonado pela sua ultraviolência, os seus socos soam como um beijo de mãe para mim. Bata-me. Bata-me, eu amo quando você me bate. BATA-ME SE TIVER CORAGEM!

_Eu... Eu não posso fazer isso... Você não vai me tirar do controle de novo, não vai! – falou com firmeza o Homem Morcego, largando o pescoço do psicopata.

_Como assim? Você já fez isso antes! Faça de novo! FAÇA! – o palhaço parecia furioso por não ter apanhado.

_Eu só te bati aquela vez porque estava sem controle. Não vou me rebaixar ao seu nível novamente, embora agora esteja muito tentado a fazer justiça com as próprias mãos!

_Covarde! – disparou o palhaço, cuspindo no chão – Os seus pais deviam ter vergonha de você!

_Não fale dos meus pais! – gritou o Batman, encurralando o Coringa na parede e apertando novamente o seu pescoço, desta vez com ainda mais violência - Por que é tão incapaz de ter empatia?

_Eu... Eu respondo... Se você me, me soltar... – balbuciou o palhaço, lutando para respirar.

O Batman o soltou e comentou, em meio a um suspiro de insatisfação:

_Eu sei que vou me arrepender de ter te deixado falar. Mas diga. Diga. Diga tão somente o que você queria dizer. E por favor, seja sincero. Onde está a sua empatia?

_Um dia eu tive empatia pelas pessoas que eu amava. Sim, veja só, eu já amei! – respondeu vivaz, rodopiando pela sala e abrindo os braços, como se fosse um pássaro alçando voo – Mas eu descobri que não valia a pena. – nesse momento ele parou de rodopiar e fechou os braços, fez uma pequena pausa e prosseguiu - Eu então aprendi algo que poucas pessoas são capazes de aprender ao longo da vida: Subjugar os próprios sentimentos. Estando eles sob controle, sou capaz de fazer qualquer coisa sem me arrepender depois, pois não tenho relações entre coração e consciência. E é justamente isso o que faz de mim alguém um tanto... Digamos... Insano!

_E quando você descobriu que amar não valia mais a pena? – indagou o Homem Morcego.

_Ah, sabe, eu nem me lembro mais... Remexer o passado não me é lá muito confortável. Suponho que também não seja para você. Eu tive um passado tão cheio de sombras que um dia joguei tudo o que eu tinha para o alto, tranquei todas as minhas lembranças ruins numa caixinha e a joguei no rio, esqueci-me de todas elas, as minhas memórias já não me importam mais. A minha razão escorreu pelo ralo. E agora eu sou o que você vê diante dos seus olhos tão desconfiados. Eu sou a personificação do grotesco, do lado da mente que ninguém quer ver, que ninguém se digna a olhar, porque tem vergonha, tem repulsa. Eu represento o lado ruim de cada indivíduo nesse mundo. Eu sou tudo o que nem o mais miserável dos homens gostaria de ser. Eu sou a insanidade em sua forma mais avançada, eu sou a bruxaria, eu sou o medo manifestado no pior trejeito de pesadelo, eu sou o paradoxo do palhaço infeliz. Eu sou muito mais do que todos são capazes de imaginar na mediocridade das suas mentes tão parcas. Eu sou o que ninguém esperava que eu pudesse ser. Eu sou... O Coringa.

_E antes do Coringa? Não existia alguém? – questionou o Batman.

_Existia um fracassado. – disse ele, recolhendo as cartas de baralho que haviam caído no chão e embaralhando-as em suas mãos – Eu não era um rei, um valete, uma dama, um ás. Eu não era nada de especial. E agora eu posso ser o que eu quiser, sem medo do julgamento alheio. Veja só! Por que razão eu desejaria voltar ao normal? – perguntou o homem tão perdido em si mesmo, enquanto mostrava a carta de baralho Coringa ao Batman – É bela essa carta, não é? Um palhaço... Sorrindo... Quando eu era só mais um Zé Ninguém por aí absolutamente não possuía um motivo sequer para sorrir como o palhaço da carta. Depois que eu me tornei o Coringa, descobri todos os motivos do mundo para sorrir. Matar me dá prazer, faz-me sentir realizado como pessoa. Por favor, não tente arrancar o meu alter ego tão precioso de mim. Ele é tudo o que eu tenho. Ele já se tornou uma parte de mim. Tirar-me o meu personagem seria como tirar o seu personagem de ti. Você, homem cuja identidade secreta desconheço, continuaria vivendo sem o Batman? Pois então, eu não vivo mais sem o Coringa. Tornou-se um vício para mim. Tornou-se o meu grande prazer. Tornou-se tudo. TUDO!

O palhaço havia sensibilizado o Batman de alguma forma. O Cavaleiro das Trevas pegou a carta do Coringa e a observou atentamente, enquanto falava com certa tristeza no olhar:

_Você só queria sorrir de novo... Eu também... – disse ele, entregando-lhe de volta a carta símbolo do homem das cicatrizes.

_Sorrir verdadeiramente, não forçado pelo gás do riso. Sorrir com a inocência de uma criança e com a paixão de um adolescente. Sorrir... Eu só queria sorrir! Você também... Todos nós... Todos nós sem exceção, todos nós só queríamos sorrir! – disse o palhaço, enquanto tentava segurar algumas lágrimas que vinham. Ele parecia descontrolado, o Batman tinha a impressão de que ele desabaria a qualquer momento.

_Você só queria sorrir... – o Batman parecia abatido.

_Pela última vez... Pela... – o Coringa mal conseguia falar – Desculpa... Desculpa por tudo...

_Você está perdoado, ao menos por enquanto... – sorriu o Batman, enquanto deslizava os seus dedos pelo rosto do palhaço – Adeus... – disse o Homem Morcego, já dando a “consulta” por encerrada e indo em direção à saída.

_Não. Não! NÃO!!! Fique comigo, fique comigo! – disse o palhaço, jogando-se ao chão e puxando o Batman pela capa. Os olhos do psicopata desabaram em tão raras lágrimas – Não vá, por favor! Eu preciso de você, eu preciso de você!

_Não seja estúpido, Coringa! – disse o Batman, tirando as mãos do lunático da sua capa e finalmente indo embora.

_Mas... Mas... – o palhaço àquele momento já não aguentou mais e como estava sozinho, pôde expor toda a sua histeria na pior forma possível, sem medo algum. Rasgou todas as suas cartas de baralho, chorou copiosamente como nunca havia chorado antes e gritou, gritou porque se odiava desde o princípio e queria morrer. Após os gritos que nem ao menos foram ouvidos, sentiu-se o mais solitário dos homens. Sentiu-se a lástima na sua forma mais crua. Sentiu-se o próprio pesadelo. Sentiu-se a sombra mais escura sem qualquer indício de luz no fim do túnel. Enfim, sentiu-se quem ele era, ou melhor, quem ele havia se tornado. Sentiu-se o Coringa.

E não importava o quanto se esforçassem para curá-lo. Não importava. Ninguém, nem mesmo o Batman era capaz de livrá-lo de si mesmo. Ninguém.

_E não me interessa quantos tolos tentem me tirar dos braços do meu verdadeiro eu! Podem me privar de tudo, de tudo! – ele ainda chorava, chorava como uma criança – Porém uma coisa eu prometo a mim mesmo! Nunca, nunca, nunca, não importa o que aconteça, podem me torturar até a morte! Mas nunca tirarão o Coringa de mim! NUNCA!!! – os seus gritos novamente não foram ouvidos. Como sempre...

E a chuva começou a cair... Cair lentamente...

Cair, cair e cair...

O sono o abateu e ele dormiu no chão mesmo, sobre as cartas rasgadas e as lágrimas completamente ignoradas. Amanhã seria outro dia. Um dia sem o Batman. Mas ainda assim mais um dia, assim como todos os outros que viriam, até o fim...

E a chuva caía, caía, caía...

Apenas caía singela...

Caía doce e melancolicamente...

Oh, doce melancolia...

E a vida seguia o seu curso.

Seguia, apenas seguia...

Tão somente seguia...


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Notas finais do capítulo

Eu espero que você tenha gostado. Não se esqueça de comentar :D.



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