Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 113
Capítulo 113: POV Marc Hynes


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "In The Blue", "Run, Run, Run" e "Someone", tudo do CD INCRÍVEL Piece by Piece da Kelly Clarkson. Haha.
Revisado.



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Eu sabia o que ela estava fazendo. Sabia exatamente o que estava pensando. Tinha me trazido para cá para mostrar que nem tudo estava perdido. Podia ver em seus olhos, acompanhar a esperança que crescia cada vez que ela os percorria pelo salão. Sabia que ela tinha toda a intenção do mundo de me fazer ganhar a mesma admiração, que ela esperava me provar que nem todo o um por cento era ruim. Alguns davam seu dinheiro para ajudar outras pessoas.
Como se pudesse existir alguém no mundo que não soubesse disso. Cada um dos eventos em que alguém da nobreza participava era transmitido por televisão ou descrito no jornal do dia seguinte. Ainda mais se o rei e a rainha resolviam mostrar suas caras e coroas. Não devia existir uma única alma em Illéa que nunca tivesse acompanhado um só evento em prol de alguém necessitado. Eu sabia desse raro destino do dinheiro deles. Eu, Max, Aidan, Felix e até Dillon. Não eram as roupas caras e a decoração exagerada que nos faria acreditar que eles se importavam de verdade com qualquer que fosse a causa.
A presença deles era uma honra. Ninguém do um por cento estaria ali só para ajudar. Nem deviam se lembrar do que tinham ido fazer ali. Eles só apareciam por atenção. Podia ver isso na expressão do rostos deles, nos queixos erguidos e nos suspiros arrogantes e silenciosos que soltavam entre goles de champanhe. Seus olhos percorriam também o salão, mas de um jeito extremamente diferente do de Lola. Eles não buscavam ver algo que os impressionava, mas sim buscavam impressionar. Queriam saber quem os observava, queriam que observassem. Se escondiam atrás de suas taças e cumprimentavam todos como grandes amigos, sempre se protegendo com comentários e pensamentos superiores. Independente da faixa que estava logo acima do palco, nenhum deles estava ali por outra razão a não ser aparecer.
Era só outra causa. Outras pessoas que precisavam de ajuda. Mais alguém lhes estendendo a mão e pedindo pelo que, na cabeça deles, eles tinham merecido ganhar. A bondade de tal ação passava em branco em meio a cérebros já lotados de futilidades e preocupados demais em como se sentirem superiores a todos à sua volta. Eles davam o que menos podiam. Ou o que fosse necessário para competir, e ganhar, dos outros convidados da festa. Apareciam ali para apertar a mão do rei e tentar aliviar a culpa de ser ganancioso a ponto de deixar mais da metade do país na pobreza. Alguns goles de espumante e eles já não se sentiam tão vazios. Algumas vítimas aqui, outros doentes ali, pessoas que imploravam por algo que não fazia falta o suficiente para eles se coçarem, e logo eles se sentiam importantes novamente. Logo eles podiam acreditar, de barriga cheia e criados sem fim, que eles realmente mereciam fazer parte de um clube tão pequeno. Mesmo que todas as suas qualidades fossem de vidro e que nós pudéssemos quebrá-las facilmente, eles dormiriam em paz, mordendo a própria língua e enganando a si mesmos. Até que chegasse o próximo evento, qualquer que fosse a causa.
E Lola devia pensar que tudo isso iria me impressionar, que eu não veria através dos sorrisos estudados e elogios educados, o que me dava medo de que ela mesma talvez acreditasse neles. Talvez a falsidade lhe tivesse passado despercebida. Podia imaginá-la olhando para tudo aquilo como tinha olhado para o sparkler que eu a tinha dado, querendo ver o lado bom e fazendo o ruim valer a pena. Talvez ela quisesse mesmo acreditar que nem tudo do seu lado do mundo era podre. Ou talvez o privilégio de seu berço a tenha cegado para algumas coisas.
Independente do que fosse, eu não estava impressionado. Podia até jurar que ela estava prestes a subir no palco para fazer um discurso direcionado a mim e sua própria vontade de me convencer a acreditar em tudo que nos rodiava e, mesmo assim, não tinha muito interesse em ouvi-lo. Então, assim que as luzes se abaixaram e as pessoas começaram a aplaudir a apresentadora, eu me levantei.
Já sabia exatamente para onde iria. Meus passos foram rápidos, certos, na sombra e no caminho mais curto até o bar. Antes de estar completamente sentado, já tinha pedido uísque, do mais caro que conhecia. Aquela tinha sido uma péssima ideia e eu precisava beber pelo menos até conseguir parar de me importar.
Não queria estar no meio daquelas pessoas. Não tinha paciência para aquilo. Poderia estar em qualquer lugar do mundo, mas era obrigado a dançar a coreografia deles e fingir que estava honrado de estar ali. Para a Lola, aquilo tudo podia ser seu jeito de me devolver o que eu a tinha mostrado, mas para mim era tudo extremamente desnecessário. Já tinha passado anos o suficiente no castelo para saber que meu interesse por aquele mundo era mínimo. E já estava cansado daquela brincadeira.
Minhas costas me fechavam para a festa atrás de mim, me deixando só o barman na minha frente, que lavava taças e limpava a bancada incansavelmente. Senti um impulso de perguntar se ele precisava de ajuda. A menor chance de eu poder tirar aquele smoking e colocar um avental me deu vontade de rir. Quase de felicidade, senão de tristeza por não poder simplesmente pular para dentro do bar e fazer algo que realmente importasse.
Porque era aquilo que importava. O barman na minha frente, contando os segundos que teria que trabalhar, para ganhar o pouco dinheiro que ganharia e tentar sobreviver em um mundo invisível para aqueles que ele servia. E eu ali, na sua frente, poderia até ser confundido nos seus olhos por um dos outros. O tecido do smoking tirado da pilha das roupas da realeza e o gole de uísque em minha boca que custavam mais do que eu ganhava por mês poderiam lhe enganar. Ele poderia me olhar e pensar que eu estava acima dele. Ou pior, que eu pensava que estava acima dele. Não importava o que estava na minha cabeça, eu estava vestido até os pés de um por cento. Não me sentia infiltrado, mas deslocado. Quase obrigado.
Abri a boca para falar alguma coisa, talvez me explicar, mas o barman se afastou e perdi minha vontade. Não importava. Eu só tinha que aguentar uma noite, algumas horas. E tinha certeza de que conseguiria encontrar alguma coisa para me distrair, nem que fosse só o uísque.
Arrisquei um olhar na direção do palco por cima do ombro. Rei Maxon dava seu discurso com Lola logo atrás dele. Tinha estranhado ele falar antes assim que ouvi sua voz, mas não me preocupei em questionar. Talvez ele soubesse o que Lola queria dizer. Talvez ele mesmo não tivesse muito propósito ou escolha em tudo aquilo. Não era como se alguém estivesse ouvindo, de qualquer jeito.
Ninguém além dela. Mesmo a vários metros de distância, seu vestido brilhava de um jeito que quase me incomodava. Parecia que quanto menos luz tivesse, mais ele insistia em roubá-la. E até de onde eu estava, podia vê-la refletindo em seu rosto. Ou talvez fosse a tiara. Mesmo fora do holofote que mirava Maxon, Lola ainda chamava mais atenção do que qualquer outra coisa naquele salão. Por um segundo, pensei em olhar para o rei e ouvir uma ou duas palavras que ele dizia, mas meus olhos simplesmente negaram a ação. Ela quase mirava o chão, parecendo absorver tudo que ele dizia, tudo que eu já nem conseguiria parar para ouvir, mais séria do que quando tinha descido as escadas do castelo.
Ela gostava de tudo aquilo, tinha dado pra ver em como sorria enquanto deslizava o vestido pelos degraus. A tiara quase mudava suas feições, as jóias pareciam deixar seus movimentos mais leves, independente do quanto deviam pesar. Por menores que fossem os sorrisos que ela tinha dado até então, nenhum tinha me parecido forçado. Pelo contrário, no máximo, eles eram reprimidos. Ela encaixava ali quase tão bem quanto tinha encaixado na invasão. Era inevitável observá-la, no tapete vermelho, dando a entrevista e até mesmo no palco, naquele exato momento. Queria me certificar de que era a mesma pessoa. Depois de vê-la pixando a parede de uma mansão, tinha sido impossível prever que ela ficaria tão à vontade na frente de tanta gente propensa a julgamentos.
Mas ela não parecia se abalar nem um pouco. Não parecia sentir o quanto aquilo poderia ser embaraçoso ou ficar minimamente desconfortável. Pelo contrário, cada vez que ela respirava fundo, um sorriso aparecia em seu rosto. Ela gostava daquele mundo. De um jeito bem menos superficial do que eu esperava.
Talvez eu estivesse errado em relação a ela. Ou então eu estava mais certo do que queria admitir. Ela realmente não era uma garota comum. E mesmo que seus defeitos antes me aparecessem somente no papel, agora eu teria que me forçar a admitir que ela definitivamente fazia parte daquele mundo. De coração. Tinha que ser por isso, concluí, que ela tinha me trazido ali. Porque ela realmente acreditava que aquela era uma demonstração de bondade. Ela se sentia tão parte daquele mundo, que não enxergava os convidados direito. Era bem mais princesa do que eu queria acreditar.
Só percebi que tinha me virado completamente para o palco quando as pessoas começaram a bater palma e a apresentadora voltou ao microfone, deixando Maxon para trás. Era a mulher do General Leger, reconheci assim que o holofote iluminou seu rosto. Ela sorria de orelha a orelha, sem conseguir segurar o quanto estava feliz em apresentar Lola, mesmo que de improviso. Aproveitei para me virar outra vez para o bar, mas não sem antes ver o exato momento em que todas as atenções se voltaram para a princesa e ela olhou de volta para quem a ouviria.
Por um segundo, tive a impressão de que encontraria meus olhos, mas olhei de volta para o líquido cobre antes que insistisse por mais um pouco.
Já não a via, mas era inevitável me lembrar dela tomando a postura de quem tinha todos os olhos em sua direção e imaginá-la andando até o microfone. Pude até apostar no sorriso que ela daria antes de começar. Estava quase segurando a respiração, esperando o momento em que a ouviria, quando ela começou.
"Eu não sou daqui." Suas primeiras palavras me fizeram levar o uísque à boca, mais pelo movimento do que a vontade de beber. "Nasci longe de Angeles. Para chegar à cidade que chamo de lar, é preciso atravessar seu país inteiro e depois um oceano," continuou, enquanto meus ouvidos contrariavam minha posição e prestavam mais atenção do que eu queria. "E, mesmo assim, todos aqui me fazem reverência quando me encontram. Todos aqui sabem o que eu sou. E provavelmente sabiam antes mesmo de mim.
"Até meus sete anos de idade, eu não tinha ideia do que significava ser da realeza. Princesa era a minha palavra para menina. Se me perguntassem, não conseguiria distinguir meu pai de qualquer rockstar famoso," ri involuntariamente, girando meu copo sem propósito. "Era assim que eu explicava a atenção que nos davam. Cada reverência, cada cortesia que nossos criados nos ofereciam me parecia mais como uma coreografia que tinham combinado. E apostaria que todas as casas tinham o tamanho e os empregados da nossa. Mesmo que passasse meus dias aprendendo milhares de lições que nenhuma outra garota no país sabia ser possível, demorou anos para eu perceber que não era como qualquer outra," parei de balançar o copo. "Demorou muito mais tempo ainda para entender a adoração que tinham por mim por ter nascido na minha família.
"Meus professores gostavam de livros. Era daí que vinham minhas lições com eles. Gostavam de livros de história, do país, de guerra, todos propriamente embelezando o papel que nós cumprimos em cada uma, independente da nossa culpa." Eu não sabia se estava ouvindo direito. Aquilo não tinha nada a ver com o que podia jurar que ela diria. "Também gostavam de livros de georgrafia e política. Eu conseguia explicar o sistema de imposto do meu reino aos nove anos de idade a ponto de dar inveja em ministros. Tenho certeza de que nenhum de meus professores teria a coragem de dizer a meu pai que eu não era a aluna perfeita, mas nunca tiveram que ser testados. Eu fazia questão de não deixar brechas ou dúvidas. Quando percebi o que era e o que poderia ser esperado de mim no futuro, me prometi que seria a melhor princesa que pudesse existir." Por mais que franzisse a testa, fui obrigado a rir ao imaginar o que a pequena princesa pensaria de si mesma se a visse na invasão.
Mas qualquer graça que eu via antes pareceu desaparecer quando ela continuou. "A minha mãe também gostava de ensinar as coisas, mas ela era um pouco diferente." Arrisquei um olhar por cima do ombro, acabando por me virar completamente na direção do palco. Todos os outros no salão pareceram se ajeitar em seus lugares. Eu tinha pesquisado sobre ela, sobre a mãe de Lola. E por mais que ela tivesse já me falado minimamente dela, nunca tinha feito assim, na frente de um microfone. Era quase um tabu na Inglaterra, falar da rainha para ela. "Minha mãe só acreditava em livros se eles pudessem ser postos em prática. Era ela que organizava as milhares de viagens que eu fazia com meus professores pelo mundo inteiro, especialmente a Europa. Ela montava o salão de festas em decorações de épocas passadas e me fazia vestir-me de acordo." Os convidados trocaram sorrisos simpáticos. "Nós encenávamos momentos históricos e obras famosas. Nunca à perfeição. Isso nunca importou. E, por mais que me incomodasse no começo essa falta de compromisso com excelência, depois as aulas com ela viraram meu tempo de descanso. Nem as chamava de aulas, somente de lições. E eu esperava o dia inteiro por elas." Lola mesma sorriu, parecendo brincar com a lembrança em sua mente.
"Mas vocês devem estar se perguntando de quê isso importa," ela continuou, seu tom um pouco menos nostálgico. "O fato é que uma das minhas lições favoritas com a minha mãe veio em um evento muito parecido com esse. Era em Londres e eu tinha acabado de fazer 11 anos. Já me sentia extremamente adulta e talvez o fosse, senão emocional, então culturalmente. Era um evento bastante parecido com esse, não só na causa, como na decoração. Tecidos caros, vestidos mais caros ainda, bebidas que poderiam pagar quase todos os itens do leilão silencioso e só as pessoas da mais alta aristocracia. Tanto brilho e glamour que qualquer pessoa normal nem teria percebido que era um evento beneficente." Sorri para mim mesmo, deixando meus olhos caírem no chão, finalmente me sentindo quase vitorioso de vê-la chegar a um ponto do discurso que eu já tinha previsto.
Podia até apostar nas palavras que usaria para descrever como as pessoas tinham se juntado para ajudar as outras. E fiz menção de me virar de volta para o bar, quando ela continuou.
"Mas eu estava acostumada com o brilho. Eu não via graça em glamour." Por alguma razão, eu simplesmente continuei virado na sua direção. "Com tantos objetos de ouro em meu quarto e tantos chás caríssimos que minha mãe tomava, nada disso me impressionava." Eu observava cada movimento seu, escondido no canto escuro a vários metros de distância. Mesmo que pudesse jurar saber o que ela diria em seguida, já não me interessava pelas minhas próprias críticas o suficiente para desistir de assisti-la. "E então tive a chance de ver claramente o porquê de eu estar ali. Nascer em um berço de ouro," ela continuou, "desobstruiu a minha vista. Eu entrei no salão e a única coisa com a qual me importava eram as pessoas que estávamos ali para ajudar.
"Dispenso até hoje qualquer tipo de formalidade. Reverências são tradicionais, não essenciais. As bebidas e os vestidos são para atrair quem tem dinheiro para doar. E até a presença da realeza é confirmada para incentivar o melhor que vocês tem dentro de vocês." O melhor, pensei, bufando para mim mesmo.
"Mas a nobreza aqui dentro não somos nós," ela continuou, me pegando de surpresa. "Não sou eu, nem é Maxon ou America. A nobreza aqui dentro pertence somente àqueles que carregam a força dentro de si para continuar depois de terem lhe tirado o mais básico dos direitos que um ser humando deveria ter," só percebi que tinha me levantado e andava na sua direção quando saí do teto baixo do bar e a luz dos candelabros ameaçaram irritar meus olhos. "Ela pertence àqueles que, mesmo quando injustiçados, se levantam para ajudar os outros. Até hoje eu ainda não me acostumei com a beleza que existe em ajudar alguém quando você mesmo precisa de ajuda." Lola abriu um sorriso tão grande que me fez querer acelerar meus passos. "Tem coisa mais maravilhosa que essa?" Seus olhos pareceram que me encontrariam, agora que estava exposto de pé entre as mesas, mas foram direto à maior delas, que já estava atrás de mim.
"Eu posso vê-las daqui," Lola continuou, sua voz cheia de orgulho, "as mulheres que estão dando as mãos agora e sabem que eu estou falando delas." Quis olhar para trás, mas meus olhos continuaram em Lola. "Não estou aqui para elas terem a honra de me conhecer. A honra é minha de poder estar na frente delas. E não é por si próprios que vocês vieram aqui. Não é por mim ou pelo seu rei e sua rainha. Isso daqui não importa," quando ela levou as mãos à tiara e a tirou, todo o salão pareceu engasgar. "Vocês sabiam quem eu era antes mesmo de eu descobrir, mas hoje é um dia para esquecer. Qualquer nobreza que venha do berço é para ser esquecida." Até eu apoiava minha mão na boca. Achava que tinha tido a inteligência de prever o que ela diria e não podia estar mais enganado. "Se ainda tinha alguma dúvida, posso esclarecer agora que vocês estão aqui por causa delas. É para elas que deveriam fazer suas reverências, não para mim. E nem são as minhas palavras que vocês deveriam estar ouvindo, e sim as delas.
"Pouco me importa quem são os convidados que exibem diamantes e vieram cumprir tarefa de fazer algum tipo de caridade. Não sei o que passa pela cabeça de vocês, mas se vieram aqui para mais do que só reafirmar sua posição na sociedade e seu alcance à família real, vão atrás delas, ouçam o que elas têm a dizer."
Todos já faziam questão de se virar na direção da mesa que Lola olhava sem parar e até eu os imitei. Tinha passado tanto tempo repetindo na minha cabeça que os convidados não se importavam com a causa, que nem tinha visto a mesa separada para as vítimas que tinham sido ajudadas pela organização.
Engoli minha própria vergonha e me virei de volta para Lola, agora quase logo na minha frente.
"Garanto que sairão daqui querendo ser mais como elas. E entenderão, talvez pela primeira vez, que ninguém aqui é vítima. Elas foram vítimas, sim, mas em um momento. Tem quem aceite abuso por medo dessa palavra. Mas é só porque ainda não viram que é preciso de muita força para admitir que alguém te colocou nessa posição. E mais ainda para perceber que isso não te define, não te controla. O que acontece com você não te diminui. É só um momento da sua vida, em que tentam te fazer ser menos humano, mas que não conseguem. É preciso muita força para perceber que o controle volta para as suas mãos no instante em que você decide buscar por justiça. Tragédias acontecem com qualquer um e não cabe a você o poder de impedi-las. O que realmente importa é como você reage. É a força que encontra dentro de você e em cada uma das mãos que lhe são estendidas para lutar contra elas e a favor de si mesmo."
Lola parou para sorrir, e eu a imitei. Já não sentia minhas mãos, meus pés ou qualquer outra coisa que acontecia à minha volta. O mundo se resumiu ao que eu via, a ela na minha frente, seus olhos encontrando os meus pela primeira vez desde que tinha começado a falar, ela perdendo o sorriso e engolindo a seco, enquanto todo o resto parecia cessar de existir completamente.
"As lições com meus professores se provaram muito úteis," ela continuou, depois de desviar o olhar para as outras pessoas atrás de mim, sem conseguir quebrar a sensação que eu tinha de já não ser mais nada além do que podia ver. "Mas nunca tanto quanto aquelas que aprendi ao lado de minha mãe. E a mais importante delas, a que mais me marcou foi aprender em um evento como esse, com pessoas que tinham sofrido abusos que eu antes nem podia imaginar, que ninguém consegue te destruir. Mesmo que tivesse demorado para eu sentir isso na pele, foi com pessoas incríveis como essas que eu aprendi que ninguém conseguiria me fazer ser menos do que eu sou. Ninguém pode te quebrar. Esse é um poder seu, somente seu. Essas mulheres lindas que estão na minha frente agora são prova disso. Prova de que pessoas menores vão tentar, mas não vão conseguir te diminuir, não vão conseguir roubar sua força."
Minha vontade era de subir ao palco, era o único passo que me faltava. Já não tinha mais noção de onde eu estava, de quem estava ali ou qualquer que fosse a câmera que ainda nos filmava. Eu só queria poder chegar mais perto dela, só queria poder colocar meus braços em volta dela, queria poder abraçar a pessoa que falava aquilo.
"Vocês estão diante da maior prova de nobreza que eu mesma já presenciei," ela levou uma mão ao peito, nos lembrando que ainda segurava a sua tiara. "Uma organização onde mulheres como todas as outras, de diferentes classes sociais e rendas esticam as mãos para ajudar as outras. Não importa se já passaram por alguma coisa ou não, elas ajudam quem for. Não precisam doar dinheiro algum, não precisam comprar item algum do leilão. Eu compro todos. A única coisa que vocês vieram fazer aqui é ter a honra de conhecê-las.
"Aproveitem esse momento. Aproveitem a chance de aprender com elas. É uma oportunidade de ouro. Uma que vocês não precisaram nascer na mesma família que eu para ter. E, se algum dia, vocês ou alguém que vocês conhecem passarem por isso, poderão agradecer a elas por ainda assim conseguir acreditar na força que existe dentro de vocês."
Assim que ela assentiu com a cabeça, declarando que seu discurso tinha terminado, as palmas começaram tão altas que foi inevitável sentir todos meus sentidos voltando a acordar. A mulher do General Leger chorava litros e não perdeu tempo em ir até Lola a abraçar. Podia apostar que elas provavelmente nem deviam se conhecer direito, mas Lola a abraçou de volta.
O som das palmas ainda era grave e alto quando ela desceu do palco e eu fui na sua direção. Ainda queria poder chegar até ela, queria tocar nela e abraçar aquela pessoa que insistia em me impressionar, mesmo quando eu já achava tê-la entendido completamente. Mas Lucy a cercou de um lado e outros convidados do outro. Elas andaram até a mesa das mulheres da organização, se afastando cada vez mais de mim. Quase não consegui ver quando ela entregou a coroa a uma mulher que parecia ser importante ali.
Ela foi abraçando cada pessoa da mesa, e eu fiquei de pé aonde estava, a observando até quando saía de vista, na esperança de que ela acabaria desviando o olhar e encontrando o meu.
"É estranho, não é?" Uma voz falou, me fazendo olhar para a direita e encontrar a rainha logo ao meu lado, seus olhos na direção de Lola.
Quis perguntar o quê, mas minha boca não se moveu.
Por sorte, uma olhada rápida na minha direção a fez perceber que eu não tinha entendido.
"Ver esse mundo tão de perto," ela continuou, voltando a olhar para a frente. "Nascer e crescer vendo-o de fora, achando que é terrivelmente inalcançável. E aqui está ele. Aqui está você."
Eu só franzia a testa, fazendo ela sorrir, como se lhe agradasse me deixar confuso.
"O mundo da realeza parece extremamente impenetrável," ela falou, ainda me olhando, "até você perceber que ele só existe na cabeça de quem está de fora." Seus olhos se desviaram para algo atrás de mim, e eu me virei para ver que Rei Maxon se aproximava. "Não se deixe intimidar, Marc," a voz de America me fez voltar a mirá-la. "Não deixe que te impeçam de ir atrás do que você quer."
"Mas eu não-"
Virei minha cabeça na direção da Lola, deixando as palavras morrerem na minha boca. Milhares de segundos passaram até America falar de novo, milhares de segundos em que eu não conseguia nem formar uma frase inteira na minha cabeça.
"Qualquer barreira que tenha sido construída entre vocês pode ser escalada," ela disse, "e vale a pena," completou, abrindo um sorriso que parecia tentar controlar. Maxon apareceu do seu lado e ela enrolou o braço no dele, fazendo menção de começar a se afastar. "Pode acreditar," completou, logo antes de andarem para longe.
E meus olhos voltarem a buscar Lola.


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Notas finais do capítulo

Espero que esse capítulo tenha valido a espera! O próximo deve valer ainda mais!

Saibam que mesmo que eu passe milhares de anos sem postar, eu não desisti da fic! Nunca vou abandonar, PRECISO terminar essa história. É minha vida mesmo, meu emprego e minha falta de tempo que me afastam. Mas todos os segundos que eu passo longe daqui, passo pensando no próximo capítulo, em como vai ser e quando vou ter a chance de escrever. MUITO obrigada a todas as meninas que nunca desanimaram, pelo contrário, que continuam a ME animar, mesmo quando eu falho tanto assim com vocês! AMO vocês