Do Outro Lado do Oceano escrita por Laura Machado


Capítulo 1
Capítulo 1 - POV Lola Farrow


Notas iniciais do capítulo

Escrevi ouvindo "Beautiful People" da Cher Lloyd feat. Carolina Liar.



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Um minuto, Lola. Só um minuto sem pensar em nada.
Eu fechei meus olhos com um pouco mais de força, como se forçasse os pensamentos a saírem da minha cabeça. Mas não funcionou.
Eu tinha que ter certeza de que não serviriam nada à Rainha da Escandinávia que ela não comia. Se tivéssemos outro incidente, ela nunca mais voltaria. Já era ruim o suficiente que ela me olhasse como se eu nunca fosse ser tão boa quanto a minha mãe. Ela estava colecionando razões para revirar os olhos para mim e eu não podia simplesmente aceitar aquilo!
Um minuto, eu repeti para mim mesma quando percebi as preocupações tomando conta do meu corpo. Só um minuto.
Eu precisava revisar as doações que o meu programa de estudo tinha recebido. Depois da festa de ontem, eu precisava ter certeza de que todos os centavos doados iriam para o projeto. Precisava lembrar de organizar os nomes dos doadores.
Seria bom se eu pudesse mandar um cartão agradecendo para cada um por nome. Eles veriam que aquele era um jeito de criar algum tipo de relação direta com a corte. Talvez isso os influencie a doar outra vez.
Não, Lola. Para de pensar nisso. Não crie mais coisas para fazer. Pense em praias bonitas de areia branca e mar azul cor do céu. Daquelas que você olha no horizonte e nem sabe bem onde um começa e o outro termina. Com árvores e pedras ao seu redor, deixando-a com a sensação de praia privada.
Hmm. Nada mal.
Eu já mandei polir o colar que mandarei de presente para a Rainha da França? Sei que já mandei algumas vezes, mas mais uma não seria uma má ideia. Da última vez que o vi, tinha uma pequena falha que faria Daphne gritar pelos castelos. Preferiria nem ter que presenteá-la, mas a nossa aliança está tão frágil que isso seria uma péssima ideia. Mas ela realmente era uma mulher desagradável. E depois da sua filha praticamente declarar que preferia ficar em qualquer lugar a voltar pra casa, ela só piorou. Eu só estou esperando para um dia abrir o jornal e ver que ela finalmente teve um ataque nervoso.
Isso não está ajudando. Não estou conseguindo pensar em nada mais.
Apertei o pano molhado em cima dos meus olhos com um pouco mais de força, rezando para que o gelado dele passasse por todo o meu corpo. Mas não funcionava. E mal tirava a minha dor de cabeça. Será que seria tão difícil assim minha cabeça respirar por um minuto? Um minuto sem pensar em nada e eu poderia voltar às minhas tarefas. Eu escreveria os cartões de agradecimento, checaria as doações, mandaria o colar para polir. Eu iria até a cozinha e revisaria todo o cardápio para amanhã. Eu escolheria o uniforme de cada criada que tivesse contato com a Rainha da Escandinávia. Eu chegaria a tempo para a reunião com o meu pai. Eu seria impecável. Exata, precisa, perfeita. Eu só precisava de mais um minuto. Sessenta segundos fora da minha própria cabeça.
Uma batida veio à porta, me assustando. No pulo que dei, o pano deslizou do meu rosto e caiu no chão.
"Alteza?" Ouvi a voz de Asher e nunca o odiei tanto em minha vida.
Antes de pensar em responder, olhei no relógio que eu guardava dentro de um pequeno bolso do meu vestido. Meu minuto de sossego tinha passado há mais de dez. E parecia que só tinha me feito precisar de mais vinte.
"Alteza?" Ele bateu mais uma vez e eu cogitei a possibilidade de simplesmente ignorá-lo. Ele poderia bater até seus dedos calejarem, eu não sairia dali.
Olhei em volta do pequeno lavabo. Nem janela tinha ali. O que eu estava planejando fazer? Viver ali dentro até minha cabeça finalmente se esquecer de tudo que conhecia? Até eu conseguir passar um minuto sem ser afogada em responsabilidades e tarefas?
"Vossa Majestade gostaria de falar com a senhorita," Asher continuou e eu pude perceber na sua voz que estava tão encabulado de ter que insistir em me chamar quanto eu esperava que estivesse.
Peguei o pano do chão para deixá-lo cair direto na pequena lata de lixo. Ajeitei a saia do meu vestido como dava no pequeno metro quadrado e respirei fundo.
Vamos lá, disse para mim mesma logo antes de abrir a porta.
Asher levou um susto, quase pulando para trás, mas logo se recompôs e mirou o chão como se falasse com ele. Eu dei um passo em sua direção e ele se colocou de lado para me abrir caminho. Não o vi depois disso.
Caminhei sem pressa pelos corredores em direção ao escritório de meu pai. Estava calma por fora, mas como tinha desistido de tentar parar de pensar nos meus compromissos, minha cabeça dava voltas e voltas na minha lista do que fazer. Seria ideal se eu pudesse me sentar e pensar em cada um deles, mas a minha nova criada era uma inútil e não me ajudava em nada. Quase tão terrível quanto a última. Só que ela estava comigo fazia uma semana. Eu não podia trocar de novo depois de tão pouco tempo. A minha reputação estava começando a ser questionada.
Assim que cheguei ao corredor que levava ao escritório do rei, vi os guardas na porta abrirem caminho para mim. A poucos metros de chegar, peguei meu reflexo de relance em um espelho do outro lado do corredor. Parei de andar na hora. Com um choque, dei um passo até ele e me observei.
O pano molhado tinha borrado levemente a minha maquiagem. Eu senti uma pontada funda de vergonha por ter andado pelo castelo daquele jeito. E os guardas logo ali, me assistindo limpar minhas bochechas freneticamente. Tudo só cooperava para me deixar ainda mais nervosa.
Com um passo atrás, percebi uma mecha do meu cabelo um pouco mais enrolada do que o resto. Respirei fundo, constatando mais uma vez que a minha criada não sabia o que fazia. Peguei a mecha e a enrolei em volta da trança que circulava a minha cabeça. Assim que a deixei, ela caiu. Tentei outra vez e ela voltou a cair. Era muito FRUSTRANTE! Por que aquela droga de mecha não ficava no lugar? Será que nada que eu fazia dava certo? Se eu não conseguia nem deixar o meu cabelo perfeito, de que adiantava tentar cuidar de um chá com a Rainha da Escandinávia? Era uma mecha! Uma mecha e eu ainda não conseguia domá-la!
Respirei fundo mais uma vez, sentindo minhas bochechas palpitarem. Eu não choraria. Não ali, não em lugar nenhum. Fechei meus olhos por um segundo. E assim que os abri, tentei de novo esconder a mecha na minha trança, dessa vez com mais cuidado. E ela parou. Poderia dançar no corredor se eu fosse esse tipo de pessoa. Mas logo depois de sentir o alívio de ter conseguido deixar a mecha no lugar, olhei para os meus olhos.
Minha dor de cabeça parecia latejar neles. Ainda eram duas da tarde. Se eu estava cansada assim à essa hora, que chance tinha de chegar bem ao jantar? Mais uma vez teria que me declarar indisposta e passar a noite no meu quarto.
Sem querer, meus olhos encontraram o de um dos guardas na porta de meu pai, que fingiu rapidamente olhar para outro lugar. Foi o suficiente para me fazer engolir todas as minhas frustrações e ir bater na porta. Assim que meu pai me chamou, eu girei a maçaneta e entrei.
Seu escritório estava bastante escuro para a hora que era. As cortinas grossas de veludo pesavam no chão, bloqueando quase toda luz que vinha lá de fora. Meus olhos buscaram por meu pai em sua mesa, mas ela estava vazia, sua cadeira virada para fora. Meus passos ecoaram enquanto eu entrava mais no escritório e passava pelas grandes estantes que enchiam as paredes. O único raio de luz que passava pelas cortinas iluminava bem ele, sentado em frente à lareira onde o fogo queimava o resto de lenha que tinha ali. Eu só podia ver seu braço que se esticou apoiado na poltrona. Nas pontas de seus dedos, pendia seu charuto.
Podia ter jurado que ele estava com ele aceso só pelo cheiro que tomava conta de todo o escritório. Mas o cheiro já devia estar grudado em tudo que tinha ali dentro, pois quando cheguei mais perto, percebi que estava apagado.
"Pai," cheguei perto dele e ele virou um pouco a cabeça para mim. Dei a volta na poltrona que ficava do lado da dele e me sentei. Por um segundo, eu pensei que era bem ali que eu devia ter tentado relaxar. Eu adorava o jeito que o encosto era alto e passava da minha altura. Adorava a curva dos braços da poltrona. Só de me sentar ali, eu já me sentia bem melhor.
"Lola," sua voz grave me fez olhar de novo para ele. Seus olhos estavam perdidos no fogo da lareira.
"Precisa de fogo?" Perguntei e ele me mirou, franzindo as sobrancelhas. Eu só apontei para seu charuto.
E lá estava a expressão de desânimo que deveria me ter feito perceber que o assunto era sério demais para eu brincar. Ele olhou para o charuto em sua mão como se fosse um objeto estranho. Depois de anos segurando um atrás do outro como uma extensão de seu corpo, ele o mirava como se já nem soubesse o que fazer com ele.
Depois de um suspiro profundo, o deixou na mesinha que estava entre nós.
"Como você está?" Ele me perguntou, se virando um pouco para mim.
"Estou bem," eu disse, não por ser verdade, mas porque tinha alguma coisa em seus olhos que me faziam querer correr até o assunto me esclarecer o que era.
"E a sua nova criada?" Ele insistiu, coçando de leve a sua barba por fazer.
Dei de ombros. "Não é das melhores, mas fazer o quê?"
"Você precisa parar de achar defeitos em todas," ele disse, como pai. Era o tom de sua voz, o jeito que ele olhava para mim. Eu sentia em poucas palavras que ele era meu pai. Como um abraço que pessoas normais devem receber todos os dias, aquele tom que ele reservava só para mim era o meu conforto. "Nenhuma nunca será tão boa quanto Clarissa. Aceite isso e dê uma chance para a nova."
Queria revirar os olhos. Queria falar que não era por isso que eu não gostava de nenhuma. Era pelo simples fato de que nenhuma era competente o suficiente para eu aceitá-las.
Mas, com seus olhos sóbrios em mim, eu apenas assenti. Um sorriso quase imperceptível apareceu em seus lábios. Mas eles não combinavam com a sua expressão. E quando ele engoliu em seco, eu podia jurar ter visto pânico em seus olhos.
"Pai," eu falei, escorregando até estar sentada na beirada da poltrona. "O senhor quer me falar alguma coisa?"
Ele levou as mãos à testa como se estivesse prestes a tirar a sua coroa. Mas ele mal encostou nela e voltou a baixá-las. Então se endireitou na poltrona e pensou por um segundo. Eu quis insistir, mas sabia que tudo era uma preparação para o que ele falaria. Quem era eu para apressá-lo?
"Preciso que você mande uma carta para Skar," ele começou, já fazendo a minha dor de cabeça se agravar.
"O que precisa que eu diga?"
"Preciso que o convide para passar um tempo no castelo," ele disse, se virando para me olhar. "Preciso que ele esteja por perto."
"Para quê?" Na hora em que perguntei, sabia que estava sendo mal educada. Mas meu pai não me reprimiu.
"Recebi o resultado do meu exame médico-"
"Não," eu não o tinha deixado terminar de falar, mas eu já sabia com todo o meu ser que eu não queria ouvir o resto. "Não," repeti tão baixo que parecia falar comigo mesma.
"Lola," ele chegou mais perto de mim e buscou pela minha mão. "Eu preciso que você me ouça bem." Eu assenti com a cabeça, sentindo um nó enorme entalar na minha garganta. "Os médicos descobriram que eu tenho um aneurisma," eu quis gritar, mas me contentei em mordeu meu lábio. "Eu não posso mais fumar, não posso beber e preciso me manter o mais calmo possível."
"Como você vai fazer isso?" Eu perguntei, apertando a sua mão. Eu já estava na ponta da poltrona, o mais perto que eu podia chegar.
"Não sei," ele disse. "Mas vou fazer. O que eu tiver que fazer para poder passar o máximo de tempo possível com você, eu farei."
"E se você não conseguir?" Eu perguntei, minha voz chegando a um tom tão agudo, que eu mal a reconhecia. "E se você se estressar? O que acontece?"
Ele franziu as sobrancelhas. De medo, não de preocupação. Pela primeira vez na vida eu senti como se eu tivesse que cuidar dele, eu que tinha que consolá-lo. Mas ele não deixou o medo inverter nossos papéis. Era ele que estava com o aneurisma, era ele que cuidava de mim.
"Ele pode estourar e aí as chances de eu sobreviver são mínimas," ele falou tão calmo, que assustou com a minha reação.
Eu me deixei escorregar na poltrona até estar de joelhos no chão. Sem pensar, apoiei minha cabeça no seu colo, ainda agarrada às suas mãos.
"Não," eu sussurrei baixinho, como se aquela fosse uma escolha minha.
Ele soltou uma mão da minha e passou seus dedos pelos meus cabelos.
"Eu sei que parece assustador agora, mas eu vou fazer o que estiver ao meu alcance para controlar o máximo possível," ele continuou, só me deixando ainda mais culpada.
Não era eu que estava doente, não era eu quem tinha uma bomba relógio na minha cabeça. E no estado que ele estava, eu ainda precisava dele. Como eu podia ser tão egoísta?
"Lola," ele segurou no meu rosto e me fez olhar para ele. "Eu não quero te deixar," ele disse. "Mas eu também preciso pensar no reino."
"No reino?"
"Em quem ficará no meu lugar," ele explicou.
"Não," eu me afastei dele, sentada no chão. "Nem fale nisso, nem pense nisso!"
"É de minha responsabilidade, Lola," seu tom ficou mais grave e já senti que estava lendo uma bronca. "Não pensar nisso não é uma opção."
Eu balancei minha cabeça. Mesmo que fosse uma bronca, eu não queria aceitá-la. E então caiu a minha ficha.
"Espera," eu disse, me apoiando no chão e me levantando. "O senhor quer trazer Skar para cá para quê? Para preparar para o dia em que ele tomará o trono?"
"Sente-se."
Contrariada, eu me sentei. Endireitei as costas e levantei o queixo só o suficiente para me preparar para ir contra a sua ideia.
"O ideal," ele começou, "seria se você pudesse reinar sozinha-"
"Mas eu não posso," eu o cortei, arriscando a sua fúria.
Mas ela não veio. Ele manteve a calma ao continuar.
"Não há nada que eu possa fazer," ele disse. "Skar é o próximo ao trono. Eu preciso que ele esteja aqui quando eu for declarar ao povo sobre a minha condição. Deixarei claro que nada está decidido, mas você precisa entender que se você não me der outra opção, não há nada que eu possa fazer."
"Eu dar outra opção? Ou seja, o senhor quer que eu me case?"
"Você sabe que esse é o único jeito de assegurar a sua posição," ele disse.
Eu respirei fundo, sentindo já o peso daquela mais nova preocupação tomar conta da minha cabeça. Esfreguei minhas têmporas, tentando fazer a dor que ainda me incomodava passar. Mas agora era mais do que só dor. Era mais do que só a sensação de que o meu futuro poderia começar a desabar a qualquer momento.
Era muita coisa ao mesmo tempo. Meu pai queria que eu me casasse? Está bem, eu me casaria. Com quem fosse, do que me importava? Queria que eu lutasse contra Skar pelo trono, fácil. Mas ter que pensar por um segundo que ele poderia não estar lá? Não estar lá para me levar ao altar, não estar lá para conhecer o meu noivo? Pensar que eu teria que aprender a viver sem ele? Como eu poderia viver em um mundo onde ele não exista? Quem eu teria nesse mundo? Para quem eu correria? Em quem eu pensaria?
"Você poderia também se casar com Skar," meu pai sugeriu, me fazendo rir.
E eu ri. Eu ri alto. Só a ideia já era inaceitável. Senti meu peito quase explodindo de histeria. E meu pai não me deixou rir sozinha. Ele também entendia porque aquilo era um absurdo.
Mas a nossa risada foi morrendo e a graça daquilo foi se transformando em desespero. Eu já não tinha mais nem vontade de sorrir. Como se um peso me empurrasse pelos ombros para baixo, eu fiquei imóvel na poltrona.
E nós ficamos em silêncio até que meu pai falou de novo.
"São opções terríveis, mas são as que nós temos," ele disse, sério. "Ou você se casa com Skar, ou vai ter que deixá-lo tomar o trono."
"Ou eu me caso com outro homem," eu completei.
"Mas quem?"


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Notas finais do capítulo

Eu quis escrever o primeiro capítulo de presente para vocês! Espero que tenham gostado! Mas o segundo vai demorar um pouco, okay?

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