Antonieta escrita por Manu Vecce, Mitty


Capítulo 1
Garoto de cabelos negros


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Eu estava chegando da livraria quando vi Daniel pela primeira vez.

Naquele momento, eu não imaginei o que viria a acontecer nos próximos anos. Na verdade, como poderia imaginar uma coisa, pelo menos para mim, tão fora do normal? Ele usava boné, calça rasgada, um tênis surrado, uma blusa preta por causa da sujeira e carregava em uma de suas mãos um skate. Assim que passou por mim, na calçada, pude ver seus olhos escuros, e por um pequeno instante, o seu sorriso. E naquele momento o achei lindo.

Quando eu o vi novamente, estava acabando de me apresentar para minha nova turma na minha nova escola. Ele entrou correndo, todo suado pela porta. Fiquei parada de boca aberta e ele riu assim que olhou para mim. E suas primeiras palavras ditas foram:

— Feche a boca, já está quase babando — e todos riram na sala.

Fechei minha boca imediatamente e olhei para o chão. Senti uma vergonha imensa e durante o resto do dia não consegui conversar com ninguém. Comecei a sentir raiva daquele menino, pois pude ouvir do meu assento os outros alunos falando sobre mim. E lembro bem que eu queria ser uma garota diferente; queria ser uma garota mais sociável. Mas graças a aquele menino, eu pensava que seria impossível.

Mais tarde, no final da aula, uma garota de longos cabelos loiros veio até mim e avisou:

— Se você tentar qualquer coisa com o Daniel, eu acabo com você — e então foi embora rebolando.

Tinha acabado de chegar e já havia gente me odiando. E tudo por causa de um garoto. Minha raiva por ele só aumentou. Porém, não durou muito tempo. Na saída encontrei com ele, e então, uma coisa inexplicável aconteceu: ele começou a conversar comigo. Chamou-me para junto dele e de seus amigos, começou a perguntar sobre as coisas que eu gostava de fazer e aonde morava. Também me explicou que estava somente brincando comigo no começo da aula.

E então, uma amizade nasceu entre nós. Todos os dias — durante o ano todo — ele passava na minha casa e me levava para escola. Chamava-me para passear, para ir em festas na casa de sua família, para sair com ele e seus amigos. Assim, aos poucos, fui me apaixonando pelo garoto de cabelos negros e de olhos escuros. Por alguns meses imaginei que teria chances com ele, mas então, em um certo dia, no final da aula, no portão da escola, vi Daniel e a loira de cabelos longos se beijando. Eles estavam namorando!

Foi um choque vê-los daquele jeito. Lembro que fui para casa sozinha, chorando o caminho todo e xingando-me baixinho por ser tão sonsa e idiota por pensar que teria alguma chance com ele. Naquele mesmo dia, à noite, Daniel passou na minha casa. Minha mãe, como já o conhecia, deixou-o subir para o meu quarto. Eu estava sentada no chão, lendo Romeu e Julieta de Shakespeare quando Daniel entrou, dando-me um susto.

— Por que não me esperou hoje, Antonieta? — questionou-me sério. Lembro que respirei fundo e tentei afastar da minha mente a imagem dele beijando a outra garota.

— Primeiro, antes de entrar em meu quarto, bata na porta pelo menos cinco vezes. Segundo, vi que você estava ocupado, então preferi não incomodar.

Ele ajoelhou-se na minha frente, franziu as sobrancelhas e logo depois questionou:

— Ocupado com o quê?

Bufei, e o encarei.

— Com a boca da Mariana.

Ele bateu em sua testa e sorriu. Odeio quando ele sorri, porque me faz querer sorrir.

— Ah, aquele beijo — ele riu. — Acredita que ela acha mesmo que estou afim dela?

E então foi a minha vez de franzir as sobrancelhas e perguntar:

— E você não está?

Ele gargalhou e respondeu:

— Lógico que não! Ou você acha que ela faz o meu tipo de garota?

— E não faz?

— Não!

Fiquei um pouco aliviada com a sua resposta, mas isso não fez mudar a minha decisão. Eu não iria me declarar para ele! Se ele algum dia gostar de mim, vai ter que se declarar. E assim os dias foram passando, as semanas, os meses, e os anos. Durante os quatro anos que passamos juntos até agora, ele namorou várias meninas, e ficou também. Nossa amizade foi crescendo cada vez mais, mas no fundo eu sabia que o amava de outra maneira. E cada vez que eu o via beijando ou paquerando uma garota, sentia ciúmes e tristeza. Porém, eu fingia não ligar e nem me importar. Sabia que nunca iria tê-lo para mim.

Por sorte ou azar, durante os quatro anos, fiquei na mesma sala que ele. Não tinha amigos além dele, a não ser o pessoal que conheci nos jogos online. Mas, provavelmente esses não contam muito, pois na vida real, eu quase sempre estava sozinha. Durante a manhã, eu ia correr na praia. À tarde estava na escola. E a noite em casa, estudando, jogando, lendo ou tocando. Às vezes ele aparecia à noite em minha casa, e então ficávamos deitados em minha cama assistindo filme, ou então jogando vídeo game.

Lembro dos cento e trinta e três livros que ele me deu. Lembro também dos ursos, dos jogos, dos filmes, das flores e dos beijos carinhosos depositados em minha testa sempre que me via ou quando se despedia. Viajamos juntos várias vezes também — para Salvador, Rio de Janeiro, Goiás, Monte de Roraima, Caverna de Aroe Jari, Tibau do Sul... Às vezes com os meus pais, às vezes com os pais dele.

Minha mãe dizia que parecíamos irmãos, ele o mais velho e eu a mais nova. Daniel é somente três meses mais velho que eu e nunca o vi como um irmão. Provavelmente nunca conseguirei vê-lo dessa forma. Mesmo querendo esconder, tenho um pouco de esperanças hoje em dia, em relação a ele. Ainda imagino nós dois juntos. Imagino como seria beijá-lo além da bochecha. Nada importa no mundo quando ele me beija, não importa se é na bochecha ou na testa.

Sempre me sentirei desse jeito. Parece que tudo em volta muda, e para mim, devemos ficar para sempre juntos. Ele virou o meu mundo de ponta a cabeça e ele foi o melhor que me aconteceu até hoje. Mas ainda não sei o que ele sente por mim. Porém, eu desisti da minha decisão. Eu irei me declarar! Tenho dezessete anos, estamos para nos formar em três meses, e depois disso, ele irá para uma faculdade diferente da minha. Pela primeira vez, desde que nos conhecemos, ficaremos separados. Eu preciso dizer-lhe o que sinto antes de vê-lo partir.

Eu posso me declarar, e então, dar ou não certo. Posso ficar imaginando um final feliz, ou fazê-lo acontecer. Tudo só depende de mim, tanto no amor quanto em outros assuntos. É melhor tomar uma atitude, mesmo que seja vergonhosa ou complicada, do que ficar olhando o tempo passar e depois me arrepender. Como muitos dizem, é melhor me arrepender de algo que fiz, do que me arrepender de algo que não fiz. A vida é uma coleção de erros e acertos. Então, me declarar para o garoto que amo, pode ser sim um erro, mas pode também ser um acerto. Assim que o sinal para o intervalo soou, olhei para trás, e Daniel me olhou e sorriu.

— Vem pra cá — chamou-me.

Levantei e caminhei em sua direção. Os outros meninos também se aproximaram, e então, eles começaram a conversar. Daniel passou seu braço por cima dos meus ombros e beijou-me a cabeça. Ele está sentado em cima da mesa do professor, e seus amigos sentaram ali também.

— Antonieta é a garota mais pura que já conheci! — ouvi Mateus dizer, e então o olhei, confusa.

— O quê? Por quê?

Os meninos riram, e Daniel sorriu.

— Você nunca namorou e nem ficou com menino nenhum — respondeu o garoto. — Ou já?

Revirei os olhos e respondi-lhe:

— Não.

Carlos, um dos amigos de Daniel, olhou-me por inteira.

— Você é bem gata, Antonieta — confessou.

Fiquei um pouco envergonhada, mas respondi:

— Obrigada.

Ele sorriu e lhe retribui o sorriso com timidez. Daniel começou a mexer na minha orelha, o que significa que ele está começando a ficar chateado. Mas com o quê? Olhei para ele e encontrei sua face séria. Os amigos dele perceberam e riram.

— Você não tem jeito mesmo, Daniel! — comentou Mateus.

Tentei entender o que o Mateus estava querendo dizer com isso, mas como sempre, não consegui. Às vezes acontece isso — o Daniel fica de cara fechada do nada, e os meninos dão risadas.

— Tá livre hoje? — perguntou Carlos para Daniel.

— Não — respondeu e me olhou. —, vou sair com ela.

— Pra onde? — quis saber Mateus.

— Cinema. — respondi; e antes que os meninos começassem a debochar, acrescentei: — Filme de terror.

— Uau! — eles riram.

E assim o tempo na escola foi passando. Daniel e os meninos conversando sobre tipos de filmes bizarros, e eu viajando na conversa. Quando o sinal soou novamente, sentei-me na minha cadeira e uma nova aula começou. Têm muitas coisas que ainda não sei sobre Daniel, pois ele tem um jeito um tanto misterioso às vezes.

Quando deu o sinal para irmos embora, Daniel passou novamente seu braço por cima dos meus ombros, pegou a minha mochila e saímos da escola. Ele ficou conversando com os meninos um pouco na porta da escola, mas assim que cutuquei a cintura dele, o mesmo despediu-se dos amigos, e andamos sozinhos, em silêncio, até a minha casa.

— Passo aqui às sete e meia. — avisou, e me entregou a mochila.

— O.k — abri a porta da minha casa.

— Tchau, gatinha — e depositou um beijo em minha testa.

— Tchau.

E então ele foi embora. Entrei em casa, fechei a porta e subi para o meu quarto. Deixei a mochila no chão, arranquei minha roupa e entrei embaixo do chuveiro. Lavei os meus cabelos e me ensaboei. Assim que terminei de me enxaguar, desliguei o chuveiro, peguei uma toalha e comecei a me secar. Escolhi um vestido azul escuro — que vai até a metade das minhas coxas — para usar. Vesti calcinha, sutiã, e então, o vestido. Passei desodorante, creme no cabelo, hidratante no corpo, perfume, e coloquei o cordão do infinito que Daniel havia me dado no meu aniversário de quatorze anos.

Penteei o meu cabelo e fiz uma trança que caiu de lado sobre meu ombro. Calcei minha sapatilha e peguei uma bolsinha, coloquei dentro o celular e o dinheiro para o ingresso. Entrei no meu e-mail só para ver se havia chegado o resultado do concurso que fiz semana passada, mas não tinha nada. Fiquei sentada no sofá, junto com a minha mãe, esperando Daniel chegar. E, quando deu sete e meia, a campainha da minha casa soou. Despedi-me de minha mãe, abri a porta, e encontrei Daniel com os cabelos ainda molhados. Ele sorriu assim que me viu, e eu sorri de volta. Fechei a porta e comecei a caminhar em sua direção.

— Que linda — elogiou-me, e depositou um beijo em minha testa. — Mas ainda sem maquiagem.

Revirei os olhos sorrindo, agora caminhando ao seu lado.

— Você sabe que não gosto muito de usar.

— Eu sei — e então passou seu braço por cima dos meus ombros. — Mateus quer ficar com você.

Olhei para Daniel com os olhos arregalados, e então, ele acrescentou:

— E parece que você também quer — sua outra mão foi parar em sua orelha.

Respirei fundo.

— Eu não quero ficar com o Mateus — ele me olhou com os olhos semicerrados. — Eu juro.

Daniel sorriu.

Conversamos sobre a faculdade até chegarmos ao cinema. Ele comprou os ingressos, até mesmo o meu. Entregou-me o seu celular, e eu o desliguei, assim como desliguei o meu. Compramos pipoca e refrigerantes. Sentamos na fileira do meio, um do lado do outro.

— O meu celular — ele entendeu a mão.

— Pra quê?

— Vamos tirar fotos.

— Não.

— Sim, agora entrega o meu celular — ordenou.

Revirei os olhos e entreguei-lhe o celular.

E então, tiramos cinco fotos. Durante o filme, ele segurou a minha mão, pois sabe que tenho medo. As horas foram passando, e enfim, o filme acabou. Respirei fundo, pois a hora que planejei para me declarar estava chegando. Ontem, fiquei imaginando todas as formas possíveis dele reagir. E todas elas me deixaram ansiosa e assustada. Mas, eu tenho que me declarar! Não quero passar o resto da minha vida imaginando um amor que poderia ou não dar certo.

Jogamos o pacote de pipoca vazio na lixeira junto com as garrafinhas de refrigerante. Demos uma volta pelas ruas escuras, e ele me perguntou:

— Está a fim de aprender a andar de skate essa noite?

O encarei surpresa, e lembrei-lhe:

— Mas você disse que nunca iria me ensinar!

Ele riu e chutou uma pedrinha com o seu tênis.

— Eu sei, mas... — ele respirou fundo e me olhou. — Eu quero passar mais tempo com você.

Sorri e ele sorriu de volta.

— Qual skate vamos utilizar?

— O meu. — pegou na minha mão e me puxou. — Vamos lá em casa.

Corremos por duas ruas e chegamos a casa dele. Ele entrou, pegou o skate e saiu. Daniel me puxou e começou a tentar me ensinar. Levei sete tombos, e o xinguei baixinho umas dezoito vezes. Daniel gravou quando eu, finalmente, consegui dar uma volta na rua com o skate sem cair. Olhei as horas no meu celular e já ia dar onze. Chegou a hora.

Respirei fundo e deixei o skate de lado. Daniel ainda me gravava pela câmera do seu celular.

— Daniel... — chamei-o, e ele me olhou sorrindo. — Eu odeio você. — antes que ele começasse a falar, continuei: — Eu odeio você porque te amo. Amo tanto, você não tem ideia! Não é um amor de amigo ou de irmão. Eu te amo de verdade. Quero ser mais que sua amiga. Durante todos esses quatro anos, eu guardei e escondi esse amor de você, porque tinha medo. E ainda tenho. Tenho medo de te afastar com essa declaração. Medo de te perder. E...

Ele largou o celular no chão, com a câmera apontada em minha direção. E então, Daniel se aproximou e me abraçou forte. Beijou minha cabeça e sussurrou em meu ouvido:

— Eu também te amo, Antonieta. Amo muito.

Seus lábios encostaram-se nos meus, e então, finalmente, eu estava beijando o garoto que tanto amo. Ele abraçou minha cintura, e nos beijamos com carinho.

— Eu te amo... — ele disse ao pararmos o beijo por uns instantes.

Sorri e o beijei novamente. Ficamos até meia noite nos beijando, e contando o que sentíamos um para o outro. No outro dia, ele anunciou para todos que estávamos namorando. E seus amigos comemoraram.

Combinamos de viajar para Chapada Diamantina antes de irmos para a faculdade, mas dessa vez, iremos sozinhos. Ele me comprou um álbum de fotos, e pediu para eu colocar cada foto em ordem. Desde a primeira foto até a última, que tiramos no mesmo dia em que me declarei para ele.

Ele passou a ir todos os dias à noite para minha casa. E ele também passou a gravação daquela noite para um DVD. Meus pais e os pais dele adoraram assistir. A vergonha foi tanta, que preferi ficar no quarto sozinha, ao assistir com eles. E assim as coisas foram acontecendo. Todos os dias, eu dizia a ele o quanto o amava. E, com medo, ele decidiu mudar de faculdade, para a mesma que a minha. E eu passei no concurso de fotografia.

Hoje vejo o quanto fui idiota. Ele sempre me amou, mas assim como eu, tinha medo de se declarar e me afastar dele. Decidi que, de agora em diante, direi a todos o que sinto. E torcerei para que o sentimento seja recíproco.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler.



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