Kowai no Ai Suru escrita por Camihii, Luh Black


Capítulo 15
Infortúnios




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/54253/chapter/15

Suspirei olhando, novamente, para a tela do meu celular, para logo depois me apoiar na estante ao meu lado. Desde ontem à noite eu olhava para aquela mensagem, criando coragem para ver o maldito vídeo... E o pior é que estou morrendo de sono e se nem ao menos consigo me manter em pé, imagina então inventar uma forma incrível de me vingar de duas pessoas?

Bem, eu estava sendo vítima de uma chantagem hedionda... E perigosa por sinal...

“Nakamura,

Aqui está o vídeo da sua tão fofa dancinha. Espero que aproveite tanto quanto eu.

Hirano Ayame

Ps:. E amanhã nós vamos sair, estaremos na casa da Maki às 17:00h, é melhor não se atrasar E IR! Caso não vá, ou se atrase a sua dança vai estar no celular de todos do colégio, ok?

De fato, perigosa. Mas elas estão se superando... Chantagem é algo tão comum e... Simples, mas nunca perde a graça e sempre funciona. Essa é sempre a primeira das opções quando você quer algo de alguém. Ache um podre dela e fale que ela irá sofrer graves conseqüências caso não cumpra o esperado. O medo da pessoa de ter o seu segredo revelado é muito bom de se ver, e a sua expressão, assim como a sua voz de completo terror são muito divertidas... Para os chantagistas, apenas.

Nunca para os chantageados.

Portanto, não apenas aplaudo as duas por suas mirabolantes mentes, como as odeio por estarem fazendo isso comigo. Como ousam, essas pirralhas insuportáveis?

- Com licença? – Ouvi alguém me chamando. Hora de voltar para o trabalho, Kyoko! Concentre-se no agora, terá muito tempo para planejar assassinatos depois.

- Sim? – Falei, olhando para o garoto nem tão mais velho que eu. Se bem que... Estranho... Acho que o conheço de algum lugar.

- Poderia me ajudar? Estou procurando um livro sobre fotografias e não consegui encontrar a seção. – Deve ser apenas imaginação minha...

- É no segundo andar, suba aquelas escadas – Apontei para o local mais a frente – e vire à esquerda, é no quinto corredor.

- Obrigado. E vocês já têm o novo livro do Ishiguro Kazuo, Noturnos?

- O de contos?

- Isso.

- Temos, mas... Não sei ao certo onde está. Por que não vai indo para a seção visual e depois eu te encontro?

- Claro, sou Nakayama Kakeru, caso seja necessário.

- Nakamura Kyoko.

- Muito obrigado, novamente. – Falou, indo em direção às escadas.

Certo! Noturnos, de Ishiguro Kazuo... Vamos procurá-lo. Pode estar na seção de lançamentos... Não, o livro lançou mês passado, então já deve estar em outro lugar. Na de contos, obviamente... Fui em direção ao lugar e peguei o livro, então, me dirigi ao garoto desconhecido... Ou quase desconhecido.

Aquele garoto, já o vi uma vez... Eu não consigo lembrar, o que o sono não faz com a gente? Esse nome... Nakayama Kakeru, não me é familiar, mas o rosto e o cabelo meio claro... Como não me lembro? O cabelo... E os olhos e...

Oh...

É o namorado do ser rosa.

Poderia ter mais sorte? Não. Mas quem se importa? Não tenho nada a ver com o ser rosa... A briga é entre o imbecil e a imbecil, portanto nós dois, eu e o Nakayama, não temos porque nos estranharmos. Pelo menos, espero que seja assim, não estou com muita vontade de brigar com alguém hoje...

Que ele não tenha me reconhecido! Ou que finja que não me reconheceu...

- Nakayama-san? – Chamei cordialmente – Aqui está o livro.

- Obrigada, Nakamura-san. Ou devo dizer, nova namorada de Matsuda Kaoru-san. – Ele me reconheceu. E obviamente, não fingiu o contrário. Na verdade, agora ele está olhando para mim com um sorriso estranho no rosto. Um, que está me assustando um pouco. Um, muito falso...

Será que é assim que a irmã da Matsui se sentiu quando sorri para ela?

- Aparentemente, você me reconheceu. – Bufei, não contendo a minha irritação.

- Aparentemente, você também. Apesar de não estar muito feliz com fato.

- Isso mesmo.

- Você entende que a briga é entre a Hana e o Matsuda-san, certo? – Perguntou enquanto se afastava um pouco, olhando para as estantes – E que isso significa que nós podemos nos falar normalmente.

- E quando diz normalmente, fala de uma conversa normal entre dois estranhos.

- Isso mesmo. – Sorriu. Novamente o sorriso falso... Estou começando a sentir pena da ruivinha anã – Sabe? Espero que não tenha uma visão... ruim da minha pessoa. Afinal, tanto eu como você, estávamos na mesma posição: a de meros amantes.

Há! Meros amantes...

- Fique tranqüilo. – Suspirei impaciente, tentando, inutilmente, me controlar. Não fui com a cara dele... Mas, ao mesmo tempo, eu meio que sinto pena dele. É como se...

- Que bom... – Sussurrou – Olhe, eu realmente gosto da Hana. Então gostaria de te agradecer, porque, mesmo que sem querer, você acelerou o término do namoro dela.

- Nada...

- Mesmo que ela ainda não tenha revelado o nosso relacionamento a ninguém... – Murmurou mais para si mesmo, do que para mim.

- Te agradeço pelo mesmo. – Disse, ignorando a frase anterior.

- Bem, o meu foi meio proposital, sabe? – Riu levemente.

- E quem disse que o meu não foi? – Sorri. De fato, não fui com a cara dele... Mas, de alguma forma. É como se... De um modo bem estranho e... assustador , me visse refletida nele...

Ele riu um pouco. E sorriu para mim. Só que dessa vez, foi um sorriso diferente... Ainda extremamente falso, mas também tão... Digno de pena.

- Aqui está o meu livro. – Pegou um livro na estante à frente – Obrigada pela ajuda, Nakamura-san, e pela conversa também. Espero que possamos nos ver novamente. – Disse, se curvando e indo em direção às escadas.

~~~#~~~

- Akira?! – Chamei, assim que cheguei em casa, com a falsa esperança de que ele estaria aqui... Mas, é, aparentemente, ele ainda não chegou.

Suspirei enquanto tirava os meus sapatos, e fui em direção à cozinha para guardar as compras. Fui para o supermercado depois do trabalho... O trabalho... Ah, esses dias as coisas estão cada vez mais difíceis, quero dizer, depois que conheci o imbecil as coisas começaram a se tornar mais difíceis...

Como sempre o Matsuda é o maldito responsável pela minha desgraça.

Se não fosse por ele não teria que ter falado com o Nakayama, aquele garoto bizarro... e, por mais que seja estranho eu falar isso, um tanto assustador. E se não fosse pelo maldito, não estaria até agora tentando desvendar o que aquele cara é... Talvez ele seja um robô, ou quem sabe um espécime mais avançado de ser humano, ou talvez ele seja somente um louco.

Bom, isso não é tão importante... O fato é que ele assusta e que o sorriso dele é medonho... É como se ele fosse capaz de matar uma pessoa a qualquer momento, se bem que... Também é como se ele fosse capaz de desabar a qualquer hora, afinal nunca vi uma pessoa tão... Triste e digna de pena?

Existem muitas incertezas e... Ações opostas quando se trata dele. Com toda certeza...

Bom, isso não é importante.

Me joguei no sofá, fechando os olhos... Estou tão cansada, mas veja pelo lado bom, Kyoko, hoje você só precisa fazer a comida, tomar um banho e dormir. Sendo que o último item é a parte mais difícil... Como gostaria de ter uma noite sem problemas... Acho que vou me embebedar de novo com a Matsui e com a Hirano.

Mesmo que o vídeo e a ressaca tenham sido conseqüências não muito boas...

Mas afinal quem, além é claro, do Akira se import... Merda! O telefone tá tocando... Não quero atender. Kyoko, vamos levante logo desse maldito sofá e faça algo de útil! Mas não quero... Ahn...

- Uhn. – Resmunguei, me levantando do sofá e pegando o telefone – Sim? – Murmurei mal-humorada.

- O Akira está? Ahn... Alô? Me desculpa, mas você tá me ouvindo? – Essa voz... – Moshi moshi? Acho que a ligação caiu... A não ser que... Kyoko-chan? É você?

Essa voz odiosa. Esse tom odioso... Não chame o meu nome, pare de chamar o meu nome. Não quero ouvir ele saindo da sua boca.

- É o Kyo, o amigo de infância do Akira... Sabe, não precisa ficar assim... Ficou muda, é? Tsc, tsc, que garotinha boba.

- Não sou boba.

- Olha, finalmente a gatinha falou? Pensei que tivesse perdido a língua, meu amor.

- Não me chame assim. – Essa voz...

- Ficou mais ousada, é? – Você agüentou até agora... Por tudo que é mais sagrado... – Apesar de que com certeza, continua uma garotinha mimada.

- Não sou mimada. – Por tudo que é mais importante...  Não chore, por favor – E pare de falar que sou uma garotinha. – Você cresceu... Prove, prove que não é mais a mesma garotinha...

- Ousada, não? Se tornou uma garotinha má, meu amor? – Mas, quem, afinal, estou enganando?

- J-já disse para de me chamar de g-garotinha... – Essa voz calma...

- Negar não vai adiantar nada, meu amor. E quem disse que poderia falar nesse tom comigo? Ou quer que eu conte tudo o que você fez para o Akira? - ...que poderia até mesmo ser atraente...

- N-não fiz nada. - ...mas que é tão cínica e me dá tanto medo...

- Como disse, negar não vai adiantar nada. Você sabe o que fez... Você matou o Naoko, matou seus pais, e daqui a pouco, quem sabe, não irá matar o Akira? – ...me dá tanta, mas tanta vontade de chorar.

- P-por favor, pare com isso... – Mas, por favor, Kyoko, não chore, não agora...

- Ah, agora sim é a Kyoko-chan que conheço. – Não agora... – Mas me diga, meu amor, como você está? Não vai responder? Tenho que falar com o Akira sobre como você está tão mal comportada...

- E-estou bem...

- Não vai perguntar como estou? Tsc, tsc, foi só ficar dois anos sem me ver que esqueceu toda a educação que te dei? – Não agora...

- N-não...

- Não o que, meu amor? Seja mais coerente.

- N-não, não esqueci da e-ed...

- Kyoko! Está aí? – Onii-chan...

- Ni... Akira, telefone!

- Ahn... Parece que ele chegou, que pena, não? Mas fique calma, vamos ter muito tempo depois.

- H-hai.

Entreguei o telefone para o Akira, assim que ele chegou um pouco mais perto.

- Obrigado. – Disse, sorrindo ao mesmo tempo em que bagunçava o meu cabelo.

Com passos pequenos fui para o meu quarto, e me deitei, ouvindo fracamente a voz de Akira, falando animadamente com uma das únicas pessoas que já temi... E odiei.

E ele nunca falou nenhuma mentira... Nenhuma... Sou a culpada... de tudo, da morte de todos. E um dia serei culpada da morte de mais uma pessoa. Porque, afinal, todos que se aproximam de mim morrem... Não importa o que eu faça...

Me aconcheguei mais na cama, abraçando forte o edredom... Não quero mais lembrar, dos passeios, das noites... Não quero mais lembrar de nada. Quero esquecer... Somente esquecer... E sem que percebesse estiquei o meu braço e abri a gaveta da escrivaninha, pegando uma pequena foto de lá dentro. A foto da Haruhi... Sorri triste, passando os dedos pelo sorriso dela e depois os passando no meu.

Desde quando não dou um sorriso deste? Aposto que faz muito tempo... Nunca tive muitos amigos... Mas tenho certeza que você, Haruhi, foi uma grande amiga para mim... Se não, como eu poderia sorrir desse jeito? Desse jeito tão... Livre e despreocupado.

Será que um dia vou conseguir sorrir assim novamente, Haru-chan?

- Kyoko? – Guardei a foto apressada debaixo do meu travesseiro, antes que ele pudesse ver – Está tudo bem?

- Claro, Akira. – Falei, tentando parecer normal e não tão perturbada como estava.

- Tem certeza, pra mim você não está muito bem.

- Akira, hoje foi um dia extremamente cansativo e, com certeza, não estou nada bem. Devo estar suada, com o cabelo desgrenhado e a roupa até meio suja, mas não precisa jogar na minha cara e falar que não estou bem. – Sorri de lado.

- Kyoko. – Disse sério.

- Estou bem, Akira. – Suspirei – Só fiquei... Meio nostálgica com a ligação do Kyo. Mas já estou bem. – Menti, sorrindo fracamente.

Acho que nunca poderia contar sobre o medo que sinto do Kyo... Isso podia fazer com que eles nunca mais se falassem, e eu sei, que apesar de tudo, a amizade dos dois foi boa para o Akira...  Apesar de tudo...

Ele me fazia chorar sempre que podia... Mas, ele também me mostrou a verdade, e por isso, de certa forma eu deveria ser grata a ele... Deveria, mas não sou. Não consigo ser. Acho que é porque a ignorância, às vezes, pode ser mais interessante... Pode causar menos problemas...

- Estou falando sério, Akira. – Repeti, mas ele continuava olhando para mim com os olhos preocupados – Agora, vá tomar um banho, certo? Vou fazer o jantar, o que quer comer?

- Lámen. – Suspirou resignado, sabendo que eu não ia falar nada.

- Então, tá. Ah, amanhã vou sair com a Hirano e a Matsui, ok?

- Que horas?

- Às 17:00, acho...

- Tudo bem, mas por favor, não beba que nem uma louca de novo, sim?

- Tudo bem, Akira, tudo bem. Agora já para o banho! – Mandei, o empurrando da minha cama.

-Hai, Okaa-san! – Brincou se levantando, enquanto eu ia em direção à cozinha.

Como tinha os ingredientes necessários para fazer o Lámen, logo comecei a fazer o macarrão. Acho que vou fazer de porco...

Quando a comida estava pronta e estava arrumando a mesa, Akira chegou e sentou... Então ficou me olhando o tempo todo.

Deve estar preocupado por causa do telefonema, ou melhor por causa da minha reação depois dele... Mas é melhor não falar nada...

- E então, já falou com o seu chefe sobre as suas férias? – Perguntei, tentando descontrair o ambiente, me sentando e pegando um pouco da comida.

- Já. Entro de férias no terceiro dia das suas.

- Então vamos mesmo para Kyoto?

- Sim. – Sorriu animado, é, realmente, não posso contar nada para ele. Ele está feliz demais – Ah, o Kaoru-kun te contou? – Kaoru-kun?

- Contou o quê, Akira? – Suspirei cansada, mostrando que não queria saber muito sobre o “Kaoru-kun”, mas isso foi ignorado pelo Akira...

- Vamos passar a viagem em uma casa da família dele lá em Kyoto. Por isso vamos passar mais tempo...

Merda. Mais dias em Kyoto significam mais dias presa com o Matsuda e com... e com ele. E não quero ficar em uma casa daquele imbecil.

Mas, Kyoko, pense pelo lado positivo, vocês não vão ter que pagar um hotel... E vai ser horrível, positivamente, é claro... Mas, espera...

- E quando vocês conversaram sobre isso? – Perguntei, levantando uma das sobrancelhas.

- Ele foi para a lanchonete, aparentemente um amigo dele sofreu um acidente e estava em um hospital pelas redondezas.

- Ah é, é? – Sabe? Que estranho, juro que pensei que tinha dito para o imbecil não se aproximar do Akira...

Ai, ai, Matsuda... Prepare-se. Vou te ensinar a nunca mais desrespeitar as minhas ordens.

- Kyoko? Está me ouvindo?

- Uhn? Ah, me desculpa, o que foi, Akira?

- Perguntei se você poderia fazer a lista das pessoas e de mais ou menos o que nós vamos precisar levar. Você é melhor nessas coisas do que eu. – Falou.

- Tudo bem. Mas temos que decidir o dia da ida e da volta, assim eu posso me planejar melhor.

- Certo. Suas férias começam, mais ou menos, daqui um mês. Dia 22 de julho, né?

- Isso.

- Eu entro de férias dia 25. Então a gente usa um dia pra arrumar o resto, e a gente saí dia 26, de manhã.

- E volta?

- Quando começa a sua aula?

- Primeiro de setembro.

- Vamos ficar umas três semanas... Então...

- Dia 26 é sexta. Ahn... dia 17. A viagem demora... A gente vai do quê?

- Verdade!

- Trem?

- Pode ser... Na verdade, é perfeito. – Disse após pensar um pouco.

- Obrigada, sei que sou o máximo. – Brinquei, sorrindo.

- Que orgulho da minha imouto-chan. – Falou divertido.

- Eu sei, eu sei. Mas, voltando, a viagem deve levar mais ou menos três horas. Sendo assim, ainda podemos aproveitar o dia.

- Então, voltamos dia 18 ou 17?

- Acho que dia 17 tá ótimo. – Menos tempo melhor.

- Então eu vou ver com o Aoi e o Kei se tá tudo bem assim, e você com os seus amigos. Principalmente com o Kaoru-kun, para ele ver a casa, certo?

- Tudo bem...

- Já falou com o dono da livraria sobre suas férias?

- Vou falar com ele depois de amanhã.

- Certo.

- Mais alguma coisa?

- Acho que não. Mas coloca materiais de limpeza na lista, vamos limpar a casa quando chegarmos lá.

- E lá não tem material de limpeza? – Que decadência, Matsuda.

- Não sei, mas é melhor nos prevenirmos.

- Bom, então é só isso... Uah! – Perguntei bocejando em seguida. Para me levantar e colocar a tigela na pia depois.

- Sim. – Afirmou um pouco pensativo demais – Tá com sono? – Estranhou.

- Aparentemente... – Mas não estou com nenhuma vontade de dormir.

- Owasumi.

- Owasuminasai. Vai continuar comendo? – Perguntei vendo que ele ainda não se levantara.

- Sim, tá bom demais. – Sorriu.

- Que bom... – Ri.

Me deitei na cama, ainda com as luzes ligadas e coloquei a música para dormir... Estou realmente com sono...

- Uah!

Hoje foi um dia difícil... Um dia difícil... Amanhã... Vai ser mais, não? Um dia... Uhn...

- Deixe de ser mimada, garota tola!

Onde eu estou? Essa gritaria? Quem está gritando? Está... Está tudo escuro. Escuro demais. Eu...

- Não sou mimada, okaa-san!

Essa voz... Eu lembro dela! Foi do outro sonho... Sim, a voz da garotinha... A garotinha que estava chorando no carro... A garotinha que...

- Não responda para mim, sua insolentizinha!

E essa... Essa é a mãe... A Kaori, parece ela... A voz irritante... Os insultos e... A voz amargurada, gritos... Por que, por que continua gritando com ela? Pare de gritar! Ela é sua filha! Ela está com medo!

Está com medo!

- Pára, okaa-san! Pára!

Sons de... Ela está batendo na garotinha... A menina está chorando... Pare! Por favor, ela não fez nada! Ela é sua filha... Pelo amor de Deus, ela está chorando! Pare! ELA ESTÁ CHORANDO!

- Como ousa dizer o que eu devo ou não que fazer, sua pirralha mimada?

- Não sou mimada, okaa-san. Eu... – Ela está chorando. Não a faça chorar. NÃO A FAÇA CHORAR! – Eu não fiz nada...

- Sua ordinariazinha! Vai queimar no inferno por responder para sua mãe!

Como você pode falar isso para ela? Como você... Ela é sua filha! Só uma criança... Ela é... SÓ UMA CRIANÇA... Como pode fazer isso com ela? Você não deve bater em seus filhos, você não deve gritar com seus filhos, você não xingá-los... São só crianças...

- Você fica envergonhando o nome da família! O que estava fazendo a essa hora no jardim? Responda!

- As estrelas... Elas estavam bonitas...

Estrelas... Eu me lembro disso... Era... Arg! Que som... que som é esse? Parem! É insuportável! PAREM! Agudo demais... Agonizante demais... PAREM! E... esse gosto na minha boca... Metálico?

É... é sangue...

~~~#~~~

- O que raios foi aquela merda de pesadelo? De novo essa... Essa... Essa pseudo-Kaori... Não foi o suficiente eu tem que agüentar a Kaori mesmo?! Agora tenho que agüentar essa também? – Murmurei para mim mesma, enquanto caminhava pelo corredor do colégio.

Acho melhor parar de falar sozinha... Esses imbecis ficam olhando para mim... Os encarei furiosamente, andando lentamente em direção à sala. Por que ninguém consegue cuidar da sua própria vida?

Falando em cuidar da própria vida...

Abri a porta, e passei os meus olhos por toda a classe; deixando aqueles que perceberam o olhar, assustados e aqueles que não perceberam, estranhando o calafrio repentino, e assim, finalmente, focalizei no meu alvo.

O imbecil do Matsuda.

Ele estava, como sempre, rodeado por aqueles seres acéfalos que ele chama de amigos... Incrível não haver um roda de garotas em sua volta. Acho que estão com medo de mim...Tsc, tsc... E não é que as pessoas estão acreditando nesse maldito namoro...

Bem, isso não é importante. Andei até o grupo barulhento no final da sala... Mas não posso ficar aqui por muito tempo... Eles exalam idiotice e imaturidade, isso pode ser contagioso... Abri um espaço entre dois imbecis ficando em frente ao Matsuda.

- Olá, Matsuda. – Disse mortalmente, e poderia até rir da expressão de terror da cara dele, se eu, é claro, não estivesse tão furiosa com o energúmeno.

- O-olá, Kyoko-chan.

- Não me chame assim. – Instrui, pausadamente – Principalmente agora, se não quiser, é claro, ser castrado com uma colher.

- O-o q-que houve? – Perguntou, engolindo seco.

- Soube que fez uma visita para alguém esses dias. – Informei – Seu amigo está hospitalizado, é? – Disse cínica.

- Me desculpa, Kyoko-chan, é que...

- Cale a boca, imbecil! Não quero ouvir suas explicações idiotas! – Falei mortalmente. Obviamente o ambiente estava tenso, e não é preciso ser um gênio para saber que todos deviam estar olhando para nós agora.

Novamente, ninguém sabe cuidar da própria vida.

- Me...

- Cale a boca. Você... – Da onde vem essa música irritante?!

De quem é esse maldito celular?!

- Desculpa, Kyoko-c... Kyoko. – O imbecil falou, pegando em seu bolso o maldito celular... Claro, afinal, quem mais usaria esse toque estúpido?

Ele abriu o aparelho e o colocou perto da orelha... Há, eu não acredito que ele vai atender a ligação...HÁ! Quem o desgraçado pensa que é para me deixar falando sozinha?!

- Alô... Ah, oi, Ogawa... Estou indo, e você?  – Kyoko, não mate o imbecil. Respire fundo, mas por tudo o que é mais sagrado, não mate o imbecil... Existem muitas testemunhas, você iria em cana... Ser acusada de homicídio doloso não é algo muito bom, até porque, aposto que os pais do imbecil têm ótimos advogados... – Ah, cara, não vai dar esse ano... Vou viajar... Sinto muito, mas e... Sim, eu tô namorando... – Quer saber? Que se dane!

- Não me deixe falando sozinha!

- O que você vai... – Peguei o celular da mão dele e encerrei a ligação, não tirando nem uma vez os meus olhos dos dele.

Peguei o colarinho da sua camisa e o puxei para mais perto de mim, falando alto o suficiente para o ser desprezível ouvir, mas baixo o suficiente para os seres acéfalos da sala não ouvirem

- Não disse para não falar com o Akira? Você é surdo ou é retardado? Ou os dois? Quer mesmo arriscar tudo? Quanto o ser rosa riria caso soubesse a verdade?

-E-eu... – O ouvi engolir seco e vi suas mãos apertarem mais a beirada da mesa... É assim que eu gosto: vermes com medo, vermes em seu devido lugar.

- Faça isso mais uma vez – Avisei, empurrando de volta suas costas para o encosto da cadeira, desta vez falando um pouco mais alto – e você está morto. E eu vou garantir que seu corpo não seja encontrado, nem que eu tenha que destruir cada pedaço seu, nem que eu tenha que queimar todo o seu corpo com uma vela, entendeu?

- H-hai.

Joguei o celular para ele e fui até a minha mesa do outro lado da sala. Pelo o resto do dia o imbecil não me incomodou, ou melhor, pelo resto do dia ninguém me incomodou. Nem o Yuki, nem a Hirano e nem a Matsui. As duas últimas porque faltaram, o que é estranho e preocupante já que vamos sair hoje a noite, e o primeiro porque não me procurou... Apenas de eu o ter visto em uma das mesas do terceiro ano... Acho que ainda está bravo comigo, por causa do namoro.

E, novamente, o Matsuda só me trás problemas...

Bom, tanto faz... Hoje é quinta, penúltimo dia, graças aos céus, essa é a última aula e eu não trabalho... Vou aproveitar para fazer a pesquisa de japonês na biblioteca, ela, com certeza, vai estar vazia, já que ninguém vai perder a tarde na biblioteca... Não neste colégio.

- Sentem-se. – Mandou Suzuki assim que entrou na sala. Parece cansada... – Eu tenho uma novidade para vocês. Daqui a uma semana vai começar o undokai¹. Não que eu me importe com quem ganhe, mas como eu sou a professora responsável por vocês e não quero que o trouxa do Taro vença, façam o melhor, sim?

- Quem quiser pode não participar? – Perguntou um dos imbecis.

- Não. Todos terão que participar...

- Sensei, me desculpe, mas uma pessoa terá que ficar de fora. Nossa classe tem uma pessoa a mais.

- Eu sei disso. E se a senhorita não me interrompesse, Saito-san, saberia que eu tenho a solução. – Disse, claramente irritada – Como eu ia dizer, antes da Saito-san interromper – Olhou atravessado para a garota –, temos uma pessoa a mais, e como não há outra função e o colégio não permite mais do que o número necessário de alunos nos times, e, é claro, eu não quero ser a treinadora de vocês, essa pessoa será a treinadora. E antes que levantem a mão ou comecem a gritar, escolheremos o treinador ou a treinadora depois.

- Sensei, ganharemos o que se vencermos?

- Se vocês parassem de interromper seria muito mais fácil para todos e vocês parariam de fazer perguntas desnecessárias, já que eu vou respondê-las durante a minha explicação.

- Gomenasai.

- A turma vencedora irá ganhar vinte minutos no shopping Asami-cho para gastarem quanto quiserem. Vamos soltar vocês lá e vocês poderão comprar tudo o que conseguirem pegar em vinte minutos, ok? – Kami-sama, e aí que tem o MEA-GRGM21LBKN Prestige Deluxe. Eu não acredito que vou conseguir comprar isso. Finamente eu vou dar vida ao Apollon! – E mesmo que vocês não vençam, vocês ganharão nota... Já que a participação do undokai terá uma grande participação no fechamento de nota de todas as matérias.

A classe começou a ficar agitada, os imbecis começaram a gritar e falar besteiras do tipo: “Vamos vencer!”, “Temos que criar um grito de guerra!”, “Temos que fazer nossos uniformes para o Undokai” e “Eu não quero participar, eu, com certeza, vou quebrar a minha unha!”. E tirando o grito de guerra, que é particularmente ridículo; os uniformes, que é uma idéia horrenda, já que nenhum ser acéfalo é capaz de criar uma roupa que preste; e as unhas quebradas, coisa que nem merece um comentário, a única coisa que realmente fez sentido foi o “Vamos vencer!”.

Porque nós vamos vencer! Nem que eu tenha que matar todos os outros competidores das outras classes, nós vamos vencer. E, principalmente, eu vou comprar o MEA-GRGM21LBKN Prestige Deluxe. Mas para vencermos vamos precisa de um ótimo treinador, ou melhor, de uma ótima treinadora...

- Calem a boca! – Gritou Suzuki – Agora vamos decidir quem irá treinar vocês. Levantem as mãos quem quiser ser o treinador.

Lentamente levantei a minha mão, mas não fui a única, porém assim que viram que eu estava interessada nisso, abaixaram prontamente as mão.

Ficando apenas eu como interessada no cargo.

Como a fama é maravilhosa.

- Então, nesse caso, a Kyoko-san ficará encarregada pelo treinamento de vocês. – Falou Suzuki com um sorriso sádico no rosto – Kyoko, quer vir aqui na frente falar alguma coisa?

Me levantei e me encaminhei até a frente da classe, e depois de olhar para os imbecis, comecei a falar.

- Eu quero o prêmio e para isso precisamos vencer. E nós vamos vencer, porque eu vou treinar vocês. E se preparem, porque vocês vão sofrer muito em minhas mãos. Eu quero e sei que vocês vão dar tudo de si no Undokai. Mas por precaução, caso não dêem, estejam preparados, sim? – Sorri – Tenham uma boa noite de sono hoje, amanhã quero vocês duas horas mais cedo aqui para o treinamento. Caso alguém falte, e não esteja morrendo, eu vou para casa dessa pessoa e a arrasto até aqui, entendido? – Perguntei e vendo que ninguém tinha nenhuma objeção, sentei novamente na minha carteira.

- Ahn, esse foi um discurso animador, Kyoko-san. Mas, para te ajudar, gostaria que você fosse hoje à tarde à minha sala, para as instruções necessárias, certo? – Aparentemente eu não vou para a biblioteca hoje...

- Certo.

E também, aparentemente, essa será uma ótima semana.

~~~#~~~

Depois de falar com a Suzuki, saí do colégio e comecei a ir para a casa da Matsui, já que eu não recebi nenhuma mensagem dela cancelando o nosso “compromisso” e já que ninguém me ligou avisando que as duas haviam morrido misteriosamente...

Falando em morte, esqueci de avisar pro imbecil sobre o dia da viagem... Para quem eu tenho que avisar mesmo? O imbecil, a Hirano, a Matsui, o Yuki e o Arata... As duas eu aviso hoje, o imbecil amanhã, o Arata eu posso até mesmo ligar agora, já que amanhã ele não trabalha, então vai ser difícil falar com ele, e o Yuki, bem, o Yuki vai ser um pouco mais complicado, nem sei se ele ainda quer ir para a viagem...

Espero que ele vá, afinal, quem vai me proteger das idiotices do imbecil? A Hirano riria, a Matsui e o Arata encorajariam e o Akira, bem, ele estaria meio alheio às coisas... O único que poderia fazer alguma coisa seria o Yuki...

Ah... Depois eu resolvo isso. Agora: ligar para o Arata.

Fiquei alguns segundos com o celular pendurado na orelha, esperando me atenderem. E qual não foi a minha surpresa quando, ao invés de ouvir o Arata, eu ouço não apenas uma, como pelo umas sete vozes falando em conjunto no outro lado da linha... Uma briga...

- Eu já disse pra colocar o fundo branco!

“Mas branco fica sem graça, Ara-chan...”

Não me chame assim, baka!

“Parem com isso vocês dois!

Verdade, parecem um casal!”

Cala a boca!

“Você não quer ficar comigo, Ara-chan?

Coloca Preto e fim de conversa, porra!”

- Ahn? Arata?

- Alô? AH, Kyoko-chan! Me desculpa! Eestão fazendo uma confusão aqui.

- Arata? Quem são eles e onde você está?

- Eu estou na biblioteca do colégio e eles são... Uns colegas de classe...

Que voz de desprezo foi essa, Ara-chan?!

Porra, cala a boca, Maeda! E eu já disse pra pôr preto!

- Colegas de classe? – Interessante, ele nunca falou muito sobre o seu colégio...

- Sim, é um trabalho de geografia.

- Quantas pessoas estão aí?

- Nove. O filho-da-mãe do Okada mandou um trabalho no PowerPoint sobre os BRICs, e adivinha, são quatro grupos, cada um com sete integrantes.

- São sete e não nove...

- Não, são nove. Porque dois intrometidos vieram meter o nariz onde não foram chamados! – Falou a última parte um pouco mais alto que o necessário...

Como você é mau, Ara-chan! 

- Todos te chamam de Ara-chan?

- Sim, todos desse colégio me chamam de Ara-chan e eu não entendo o porquê disso!

Porque você é fofo, não é óbvio?

Quieto!

- Ah... Você tá mais irritado que o normal hoje.

- É claro que eu estou irritado! Estamos aqui há MEIA HORA e estamos ainda NA MALDITA CAPA!

- Ainda?

- Sim, porque eles ficam discutindo sobre O PLANO DE FUNDO!

- Pelo menos estão fazendo alguma coisa...

- Mas... ARG! Esses... esses... ARG!

- Ahn, fica calmo, e... Tem algo a mais, não? Você não ficaria tão irritado por causa disso.

- O problema é que eu realmente preciso de nota nessa matéria...

- Sei...

- Ok... – Suspirou – Falo outro dia, tá?

- Certo.

- Mas, e aí? Ligou pra quê? – Educado...

- Eu e o Akira meio que já vimos o dia da viagem. Vai ser dia 26 de Junho e a gente volta dia 17 de Agosto. Tá bom assim?

- Tá ótimo! Tô tão animado! – Finalmente ouvi o tom de felicidade na voz dele...

- Pelo o que eu sei, vamos ficar em uma das casas do imbecil...

- Imb... Já disse para não chamá-lo assim, Kyoko-chan.

- Tudo bem, mas só porque hoje você não está bem...

- Certo... – Suspirou.

- Bem, a gente se vê depois.

- Até!

- E boa sorte...

Ouvi mais uma vez ele gritando com um dos garotos antes de desligar o telefone. Realmente ele estava com problemas... Mas eu acho que ele consegue se virar sozinho...

Olhei para a porta de cor creme à minha frente e suspirei. Um dia, essa porta seria a causa da minha morte, ou, ao menos, seria a última coisa que eu veria antes de ser assassinada ou de cometer um assassinato... E eu não sei por que, mas a última opção não parece ser muito ruim agora... Quem sabe, poderia até mesmo ocorrer hoje?

E o pior mesmo é que eu teria que enfrentar a ruiva mãe e a ruiva filha. Se bem que depois de ter conhecido o Nakayama, eu até entendo a aversão que a pequena tem por mim... Sorrisos falsos não são exatamente prazerosos de se ver...

Aquele garoto... Eu ainda não consegui descobri o que raios eu vi naquele maldito garoto. Acredito que não há uma palavra certa para descrevê-lo... Talvez, desequilibrado? Não, isso não é o suficiente, aliás, acho que uma palavra apenas não seria o suficiente... Uma frase seria melhor. Mas que frase? “Matar ou morrer, qual a diferença?” Não, essa frase é besta demais... E até parece um bordão que um personagem besta de um anime shounen teria...

Acho que eu estou devaneando muito... Você tem que parar de falar tanto com o Arata, ou pelo menos, não comece a brisar também quando ele começa a brisar de repente... Você fica assim: tapada. Olhando pro nada, parada na frente da porta de uma mansão como uma barata tonta que esqueceu o caminho de casa... Aliás, o que eu tô fazendo aqui mesmo?

Ah, sim... Tomando coragem para apertar o maldito botão do maldito interfone da maldita casa da maldita Matsui...

- Ahn... Com licença, senhorita. Deseja alguma coisa?

- Ahn? – Olhei para o lado, onde estava uma senhora com um rosto bondoso de uma obaa-san, vestida com um avental azul, olhando para mim como se eu fosse um alien... Deve estar se perguntando por que raios eu estou parada como uma barata tonta em frente a uma mansão como essa.

- Você está bem? – Ela ainda está esperando uma resposta.

- Estou sim... – Respondi vagamente. Kami-sama, Kyoko, respire fundo e fale ango que faça sentido - Com licença, quem seria a senhora? – Perguntei, educadamente, ou pelo menos tentando ser educada.  

- Hashimoto Motoko, empregada da casa do Matsui-san.

- Nakamura Kyoko.

- Deseja algo? – Sorriu sem-graça.

Ela deve estar me achando uma retardada. Eu estou me achando uma retardada! Eu acho que ingeri alguma droga que não fez bem ao meu corpo...

Tanto faz... Apenas volte a ser a pessoa de antes.

- Gostaria de falar com a Matsui Maki, por favor.

- Ah, sim. Você é a amiga que ela comentou que viria?

- Imagino que sim. – Com nós não somos exatamente amigas... Isso, Kyoko, agora está agindo normalmente!

- Entre. – Sorriu, abrindo a porta e me dando passagem para entrar – Estamos apenas os empregados e a Maki-chan e a Ayame-chan.

- Ah, sim. – Isso é ótimo. Nada de ruiva mãe, filha ou seja lá o que for! Dê graças aos céus, Kyoko... Não espera, ainda não. Você não sabe o que as duas tontas estão planejando... – Onde as duas estão?

- No quarto, quer que eu a acompanhe ou prefere ir sozinha?

- Eu vou sozinha, muito obrigada pela ajuda, e desculpa o incômodo.

- Não foi nada.

Ela foi embora, provavelmente para a cozinha, e eu comecei a subir as escadas... Suspirei novamente em frente à porta, só que dessa vez é a porta do quarto da Matsui, e não dá casa, então já é um grande progresso, não?

Bati brevemente e logo fui recebida por um puxão para dentro do quarto, que me fez cair – por mais grave o ferimento que isso causasse em minha dignidade – de bunda no chão daquele quarto incrivelmente verde...

- Você está atrasada! – Falou Matsui, com as mãos na cintura. Aparentemente foi ela que me puxou... Eu não acredito que ela me derrubou.

- Eu sei, me desculpa... – Suspirei, me levantando. Tombos nunca são muito prazerosos...

- Você realmente não está levando isso a sério, né? – Perguntou a ruiva saindo da posição, devo dizer, digna de uma mãe.

- Levando o que a sério, posso saber?

O quarto continuava o mesmo, salvo algumas pequenas mudanças. Havia enormes almofadas no chão em frente à TV, perto da mesa, que, por sua vez, estava coberta de comidas, que, como o Akira costuma falar, podem ser chamadas de “porcarias”... Se bem que têm algumas coisas um tanto saudáveis lá... E, o que mais? Ah... Havia uma pilha enorme de DVDs do lado da mesa.

Isso parecia uma preparação para uma... Festa do Pijama? Não, eu estou enganada. Não pode ser isso.

- O vídeo, Nakamura! O vídeo! – Gritou Hirano impaciente.

- Tanto faz, mas, e aí? Por que o seu quarto mudou, Matsui?

- Você não percebeu? – Perguntou com um sorriso, e antes que eu pudesse responder ela gritou – FESTA DO PIJAMA!

Realmente, eu não estava enganada... Infelizmente.

- Vamos ficar acordada até tarde! Ver filmes de terror! – Hirano girou “graciosamente” em volta da Matsui.

- Comer doces e salgadinhos! – A ruiva segurou a mão da outra.

- E beber muito, é claro! – E de repente, as duas estavam dançando e rodando pelo quarto...

E isso seria muito, mas muito engraçado mesmo, e, por que não, divertido? Se não fosse por um único detalhe que sugava qualquer graça que tal cena pudesse causar.

- Vocês sabem que hoje é quinta, né?

- Sabemos. – Disse a morena sentando em uma das grandes almofadas.

- E que amanhã tem aula. – Completei.

- Deixa de ser quadrada, Nakamura. A gente falta, qual o problema?

- O problema é que vai ter o undokai daqui a algum tempo, e amanhã nós vamos treinar, e temos que estar no colégio duas horas mais cedo...

- COMO?! – Gritaram as duas se levantando.

- E a gente não pode faltar. Porque eu sou a treinadora e vocês, porque estão no time de vôlei. E eu já mencionei que eu quero vencer? – Disse me sentando em uma das almofadas, pedindo com a mão para que elas fizessem o mesmo.

- E qual exatamente seria o prêmio? – Perguntou Hirano, enquanto as duas se sentavam.

- Vinte minutos no Shopping Asami-cho. Compre o que conseguir pegar no tempo.

- Legal, mas, sabe, eu não sei jogar vôlei.

- Muito menos eu.

- A gente resolve isso depois. Ainda não resolvi completamente os times,amanhã que eu vou ver direito. Mas, bem, temos que estar lá amanhã, certo?

- Droga. – Choramingou – E agora? Eu queria tanto beber, a Maki pegou uns sakes tão bons... E eu nem vou poder experimentar!

- E por que não vamos poder beber? Posso saber? – Perguntou a ruiva se levantando, indo em direção à pilha de filmes.

- É meio óbvio, não? Você viu a ressaca que tivemos da última vez. – Disse, revirando os olhos. Realmente, eu nunca desejei tanto que o mundo ficasse em silêncio...

- Tivemos, uma vírgula! Que vocês tiveram! Porque eu não sou fraca pra bebida. – Disse, pegando alguns filmes e os espalhando pelo chão – E além do mais, eu tenho remédio pra dor de cabeça aqui, e também, tenho café e energéticos. Porque não importa o quão cedo nós vamos ter que acordar, já vou avisando, Kyoko, nós não vamos dormir muito cedo...

- Remédio, café, energéticos... Perfeito! – Constatou Hirano depois de pensar um pouco,para logo depois ir na direção da ruiva, a ajudando escolher um filme – Eu quero esse de terror.

- Nem pensar, eu odeio assistir filmes de terror com você!

- Por quê?! – Questionou a morena se fingindo – muito mal, diga-se de passagem – de inocente.

- Nem adianta fazer essa voz, Ayaa! Você vive me dando susto!

- É porque você pula e fica engraçado. – Respondeu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.

Passar uma noite na casa de uma amiga, isso não é exatamente algo bom... Não para mim. Eu com certeza vou ter um pesadelo... E então eu vou praticamente chorar porque quando eu acordar vai estar escuro...

Olhei para a mesa cheia de porcarias, percebendo que entre os diversos doces estavam as garrafas de sake... Acho que se eu beber, eu não vou ter pesadelos... E além disso, não vai ter nenhum efeito negativo, certo? Tirando o mau humor horrível que eu vou ficar amanhã... Mas a ressaca vai ser erradicada pelo tal do remédio da Matsui... É, pode dar certo...

Não... Não acredito que você está levando essa idéia besta de festa do pijama em consideração, Kyoko. O que está acontecendo com você esses dias?

- Eu já disse não, Ayaa!

- Ah, vai, Maki! Por favor!

- Nem pensar! Vamos ver esse filme de ação, esse de comédia e esse de romance. – Vamos ver três filmes?

- Eu não quero ver “Orgulho e Preconceito”. – Hirano disse resoluta.

- Por que não? É um filme maravilhoso.

- Aham... – Falou descrente, pegando o DVD da mão da outra, pra começar a andar pelo quarto com ele na mão – Mas tanto faz, quero ver se você vai conseguir ver esse filme quando ele estiver na privada!

- Você não ousaria! – Bradou a ruiva.

- Duvida? – Perguntou com uma das sobrancelhas levantada.

E a próxima coisa que eu pude ver, foi uma Matsui correndo como uma louca atrás de uma Hirano que agora pulava na cama da ruiva, com os braços para cima e a língua à mostra.

É, realmente, isso poderia dar certo... Por que não?

- Parem com isso, vocês duas! – Gritei.

- Foi ELA que começou! – Bradou Matsui, tentando parar a outra garota.

- ELA não quer me deixar ver o filme de terror! Kyoko-chan, briga com ela! – Pediu com uma voz chorosa, ainda que debochada. Incrível como ela parecia uma criança mimada...

- Cala a boca, Ayaa!

- Kyoko-chan! A Maki tá sendo má comigo! – Gritou.

- Vamos fazer assim – Comecei, me desviando da tentativa de abraço da Hirano, que veio correndo com os braços abertos – Vamos ver o filme de romance, vamos ver o filme de terror e... – Que tipo de filme eu quero ver? – Bem, eu escolho depois...

- M-mas... – Matsui falou com uma voz digna de uma criancinha de seis anos.

- Nada de mas.

- Mas ela vai ficar me assustando.

- Ela não vai fazer nada. – Disse.

- Você vai me proteger? – Proteger?

- Mas então – Falei depois de um minuto de silêncio, ignorando a garota –, como vocês esperam que eu durma aqui se eu nem tenho roupa?

- A gente comprou, obviamente. Por que acha que não fomos para o colégio? Estávamos preparando tudo...

- Eu não sei se aceito isso muito bem...

- Você não tem que aceitar, Kyoko. É só ir para o banheiro e tomar um banho,as roupas estão lá. E coloque a roupa suja no cesto vermelho.– Informou Matsui, me empurrando em direção a uma porta, que eu imagino devesse ser o banheiro, para me jogar lá, e fechar a porta.

E novamente, qual é a necessidade de um banheiro tão grande?

Bem, essa casa não é minha... Então quem sou eu para reclamar? Bom... essa foi uma pergunta claramente estúpida, afinal, eu sou EU e EU tenho o direito de reclamar de tudo que me aborreça ou me irrite.

Que raios de pergunta tola...

~~~#~~~

Era a terceira vez que a Matsui pulava de susto, e o filme nem havia começado direito. E de fato, esses pulos eram engraçados. Estávamos sentadas vendo o filme que a Hirano escolhera, já tínhamos visto o romance e o próximo seria o meu. E por mais incrível que pareça, e por mais doloroso que é para mim admitir isto, eu estava me divertindo.

Mas seria muito melhor se eu estivesse com a minha própria roupa...

- Eu não vou sair desse maldito banheiro com essa roupa! Onde raios vocês arranjaram isso afinal?! – Falei ainda no banheiro, olhando com horror para o espelho. Deplorável e humilhante.

Depois de tomar o meu banho, peguei o tecido vermelho para me vestir, e qual não foi a minha surpresa quando eu vi como isto é horrendo? Mas isso não era o pior. Não, não, de fato, isso não era o pior. Assim que vi o pijama fui pegar a minha roupa no cesto vermelho, não ia vestir isto nem se passagem, mas ela não estava lá...

Aquilo era simplesmente um tubo que dava possivelmente para a lavanderia. E portanto a minha roupa estava desaparecida. E eu estava presa nesse maldito banheiro com esse pedaço ínfimo de tecido que nem na Irlanda é digno de ser chamado de pijama.  

Ele era curto... Mas curto demais!

E tendo apenas duas opções: vestir o pijama ou continuar enrolada na toalha, já que a MINHA roupa não estava mais naquele banheiro, por causa do maldito cesto vermelho, eu, vergonhosamente, escolhi a primeira opção.

Porque o banheiro estava muito frio. E só depois eu iria saber que era só porque a Matsui ligou o ar-condicionado daquela coisa.

- Deixa de ser tonta! Estamos só nós três!

- E a gente quer ver o filme!

- Vem logo, Nakamura!

- EU NÃO VOU SAIR COM ESSA ROUPA!\\\\\\\\\\\\\\\\t\\\\\\\\\\\\\\\\t    EU NÃO VOU SAIR COM ESSA LINGERIE DE QUINTA CATEGORIA!

- HEY! Eu escolhi com muito amor essa lingerie, Nakamura! – Ela admitiu, ela admitiu. Desgraçada, filha-da-mãe.

- Então você admite!

- Admite o quê?

- Que essa merda é uma lingerie!

- Claro que sim, você olhou direito para a roupa? Ela tem renda e é extremamente curta!

- Na minha defesa, Kyoko, eu queria trazer uma roupa do tipo maid para você. Mas a Hirano não gostou da idéia.

- Eu não disse que não gostei, eu só acho que a gente poderia usar essa depois.

- Calem a boca!

- Você já tá irritando, Nakamura! Saí daí!

- NEM NOS SEUS SONHOS!

- NAKAMURA KYOKO, SE VOCÊ NÃO SAIR DAÍ AGORA SE PREPARE PARA QUE TODOS VEJAM O SEU VÍDEO.

- Isso não vale, Matsui!

- E quem disse que eu me importo? Você está em nossas mãos agora.

- Ou esqueceu o princípio básico da chantagem?

E diante disso, vergonhosamente, eu saí.

E depois de suportar muitas piadas de mau gosto, e de ligar para o Akira, avisando que eu dormiria na casa da ruiva e de acalmá-lo falando que eu tinha um ótimo plano para me livrar dos pesadelos, estávamos as três vendo o filme de terror.

Se bem que esse filme é tão idiota que eu nem sei se pode ser realmente chamado de filme de terror.

- Você quer parar com isso, Ayaa?! – Matsui pediu chorosa depois de pular mais uma vez.

- Eu não estou fazendo nada! – Cantarolou a morena.

- Não está fazendo nada, não está fazendo nada! – Ironizou – Apenas está assoprando a minha orelha para tirar dela uma formiga rosa de bolinhas verde-limão que, coincidentemente, caiu na minha orelha enquanto estamos vendo um filme de terror. Que EU não queria ver!

Ahn... Isso nem merece um comentário...

- Parem com isso! – Mandei, levando, mais uma vez, naquela noite, a garrafa de sake à boca.

- Você não acha que tá indo rápido demais,Kyoko?

- Como assim?

- Bem, vocês, ao contrário de mim, não são exatamente fortes para bebidas. E você já está na terceira garrafa e nem são nove horas.

- Você não tem remédio? – Perguntei, e antes dela responder disse – Então qual é o problema? – Até mesmo porque eu tenho que ficar bêbada...

- Nenhum, mas...

- Deixa disso, Maki, se ela quer beber, que ela beba! E nós devíamos começar a fazer o mesmo! – Disse enquanto pegava duas garrafas na mesa, dando uma para a ruiva e levando a outra aos lábios.

- Hai, hai. – Disse, resignada, também bebendo.

- Querem saber? Esse filme está muito chato.

- Concordo! – Gritou Matsui.

- Portanto vamos fazer outra coisa, até porque eu cansei de ficar sentada vendo um filme...

- Tudo bem. – Concordou Hirano – Mas o que é que vocês querem fazer?

- Não olhe para mim. – Falei – É a minha primeira vez em uma festa do pijama...

- Bem... – Começou a ruiva –Eu tenho uma idéia... Muito divertida...

- Fala logo, Matsui! O q... – E antes que eu percebesse, ela pega um travesseiro e joga na minha direção. Entenda que eu estou cansada, e a bebida já está começando a fazer efeito, e foi apenas por isso que ela conseguiu atingir a minha cara. Porque além de eu estar com preguiça de desviar, meus reflexos não estão muito bons... Foi apenas por isso!

- Guerra de Travesseiros... – Cantarolou, enquanto jogava outro travesseiro, desta vez na direção da morena que estava rindo da minha cara.

Bem, se é assim, a Guerra de Travesseiros havia apenas começado.

~~~#~~~

Dor...

Dor.

Dor!

DOR!

FAÇAM ESSA MALDITA DOR DE CABEÇA PARAR!

- ARG!

- Ca-le a bo-ca. – Falei para quem quer que tenha gemido, não preciso de sons inoportunos que façam essa MALDITA dor de cabeça piorar.

- Cale a boca você. Afinal você não é a única em um estado deplorável, Nakamura. – Sussurrou.

- Que horas são? – Perguntei no mesmo tom.

- Não faço a mais pálida idé...

- BOM DIA, RAIOS DE SOL!

ARG! VOZ INSUPORTÁVEL!

- Ca-la a bo-ca. – Sussurramos eu e Hirano para a Matsui.

- Nossa! É assim que falam com a pessoa que trouxe para vocês o remédio? – Falou, fingindo estar magoada – Agora, vamos. Levantem e tomem o remédio. Temos que ir para o treinamento.

Merda, o treinamen...

ARG! QUEM ACENDEU A LUZ?!

- Apaga a luz, Maki. – A morena pediu chorosa.

- Não. Acordem logo, preguiçosas!

- Estamos de ressaca, Matsui. – Disse o óbvio.

- Não importa. Foi você que resolveu fazer esse treinamento, você é a responsável e portanto tem que honrar os seus compromissos. Agora, levante.

E por mais que a minha cabeça pedisse, ou melhor, implorasse para que eu ignorasse as palavras da ruiva e esquecesse das malditas responsabilidades, eu não consegui impedir a minha consciência de me fazer levantar e esticar o braço à procura do remédio. Peguei a pílula e engoli com a ajuda do copo de água que a Matsui também trouxera.

- O remédio não ajudou em porra alguma, Matsui. – Disse, tentando focar inutilmente os olhos nela. Graças a dor de cabeça exorbitante e o sono, que a qualquer momento poderia me fazer desmaiar, tudo o que eu olhava não passava de um mero borrão. Que inspirador...

- Claro, afinal, ele é um remédio mágico. Resolve o seu problema em um instante. – Falou irônica – Se não sabe, Kyoko, remédios não funcionam assim.

- Infelizmente. – Hirano tirou as palavras da minha boca. Ela também já se levantara e tomara a infeliz-desprovida-de-qualquer-tipo-de-mágica pílula.

- Se não sabem beber, não bebam. – Falou impaciente –Agora, Kyoko, vá tomar um banho. O seu uniforme está no banheiro, e não se preocupe, ele já está lavado. Ayaa, você vai no banheiro do corredor.

- Por que eu não posso ir no seu? – Perguntou a morena com um bico.

- Porque a Kyoko levantou antes que você, e portanto, merece o melhor prêmio.

- Você não falou de nenhum prêmio!

- Contente-se com o que tem, Hirano. Agora, eu vou fazer uso do MEU prêmio. – Provoquei, enquanto ia em direção ao banheiro, uma tarefa deverás difícil. Já que eu realmente não conseguia ver mais nada além de borrões.

- Cala a boca. – Resmungou.

Depois que nos aprontamos e tomamos o café da manhã no quarto da Matsui mesmo, fomos para o colégio. Em um carro. Em um carro muito caro. Mas, muito caro mesmo. E eu não estava exatamente confortável com isso... Mas as duas estavam. Principalmente a Hirano.

- E aí? Como vão os preparativos para a viagem? – Ela perguntou colocando um dos pés no banco.

- Nós já decidimos o dia. Vai ser dia 26 de Junho e a gente volta dia 17 de Agosto. Tá bom assim?

- Pra mim tá perfeito. – Disse Matsui, e a morena concordou.

- Ótimo... – Murmurei.

- Você não parece muito boa, Nakamura.

- Não é da sua conta, Hirano.

- Hey, eu só estou sendo uma amiga prestativa, me preocupando com você.

- Não preciso disso agora.

- Ela está mal humorada. – Constatou Matsui – Coitadas de nós e toda a turma que terá que agüentar essa treinadora. Tsc, tsc. Devia ser mais gentil, Kyoko.

- Imagina os danos que poderá causar às pessoas se continuar sendo tão fria assim.

- Ah, calem a boca.

Mas elas não calaram a boca. Porque elas nunca calam a boca. Na verdade, ela tem um poder incrível de não desistirem de me irritar, não importa o quanto eu mande elas calarem a boca, ela continua falando, elas continuam me irritando. E acredite, isso só piora a situação delas, a situação delas e de toda a turma. Porque minha raiva está aumentando, e quando eu finalmente chegar ao colégio, minha reserva de paciência já terá acabado.

E então, ai de quem fazer alguma merda.

Assim que chegamos no colégio fomos para a classe, algumas pessoas ainda não haviam chegado, o que seria totalmente compreensível, afinal o horário marcado ainda não chegou, se, é claro, eu não estivesse tão irritada.

- Onde está o resto? – Perguntei para os que estavam na sala.

- Ainda não chegaram, treinadora! – Um garoto falou, se levantando e batendo continência. Me limitei a ignorar tal ato e olhei para o relógio. Dez minutos para dar o horário marcado. E quem não estivesse aqui em dez minutos estaria muito, mas muito ferrado.

Encostei na mesa do professor – a Suzuki não viria hoje, para a minha sorte – e fechei os olhos, desejando internamente que algum imbecil se atrasasse para que eu pudesse descontar toda a minha dor de cabeça nele, que por mais que estivesse mais fraca agora, não tinha acabado, e também, fazer valer a minha noite de sono de apenas duas horas. Mas infelizmente as pessoas começaram a chegar e sentar em seus devidos lugares.

Porém, ainda restam três cadeiras vazias, sem contar a minha. E faltam apenas dez segundos para dar o horário.

Nove.

Oito. Uma chegou.

Sete.

Seis.

Cinco.

Quatro.

Três. Mais um chegou.

Dois.

Um.

Oh-ou. Aparentemente uma pessoa está atrasada... E quem será o tão sortudo ser?

- Com licença. – Ah, aqui está ele. E como eu não imaginei? Só poderia ser ele...

O namoradinho do Arata.

Ele entrou na sala e começou a caminhar em direção à sua carteira, mas não chegou ao seu destino.

- O que pensa que está fazendo? – Perguntei, tenebrosa, o fazendo parar.

- Indo sentar? – Respondeu levantando as sobrancelhas, como se seu desejo fosse óbvio. E sim, era óbvio, mas quem disse que poderia ser realizado?

- E quem te deu permissão para isso?

- Como?

- Quem te deu permissão para isso? – Novamente, perguntei, dessa vez pausadamente.

- E quem poderia me dar permissão para isso?

- Que tal, a encarregada do destino de vocês hoje? – Certo, isso foi quase poético...

- E essa seria? – Provocou. Incrível, o namoradinho do Arata até que sabe brincar. Interessante, interessante.

- É idiota? Quem é a única pessoa na frente da classe?

- Você?

- Isso mesmo. Eu e somente eu sou a encarregada, e portanto eu decido se você pode ou não sentar.

- Certo. – Disse, torcendo os lábios em desagrado – E eu posso sentar?

- Não.

- E posso saber o porquê? – Ele está se descontrolando. Ele pode até saber brincar, mas nunca vai me vencer. Porque ninguém vence Nakamura Kyoko.

- Não é óbvio? – E vendo que ele não responderia, completei – Está atrasado.

- Eu não estou atrasado.

- Parece que você não tem a capacidade de entender, não é? Vamos ver então outra pessoa. – Olhei pela classe vendo os rostos assustados de todos, menos de os de duas garotas que mantinham um sorriso divertido no rosto, e olhei para uma outra garota à minha frente – Você. Qual é o seu nome?

- S-shimada Akemi. – Coitadinha, tão assustada.

- Então, senhorita Shimada, me responda: quem é a encarregada do destino de vocês hoje?

- V-você.

- E portanto, você não acha que, como encarregada, quando eu digo que uma pessoa está atrasada, ela realmente está atrasada?

- H-hai.

- Muito obrigada. – E me virando para o loiro, disse – Entendeu agora? Se eu digo que está atrasado, é porque está atrasado.

- Certo. E posso saber quanto estou atrasado?

- Dois segundos.

- Dois segundos? Dois segundos? Está fazendo esse estardalhaço por causa de dois míseros segundos? – Decepcionante, se descontrolando tão rápido e tão fácil. Esperava mais de você, muito mais...

- Não, senhor... Qual é mesmo o seu nome?

- Kamekyo Jiro. – Respondeu entre dentes.

- Não, senhor Kamekyo, estou fazendo esse estardalhaço porque quando uma pessoa se compromete a chegar em tal horário, é da boa índole que ela chegue em tal horário ou até mesmo antes, se possível. Estou apenas te ensinando boas maneiras.

- Certo. Então, muito obrigado, por me ensinar. Agora, posso sentar?

- Não, não pode. – E vendo a cara de desagrado e impaciência dele, continuei – Você primeiro vai vir à frente da classe, se curvará e pedirá desculpas à turma e a mim pelo seu atraso, e depois, poderá se sentar.

Humilhação. Humilhação pública. Como é maravilhoso o cheiro de humilhação logo de manhã... Isso, pode ter melhorado um pouco o meu humor.

Ele veio até a frente, se curvou, se desculpou, e foi para a sua mesa. E tudo isso, todas as ações foram brindadas por um maravilhoso sorriso de ódio vindo dele. E isso pode ter melhorado mais um pouco o meu humor.

- Pois bem – Comecei, agora que todos estavam sentados nos seus devidos lugares –, Suzuki-sensei não poderá vir hoje. Então vocês estão apenas em minhas mãos. Vou explicar de uma forma básica como irá funcionar o Undokai. E depois, iremos para as quadras onde irei ver em qual time vocês se encaixam melhor. Segunda, trarei a formação dos times. Vamos treinar toda semana que vem, de manhã e de tarde. Menos na tarde de sexta. – Sorri, vendo a careta de aborrecimento na cara deles – Vamos começar!

~~~#~~~

Este dia melhorou o meu humor. Principalmente o treinamento... Nunca fiquei tão feliz de ver pessoas cansadas e suadas com olhares de puro aborrecimento.

Sentei no banco do parque e suspirei cansada, finalmente as duas horas de sono estão fazendo o seu efeito. E eu ainda teria que ir para o trabalho, mas ainda tenho praticamente quatro horas para começar o meu expediente... Acho que vou ir para a lanchonete do Akira. É, acho que ir para a lanchonete é uma boa opção.

E... Aquele é o Yuki?

- Yuki! – Chamei. Ele olhou para mim, e por um momento eu pensei que ele tivesse desistido de me ignorar e fosse falar comigo, mas antes que eu pudesse falar qualquer coisa, ele deu meia volta e mudou de direção. E por mais infantil que isso fosse, eu não consegui acha graça...

Peguei a minha bolsa e fui na direção dele. Isso já estava ficando irritante e... Bem... Isso já estava ficando irritante!

- Yuki! – Comecei a segui-lo. Andava alguns metros atrás dele, e ele não estava indo muito rápido, o que eu agradeci, afinal se ele começasse a correr eu não sei se conseguiria manter o ritmo – Yuki? Yuki! Você pode parar de andar e me responder, por favor?! Ou de uma hora para outra você ficou surdo? YUKI! Eu só quero falar com você, por favor... –Pedi.

- Tudo bem. – Falou, apesar de ainda não parar de andar – Podemos conversar, mas antes – Virou o rosto para mim e sorriu de lado – você vai precisar me pegar.

E ele começou a correr. E a idiota aqui começou a correr atrás dele. E admito que isso poderia ser até mesmo cômico, se eu não estivesse tão preocupada e, é claro, pelo fato de que tínhamos como platéia um bando de pirralhos que agora estavam rindo da minha cara.

E se não fosse pelo fato de que não devemos maltratar pirralhos, eles já estariam mortos agora.

- Yuki! Deixa de ser infantil! Yuki! Porra, Yuki, pára de correr! – Isso é humilhante, eu pareço uma garota estúpida correndo atrás de um inocente garoto... Bem, é exatamente isso que tá acontecendo, tirando a parte do inocente e, é claro, do estúpida. Mas ninguém precisa pensar assim! – Yuki!

- Desista, Kyoko.

- Não até você parar com essa criancice! Eu quero falar com você, porra! – Gritei arrancando risadas dos pirralhos, aparentemente, eles acham graça quando uma pessoa fala um palavrão – Qual é, Yuki? VOCÊ QUER PARAR DE CORRER?!

- Não precisa gritar, Kyoko.

- Eu não precisaria gritar se VOCÊ não estivesse correndo como um... como um...

- Como um? Agora fiquei curioso. – Riu.

- Ah, cale a boca e simplesmente pare... Arf... de correr... Arf... Agora! – Finalmente, o cansaço fez efeito, já estava estranhando não ficar cansada depois de correr tanto. E como raios ele ainda não cansou?! Ah, é. Ele faz atletismo... Merda.

- Parece que está ficando cansada. Devia desistir. – E apesar do tom de zombaria, acho que ouvi certa preocupação na voz dele... Oh, que tocante!

- Preocu... Arf... Preocupado? – Bem, se está, tem uma boa razão... Meus pulmões vão explodir... Assim como as minhas supra-renais e o meu coração...

- O que acha? – Sorriu. COMO ELE NÃO ESTÁ CANSADO?!

- O que... Arf... eu acho? Arf... Arf... Acho que ainda... Arf... ainda me ama... Arf... E está morrendo de... Arf... preocuUAH!

Patético. Humilhante. Degradante. E já falei patético?

- Kyoko! Kyoko! Você está bem?!

Como raios eu caí? É a segunda vez que eu caio em menos de 24 horas... E continua sendo uma situação deplorável. Tá certo que a primeira vez foi culpa da Matsui... Mas, como eu raios eu caí? Tropecei no meu próprio pé? Ou tropecei em uma pedra qualquer? Espero que tenha sido a segunda opção... Mas duvido.

Meus pulmões... Eu sinto que eles estão morrendo...

Kyoko, Kyoko, você costumava ter um condicionamento físico melhor. O que aconteceu?

- Kyoko! Responda! Você está bem?! – Bem, pelo menos ele parou de correr...

- Aparentemente o meu plano deu certo. – Sorri. Não foi exatamente um plano, mas é melhor que ele pense assim...

- Não acredito que você caiu só para eu parar!

- O que acha? – Perguntei, vendo uma careta de dúvida, muito mal disfarçada, na cara dele. Ele está em confuso... Ótimo.

- Tsc, venha. – Falou, oferecendo a mão para eu levantar.

E depois de levantados e sem nenhum vestígio do tombo na minha roupa fomos sentar em algum lugar para conversar. Um lugar longe dos pirralhos que estavam rindo da minha cara.

Pirralhos malditos.

- E então? Sobre o quê quer falar? – Perguntou, fechando os olhos e deixando a cabeça cair para trás.

- É meio óbvio, não? Por que tem me evitado?

- E isso não é óbvio? – Disse sarcástico.

- E por que o meu “namoro” com o imbecil tem que afetar a nossa amizade? – Merda – Quero dizer... O nosso...

- Bem, eu não gosto dele. – Explicou, e eu agradeci internamente ele ter me interrompido e ignorado parte do que eu disse, ou iria dizer – Ele é um canalha bastardo, e você sabe disso.

- É claro que eu sei...

- E eu não quero que ele faça algo a você.

- Eu sei me proteger, Yuki.

- Eu sei que sabe, mas não é isso que vai o impedir de tentar algo.

- O que você acha que ele vai fazer?! Ou melhor, poderia fazer. – Olhei descrente para ele. Ele realmente acha que o Matsuda pode ser uma ameaça? Um esquilo é mais ameaçador que ele!

- Eu não sei. Mas, como eu disse, eu não gosto dele, e você sabe que eu sempre espero o pior das pessoas que eu não gosto.

- Você está bravo comigo, não está? – Perguntei, fraca.

- Por que eu estaria?

- Você não está falando comigo...

- Kyo...

- Se você o acha tão ruim, o que eu concordo, só para informar, você não devia ficar comigo para me proteger?  - Golpe baixo, mas quem liga? Eu... Sinto falta dele... Acho que eu posso usar algo assim...

- Certo. – Suspirou – Não estou bravo pelo seu namoro com aquele... Inseto. Também não estou feliz, só pra informar. Mas, eu estou bravo com você, porque você não me contou e você não ia contar sobre o namoro... Por que você sempre esconde as coisas de mim?

- É q...

- Não percebeu ainda que pode confiar em mim. Eu não vou te julgar, eu não vou me aborrecer, e eu vou estar do seu lado. Confie em mim. Pare de guardar essas coisas só para você, isso não te faz bem.

- Eu estou bem...

- Eu sei que está, Kyoko. – Disse cansado – Mas um dia você vai explodir e então, você vai perceber que não está bem.

Ficamos em silêncio por um bom tempo. Cada um preso em seu próprio mundo, ambos olhando para o céu. Estava um dia bonito, o céu estava azul com algumas nuvens, assim como eu gosto, estava sol mas também estava fresco... Um dia bonito.

- Dia 26. – Falei sem olhá-lo.

- Como? – Perguntou, virando o rosto para mim.

- A gente viaja dia 26 de Junho e volta dia 17 de Agosto.

- Ah...

- Você... Você ainda vai, não vai? – Perguntei baixo, olhando para o chão.

- Nunca me passou pela cabeça não ir. – Olhei para ele, ele estava com um sorriso no rosto – Afinal – Deixou a mão cair na minha cabeça, e bagunçou o meu cabelo –, quem vai te proteger enquanto estiver lá?

Sorri e voltei a olhar para o céu.

- Aliás, falando em te proteger, o aniversário da minha mãe vai ser semana que vem.

- Ah, dê meus parabéns a ela.

- Por que você não dá?

- E como eu daria? Eu nunca sequer vi sua mãe, Yuki. – Revirei os olhos.

- Pois é hora de conhecê-la.

- Como? – Perguntei voltando meu olhar a ele.

- Eu falo de você para ela. Conversamos no jantar, e ela gosta que eu fale sobre os meus amigos.

- Ah...

- Bem, ela percebeu que você estava aparecendo demais nas nossas conversas, afinal, nós passamos muito tempo juntos, e resolveu convidar você para a festa.

- Mais uma festa de ricos? E ainda de aniversário?

- Ah, qual é? É a minha mãe, e ela quer muito conhecer você. E além do mais, vai ser só o pessoal da família. Minha mãe odeia coisas demais, sempre quer ser mais discreta.

- Assim melhora um pouco. Mas, Yuki, da última vez que eu fui em uma festa não foi exatamente bom...

- Por favor...

- Tsc, tudo bem. O que eu dou de presente? Tava pensando em um livro, mas acho que ela não tem muito tempo para isso, tem?

- Na verdade, ela adoraria um livro.

- Alguma sugestão para o livro?

- Confio plenamente no seu gosto. – Sorriu.

- Me sinto honrada. – Brinquei – Quando vai ser?

- No próximo sábado.

- Como é uma festa apenas para o pessoal da sua família, imagino que eu não precise ir de roupa formal.

- Isso. Ah, e meu pai também tá louco para conhecer você.

- Pensei que falasse apenas de mim com a sua mãe.

- Minha mãe pareceu cismar que nós dois temos alguma coisa, então ela contou para o meu pai, que contou para a minha tia, que contou para a minha avó, que contou para a toda a família.

- Devo me preocupar?

- O máximo que eles podem fazer é perguntar quando será o casamento. Já peço desculpas.

- A sua família quer apenas o melhor para você. E o que é melhor do que me ter como esposa? – Zombei.

- Com certeza, nada. Você apenas não supera um belo prato de macarronada.

- O fato disso ter rimado não foi de propósito, não é?

- Bem, pense o que você quiser...

- Que decepção, Yuki. – Disse balançando minha cabeça em negação.

- Cala a boca. – Riu – Ah, tenho que ir. Aula de esgrima...

- Certo. Até.

- Até, minha futura esposa. – Riu.

Certo. Que a lanchonete e a volta no shopping que se danem, eu tenho que fazer algo para relaxar... Acho que vou no cinema. Ver um filme sozinha, isso vai me acalmar.

~~~#~~~

Que filmes estão passando agora? Olhei para a tela á minha frente, na qual as sessões passavam rapidamente. Ah, pelo o que eu me lembro fizeram a reprodução do livro da Tomohisa. Um drama com suspense... Isso pode até ser bom.

Luz e Escuridão... Lembro da primeira vez que li esse livro. Eu gostei muito do subtítulo: entre o branco e preto há apenas o vermelho... Quem não poderia gostar disso?

Faz tempo que eu não vejo um filme. E muitos podem achar ruim, mas ver um filme sozinho é um dos maiores prazeres que um ser humano pode ter. Sem ninguém para perturbar. Apenas você, a pipoca e o filme. Um momento de apreciação. Totalmente sozinha.

- Próximo! – Chamou a atendente.

- Quero meio ingresso para a próxima sessão de Luz e Escuridão. – Informei.

- Carteira de Identidade, por favor.

- Aq... – Parei de falar assim que ouvi o estalo de um tapa que ressonou por todo o andar e que comecei a sentir a ardência nas minhas costas.

Um filho da puta tinha tido a audácia de me dar um tapa.

- E aê, Kyoko-chan? Vai ver um filme sozinha? Que deprimente... – Falou o desgraçado apoiando o braço no MEU ombro.

- Cinco segundos – Falei em tom baixo e letal sem olhar para ele – Tem cinco segundos para tirar esse braço do meu ombro e sair daqui, se, é claro, quiser manter o seu braço e a sua vida por mais um dia.

- Acho melhor seguir as instruções, Kennichi.

- Ela não faria nada com o amigo do namorado dela, Haruo!

Ah, então o filho da puta é o amiguinho do Matsuda? Mas, é claro, afinal, vermes sempre andam juntos.

- Quer apostar quanto? – Disse outro imbecil e logo senti o peso saindo do meu ombro, aparentemente o amigo do Kennichi tinha um pouco mais de bom senso e tinha tirado o braço do outro de perto das minhas mãos.

- Posso saber qual de vocês? – Perguntou uma voz visivelmente cansada – De repente saem correndo como bando de crianças.

Essa voz eu conheço.

- Se não é o senhor Kamekyo. – Me virei, finalmente dirigindo meu olhar a eles.

- Ah, olá, Nakamura. – Falou, cordialmente, na defensiva.

- Como vai? Espero que não esteja ressentido comigo pela minha pequena repreensão. – Sorri.

- Entendo, você estava de ressaca. – Como raios ele sabia? Quase fiz uma careta desconcertada e até um pouco irritada, principalmente depois de ver o sorriso prepotente na cara dele.

- Sim, estava. – Não faria sentido negar – Mas estou curiosa – Disse, enquanto me virava terminando de comprar o ingresso –, como você descobriu?

- Bem... – Começou.

- Pode parar, Jiro! – Gritou... Acho que o nome dele é Haruo – Isso é mérito meu, fui eu que percebi os olhos vermelhos dela! Nem ouse roubar os meus créditos!

- Cala a boca, Haruo! – Ah, sim. É Haruo – Por que acha que eu perderia meu tempo com isso?

- Como você é mau, Jii-chan! – Jii-chan? Oh sweet lord, what the fuck?³ O Arata vai adorar isso – Ken-chan, olha como ele é mau!

- Fica calmo, Hao-chan. Como você pôde, Jii-chan? – Perguntou dramaticamente o outro...

E então eles começaram uma briga idiota e sem sentido...

Sem que nenhum dos três percebesse, peguei meu ingresso e, lentamente e calmamente, tentando não chamar nenhuma atenção, fui em direção a sala. Compraria a pipoca lá dentro, não queria me arriscar, eles poderiam me ver e de certa forma eu passaria mais tempo com eles. E eu ainda não sei se a idiotice é contagiosa.

Quantos neurônios eu posso ter, definitivamente, perdido só com essa conversa?!

Só vou estar relaxada quando sentar na poltrona e o filme começar. Dei meu ingresso à mulher e me encaminhei até a sala 5, não sem antes comprar a minha pipoca e a minha água. Até que a sessão não está cheia para uma sexta. Não está vazia também, mas está aceitável, espero que ninguém fique falando durante a sessão e desejo, pelo bem da pessoa, que o celular de ninguém toque.

Odeio quando isso acontece.

Sentei, me arrumei e fechei os olhos, levando a cabeça para trás. Há quanto tempo eu não relaxo assim? Eu pareço até uma velha reclamando desse jeito, mas por que eu estou tão cansada ultimamente?

Esse ano está certo bem diferente do que eu tinha imaginado. Minha companhia agora quadruplicou com a chegada da Matsui, da Hirano e do Arata. Ou seria, quintuplicou? Se bem que eu acho que o imbecil não é exatamente uma pessoa cuja companhia é agradável... Então, eu não faço muita questão de estar com ele.

Afinal, ele só me trás problemas. Com o Yuki, com o Akira – é difícil para a minha consciência esconder o namoro dele, mesmo que ele não seja de verdade – , com os amigos estúpidos dele – que ousam me dar um tapa nas costas –  e com o Nakayama...

Ainda não descobri o que vi naquele garoto. Vamos, ver o que eu tenho até agora... Eu não fui com a cara dele, ele me é digno de pena, o sorriso dele é muito falso, é como se ele fosse capaz de matar qualquer um, mas também é como se ele fosse capaz de desabar a qualquer momento... Unh, só chego a uma conclusão: o cara é louco e precisa, urgentemente, de consultas com um psiquiatra.

As pessoas estão enlouquecendo cada mais jovens hoje em dia...

Kyoko, você tem que para de falar como uma velha. Qual é, você só tem 16 anos e já tá usando expressões como “hoje em dia”!  O que falta agora? Ir para o parque e dar farelos de pão para os pombos... Se bem que eu não gosto de pombos... Ou de qualquer coisa que possa me fazer doente.

Na verdade, eu tenho uma lista bem longa de coisas que eu não gosto. Vamos ver, não gosto de escuro, pombos, rosa, cortinas velhas...

- Eu não acho que seja esse o filme, Kennichi.

- É claro que é! Luz e Escuridão... Uuhh... Fala sério, consegue imaginar ela vendo outro filme?

Mas a principal coisa que eu não gosto:

- A gente não ia ver aquele de zumbis? Eu prefiro aquele.

De pessoas idiotas.

- Falou certo, nós íamos, mas nós temos que nos tornar amigos da Kyoko-chan! Afinal, ela é namorada do Kaoru!

E como sempre, a pessoa que mais atraí idiotas para perto de mim é o idiota-mor: o imbecil.

- Calem a boca e tentem encontrar a Nakamura!

- Vai ser difícil, tá escuro!

Apenas escorregue lentamente e se esconda. Não deixe que eles a vejam.

- Espera, eu tenho uma lanterna. – Por que raios ele anda com uma lanterna?!

- E por que... Ah, quem saber, nem quero saber.

E o pior é que os imbecis estavam falando alto demais, pelo menos dois deles, ao menos o Kamekyo tinha a decência de falar um pouco mais baixo, mas não estava fazendo muita diferença. Permaneci um tempo abaixada... Agora, eles estão silenciosos demais... Acho que desistiram e foram embora. Levantei um pouco a cabeça para checar, e antes que eu pudesse me dar conta uma luz forte atingiu os meus olhos e um dos imbecis gritou.

- KYOKO-CHAN À VISTA!

E minha mente entrou em uma batalha épica, entre praguejar até o quinto dos infernos por não ter ficado com a merda da cabeça abaixada e ficar impressionada pela idiotice contida naquela frase.

Kyoko-chan à vista?

Que merda é essa?!

- E aê, Kyoko-chan? – Falou Kennichi sentando ao meu lado.

- Não me chame assim. – Mandei, fechando os olhos em uma tentativa descontrolada de me controlar.

- É verdade, Kennichi. Só o Kaoru pode chamá-la assim. – Zombou Kamekyo sentando do meu outro lado.

- Ele não pode me chamar assim. – Disse mortalmente.

- Mas ele sempre chama. – Informou Haruo enquanto fazia menção de sentar do lado do tal do Kennichi.

- Nem pensar, Haruo! – Exigiu o namorado do Arata, antes que o outro se sentasse – Pode vir aqui, você vai sentar do meu lado.

- E posso saber por quê? O Haruo vai ficar do meu lado, Jiro. Pode ir tirando o cavalinho da chuva!

- Ah, não é necessário brigar por mim, rapazes. Tem Haruo para todos. – Disse em uma besta tentativa de voz sensual, enquanto enrolava uma mecha de cabelo e mantinha um biquinho tosco nos lábios.

E de novo : que merda é essa?!

- Cala a boca, Haruo! Você vai sentar do meu lado, já que você não consegue calar a boca quando senta perto do Kennichi. – Falou puxando o outro pelo braço, fazendo com que ele se sentasse.

- CALÚNIA! – Gritou o outro se levantando.

- Vocês querem, por favor, calarem a boca! – Pedi controlada. Ou quase – Ou melhor, vão embora, logo de uma vez!

- Fica calma, Nakamura. O filme ainda não começou. E nós compramos o ingresso, portanto não vamos sair.

- E daí, Kamekyo? E posso saber o que estão fazendo aqui?!

- Te seguindo, não é óbvio? – Informou Haruo sorrindo.

- E como vocês sabiam que eu estava aqui?

- Você parece ser uma pessoa que gosta de Tomohisa. – E me surpreendi por ter sido o Kennichi que falou isso.

- Quietos. Vai começar. – Avisou Kamekyo antes que eu pudesse responder.

Os trailers começaram. Os trailers terminaram. E o filme começou, o início igualzinho ao livro. “Era uma tarde chuvosa, a garota de longas madeixas negras estava sentada no chão, com as costas encostadas no grande sofá branco. Aos seus pés estava a caixa de madeira. Fazia uma hora que ela encontrara a caixa no meio dos pertences de Arisu, e fazia uma hora em que relutava em abri-la. Era isso que procurava, não?"

E não se passara nem ao menos dez minutos. Dez MÍSEROS minutos e os imbecis começaram.

- Haruo, me passa a pipoca!

- Só se você me der um pedaço do chocolate!

Eles nem ao menos tentavam falar baixo, eles simplesmente falavam como se estivessem em casa, como se eles não estivessem no cinema, como se as pessoas não quisessem ver a porra do filme que passava, mesmo que elas tivessem gastado 500yenes² com o ingresso!

- Vocês querem calar a boca? – Sussurrou Kamekyo. É, realmente o namorado do Arata tem boas maneiras, ele ao menos tentava não incomodar os outros.

- Ah, deixa de ser chato, Jii-chan! Faça algo útil e passa a pipoca pro Kennichi, e pegue o chocolate também!

- Kyoko-chan, passa o chocolate pro Haruo?

Fiz o que pediram e...

- Obrigado! – Disseram os dois juntos. E nem se passou um minuto...

- Devolve pra ele, Kyoko-chan?

- Passa o chocolate de novo, Jiro!

E isso se repetiu por mais quinhentas vezes até que eu desisti, peguei o maldito chocolate dividi em dois e dei minha pipoca pra o Kennichi.

Quem sabe assim eles não calam a boca?

Ledo engano. Eles não calariam a boca nem se cortassem a língua deles. Eles desenvolveriam outra língua ou arrumariam uma forma de falar pelo nariz. Mas eles nunca calariam a boa.

Nunca!

- A principal é bonitinha, né?

- Realmente.

- Não acha, Jiro?

- Calem a boca!

- Qual é o nome dela?

- De quem?

- Da principal, ué!

Eles não calam a boca...

- Nanae.

- Não! Tô falando da atriz.

- Ah! Sabe que eu não sei? Kyoko-chan, qual é o nome dela?

- AH! Lembrei, Kennichi, é a Takeda Kanae!

- Aquela da novela?!

- É verdade, ela fez aquela novela das oito, né? Mas eu esqueci o nome da novela.

Eles não calam a boca.

- Era Hello, dear. Bem legal. Minha irmã gostava de ver.

- É verdade, como vai a Yue-chan?

- Eu já disse pra não chamá-la assim, Haruo!

- Você é muito super-protetor. A sua irmã já é adulta, se não percebeu.

- Elas crescem tão rápido! –Disse em uma voz dramática.

Eles não calam a boca!

- Ela é mais velha que você, Kennichi! –Oh, não. O Kamekyo está sendo atraído pela idiotice. Resista, Kamekyo, resista!

- Ainda assim. Crescem tão rápido.

- Mulheres crescem muito rápido mesmo, né? Tendem a crescer mais rápido que a gente, pelo menos na questão de maturidade.

- É, a minha Kazumi-chan é muito madura e inteligente.

- Pare de falar da Kazumi-chan, Kennichi.

- Já disse que para vocês é Manami-san, seus pervertidos!

ELES NÃO CALAM A BOCA!

- Se não sabe eu tenho namorada, Kennichi. – Namorada? Não seria namorado?

- Verdade, o único encalhado é o aqui é o Haruo.

- HEY!

- Não estamos mentindo...

- Mas não precisam falar isso na frente da Kyoko-chan.

ELES NÃO CALAM AS MALDITAS BOCAS!

- Ela não se importa. Aposto até que se você pedir com jeitinho ela te arruma uma amiga.

- Você faria isso, Kyoko-chan?

- Ah meu Deus, ele está desesperado!

- Cala boca!

E então os dois começaram uma guerra de pipoca. UMA GUERRA DE PIPOCA!

QUANTOS ANOS ELES TEM AFINAL?!

E... Ah, não... Ah, não. Ah, não! Não me diga que eu estou ouvindo um celular tocando! Por favor, me diga que eu apenas estou ficando surda porque meus nervos auditivos, em um ato de auto-piedade, resolveram se suicidar para pararem de ouvir idiotices, e é só por causa disso que eu estou ouvindo essa música irritante!

Por favor!

- Ah, a Kazumi-chan tá ligando.

NÃO!

NÃO!

E ele abriu o celular

– Kazumi-chan! Como está, meu amor? Que bom! Agora eu estou melhor! Não, não estou ocupado! Você quer que eu faça alguma coisa? Ah, eu também estava com saudades, meu docinho. Pode deixar que depois eu vou para a sua casa. Estou no cinema, meu amor. Não, que é isso, não está atrapalhando coisíssima nenhuma. – Coisíssima nenhuma? – Falar com você faz com que o meu dia clareie, meu amor! Sua voz é o mesmo que o canto dos anjos para mim! Não, é melhor que o canto dos anjos! É sim, meu...

- Kamekyo. – Disse ainda olhando para o telão.

- Nakamura. – Respondeu em uma voz sufocada.

- Tire o celular desse imbecil, se você quiser que o seu amigo consiga acordar amanhã.

Mas antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, eu senti, mais uma vez, uma luz forte atingindo os meus olhos. E antes que eu percebesse, um dos funcionários pedia para nós nos retirarmos e eu ouvia os aplausos daqueles que ainda poderiam ver o filme.

Nunca pensei que passaria por tal humilhação.

Olhei atravessado para o Kamekyo que estava ao meu lado... Oh, eles estão tão, mas tão, ferrados!

- Prepare-se, Kamekyo. Prepare-se. – Disse baixo para que nenhum dos dois conseguissem nos ouvir, não que eles estivessem muito preocupados...

Eles continuavam conversando. E ainda tiveram a cara de pau agradecer aos aplausos, como se estes tivessem sido para eles.

Deplorável.

- Vocês vão me reembolsar. – Disse assim que saímos da sala e entramos na praça de alimentação.

- Como? – Perguntou Haruo

- Vão me re-em-bol-sar o maldito ingresso do filme, que GRAÇAS AS VOSSAS ALTEZAS, eu não vi! – Falei olhando para cada um deles e...

O filho da puta nem ao menos tinha desligado o celular ainda!

- Kennichi? – Chamei.

- Espera um pouco, sim, meu amor. O que foi, Kyoko-chan? – Perguntou retirando um pouco o celular o rosto.

Perfeito.

Peguei o celular e em um rápido movimento o joguei com força no chão, o som do aparelho caindo sendo ouvido por todos em um raio de 100 metros. Só assim para controlar a minha raiva.

- KAZUMI-CHAN! – Gritou o imbecil se jogando no chão para salvar as peças do celular.

- E agradeça por essa não ser sua cabeça.

E antes que eles pudessem fazer qualquer coisa comecei a andar em direção às escadas. Iria para o trabalho, mesmo que meu expediente ainda não tenha começado. Mas quem se importa? Lá é o único lugar em que meus neurônios estão a salvo.

- Kyoko-chan!

Ah, não. Por favor, não.

- Ah, é só você Arata. – Deixei escapar, assim que me virei, olhando para ele com um grande alívio.

- E quem mais te chama de Kyoko-chan? – Perguntou curioso, enquanto voltávamos a caminhar.

- Os dois imbecis. E o imbecil mor.

- Imbecis? Não me diga que o imbecil mor é o Kaoru.

- Parabéns você acertou.

- Você devia parar de chamar as pessoas de imbecis, Kyoko-chan. Ou melhor, você devia parar de usar adjetivos pejorativos em geral.

- Há! Olha só quem fala, quem é que, ontem, chamou o professor de geografia de filho da mãe e falou que sei lá quem é um baka? – Falei me lembrando da conversa de ontem.

- Hey. Isso é diferente. Eu tinha meus motivos.

- E eu não tenho?

- Ter, tem. Mas não são motivos aceitáveis!

- Ah, cala a boca, Arata.

- Só estou falando a verdade, você devia dar uma chance ao Kaoru.

- Eu já dei, eu estou fingindo namorar com ele, Arata!

- Mas ainda continua chamando ele de imbecil e não deixando que ele mostre como ele é legal pra você.

- Quer saber por que ele não consegue provar que é legal? Porque ele não é.

- Quieta!

- OK, parou. Mas me diga. Por que você estava tão irritado ontem? – Perguntei assim que chegamos à livraria.

- Nada demais.

- OK, se não quer me contar... – Falei fazendo uma voz magoada.

- Tudo bem. Eu conto, mas antes vai se trocar, ok? E depois me encontra na sessão de suspense. – Falou, enquanto me empurrava para o vestiário feminino e sumia, logo depois.

Agora eu fiquei curiosa...

Depois de me trocar e amarrar o meu cabelo, aproveitei para falar com o Hajime-ojii-san sobre as minhas férias e após tudo resolvido, subi as escadas até a sessão. E lá estava ele, arrumando alguns livros que tinham chegado.

- E então? Vai me contar? – Perguntei, enquanto pegava dois livros para ajudá-lo.

- Não era realmente nada demais. É só que não fomos nós que escolhemos os grupos, entende? O professor simplesmente nos arrumou de uma forma que achou melhor. E no final eu saí com a pessoa com quem eu menos gostaria de ter caído.

- Que azar... Mas qual o problema dele?

- Ele fica dando em cima de mim, todo o dia!  – Falou em uma voz comicamente exagerada – Acredita que foi ele quem começou com esse troço de “Ara-chan”. Por causa dele, esse é meu apelido em toda aquela escola. E você sabe o quanto é humilhante vê um bando de caras, já que o colégio é só masculino, me chamando assim?! Se fossem as garotas, tudo bem, já estou até acostumado, mas fala sério!

- Então você não gosta mesmo dele?

- ISSO MESMO! Ele sim é um imbecil!

- Certo, mas vamos mudar de assunto para você não ficar tão irritado. O undokai do nosso colégio vai ser neste fim de semana, lá no clube do colégio. Vai estar aberto pra familiares e amigos... Vai querer ir?

- Ah, não sei. Seria bem legal, mas eu tinha que terminar um trabalho de biologia...

- Acho que eu vou colocar o Kamekyo na natação. – Disse, em um não existente tom de inocência – Que pena, não queria que você perdesse isso.

- Tá falando sério?

- Estou.

- Como você é má, Kyoko-chan! Como eu posso dizer não depois disso?! E... Ah... – Suspirou mais uma vez – Eu nunca o vi sem camisa, mas tenho certeza que ele tem um corpo bonito... Ele faz karatê, sabia?

- Sim. Pedi para todos eles respondessem uma perguntas e uma delas era atividades extracurriculares...

- Uma ficha?

- Isso.

- Me mostra a dele depois?!

- Arata!

- Por favor!

- Eu vou...

- Com licença?! – O quê?

- Akira?

- Oi, Kyoko.

- Ah, você já conhece o Arata, não? – Falei, apontando para o moreno que até agora se encontrava petrificado...

- Claro. – Disse Akira, com um sorriso cordial – É um prazer revê-lo, Arata-san.

E depois não sabe por que tem tantas garotas caindo aos seus pés.

- O-o prazer é todo o meu, Nakamura-san. – Disse o outro em um fiapo de voz. Ah, só falta ELE cair aos pés do Akira. Kami-sama, nem quero imaginar isso...

E quando eu percebi um silêncio desconfortável surgiu entre nós três. O que estranho, já que o Arata nunca cala a boca, a não ser que... Olhei para ele e, infelizmente, minha predição estava certa... Ele estava com o olhar vago... E eu aposto a minha alma que está tendo pensamentos impuros com o meu irmão.

- Então! – Falei um pouco alto demais – O Arata é o melhor amigo do Matsuda, Akira. – Disse a primeira coisa que veio à minha cabeça.

- Mesmo? Então deve ser um garoto tão bom quanto ele. – Comentou, com um sorriso.

- Por favor, Akira, o Arata não é um monstro e muito menos um imbecil.

- Kyoko! – Repreenderam os dois em sincronia.

- Não estou mentindo...

- Kyoko. – Cortou Akira – Preciso falar com você sobre uma coisa.

- Ah, eu vou indo...

- Não precisa ir, Arata-san. Será breve.

- Mas...

- O que foi, Akira? – Interrompi o menor, vendo a seriedade nos olhos do meu irmão.

Ele fechou os olhos, suspirou e então soltou a bomba.

- Por que não me contou que está namorando o Kaoru-kun?

~~~#~~~

Estava indo com o Arata para a casa do imbecil. Depois que o Akira falou que sabia do maldito namoro perguntei como ele sabia, não iria negar, só ia piorar e via nos seus olhos que a minha situação já não estava muito boa. E pela minha surpresa, já que não pensava que o imbecil cometeria tal afronta, ele disse que o “Kaoru-kun” o procurara na lanchonete e contara sobre o namoro.

Assim que ele falou isso, puxei o Arata pelo braço e o levei até a saída do shopping. Tinha traçado um plano, iria para a casa do imbecil e terminaria tudo com ele, e depois descobriria onde o ser rosa estudava e contaria tudo para ela, assim como eu iria fazer no nosso colégio. Todos os imbecis iam saber que o grande Matsuda Kaoru fora traído, nem que eu tivesse que subir em um das mesas do refeitório e gritar para todo o mundo, eles saberiam. E depois, eu faria a vida dele um inferno.

O imbecil iria sofrer tanto... Conseguia até sorrir com tal pensamento.

E agora, enfrentando o temporal que começara a cair logo que saímos do metrô, andava com o Arata em direção a casa do Matsuda, já que ele, mesmo que relutante, aceitara me levar à casa do imbecil.

- Kyoko-chan. – Disse – Fique calma, não vá fazer nenhuma besteira, ok?

- Sinto muito, Arata. Mas não peça para ficar calma, pois eu não vou ficar! Agora me diga se ele não é um imbecil! Tente me falar isso!

- Ele não é um imbecil, apenas fez uma coisa que não deveria ter feito. – Falou calmo.

- Apenas?! Ele fez a maior coisa que ele não deveria ter feito! Ele queria uma namorada, não queria?! Pois bem, eu dei uma namorada para ele, mas, aparentemente, ele é tão estúpido que resolveu botar tudo a perder!

- Ele realmente não fez a coisa certa. Mas foi até melhor ele ter contado para o seu irmão, é melhor...

- COMO ASSIM FOI MELHOR?! – Gritei parando e o puxando pelo colarinho, ficando como rosto quase colocado no dele – COMO VOCÊ PODE DIZER QUE FOI MELHOR?! VOCÊ ESTAVA LÁ, NÃO ESTAVA?! ENTÃO VOCÊ DEVE TER VISTO A CARA DELE!

- Fica calma, Kyoko-chan. – Pediu segurando as minhas mãos – Ele não estava bravo com você.

- Eu não me importo se ele está ou não está bravo comigo, Arata. – Expliquei, o soltando e voltando a andar – Eu, na verdade, prefiro que ele fique bravo. Que ele grite, que ele me xingue. Mas não era bravo que ele estava, Arata, não era bravo. – Sussurrei, lembrando do que vi nos olhos dele.

- Ele nunca te xingaria, Kyoko-chan.

- EU SEI QUE NÃO, ARATA! Mas... Mas eu preferiria que xingasse... Porque o que eu vi... O que eu vi nos olhos dele, é algo que nunca queria ter visto de novo.

- E... E o que você viu?

- Decepção, Arata. Decepção.

E a partir daí andamos em silêncio até ao nosso destino. Era uma casa grande, bonita, o estilo ocidental... Mas isso não importa, eu não estou aqui para apreciar a arquitetura da maldita casa. Estou aqui para fazer uma pessoa sofrer, estou aqui para fazer aquele filho da puta maldizer o dia em que nasceu.

Paramos em frente ao portão, e esperei o Arata falar com seja quem for pelo interfone. Ele murmurou um obrigado, e a portão de ferro se abriu. Entramos e fomos andando rápido até a porta de entrada da casa, que, para a minha surpresa, já estava aberta, com uma senhora perto dela, esperando a nossa chegada.

- Olá, Momiji. – Cumprimentou Arata, enquanto entrávamos – O Kaoru está?

- Está no quarto. Está tudo bem, Arata-san? – Perguntou, provavelmente estranhando a cara séria dele.

- Está sim, Momiji. Ah, essa é Nakamura Kyoko, a namorada do Kaoru.

- Muito prazer, Nakamura-san. Sou a governanta da casa, Arai Momiji.

- Muito prazer. – Falei pela primeira vez. Tentando ser um pouco cordial com ela, afinal, ela não era culpada de nada.

- Poderíamos ir até o quarto do Kaoru?

- Fiquem à vontade. Você sabe o caminho, não sabe, Arata-san?

- Claro, obrigada Momiji. – Agradeceu indo em direção às escadas, e antes que eu o seguisse dei agradeci à mulher com um pequeno aceno.

Alcancei o Arata no meio da escada. E juntos fomos até um dos muitos quartos daquela casa. Ele parou em frente a uma porta, bateu levemente nela, e me disse.

- É esse o quarto. Eu vou estar lá embaixo, imagino que precise falar com ele sozinha.

- Obrigada. – Murmurei já abrindo a porta do quarto...

E lá estava ele. Esse ser odioso e prepotente. Estava sentado no chão, apenas com uma calça jeans, as costas encostadas a um sofá, e com um controle de vídeo-game em uma das mãos, enquanto a outra levava o refrigerante à boca. Poderia ser mais desprezível?

- Matsuda. – Falei, denunciando a minha presença.

- Kyo... – Tentou falar, mas acho que o susto fez com que ele se engasgasse, espero que ele não morra asfixiado. Seria muito fácil, muito cômodo... Ele tossiu mais um pouco e levantou, olhando incrédulo para mim.

Desprezível...

- O que você está fazendo aqui?! – Perguntou colocando um dos controles na mesa.

- O que acha que eu estou aqui, imbecil?

- Eu...

- Eu não disse para ficar longe do Akira? – Questionei me aproximando, olhando fixamente para ele e rindo internamente quando ele recuou – Está com medo? Isso é curioso, não? Se sabia que na hora h, ficaria com medo, por que se arriscou tanto? Se sabia que na hora h você recuaria com o filhinho de papai que é, por que foi falar com Akira? Por que foi falar para ele sobre essa merda desse namoro?!

- Olha, Ky...

Desprezível...

- Cale a boca. CALE ESSA MALDITA BOCA! – Gritei o encarando, desejando com todas as minhas forças, que uma faca aparecesse em minhas mãos e que eu pudesse retalhá-lo lenta e dolorosamente. E assim, vi quando suas pernas fraquejaram e ele foi ao chão – Há! Está com tanto medo assim?

Peguei o seu braço e o empurrei para sentar no sofá. Assim, conseguindo ficar de frente para ele.

- Está tudo acabado. – Disse pausadamente – E se prepare porque o seu reino vai acabar, porque o grande Matsuda Kaoru vai cair. Por você ter falado com o Akira, mas principalmente, por ter falado sobre esse “namoro” – E por você ter me obrigado a ver mais uma vez aquele olhar – você está realmente ferrado.

- Kyoko, eu...

- Cale a boca! Eu vou falar com a Ichikawa, e vou contar para todo o colégio que você foi chifrado pela sua namorada, e, como o ser patético que é, veio pedir a minha ajuda, pois não é capaz de encontrar uma namorada de verdade. Como será que todos vão reagir? – Perguntei deleitosamente vendo os olhos arregalados – Pena? Humor? Decepção, por saberem que o Grande Matsuda não é nada mais que um garotinho desprezível que não consegue lutar por si mesmo? Que tem que se esconder atrás de falsa namorada que nunca vai nutrir um sentimento por você?  Além, de ódio e desgosto, é claro.

“Mas, sabe? Agora, eu entendo a Ichikawa... Você não oferece mesmo nenhum benefício a ninguém. Você é um covarde que se esconde atrás do nome e do dinheiro do seu pai, e que nem ao menos honra a própria palavra. Quem poderia gostar de uma pessoa assim? Sem caráter, sem princípios... Você é repugnante.

“Antes eu apenas não gostava do seu perfume e da sua atitude prepotente, mas ainda achava que bem, mas bem lá no fundo, tinha uma razão pelo Arata sempre te elogiar e por querer tanto o seu bem. Mas vejo que ele só se preocupa com você, porque é inocente demais e acredita no melhor das pessoas, não conseguindo ver o quão deplorável você é.

“Uma pessoa prepotente, uma pessoa ignorante, uma pessoa egoísta, não importa o quão ruim seja o adjetivo que a descreve, você é o pior. Você é, simplesmente, o pior de todos. Sabe por quê? Porque antes ser prepotente, antes ser ignorante ou egoísta, o pior é nem ao menos ter a dignidade de cumprir com as suas promessas e fazer valer as suas palavras.

“Você é o pior tipo de pessoa existente.”

- Eu...

- Cale a boca. Eu vou te dar dois dias, dois dias, nada mais, nada menos, para você mesmo ter a coragem de ir contar a verdade para os seus amigos e para a Ichikawa. Depois desse prazo vou ser eu quem vai contar, e acredite, vai ser pior. E não apenas isso, por ter interferido na minha relação com o Akira, eu vou tornar a sua vida um inferno. Eu não estou brincando, não estou exagerando. Você vai desejar nunca ter nascido.

E com isso eu saí do quarto, deixando para trás um imbecil estupefaço no sofá.

E, eu não sei por que, mas essa conversa me deixou muito melhor. Agora era só descer as escadas, ir para casa e contar a verdade o Akira, além de pedir desculpas por não ter falado nada. Bem, tirando a última parte até que é simples... Ou pelo menos foi o que eu pensei antes de esbarrar com o dono da casa nas escadas.

O pai do imbecil.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹ - Undokai – uma espécie de gincana.

² - 500 yenes – Vale mais ou menos 10 reais.

³ - Oh, sweet lord, what the fuck? – Oh, doce senhor, que porra é essa?

Me desculpem pelo atraso (Camihii)!
Mas podem deixar q eu vou tentar parar com isso! >< Agora é a Luh! 8D Alguém tá feliz? 8D Desculpa gente, serio mesmo, mas esses ultimos dois meses foram um tormento, tanto pra mim quanto pra Camihii. Provas da escola, provas para novas escolas, provas pra facu... Não consegui escrever uma palavra de historia nenhuma minha, postada aqui ou não. Nem os reviews eu respondi! Perdãããão... Mas essas ferias teremos mais tempo e vamos apressas as coisas! õ9 Obrigada a todos que ainda nos acompanham, desculpem os atrasos, boas ferias, e não se esqueçam do reviews... mesmo que não estejamos merecendo tanto --'



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Kowai no Ai Suru" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.