Kowai no Ai Suru escrita por Camihii, Luh Black


Capítulo 1
Dama Negra


Notas iniciais do capítulo

A história é da Luh e da Camihii, nem venha pegar nada aqui, ok?



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Um grito agudo e desesperado. Um barulho fino e agonizante. O forte solavanco. Uma dor intensa na cabeça. E o escorrer do líquido morno no pescoço. Inconscientemente minha mão vai em direção ao molhado. Vermelho. Sangue. Lágrimas. Escuridão.

Estou molhada. Suando frio. Me sento na cama, abrindo os olhos. Tudo está escuro. Negro. Estou com medo. A escuridão está me rodeando, me consumindo ao poucos. Estou com medo, muito medo. Alguém me ajude, por favor, eu imploro. Está se aproximando. Não chegue perto! Não! Meu rosto está molhado, estou chorando? Agarro a cabeça e fecho os olhos com força, tentando me proteger, mas a escuridão continua. Não quero ver. A escuridão vai me consumir. Está me puxando. Eu não quero. Por favor. Por favor...

- Ahhhhhhhhhhhhhhhh! – Por favor...

A porta bate e a luz acende. Está claro agora. Olho para a porta. Nii-san. Obrigada...

- Kyoko!? Você está bem Kyoko?! – Ele me pergunta, me sacudindo pelos ombros – Por favor, Kyoko! Responda!

- Nii-san! – Solucei.

O abraçei com força, chorando como uma criançinha de sete anos. Ele me envolveu com seus braços e beijou o topo da minha cabeça. Me aconcheguei colocando o meu rosto em seu peito.

- Vai ficar tudo bem. Fica calma, certo? – Ele falava, tentando me acalmar.

Devemos ter ficado assim por muito tempo. Eu chorando e ele me acalmando, até eu cair no sono e ele ir embora dormir.

 

~~~#~~~

 

- Kyoko? Você está bem?

Olhei para o lado. Meu irmão estava me olhando preocupado. Provavelmente por causa do episódio noturno. Apesar de isso ocorrer todas as noites, Akira ainda fica preocupado. Ou talvez, o fato de isso ocorrer sempre o deixe assim. Não sei, um palpite apenas.

- Não fique preocupado. Eu estou bem. – Menti. Eu nunca estou bem. O mesmo pesadelo todas as noites, o medo profundo do escuro, e a falta de confiança em todas as pessoas que não sejam o meu irmão. Tudo isso me deixa arrasada. Cansada.

- Está bom então. – Ele disse bagunçando o meu cabelo e sorrindo.

Akira era o melhor irmão de todos. Sempre comigo, me ajudando e sendo paciente. Me acolhia a noite. Até me acompanhava no caminho para escola, e eu gostava, mesmo eu tendo que acordar 50 minutos mais cedo, já que Akira me levava quando ia ao seu trabalho. Era bom passar um tempo com ele. O caminho para o colégio era longo, já que morávamos em um pequeno apartamento no centro, e eu havia conseguido bolsa integral no melhor e mais caro colégio de Tokyo, que por sua vez ficava em um bairro apenas para ricos, muito longe de casa.

- Vai pra faculdade hoje? – Perguntei arrumando o meu cabelo.

- Vou. Depois do trabalho. Não vai ficar sem comer, hein! – Falou. Akira trabalhava em uma lanchonete no shopping de tarde, e a noite, fazia faculdade de robótica.

- Certo. Eu passo no mercado e compro alguma coisa. Vou fazer soba, okay? Daí você esquenta e come quando chegar. A não ser que aconteça a mesma coisa do mês passado. Qual era o nome da garota mesmo?

- Kyoko! – Ele gritou me repreendendo.

Ri. E ele me acompanhou.

- Não, mas é sério. Qual é o nome da garota?

- Kyoko.

- Vai fala! – Insisti empurrando-o.

- Natsumi. – respondeu baixinho corando.

- Não sei por que está tão envergonhado. Comeu de graça.

- Kyoko!

Ri novamente. O fato é que há um mês. Uma garota, a tal Natsumi, convidou Akira pra jantar quando ele se preparava para sair da faculdade. Após tanta insistência da garota, ele acabou aceitando e os dois foram para um pequeno restaurante. Comeram e conversaram, mas na hora da conta, tamanha foi à vontade da garota de pagar, que Akira comeu de graça.

Mas, o pior – ou melhor, depende do ponto de vista, é que essa não foi a primeira a chamá-lo pra sair assim de repente. O que não é muita surpresa. Akira além de ser gentil, divertido e inteligente, é extremamente bonito. Com seus exatos 1,84, corpo atlético, pele clara, lindos olhos azuis e cabelos negros, fazia a maioria das garotas suspirarem de amor.

- Chegamos. – Avisei.

- Certo. Até! – Ele se despediu, beijando a minha testa. – Comporte-se, hein!

- Não peça coisas impossíveis. – Brinquei.

O acompanhei com o olhar. E quando o vi cruzar a esquina, adentrei nos territórios do inferno. O prestígio e a beleza do lugar davam um falso ar de elegância à escola, que não passava de um grande zoológico. Dei a volta nos prédios, e fui pra os fundos do colégio. Mas, o mais estranho é que durante todo esse percurso, senti alguém me observando.

Suspirei quando cheguei ao meu local favorito naquele cárcere, que atendia pelo nome de Gakuen Campbell. No fundo da escola havia uma enorme sakura. Sua sombra era perfeita para se esperar o começo da aula. Me sentei, pegando o meu MP3 e o meu caderno de desenhos. Olhei para os lados, eu jurava que tinha alguém me olhando! Ahhh... Kyoko, você deve estar ficando louca! Não tem ninguém aqui além de você, e alguns professores e funcionários da escola. Não neste horário.

Começei a desenhar. Uma roupa como sempre. Aquele caderno estava cheio desenhos de roupas e acessórios. Todos no estilo Gothic Lolit. Quando saísse do colégio, pretendia abrir uma loja de roupas, já tinha até o nome e o desenho da marca. Jigoku no Yume¹, com um gato preto de cartola e coleira rendadas.

- Kyoko! Arf... Vamos! Arf... Você tem que... Arf... se preparar... Arf... para a apresentação!

Olhei para onde vinha à voz, mesmo já sabendo quem era o dono dela. Yuki estava na minha frente, ofegante, com as mãos apoiadas nas pernas.

- Mas, já? Sério? Não é possível! Que horas são? – Perguntei assustada puxando a sua mão.

Wow... Mais uma vez, Akira estava certo. Eu não via a hora passar quando desenhava! Peguei minhas coisas rapidamente, enquanto falava para o Yuki ir indo. Ele representaria o 3º ano, na cerimônia, não poderia se atrasar. Principalmente, se fosse minha culpa.

- Nem pensar. Vou com você. Aliás, a apresentação do 2º é antes que a minha.

- Tá, tá! – disse o puxando – Vamos!

Yuki é uma das únicas pessoas, não ele é a única, da escola que não tem medo de mim.  O que é bom. Significa que ele me respeita, não porque tem medo de mim, mas sim porque me conhece de verdade.

Nos conhecemos ano passado no clube de literatura, um clube bem vazio na verdade. Só tinha ele, que é o criador, uma garota e eu. Veja que ridículo! Um clube de LITERATURA vazio desse jeito! Horrível! Ler é tão bom! Mas, então, a garota saiu. Achei que era porque eu entrei. Mas, segundo o Yuki, a garota só entrara no clube por causa dele. Ela tinha uma queda pelo coitado. O que não é não é surpresa, ele é lindo. Olhos mel e cabelo castanho claro, alto, corpo atlético e blá, blá, blá. Mas, voltando, depois que ela fora rejeitada, saíra do clube.

- Chegamos! – ele gritou para a diretora, enquanto me puxava para o palco.

O salão estava vazio agora. A cerimônia não começara, mas os representantes foram instruídos a aparecer no salão vinte minutos antes. Acho que para a preparação.

- Ótimo! – Ela disse – É só ficarem sentados aqui, e quando chamarem o seu ano, vocês se levantam, vão ao palanque e apresentam o discurso!

Me sentei na cadeira entre o Yuki e a representante do 1º ano. Os alunos - animais como eu preferia chamar - entraram e se sentaram, enquanto a diretora começava com o seu monótono discurso. E como sempre fazia nessas horas, em que o tédio prevalecia, começei a brisar. Só voltei da lua quando a do 1º ano tinha acabado e era a minha vez. Levantei calmamente e começei a falar com entusiasmo, ou pelo menos era o que eu queria demonstrar.

- Meu nome é Nakamura Kyoko, represento o 2º ano. – E assim começou o monólogo, aquele discurso sem sentido, e hipócrita quando saía da minha boca: “Vamos aproveitar esse ano, fazer amizades nos focando no aprendizado e amadurecimento de blá, blá, blá”, como se eu fosse fazer amizades.

Aliás, como eu poderia fazer amizades com essas bestas que povoam esse troço chamado colégio? Elas têm medo de mim, um medo baseado em boatos ridículos que eu ouvia o tempo todo. Agora mesmo, esse era assunto em todo o salão. Os “veteranos” informavam os “novatos” sobre o monstro que eu era, “Ela foi expulsa do primário por ter destruído toda a sala quando foi contrariada” ou “Fiquei sabendo que ela matou os pais quando pequena”. Boatos sem um mínimo de noção.

Me curvei, agradecendo pela “atenção” e desejando que todos tivessem um ótimo ano letivo, quando na verdade eu queria mandá-los vivos para o inferno. Aplaudiram, acho que por medo, não com certeza era por medo.

Depois do último discurso, a cerimônia acabara e os professores nos mandaram ir para nossas respectivas salas. Como não havia visto a organização das classes ainda, fui para a entrada do prédio ver as listas. Chegando lá, os alunos imediatamente se calaram e deram espaço para a “Dama Negra”, como eles me chamavam, incrível a criatividade dos seres, não? Apenas vi o meu nome e entrei no prédio, não ficaria vendo quem caiu comigo, isso não me importava nem um pouco.

No corredor, as pessoas simplesmente deixavam a passagem livre para mim. O que o medo não faz? Parei na frente de uma das salas, olhando para a placa em cima da mesma. 2º A, era essa mesmo. Abri a porta e entrei. Toda sala ficou em silêncio rapidamente, quero dizer, quase toda. Havia uma novata que continuara falando, estranhando o silêncio repentino. Procurei uma carteira perto da janela, infelizmente estavam todas ocupadas, mas isso não era um problema. Em passos lentos, fui até a do fundo, coloquei minha mala nela e me virei para a classe.

- Quem senta aqui? – Perguntei.

Uma pequena garota foi em minha direção, acho que se chama Satoko, fora da minha classe anterior, uma boa garota, seria gentil com ela. Peguei a mala dela e a coloquei na sua mão, enquanto dizia.

- Saia!

Ela correu, literalmente correu para as suas amigas. Impressionante, eu só falei saia! Que medo irracional...

Me sentei na mesa e peguei me caderno de desenhos, meu amado caderno de desenhos. Os alunos, já começavam a novamente conversar, provavelmente falando de como eu sou um monstro, e coisas que já estou acostumada a ouvir.

- Hey! – Ouvi uma voz irritantemente fina. E o silêncio novamente pairou.

Lentamente, levantei meu olhar para o ser incômodo na minha frente. Era a novata. Entendi o porquê dela estar falando comigo, qualquer um teria medo. Mas como ela não sabe da minha fama... ou talvez ela seja burra e não tenha visto que não sou exatamente uma mera estudante aqui.

- Saito Hikari. – ela se apresentou – E você é?

Sério? Quem essa garota pensa que é? Me atrapalhar quando eu vou desenhar, só pra se apresentar?! Por que eu me importaria em saber que ela é? Ahh, é verdade, não tem motivo! Com isso em mente abaixei o meu olhar para o meu caderno novamente.

- Quem você pensa que é? – Ela deve ter ficado aborrecida por tê-la ignorado – Esse lugar é da Saa-chan. E que roupas são essas? E essas unhas? Esse é um colégio de prestígio, o melhor em toda a região! E nele não é permitido nem um tipo de mudança no uniforme! E muito menos unhas pintadas de preto! Quem você pensa que é? Acha que é melhor que todos os alunos?

Nessa hora a professora já tinha chegado, Nakajima Akane, professora de História. E como todos os alunos ela estava em silêncio... A garota percebendo a chegada da sensei, virou para ela e falou.

- Sensei! Essa garota está totalmente inadequada para a aula. Sua aparência está violando todas as normas educacionais do colégio!

A professora ficou sem jeito, o fato, é que não só os alunos têm medo de mim, mas os professores também. E é por isso que eu me visto como eu quero.

- Não é justo que ela possa mudar o uniforme e pintar as unhas, e nós não! – Ela continuou.

Ahhh... Entendi. Ela não fazia esse alvoroço porque era contra as regras, mas sim porque queria poder modificar o uniforme. Aposto que apareceria com a saia curta, a blusa apertada e unhas rosa. Totalmente diferente de mim, que uso a saia preta com renda em baixo, a jaqueta amarrada na cintura, a camisa branca normal, polaina. E sim, as unhas pretas.

- E daí? – disse simplesmente, enquanto a encarava com um décimo do meu famoso olhar terrorífico.

Foi engraçado. Os olhos dela dilataram, ela engoliu seco e saiu correndo pra mesa. Lembra, quando eu disse que o medo era baseado em boatos ridículos? Bem, não é apenas isso. O olhar terrorífico também ajuda.

- Bem classe. A maioria já me conhece, devido ao ano passado. Mas, para os novatos, eu sou Nakajima Akane, professora de história. Por favor, quero que a Saito-san e o Matsuda-san venham para frente da classe se apresentar.

Eu ouvi suspiros? Não sério. Eu juro que ouvi suspiros. Olhei em volta, as garotas olhavam fixamente para frente, onde os dois novatos estavam. Ah... Os suspiros eram das garotas... Humilhações do sexo feminino, onde já se viu suspirar por um garoto que elas nem ao menos conheciam direito. Deixa pra lá... É melhor eu desenhar.

- Prazer, eu sou Matsuda Kaoru, tenho 16 anos. – Um espartilho de couro vermelho por cima do vestido – Estudava no blá, blá, blá – Meia preta e uma bota de salto plataforma. Vermelha ou preta?

- Prazer, eu sou Saito Hikari, tenho blá, blá, blá. – Acho preta ficaria melhor, mas, quem sabe uma liga preta de couro. – Estudava blá, blá, blá.  – Acho que ficaria melhor tudo preto, só os babados e o espartilho de vermelho. – É um prazer conhecê-los! – Certamente! Só os babados e o espartilho de vermelho, assim dá mais destaque.

- Muito obrigada, podem se sentar. – Disse Akane. – Bem vamos começar a aula! – Ohhh. Tá ficando ótima. Precisa de uma finalização! Uma cartola, é isso!

- Você viu como ele é lindo? – Ouvi alguém sussurrando. Mais especificamente, uma garota.

- Aham! No antigo colégio, segundo a minha amiga, ele era o garoto mais popular. Ficava com praticamente todas as garotas! Até uma professora! – Oh Kami-sama, não acredito que já estão começando com os boatos. Sabe? Odeio boatos! Já que a maioria são mentiras, e mesmo se fossem verdade, ninguém precisa se meter na vida dos outros.

- Mas com aqueles olhos, qualquer uma se apaixona! Ahhh.. Ele é perfeito! – Por favor, são apenas olhos. O garoto é bonito, um pouco apenas. Cabelos castanhos escuros, olhos verdes e estatura média. Mas dizer que ele é perfeito?!

- Maravilhoso! É capaz até da Kyoko se apaixonar! – Okay, agora elas estão enchendo! Como se eu fosse me apaixonar!

- Você viu como aquela garota é louca? – Falou o garoto na minha frente.

- Ela quer morrer, imagina! Desafiar a Kyoko daquela maneira! – Eles têm razão, a garota não sabia  o que estava fazendo, mas falar que eu poderia matá-la já é exagero. Posso ser tudo, mas não uma assassina.  

- Mas, ela é novata coitada. Se bem que, agora, ela nem chega perto da Kyoko. – Zombou o outro. Viram, eles têm medo de mim? Um medo um tanto irracional, mas um medo.

 

~~~#~~~

 

Ahhh... Almoço! Finalmente! Tô morrendo de fome! Acho que antes vou dar uma passada no banheiro... Me levantei, pegando o meu obento e indo em direção ao banheiro feminino. E como sempre, assim que eu entrei todas saíram. Bem fazer o quê?

Malditos! Têm malditos na MINHA mesa! Sim, eu tenho uma mesa no refeitório do colégio. Uma mesa perfeita. No canto, longe das portas, mas perto das janelas. Uma mesa, que ninguém se atreve a sentar. Pelo menos os que já estão no colégio à algum tempo. Mas, voltando... Minha mesa está ocupada, mas isso não é um problema. Não para mim!

Andei lentamente até o lugar. Perto da mesa havia um grupo de veteranos do meu ano. Um – acho que Sakamoto é o nome dele – foi na direção dela. E falou algo para os novatos. Eu só ouvi a última parte, quando estava perto o suficiente. E o que ouvi foi o meu nome. Olhei para os garotos, um décimo do meu famoso olhar terrorifico novamente e me sentei. Logo que sentei eles saíram... Correndo.

- Kyoko!

Yuki se sentou a minha frente, se debruçando na mesa. Enquanto eu desamarrava o nó do pano que envolvia o meu obento e abria o pote.

- Sabe? – Ele disse. – Seus obentos são muito estranhos, principalmente quando é de uma garota como você.

- Meus obentos? O que tem de estranho? – Perguntei confusa. Os meus obentos eram tão fofos. Na verdade, eu amo cozinhar e preparar obentos, é como se fosse um... Hobby.

- O que tem de estranho? – Odeio quando me respondem repetindo o que eu disse - Ah... Não sei. Talvez o porquinho feito de oniguiri e salsicha, ou talvez os “bercinhos” feitos de...

- O que tem de errado? São fofos! – Ele difamou o meu porquinho! – Como ousa difamar o meu porquinho?! – Sim, eu falei isso alto. Mas, veja. Eu demoro para fazer o meu obento, preparo tão bonitinho, daí vem um estraga prazer e fala que ele é estranho! É degradante!

- Hey, eu não difamei o seu porquinho. Eu acho bem... Ahh... Fofo. Mas, pra você fica estranho. – Estranho? – Quero dizer. É muito fofo, muito fofo mesmo. Mas, sei lá, não parece de uma pessoa forte como você.

- Ahh... Entendi. Essas coisas fofas não parecem comigo. Mas, quer saber? Eu não me importo! – Falei, comendo o meu porquinho – O único problema dos meus obentos é que eu tenho dó de comê-los!

- Certo, certo! Não sei como todos têm medo de uma problemática como você! – ele murmurou baixinho, abaixando a cabeça.

Eu tenho a leve impressão de estar sendo observada. Se bem que eu tenho isso sempre. Mas, não tem nada a ver com espíritos me rondando ou coisa parecida! Kami-sama, me livre! É que no colégio ou em todos os lugares – mas principalmente no colégio – todos ficam me olhando, por eu ser estranha, por eu dar medo nas pessoas ou coisa parecida.

 

~~~#~~~

 

Patético. Degradante. Humilhante. Ridículo. Escolha qualquer um desses adjetivos, e esse é a definição para o que eu via! Um bando de garotas histéricas, que nem são da minha classe, paradas na porta da MINHA sala, falando com o tal novato. Agora que eu tô pensando... Qual é o nome dele mesmo? Não importa. Eu não fui com a cara dele. É apenas mais um mauricinho que tem de tudo e por causa disso se acha dono do mundo. Mas o tipo dele é o pior, ele é daqueles que se fingem ser feliz o tempo todo para adquirir popularidade, mas ninguém é sempre feliz. São farsas...

- Bom dia! Eu sou Suzuki Nana, a nova professora de matemática. E a responsável pelo 2º ano A.

Acho que fiquei tanto tempo brisando, que nem percebi quando as patéticas garotas foram embora e a nova professora chegou. Ela tinha cabelos longos e ondulados e olhos castanhos, usava um óculos quadrado e o mesmo avental branco que todos os professores usam.

A nova sensei começou a aula, depois das apresentações chatas e básicas. Suzuki explicava sobre a trigonometria, enquanto eu desenhava em meu caderno. Fazendo a cartola do vestido da aula da Akane-sensei. Preto com uma fita de cetim preta, com uma rosa de couro vermelha, e rendas vermelhas sobre toda a cartola!

- Kyoko-san! – Chamou a sensei – Por favor preste atenção na aula!

Odeio começo de ano. Sempre tem alunos novos e professores novos. Sabe o que eles têm de igual? São insolentes e não sabem me respeitar!

- Estou prestando atenção sensei – Falei.

- Acho que desenhar chapéus não é prestar atenção nas aulas. – Ela desafiou.

- É uma cartola. – Como ela ousa rebaixar uma cartola? – E depois, ao contrario de muitas pessoas, consigo fazer várias coisas ao mesmo tempo. Por exemplo, a trigonometria é o ramo da matemática que estuda as relações entre os lados e os ângulos de triângulos. As duas subdivisões da trigonometria são a trigonometria plana, que estuda as figuras contidas em um plano, e a trigonometria esférica, que estuda triângulos que fazem parte da superfície de uma esfera. As primeiras aplicações da trigonometria serviram para estudos de navegação, geodésia e astronomia, para determinar uma distância inacessível que não pode ser medida de forma direta. A trigonometria plana, que estuda as figuras contidas em um plano, é utilizada, por exemplo, na medição da altura de edifícios e na construção civil, onde o que se quer representar é redesenhado de forma proporcional, em um plano 2D para que se utilize as regras da trigonometria plana. A trigonometria esférica, que se usa principalmente em navegação e astronomia, estuda triângulos esféricos, isto é, figuras formadas por arcos de circunferências máximas contidos na superfície de uma esfera. – Dei um resumo da aula, espero que isso possa calar a boca dessa daí. Ou que pelo menos ela me respeite.

- Kyoko-san, se retire da sala agora! – Mandou enquanto apoiava suas mãos na mesa.

- Não, obrigada.

- Kyoko-san, se retire da sala agora! – Ela repetiu.

- Não, obrigada.

Sabe aquelas cenas de anime, em que dois personagens se encaram, raios saem dos olhos deles e os outros ficam assustados? Bem, era mais ou menos assim que nos encontrávamos. Suzuki e eu nos encarando e o resto da sala assustados. Até que era divertido!

- Você está de castigo! Vai me encontrar no fim da aula na minha sala!

Certo. Esqueçam o que eu disse sobre divertido. Essa mulher era ridícula. Ela realmente acha que eu vou ficar de castigo? Se sim, está muito enganada!

Quando a aula acabou, fui com ela até a sua sala. Grande como todas as salas dos professores, mas incrivelmente bagunçada. Na mesa vários papéis e livros estavam espalhados, e no chão havia pilhas e mais pilhas de livros. As janelas estavam escancaradas e até havia casacos e sapatos espalhados pelo lugar!

- Kyoko-san. O seu castigo será, simplesmente botar em ordem a minha sala.

Ela só podia estar brincando comigo! Aposto que ela desarrumou toda a sala só pra me ver sofrer! Você deve estar pensando, como ela podia saber que eu ia ficar de castigo, pra desarrumar toda a sala antes de eu vir para cá, se ela nem saiu do meu lado depois do “conflito”? Bem, isso eu não sei...

- O que está esperando? – Ela perguntou sorrindo sadicamente.

Já sei! Ela é uma bruxa e tem aquelas bolas de cristais malucas que prevê o futuro! Aposto até que tem aquelas cartas de tarô ridículas e os incensos que só servem para dar dor de cabeça!

Novamente estávamos naquela famosa cena de anime dita anteriormente, que foi quebrada por uma batida importuna na porta e uma cabeça loira saindo por ela.

- Nana-sensei! A diretora pediu para chamá-la. O corpo docente está fazendo uma reunião.

- Ahh.. Sei! Kyoko-san, arrume tudo. Volto daqui a pouco!

Ela e a cabeça loira saíram, e eu logo fui planejando uma fuga. Sim, eu fugiria. Você realmente não estava achando que eu ficaria aqui, não é? Fui em direção a janela. Estávamos no segundo andar e não tinha muita gente por perto, só uns carros já que a grande maioria já deveria estar indo embora, ou em casa. Peguei minhas coisas e pulei pela janela, até que foi fácil. Corri até a entrada do colégio e fui em direção a estação de metrô, me segurando para não começar a dançar e pular como um ser alegre aproveitando a minha vitória.

O metrô, infelizmente estava cheio, mas, graças a um pouco do meu magnífico olhar, consegui um lugar. Desci e fui para o meu amado trabalho!

Eu trabalho em uma livraria enorme de três andares dentro do shopping, com grandes estantes de madeira cheias de livros, um café, seções de dvds e cds, e vários espaços de leitura espalhados pelo lugar, todos com pufes pretos e brancos!

Cheguei e fui no banheiro colocar o uniforme. Diferente do colégio, aqui eu tinha uma relação mais amigável com o pessoal, principalmente com os chefes. Dois velhinhos simpáticos, que considero avôs. Fui para o meu lugar favorito, o espaço de leitura do terceiro andar e começei a ler. Na verdade, eu não trabalho, eu fico mais lendo. Deve ser por isso que meu apelido aqui é “traça”.

- Com licença. – Alguém me chamou. Olhei para o lado e vi um garoto muito fofo, ele tinha cabelos pretos com um pouco da franja cobrindo os grandes olhos azuis, que infelizmente estavam escondidos pelas enormes lentes dos óculos – Meu nome é Takada Arata, gostaria de saber mais sobre o emprego.

Emprego? Ahh sim. Estão contratando. É verdade. Tinha esquecido... Mas... Quantos anos esse garoto tem? Ele parece ter 13. Uma pessoa não pode trabalhar com 13 anos, né?

- As Ondas. – Falei, percebendo o livro embaixo do braço do garoto.

- Ããã?! Ah sim! – Ele disse mostrando o livro – Virgínia Woolf. Já leu?

- Você já? – Perguntei estranhando, aquele era um livro complicado. Poucos da idade dele conseguiam ler, até pra mim faltou um pouco de percepção. Muito complexo trata de coisas como a passagem do tempo, o sentido da existência humana, a realidade das coisas e a morte. Esse garoto realmente conseguiu ler esse livro?

- Estou lendo. É realmente muito bom! É uma leitura introspectiva e densa, que possui uma narrativa maravilhosa e original, além de tratar de temas interessantes. Há alguns anos, ganhei o livro e li, mas, confesso. Não entendi muito. – Mostrou um pequeno e tímido sorriso - Mas, há algumas semanas, peguei o livro e senti a vida de cada personagem. O livro não conta uma história, ele sussurra uma solidão individual com maravilhosas metáforas. Os personagens exalam certezas íntimas, mas revelam um vazio onde conseguimos ocupar com nossos próprios conformismos. – Acho que ele realmente leu o livro. Ele falava com os grandes olhos azuis brilhando intensamente.

Incrível. Inteligente e fofo. Abri um sorriso e me curvei levemente.

- Nakamura Kyoko. Venha. – Disse me levantando – Vou levá-lo até os chefes.

Se Arata conseguira ler um livro desse tipo, e ainda ter tido todas essas conclusões. Ele com certeza servia para o emprego. E como eu pensei, ele foi contratado. E logo fez amizades com o pessoal. A sua fofura, inteligência e modéstia encantaram a todos.

 

~~~#~~~

 

Cheguei em casa colocando as sacolas na cozinha e indo me trocar. O dia fora cansativo demais, mas, felizmente – ou infelizmente – já estava acabando. As compras rapidamente foram guardadas e começei a fazer o jantar. Soba, como o prometido. Fazer soba era fácil, e para aquele tempo estava ótimo! Estava deixando caldo ferver quando Akira chegou.

- Tadaima! – Ele disse me dando um beijo.

- Okaeri! Chegou cedo, hein? Aconteceu alguma coisa? – Perguntei

- A última aula foi cancelada. Aconteceu alguma coisa no prédio principal, acho que um incêndio e todos os alunos foram mandados para casa.

- Ah. Alguém se machucou?

- Não sei, mas acho que não.

- Bem, soba vai estar pronto daqui a 35 minutos, vai tomando um banho.

- Hai!

Coloquei a mesa, e terminei de fazer a comida.

- Então, como foi o seu dia? – Akira perguntou, quando já estávamos comendo. – Nossa, isso tá muito bom!

- Normal, o mesmo de sempre. Depois da aula, fui para o supermercado e voltei para casa. -  Ele não sabia que eu trabalhava. Falava que eu devia me concentrar nos estudos e deixar o resto com ele. Mas, do mesmo jeito eu trabalhava, arrumava um dinheirinho para mim e para as compras de casa, às vezes. – Obrigada. Como foi o seu dia?

- Também foi normal. – Disse, enquanto colocava seu prato na pia – A aula foi engraçada, Kazuo-sensei novamente levou o Julian para a classe. – Julian era o robô do professor, um robozinho travesso que sempre estava puxando os cabelos compridos de Kazuo. – Vai tomar um banho. – Mandou, depois que eu colocara a louça na pia.

Depois do banho tomado fui para o meu quarto arrumar Emmeline, Arlete e Apollon, meus três robozinhos. Graças à faculdade de Akira, começei a me interessar por robótica e os criei. E apesar de serem feitos de aço, eu os considerava como amigos.

- Kyoko, vem. Vamos dormir. – Disse Akira, entrando no quarto.

Me deitei junto com ele na minha cama, ele sempre segurando a minha mão e afagando o meu cabelo, enquanto uma música linda e calma tocava². A melodia que eu sempre escutava quando criança. A favorita de meu pai, e minha também. Mas, que agora servia para eu conseguir adormecer sem problemas. Como um calmante. Ou simplesmente um analgésico para os pesadelos, para eu aguentar a noite. A noite fria e escura, triste e confusa.

Apenas mais uma noite de pesadelos e escuridão.

 

¹ - Jigoku no Yume. Sonhos do Inferno, ou Sonhos Infernais em japonês.

² - Scarlet (Ayashi no Ceres) - http://www.youtube.com/watch?v=S8WxOM8SpAw


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Notas finais do capítulo

Não esqueçam os reviews, hein! Faça duas pessoas felizes i.i