Maktüb escrita por VenusHalation


Capítulo 1
Capítulo 1 - Zaghareet


Notas iniciais do capítulo

Maktüb quer dizer "já estava escrito".

Zaghareet - ululação de celebração, indicando alegria em ver algo belo.



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Anoitecia, o deserto começava a mostrar os primeiros sinais de sua queda de temperatura repentina quando avistaram o topo da grande mesquita cercada dos muros de pedras imensas que indicavam, logo mais à frente, uma cidade. A pequena caravana, de quatro homens escondidos debaixo de grossas vestimentas de lã escuras, conseguiu atravessar os portões de pedra assim que a lua deu os ares de seus primeiros raios e os ventos tornaram-se completamente gélidos. As luzes fracas das lâmpadas de óleo dentro das edificações iluminaram um homem – também completamente coberto – que os aguardava do lado de dentro e os guiou todo o caminho entre as ruelas e becos até um grande local com portas de ferro.

– Aqui está o pagamento, leve os camelos e lhe darei a outra parte quando for hora de partir. – O líder da caravana entregou ao seu guia um pequeno saco e fez sinal para seus homens.

– Estarão em segurança, meu bom senhor. – O outro contava as moedas douradas dentro da saca antes de segurar as rédeas de um dos animais. – Sabe onde me encontrar.

– Eu o chamarei.

– Será um prazer. – Os olhos vistos pelas fendas do manto, mostravam um brilho muito satisfeito. – Espero que tenham uma boa estadia, meu senhor, este é o melhor Khan(¹) da cidade. – Em uma reverência clara se afastou.

O líder acompanhou o homem sumir na escuridão com as montarias e voltou a atenção para a porta, empurrando-a. Um velho homem robusto e carrancudo lançou um olhar desconfiado aos viajantes cobertos da cabeça aos pés. O líder, novamente a frente, puxou o tecido que cobria o rosto. Sob a luz das lamparinas, as feições fortes e nobres do viajante se revelaram, juntamente com os olhos cinzas como o aço de um alfanje e o longo cabelo pálido.

– Tariq! – O velho homem mudou completamente a expressão para um riso alegre e fez questão de abraçar o outro com fervor. – É um prazer tê-lo de volta!

– Emir, não aperte tanto! – Devolveu-lhes as palmadas nas costas.

– Desculpe, meu senhor, mas é uma felicidade imensa vê-lo! – Se afastou e sacudiu-lhe pelos ombros, animado. – O que traz o grande Sheikh do deserto ao meu humilde Khan?

– Não fale tão alto, meu velho, terei muito a lhe contar e tenho muito tempo ainda para tal. Agora, eu e meus amigos precisamos de um lugar para ficar. – Apontou para trás mostrando os outros três. – Estes são Zayn, Naam e Jarabi.

– É um prazer. – O mais alto dos três, denominado Naam, disse enquanto os outros dois o acompanhavam em uma reverência pomposa.

– Amigos de Tariq, são meus também. – Cumprimentou os outros três de forma tão calorosa quanto fez com o primeiro. – Venham, colocarei vocês em quartos maravilhosos!

Emir saiu empurrando animadamente os quatro jovens para dentro do aposento. Vários lustres dourados e vermelhos enfeitavam todo o local iluminando com fogo amarelado de lamaprinas, as paredes de areia cobertas de tapetes bordados e toda a agitação do centro do Khan, onde homens batiam copos de Arak(²) e soltavam brancas nuvens de fumaça produzidas pelo fumo do narguilé enquanto uma animada dupla tocava flauta e kanoun(³) ao fundo para aqueles que queriam dançar.

– Não sei como consegue abafar todo esse som lá fora! – Zayn olhou impressionado enquanto passavam pelo salão.

– Nada que grossas paredes não possam fazer, rapaz! – Emir sorriu simpático antes de puxar a pesada cortina vermelha e revelar o cômodo de almofadas em cores fortes, bordadas em dourado brilhante. – Há exatos quatro quartos mais para dentro deste cômodo, meu senhor, espero que seja do seu agrado e do agrado dos seus.

– Só pode estar brincando! – Jarabi entrou a girou deslumbrado. – Isso é como um palácio!

– É um elogio muito bom vindo de você, meu senhor, Tariq e seus homens certamente merecem o melhor. – Colocou as mãos para o alto em claro agradecimento.

– Obrigado novamente, Emir. – O prateado sorriu.

– Sei que devem estar exaustos, mas esta noite a festa lá embaixo está maravilhosa, deveriam descer logo mais, a noite está apenas começando e seria um desperdício perderem, afinal, dias no deserto não devem ser de muita diversão!

– Primeiro tiraremos esse cheiro terrível de crina de camelo e suor! – Naam arrancou por completo o pesado manto negro, ficando com as vestes brancas comuns.

– À essa hora, ficarei devendo a massagem de purificação, senhores, porém há um Hammam logo atrás daquela cortina à disposição para que possam se lavar.

– É o suficiente para nós, Emir, é até mais do que esperávamos. – Tariq apertou as duas mãos em uma concha agradecendo ao dono da estalagem.

– Antes de ir-me senhores, posso mandar preparar uma mesa para vocês na festa? O jantar está tão bom que Alá desceria de seu trono para provar, recebemos um novo carregamento de nozes hoje e matamos um cordeiro dos mais novos.

– Estou faminto! – Zayn foi o primeiro a abrir a boca, embora estivesse cansado, tinha fome e notara o interesse repentino dos outros três a menção de comida.

– Acho que você nos convenceu, Emir. – O prateado deu um sorriso mínimo.

– Vou indo, então, garantir que tudo esteja em ordem para quando forem se juntar a todos! – Passou pela cortina mostrando satisfação nos movimentos.

Os quatro homens foram deixados sozinhos e em uma pressa quase palpável, livraram-se do resto de roupas pesadas e seguiram para o Hammam(4) indicado por Emir minutos antes. Tariq entrou calmamente em uma das compridas e estreitas piscinas, sendo acompanhado por um olhar de dúvida dos outros três.

– Kunzite, se você ainda não notou, nós não sacamos como se toma banho aqui. – Jadeite reclamou.

– Escolha uma piscina e entre, não há ninguém observando, de qualquer maneira. – Afundou o corpo ainda mais na água morna, relaxando por completo. – Mas tome cuidado, elas variam de temperatura.

– Por precaução, vou entrar na mesma que você. – Nephrite enfiou-se na margem onde seu general estava sendo acompanhado pelos outros dois. – Então, qual o lance das temperaturas?

– Meu povo acredita que elimina as impurezas do corpo. Você pode fazer na ordem que desejar, mas não garanto que não terá complicações se sair de uma das piscinas de água quente e pular em uma gelada. – Mirou o teto inexpressivamente.

– Temos mesmo que usar esses nomes estranhos? – Jadeite resmungou afundando no mesmo local.

– Seria muito prudente usar nossos nomes de oficiais. – Zoisite balançou a cabeça negativamente, lógico que era sarcasmo.

– Se já recebemos esse tratamento diferente só pelo amigo do "Tariq" ali saber que ele é um rei, pense se ele soubesse que os quatro reis da terra estão sob seu teto? – O loiro mostrou um sorriso brilhante.

– Seria muito inteligente espalhar que estamos por aqui, claro, aí nos descobririam, nos matariam e sobraria apenas Endymion para vingar nossas mortes. Sim, muito sensato. – Nephrite espirrou uma boa quantidade de água no rosto de Jadeite.

– Mas podiam ser nomes menos estranhos... – Ignorou a provocação.

– Meu nome e do meu povo não são estranhos. – Kunzite mantinha apenas um dos olhos abertos. - E os nomes verdadeiro de vocês também me soam esquisitos.

– Seu povo é excêntrico, então. – Passou as mãos pelos fios loiros, deixando os cachos todos para trás.

– Claro, porque normalidade é comer insetos e macarrão. – Zoisite provocou.

– Não tomar banhos frequentes deve ser mais estranho ainda, não é? – O loiro devolveu a piadinha com escárnio. – Talvez se encher de perfume ajude!

– Ora, seu...

Uma discussão infantil era comum dos dois shitennous mais novos. Nephrite e Kunzite riam das provocações, já estavam tão acostumados que nem davam atenção. Haviam sido mandados ali por Endymion em uma missão simples, para tentar catalogar alguns locais importantes dos seus territórios. Já haviam passado pelas Américas, Europa e Extremo Oriente, o território de Kunzite, Oriente Médio, estava sendo o último e aquela cidade, mais propriamente dita a cidade onde o general nasceu, era o centro de sua missão no local.

Saíram do banho e, de fato, sentiam-se revigorados. Colocaram as túnicas bordadas sobre o corpo, recebendo instruções claras do general de como agir e do pouco que deveriam falar, deixando bem claro que árabes pareciam muito amigáveis, mas se ofendiam muito fácil. Certamente nenhum deles gostaria de ter a orelha perdida.

Chegaram ao salão central onde a festa ainda continuava animada e foram recebidos novamente pelo sorridente e hospitaleiro Emir que os entregou a uma jovem – ou pelo menos eles presumiram que era jovem a julgar pela burca que a cobria, deixando fora apenas os olhos delineados – que os guiaram a mesa baixa de pedra, rodeada de almofadões vermelhos e verdes e farta de comida.

– Meu marido insiste que fiquem aqui hoje, o show começara em breve. – Anunciou a moça apontando para o espaço vazio na frente deles. – Espero que seja de seus agrados.

– Muito obrigado. – Kunzite agradeceu. – Se puderem encher nossos copos, seria muito bem-vindo.

– Trarei em um momento, senhor. – A mulher se virou sem trocar olhares.

– Que tipo de mulher será que tem ali debaixo de toda aquela roupa? – O loiro olhou curioso.

– Você nunca saberá e nem vai querer saber. – Kunzite repreendeu. – Essa é uma das esposas de Emir e é uma honra imensa que ela nos sirva, logo, lembre-se do que falei sobre a orelha.

– Uma das? – Olhou incrédulo.

– Explico-lhe depois, agora não é a hora. – Desviou o olhar para a mesa farta, sentindo o estômago reclamar.

Barrigas cheias e copos sempre servidos, os quatro foram levados pela felicidade do local. O cansaço físico mal foi percebido quando as primeiras atrações da noite davam o ar da comemoração e tudo acontecia bem na frente deles, seu anfitrião tinha sido muito generoso. Homens que cuspiam fogo, engoliam espadas, se contorciam e faziam truques de ilusionismo. Encantadores de cobra e faquires foram chamados um a um pelo animado mestre de cerimônias, que era o próprio dono do local.

– Agora, senhores, preparem-se para o nosso número final! – Emir acendeu duas grandes piras de óleo com chamas de tonalidade azul e verde esmeralda. – Mas antes vou contar-lhes sobre as serpentes do deserto. – Os dois homens nos instrumentos começaram uma batida baixa e contínua para acompanhar a fala de Emir. – Com seu movimento sinuoso, esse animal tão temido e respeitado tem sentidos apurados e um veneno mortal, além disso, é capaz de hipnotizar sua presa antes de matá-la, envolvendo-a e sufocando-a em seu corpo. Peço para que tenham muito cuidado, pequenas presas fáceis, um do vocês pode ser a próxima caça... – Um brilho divertido passou pelos olhos do homem enquanto ele saía do palco.

A dupla de músicos se entreolharam, o homem da flauta a abandonou, pegando para si uma espécie de tambor, deixando o companheiro tocar a melodia simples e cálida no instrumento de corda sozinho. No palco uma das grandes cortinas vermelhas subira, revelando o corpo feminino virado de costas se mover graciosamente ao som das cordas, os longos cabelos dourados – presos em um rabo alto – acompanhavam o movimento dos quadris, que traziam medalhas e uma longa saia de tecido fino e branco puro, que iam um lado para o outro em ondas ritmadas. O som das cordas parou de uma vez e com ele os movimentos da mulher. As batidas do tambor começaram a encher o salão em um ritmo espaçado acompanhadas por movimentos violentos de quadris, ombros e braços que faziam as medalhas prateadas, que refletiam as chamas coloridas, das roupas da dançarina balançarem e soarem como parte da melodia. A batida ficou cada vez mais rápida, as cordas voltaram a soar indicando a intensidade da dança, ela se virou graciosamente, seus olhos fortemente marcados de negro eram azuis cerúleo. Kunzite deduziu que ela fosse encantadora, mas suas feições não podiam ser vistas, uma vez que estavam cobertas pelo véu também branco e leitoso preso acima do nariz. O colo também estava adornado de medalhas e a cintura nua – fina e definida, envolta por simples correntes de prata - acompanhava o ritmo dos instrumentos em seus movimentos sinuosos e provocantes. Cada vez que ela se aproximava da borda do palco tornava-se mais solta. Os quadris balançaram cada vez mais rápido, cada vez mais violentos até o tambor indicar uma pausa total na qual ela jogava o corpo no chão, mexendo os ombros devagar novamente. Foi quando azul cerúleo encontrou cinza gélido e não desviou-se mais.

A música voltara, a dançarina voltou a ficar de pé e Kunzite gravou cada pequeno movimento. A mulher parecia muito satisfeita com a expressão séria e desejosa do rei do oriente médio, era possível ver olhos semi-cerrados em um possível sorriso divertido enquanto não deixava de encará-lo até terminar e sumir pelas cortinas, aos aplausos estrondosos. Kunzite ainda estava imóvel.

– Acho que descer valeu a pena. – Jadeite soltou um longo assovio.

– Acho que já sei quem foi a presa fácil. – Zoisite deu um peteleco no nariz do seu superior.

– Cale a boca! – Rebateu, acordando do transe.

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1 - Khan - Estalagens àrabes usadas por viajantes, normalmente comerciantes;

2 - Arak - É uma bebida alcoólica clara, incolor, não adoçada, com sabor de anis tradicional da Palestina, Israel, Líbano, Jordânia, Iraque e da Síria. Também é conhecida como leite de camelo/leão por adquirir uma cor leitosa quando diluída.
3 - kanoun - Modelo de cítara árabe. Um dos instrumentos mais usados em musicas tradicionais da região durante séculos.
4 - Hammam - Banho que consiste em permanecer em um ambiente quente e cheio de vapor. Após algum tempo nesse ambiente, o banhista pode escolher entrar nas diversas piscinas com temperaturas variadas.


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Notas finais do capítulo

Dois dias de pesquisa e eu descobri que já odeio esse mundo eurocêntrico!
Vocês não imaginam como foi DIFÍCIL achar coisas sobre cultura árabe! Gente... Eu apelei pra revistas antigas da minha mãe - ela é formada em história - que foi onde encontrei sobre os instrumentos hahaha... Agora, vamos as notas engraçadas enquanto eu escrevia o primeiro capítulo:
— Tariq foi um nome que eu achei tacando "Nomes árabes" no google e que faz referência a estrela da manhã. Estrela da manhã... Venus... Pegou aí o joguete?
— Descobri que sultão e sheik são a mesma coisa, o que muda é data histórica. Deixei sheik porque sultão me lembrava o pai da Jasmine o tempo todo;
— Ao digitar "Sheikh" eu sempre ficava cantando mentalmente aquela música do Charlie Brown "Eu sou Sheik tenho mais de mil mulheres..." -q;
— Fiquei cantarolando "A noite no arááááábia e o dia também..." mentalmente durante uns tempos;
— Quando comecei a imaginar a cena de pessoas felizes em uma festa árabe, visualizei total os caras daquele vídeo "Tônico com Guaraná" que eu descobri que se chama "Tunak Tunak Tum" quando fui caçar no youtube. Ah! É indiano o cara que canta isso, mas quem liga?
— Falando em música, o título dessa fic é Maktub que significa "já estava escrito" e, sim, é o nome daquela música de "O Clone", me julguem. Achei digno;
— Como o google não me ajudou muito e as informações são terríveis, e pode ser que os árabes saiam meio indianos ou turcos(olha o crossover de Caminho da Índias, O Clone e Salve Jorge! #SQN), então, não levem muito à sério contexto histórico e costumes e blá blá blá, isso aqui é uma ficção;
— Me senti a própria Glória Perez fazendo as pesquisas, PFV;
—Eu vou parar por aqui pq se não ninguém vai querer ler minhas notas finais. Não esqueçam os reviews VLW FLW!



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