Neve

Os flocos caiam sobre a cabeça dela, mas não parecia senti-los. Em parte
pelo gorro grosso que usava, em parte por seu pequeno duelo mental
consigo mesma.

Mel gostava de falar consigo mesma em pensamento. Ela perguntava,
respondia e ainda xingava a sua própria pessoa as vezes.

–Idiota... idiota, idiota, idiota! -colocou a mão, aninhada em uma luva
quente sobre a testa. Suspirou, clamando por auto-controle. Não é nada
de mais, disse a si mesma. Ele é apenas um babaca, disse a si mesma. No
entanto...

No entanto, por que diabos estava chorando por causa de Isaak?

Algumas Horas Antes:

–Olha, não é legal andar na neve?

–É o mesmo que andar em um dia normal, só que úmido, e frio, e correndo o risco de cair de cara no chão. -Melisandre comentou consigo mesma, esfregando as mãos uma na outra e olhando para o seu detestável
acompanhante. Isaak apenas sorriu.

–Você é muito fresca, sabia?

–Olha só quem fala... quem foi que pediu minha companhia pra não passar
na festa sozinho?

–Você nem gosta de festas pra começo de conversa... aceitou por quê?

–Porque eu não tinha nada a fazer...

Era bem verdade... nevando e com um frio de fazer gelar até os ossos, o
melhor que tinha na cabeça era ficar aconchegada debaixo de um edredom. Mas ela resolveu seguir um garoto que odiava, para um tipo de reunião que detestava... Deveria ter algo muito errado acontecendo em sua cabeça.

–Péssima desculpa. Poderia estar em casa vendo televisão.

–Em dias assim nunca tem nada bom passando na TV.

–Isso é bem verdade... -ele apontou mais para frente, onde começava a
surgir a fachada da escola. Era apenas um baile de inverno, mas de
alguma forma os alunos se animavam com essas coisas. Mel não entendia o
porquê. Seu acompanhante até entendia, mas julgava-a lenta demais para
explicar.

Afinal, uma garota normal notaria as segundas intensões do convite
inocente que ele fizera. Tudo estava nas entrelinhas. Ele poderia
sentir-se até mesmo frustrado.

–Francamente, você é tão desligada.

–Por que diabos tá falando isso do nada? -ela ergueu uma sobrancelha,
estava tão preocupada em se proteger do frio que abdicou de agredi-lo
fisicamente.

–Nada. Algumas pessoas não enxergam nem o que tem em baixo do seu nariz.

–Mimimi... já pensou em arranjar uma namorada e me deixar em paz?

–Já... quer saber, farei isso hoje mesmo! -ela notou certa acidez em
suas palavras, pela primeira vez realmente sentiu que ele estava
zangado, ou incomodado com algo. Viu seu acompanhante apertar o passo e
entrar na frente, deixando-a do lado de fora.

–Mas é um idiota retardado mesmo... -bufou, uma nuvem de vapor saindo de seus lábios, e logicamente foi atrás. Mas quando suas mãos abriram as
portas, lhe dando passagem, só conseguiu distinguir um mar de gente.

Isso a fez pensar que de fato os outros estavam ficando malucos. Ela só
queria voltar pra casa...

–Isaak!

Nada dele. Empurrava pessoas, olhava em todas as direções e gritava o
máximo que conseguia, mas nem sinal do rapaz. Talvez tivesse ido embora.
Cara, ela ia matá-lo se tivesse deixado-a sozinha pra lá depois de ter convencido-a...

Convencido-a.

Sim, ele a convenceu. Não seria aquilo um convite velado para o dito
baile? Quer dizer, os homens geralmente convidam as garotas, não é?
Quando querem algo mais, geralmente.

–Não... não, não, não, não, não, não! Não pode ser. Ele não pode
estar...

Talvez ela tivesse negado para si mesma esse tempo todo. Isaak deveria
achá-la uma besta.

Como se ligasse pra o que ele achava dela.

Descobriu que lá no fundo ligava sim... enquanto se espremia entre as
pessoas na tentativa de reencontrá-lo, teve muito tempo para pensar no
assunto. Os poucos conhecidos que lhe davam a devida atenção ela
dispensava com um aceno de mão.

–E se... se eu também...

A simples ideia fez com que parasse, seus braços pendendo ao lado do
corpo. Os olhos escuros fitavam as luzes artificiais do teto sem vê-las
realmente. Bateu na própria cabeça com a mão direita, depois de ergue-la
com certa dificuldade. -Impossível... não tem nada a ver...

Respirou profundamente mais uma vez, e decidiu ir embora de uma vez por todas.

E se virou. Talvez teria sido melhor se tivesse ido e frente. Talvez
não. Seus lábios se entreabriram e ela ficou ali, estática, em choque. Aquilo não devia incomodá-la. Aquilo deveria ser indiferente a ela. Isaak estava beijando outra garota.

Não sabia porque a palavra "outra" veio a sua cabeça, se eles não tinham
absolutamente nada. Nem soube dizer o porquê, instintivamente, seu corpo
moveu-se sozinho, e ela correu para longe dali. Tão pouco o motivo das
lágrimas que desceram pela sua face.

E agora ela estava ali,sentada encolhida em um banco frio, com a neve derretendo sobre sua cabeça.

The way he makes me feel yeah, gotta hold on me
I’ve never met someone so different
Oh here we go
He a part of me now, he a part of me
So where you go I follow, follow, follow¹

Por que sempre vinha uma música em sua cabeça quando as coisas estavam assim? Por que sempre ele? Aquele idiota...

–Idiota... por que eu estou me importando com esse inútil?

Se perguntou pela enésima vez aquela noite.

Antes de sentir uma mão cálida pousar sobre sua cabeça. -Me chamou?

Mel arregalou os olhos, recuando de imediato, tentando disfarçar o
máximo possível o rosto inchado pelo choro. -O que está fazendo aqui?

–Bem, digamos que... Não consigo me lembrar de te esquecer.

–Cara... como eu te odeio...