Bad Things escrita por Melody Malone


Capítulo 6
A hora mais escura




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— O que nós fazemos com esse corpo agora? — perguntou Henry. 

 — Não sei, Henry — falei levemente irritado com a pergunta mas mais pelo estresse da situação — Que tal tirarmos ele daí? 

 — Parece uma boa ideia — disse Henry, talvez um pouco mais risonho do que deveria.

— E não é só "um corpo". Ele está vivo — falei.

Henry começou a andar pelo lugar, olhando por todos os lados como se estivesse procurando uma coisa específica. Depois de um tempo já começava a andar em círculos; o chão estalava enquanto ele andava, pareciam ser folhas secas mas a realidade era um tanto quanto diferente; o silêncio começava a se tornar maior. Então, de repente, ele para diante do padre; olha bem em seus olhos e começa a se virar em cento e oitenta graus, ele fixa seu olhar em um ponto da sala. Eu, que estava apenas o observando, o segui com os olhos e vi o objeto grande ao fundo da sala. Uma grande porta de ferro. A breve luz da lua que vinha do lugar em que caímos iluminava os espinhos em volta, a única tranca que parecia era o amontoado de madeira em frente. 

 — Como viu isso? — perguntei. 

 — Foi ele — disse Henry, se virando para o Padre. — É para onde ele está olhando. 

 Me aproximei um pouco mais da porta pela parte leste onde parecia ter um tipo de trilha em meio aos ossos no chão. Por um instante a porta me pareceu familiar, um cheiro forte e rançoso começava a se espalhar pelo ar; quase como vários cadáveres estivessem em decomposição diante dos meus pés. Cheguei à uns poucos centímetros da porta e comecei a puxar o amontoado de madeira. A cada puxão um estalo forte ecoava; olhei rapidamente para trás, quase como um reflexo e percebi que Henry estava tentando retirar o padre da cruz. Puxei mais alguns pedaços de madeira, algumas estavam com algo que se parecia com musgo e um pouco úmidas; outras estavam aparentemente queimadas ou chamuscadas; algumas quebradas, e, por um momento, como se o tempo estivesse parando, ao meu redor tudo começava a parecer mais lento, minhas pálpebras ficaram pesadas e a visão mais turva. Olhei para trás novamente, Henry parecia estar se mexendo em câmera lenta, de repente uma luz forte veio em direção aos meus olhos. Uma voz fraca mas familiar ao fundo, tão inaudível que mal entendi o que dizia, talvez umas poucas palavras, então um peso em meu ombro me fez sair daquela espécie de transe, minha respiração ficou mais rápida, o coração mais acelerado e, em um instante, estava tudo normal novamente.  

Olhei na direção em que vinha a luz mas agora já não tinha mais nada, olhei novamente para a porta e, sem perceber, já havia retirado toda a madeira. Puxei a porta mas parecia emperrada, alguma ferrugem nela indicava isso. Puxei a porta novamente e um rangido bem acima da minha cabeça surgiu; olhei preocupado, não que tivesse algo a temer, apesar de não entender o que havia acontecido há pouco, mas o silêncio que havia antes do rangido me fez sentir que fazer barulho era errado. Olhei novamente para trás e Henry estava agachado no chão segurando o padre mas meus olhos se fixaram mais na pessoa em pé atrás deles. Não me sentia ameaçado e nem pensei que Henry também estivesse. Da direção da figura vinha uma luz que apontava para Henry e o padre, a luz de uma lanterna. Andei uns poucos passos em direção a eles e instintivamente me flagrei gritando, sem muita razão já que estava um absoluto silêncio. 

 — Elena! — gritei.   

 A luz da lanterna se voltou para a minha direção e ficou mais próxima. Virei novamente para a porta, puxei-a mais uma vez e ela rangeu, tentei mais uma vez e a porta se abriu com um rangido muito mais forte. Alguns passos à frente percebi mais alguns indícios de que se tratava, aparentemente, de um lugar abandonado. As paredes eram antigas e cheias de musgo, um lugar úmido e frio, assim como algumas das madeiras. Segui em frente, os passos de Elena logo atrás já podiam ser ouvidos então não me virei para ver se ela estava me seguindo; assim que a luz da lanterna de Elena iluminou o lugar percebi que se tratava de um túnel, em algumas partes da parede havia pequenas grades e um cheiro forte como aquele que eu senti logo ao chegar perto da porta. No chão também havia musgo e algumas pedras quebradas; o chão sugeria uma subida, era formado de pequenos tijolos e algumas plantas rasteiras; o caminho parecia ficar mais escuro a cada passo e com apenas alguns focos de luz visíveis bem à frente do túnel. Alguns passos ao longe já podíamos perceber que o foco de luz vinha do teto do túnel, provavelmente também de uma grade (como algumas nas paredes). Parei. Ela me olhou esperando algum tipo de reação, alguma observação. 

 — Elena, poderia me dar a lanterna? — Perguntei. 

 Ela me deu a lanterna, hesitei um pouco mas depois apontei para o teto do túnel que estava cheio de figuras e pichações, algumas partes também cheias de lodo. Várias correntes pequenas pendiam do teto e formavam uma grande fila até a luz que vinha da grade no teto e que agora já não estava tão distante. A luz que vinha da grade era da lua, que estava grande e vermelha no céu, mas apenas a lua era visível e o resto era um grande breu. Olhei um pouco mais pela grade e depois para Elena, que, pelo olhar desconfiado, com certeza pensou o mesmo que eu. Logo abaixo da grade havia um grande livro marrom, Elena estendeu a mão para pegar mas eu a empurrei levemente e peguei o livro em seu lugar e coloquei dentro de meu sobretudo. Um barulho veio de longe do túnel, um barulho alto e de novo o cheiro forte e rançoso. A luz da lanterna varreu a escuridão mas a única coisa visível era um grande borrão cinza.  

 — Quer vir comigo?- Perguntei a ela que fez que não com a cabeça. 

 — Eu acho melhor ver se Henry precisa de ajuda. 

 Só então me lembrei de Henry e do padre e decidi voltar com ela. Na volta o túnel parecia muito maior e escuro, as grades na parede lateral do túnel tinham um cheiro ainda mais forte que o anterior, as correntes penduradas no teto na parede estavam no chão. Enquanto eu apontava a lanterna para o teto, esbarrei em algo que parecia ser uma parede, apontei a luz para frente e percebi então de onde vinha o barulho que ouvimos. Agora a porta estava fechada e Elena e eu estávamos trancados naquele túnel. 

Nós andamos até a parte onde achamos o livro, olhei novamente para cima e apontei a lanterna na esperança de ver algo que não fosse o breu. Ouvi ao longe o barulho de ambulâncias. 

 — Acho que o Henry não precisava mesmo de ajuda — disse ela olhando bem no fundo dos meus olhos — Talvez eles nos tirem daqui. 

 — Eu não sei você — eu disse, com o cheiro ruim se tornando cada vez mais forte — Mas eu não vou ficar para esperar.  

 Andamos mais alguns metros e o cheiro começava a se tornar quase insuportável. As paredes do túnel começavam a mudar e o espaço entre elas ficava muito mais largo, entramos em um lugar com uma grande parede com quatro grandes lacunas, mas apenas uma delas estava sem um grande amontoado de madeira e correntes. Entramos na sala e o lugar era muito menor do que parecia por fora, ainda assim era grande e abandonado. O cheiro estava mais forte do que nunca, tão forte que fazia meu nariz arder. Elena pegou a lanterna da minha mão e começou a varrer o lugar com a luz. Havia duas prateleiras na parede, todas cheias de papeis molhados, era certamente um lugar abandonado, também tinha vários vasos. 

E então tudo escureceu na prateleira e a lanterna estava apontada para um grande objeto, algo que, apesar de grande, passou despercebido. Havia um caixão aberto, dentro do caixão não havia nada e era de lá que vinha o cheiro ruim. Um barulho baixo de correntes começou a surgir na sala, saí de volta para o túnel mas não havia nada nas correntes das outras lacunas.  

 — John! — gritou Elena. 

 Corri de volta para a sala, ela estava pálida e apontava freneticamente com o dedo e com a lanterna para o canto superior da sala. Olhei para cima e vi o corpo, que muito provavelmente estava no caixão, agora enforcado em uma corrente no teto daquela sala.  

 — Se isso é algum tipo de mausoléu, deveríamos ao menos tentar abrir a porta — falei apontando para uma porta logo a frente do caixão.  

 Fui em direção a porta, demorou alguns segundos até que Elena voltasse a apontar a luz pra mim, não foi preciso força pra abrir. 

 — Estava encostada. — falei e saí. 

 Olhei um pouco em volta, a lua agora estava atrás de alguma nuvem e a iluminação era bem escassa. Uma luz mais forte iluminou de repente uma lápide. 

— Um cemitério. Por que isso não me surpreende? — disse ela e começou a andar pelo cemitério. 

Não prestei muito atenção no que ela disse enquanto andava pelo cemitério, só fiquei parado olhando a lápide que ele acabara de iluminar. A minha lápide. De repente uma luz forte em meu rosto novamente. 

 — Mesma lápide, lugar diferente. — falou uma voz. 

 Me virei num pulo. 

 — Irene? — falei com um falso tom de surpresa — O que faz aqui? 

 —Aparentemente o jornalista achou o padre. — disse ela. 

 — E ele está bem? — perguntei, meio querendo realmente saber meio querendo disfarçar. 

 — O padre ou o jornalista?- disse ela, ironicamente. 

 — O padre. 

 — O que eu posso dizer é que ele foi encontrado em circunstâncias bem peculiares.  

 Ri mas ela não havia terminado de falar e parecia bem séria. 

 — Assim como você, John. Num cemitério no meio da noite, em frente a um mausoléu aberto.  

 Ela me olhava com um olhar decepcionado, olhava bem dentro dos meus olhos como se quisesse que eu fosse só um sonâmbulo que foi parar no cemitério. Atrás dela, há alguns metros, dava pra ver mais duas lanternas correndo. 

  Por favor, John. Eu realmente não quero encontrar nada lá dentro. — disse ela, sua preocupação parecia verdadeira. 

 — Senhora — disse um rapaz que acabara de chegar — Está tudo bem? 

 — Só olhe lá dentro, Senhor Vieira. 

 Então ele e o seu parceiro entraram no mausoléu. Alguns minutos depois um dos rapazes saiu pálido de dentro e disse algo no ouvido de Irene. Ela me olhou com decepção e pegou algo em sua cintura. Eram algemas. 

 — Irene, você tem que acreditar em tudo que eu disser de agora... 

 — Você está preso — disse ela, me interrompendo e colocando as algemas.  

 Olhei para ela, eu realmente queria a chance de poder me explicar, olhei ao redor e Elena não estava mais lá. Não me surpreendendo muito. 

 — Irene..— falei quase que numa súplica. 

 — Levem-no. — disse ela sem sequer olhar em meu rosto. 


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Notas finais do capítulo

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