Usuário Final escrita por Ishida Kun


Capítulo 19
Batismo de fogo 4:2


Notas iniciais do capítulo

Olá queridos leitores! Como estão? Espero que bem! Então, lá vamos nós com mais um capítulo! Esse ficou meio grandinho pois não queria ter de dividir as cenas, pois quebraria o clima do capítulo, além de que ficariam partes demais. Espero que não se importem e aproveitem a viagem, afinal, essa vai ser bem longa! Boa leitura!



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A primeira coisa que Adam percebeu ao sair pela porta no teto, era que estava nevando. A segunda coisa, é que a porta não estava no teto e sim numa parede há mais de 20 metros do chão. Percebera isso quando quase caiu e Carla teve de o agarrar pela mão. Ela o levantou com a delicadeza de sempre e lhe explicou o método que usavam para se pendurar em locais altos, o de enfiar os dedos no concreto como se ele fosse feito de papel.

Por um momento achou que fosse quebrar os dedos, mas dadas as circunstâncias, não duvidava de mais nada. Ele acertou a parede com tanta força, que afundou a mão inteira no concreto, a sensação foi a de quebrar um monte de gravetos, não sentiu dor ou qualquer tipo de desconforto. O uniforme não apenas dava a sensação de força, como de fato fazia com que ele a tivesse. Se ajeitou com a outra mão e apoiando o pé numa pequena fenda, ficou de costas para a parede, assim como Carla, para só então ver onde estava.

Havia centenas de gigantescas chaminés industriais, maiores do que qualquer coisa que Adam já havia visto no mundo real. As torres cuspiam uma fumaça acinzentada que subia em grandes tufos, aveludados como algodão e da mesma cor das nuvens acima. Na vastidão do lugar, estruturas que pareciam incompletas, construções metálicas formadas por vigas enferrujadas, torres repletas de antenas pontiagudas, fábricas tão altas quanto um arranha céu e milhares de encanamentos e tanques gigantescos cobriam cada centímetro do que Adam podia ver. Era como olhar para uma indústria que havia crescido como hera, se espalhando e recobrindo cada canto daquele lugar. Estendeu uma das mãos e apanhou um floco de neve, como imaginou ela não era branca e também não era neve.

— Cinzas? — indagou, esfarelando o floco cinzento na mão.

— Talvez — respondeu Carla — o que posso garantir é que não é neve e que aquilo — e apontou para a chaminé mais próxima —, também não é fumaça.

Carla forçou o corpo para baixo, deslizando a mão pela parede, rasgando-a como se fosse uma folha de papel à medida que descia suavemente, formando um rastro de pedregulhos e poeira. Adam tentou fazer igual, mas sua mão estava tão funda na parede que teve de usar a outra, algo que quase o fez perder o equilíbrio. Por um momento havia se esquecido da altura em que estava, sentiu um puxão na barriga à medida que descia, fazendo a parede se estilhaçar feito peças de Lego — até o ruído era parecido. Enquanto descia, lembrou-se de um brinquedo do parque de diversões que costumava ir com Eriza, uma espécie de elevador suspenso que era solto em queda livre. Quando faltava poucos metros para chegar ao chão, sua mão escorregou da estrutura esburacada e ele caiu de costas, mas conseguiu girar o corpo rápido o bastante para aterrissar de pé, levantando uma nuvem de cinzas com o impacto. Milagrosamente não sentiu dor.

Assim que se pôs de pé, Carla o levou até o que parecia uma espécie de mini galpão, arrebentando a porta do lugar com um chute, ela o levou para dentro onde explicou melhor o funcionamento das armas, como utilizá-las e a função dela na equipe.

— É como dizia um daqueles caras do passado que eram espertos pra caramba, “penso, logo existo”, sabe? O princípio é o mesmo por aqui.

Quando Carla parecia ensinar alguma coisa para Adam, era como se outra pessoa tivesse tomado conta do corpo dela. Apesar da fala arrastada e os olhos semicerrados de sempre, ela parecia de alguma forma diferente e sem toda aquela hostilidade, Adam até sentia uma certa simpatia por ela.

“Estocolmo, só pode!” — ele pensou e quase soltou uma risada com a ideia. Agora em seu campo de visão, em uma janela no canto esquerdo, havia uma caixa de seleção de equipamentos e outra de armas. De acordo com Carla, as armas eram pré-selecionadas de acordo com a capacidade de criação do Usuário e a medida que Adam fosse se acostumando com o sistema, mais opções ficariam disponíveis.

— É como um daqueles videogames estúpidos! — continuou Carla — Toda vez que mato um Devorador ainda espero ouvir uma musiquinha tocando e uma mensagem surgindo pra me dizer que eu subi de nível!

Com essa, ele não pode segurar o riso. A caixa de seleção de armas continha apenas pistolas automáticas e Adam resolveu pensar em escolher uma delas e antes mesmo que pudesse de fato escolher, a arma de fogo estava em sua mão.

— Eu não tinha escolhido... — E a arma sumiu num monte de centelhas avermelhadas — Certo, acho que funciona. Só preciso de prática, só isso.

— Não tinha escolhido, é? Então por que a porra da arma apareceu na sua mão? Seus pensamentos podem trair você. Tenta pensar numa arma de paintball numa missão e vermelho vai ser a única cor que você vai ver por um bom tempo. Não tô te ensinando pra isso!

Como armeira, Carla conseguia criar equipamentos e armas de alto poder de fogo para todos os membros da equipe, dessa forma eles poderiam se concentrar apenas em lutar contra os Devoradores. A única desvantagem era que isso a deixava vulnerável, pois precisava se concentrar para garantir um perfeito funcionamento do equipamento. Carla aparentava ter um orgulho tremendo quanto à sua função no grupo e parecia ainda mais orgulhosa ao fato de ensinar àquelas coisas à Adam. Para uma garota tão jovem, aquele era um comportamento razoavelmente adulto, demonstrava responsabilidade apesar de toda aquela indelicadeza que possuía.

Passaram aproximadamente duas horas no galpão, onde ela ensinara a ele como recarregar uma arma, as funções que possuíam, poder de fogo, a melhor escolha para cada ocasião e uma infinidade de outras coisas, das quais Adam prestava atenção em cada detalhe, tentando guardar tudo na cabeça da melhor forma possível. Atiraram em janelas e caixas, vigas de metal ou qualquer outra coisa que estava ao alcance deles. Era incrível como mesmo sem nunca ter empunhado uma arma antes, seu carpo se adaptasse àquelas novas condições as quais era submetido, tudo graças ao suporte do USV. O uniforme fazia com que ele agisse um milésimo de segundos antes de ele de fato pensar em fazer, era como se alguma força invisível segurasse a arma em sua mão, apontando-a na direção certa, deixando que ele apenas puxasse o gatilho. Mesmo assim, segurar uma arma de fogo não era como nos videogames, o peso e o coice eram reais, o cheiro de pólvora e o estampido do tiro, as cápsulas que saltavam pela câmara de ejeção da arma, era tudo tão palpável e verdadeiro que chegava a ser assustador imaginar que seu corpo ainda dormia, indiferente àquela experiência surreal. Adam jamais imaginou ter que usar aquilo, um instrumento capaz de tirar vidas que, apesar de agora ser usado para sua proteção, ainda sim mantinha o mesmo propósito. O de matar. Pensar nesse tipo de coisa, apenas fez Adam se questionar o quão errado e precoce era para uma garota de doze anos ter que aprender tudo aquilo, ser uma eximia atiradora, ver pessoas morrerem quase que diariamente, ter que lutar pela própria vida, aquilo era tão, mas tão errado, que ele quase entendeu o motivo dela ser daquele jeito, quase.

Quando as mãos já estavam formigando de tanto atirar, Adam e Carla seguiram viagem pela rua que seguia à frente do Galpão. Agora ele empunhava uma pistola semiautomática Beretta 93, uma pistola razoavelmente grande, com a capacidade de disparar rajadas de tiros como uma metralhadora. Enquanto praticara, se adaptara bastante ao modelo, conseguindo graças ao auxílio de mira, empunhá-la com a penas uma mão. Porém, segurar aquela arma não trazia uma sensação de segurança, como era de se esperar, mas sim uma de perigo iminente, já que aquilo significava que de fato, algo poderia pular em cima dele e arrancar suas tripas a qualquer momento. Não era um pensamento muito amistoso, mas ele não conseguia não pensar.

A rua os levou por caminhos tortuosos e confusos, era como se aquelas construções tivessem sido feitas sem nenhuma coerência, haviam ruelas que davam a lugar nenhum, portas perdidas em locais inacessíveis, construções tão próximas umas das outras que pareciam ter se fundido, tornando ambas inúteis. Era óbvio que aquelas coisas não tinham um propósito. Atravessaram uma fábrica onde máquinas barulhentas e pistões trabalhavam ininterruptamente, produzindo peças estranhas e desconhecidas, que assim como aquele lugar, pareciam não ter nenhuma utilidade. Caldeiras com aço derretido fumegavam, soltando um cheiro de ferrugem enquanto despejavam a mistura laranja em brasa sobre as fôrmas que passavam por uma esteira.

Quando saíram da fábrica, Carla fez sinal para que Adam novamente esperasse. Ela parecia ver algo que ele não havia percebido, possivelmente apenas em sua interface visual. Carla se aproximou de uma construção que mais se parecia com um amontoado de encanamentos e usando uma das paredes como apoio, saltou de um lado para outro, se dependurando nas tubulações até chegar ao topo do lugar, com um salto mortal de costas. Lá de cima, ela sorriu e acenou como uma criança que acabara de fazer uma traquinagem. O lugar devia ser do tamanho de um prédio de seis andares.

— Você não espera que eu... — E Carla já não estava mais lá. Sim, é claro que ela esperava.

Assim como havia feito com a escadaria no 673, Adam simplesmente pensou no que queria fazer, lembrou-se de filmes, videogames ou qualquer coisa que pudesse ajudá-lo e seu corpo se encarregou do resto. Ele saltou de encontro à uma das paredes e pegando impulso com um dos pés apoiados nela, avançou sobre outra, destroçando a estrutura com o impacto de seus pés e saltando para outro ponto em sequência, como se a física fosse algo do qual ele não precisasse mais temer.

Os fragmentos do concreto esvoaçavam ao redor dele e sua percepção estava tão aguçada, que podia ver e diferenciar cada um deles, percebia cada floco de cinza que caía, com uma precisão absurda, como se tudo estivesse em câmera lenta. Saltou para outra construção tão velozmente, que derrapou em sua superfície, levantando uma nuvem acinzentada e antes que a força da gravidade se fizesse valer, ele já estava novamente no ar, vendo o mundo inteiro girar para em seguida cair no topo do prédio com força o bastante para fazer uma cratera no piso escurecido.

Carla o olhava com uma expressão de tédio, ele não poderia esperar mais dela.

— Já terminou de bancar o super-herói? Porque você podia muito bem ter pego a escada.

— A mesma que você pegou? — e sorriu, recebendo o mesmo sorriso como retribuição.

— Escuta aqui, novato — começou Carla —, nem todos os prédios são tão resistentes a essas porradas que você deu por aí — e apontou para os buracos que ele havia deixado nas paredes — isso sem falar que você está chamando uma puta atenção. Você tá parecendo o Hector!

— Não importa, foi incrível — disse Adam, não conseguindo se conter, ignorando completamente tudo o que Carla dizia — Não importa o que você pense, ou diga. Sei que foi o USV e não eu, mesmo assim...

— Adam — E aquela havia sido a primeira vez que ela o chamara pelo nome, e ele parou instantaneamente como se tivesse congelado — É você que veste o USV, não o contrário. Lembre-se disso.

Eram esses momentos em que ele duvidava de quem ela era exatamente ou porque agia daquela forma. O tom de voz, a expressão suave. Outra pessoa.

O vento aumentou a intensidade, lançando uma nuvem de cinzas ainda maior, com os cabelos esvoaçantes, Carla se virou e seguiu para outra construção, saltando o vão entre os telhados como se a distância fosse inexistente. Adam a seguiu, tentando ao máximo minimizar os estragos que causava, tarefa que era extremamente difícil. Controlar sua força enquanto usava aquele uniforme, era como acariciar uma bolha de sabão com um trator. Saltou o último obstáculo de maneira tão desastrosa que quase caiu. Com o susto, suas taxas de sincronismo caíram mais de 10% e a taxa de atividade cerebral subira em 5%. Por hora, Adam preferiu deixar a delicadeza de lado.

Pararam no topo de outra fábrica, sobre telhados de metal remendados e de aparência envelhecida, e sem dar uma palavra, Carla se sentou e transformou sua arma num enorme rifle anti-material preto fosco, de cano longo e o corpo repleto de saídas de ar. Assim como a arma anterior, o pente de dez balas era inserido atrás do cabo, ficando claro esta ser uma preferência de Carla.

— Agora espera aí.

— Esperar o quê?

— Nosso alvo.

— Achei que esse setor fosse cheio deles — disse Adam se sentando ao lado dela — Mas parece que só tem eu e você. Pelo pouco que vocês me contaram, achava que isso aqui seria o inferno.

— Não tem Dormentes por aqui, você percebeu? Se não tem dormentes, não tem devoradores. Simples assim.

— O que aconteceu?

— Alguém da Syscom fez merda e mandou um monte de gente pra cá, mas haviam devoradores demais. Quando há muitos Devoradores no mesmo lugar, as vezes, a Rede resolve fazer uma reciclagem de emergência e fode todo mundo. O problema é que aqui era uma área que não “deveria” ser reciclada e até os Dormentes se foderam. Parece inferno o bastante para você?

— Parece sim, obrigado — respondeu ironicamente, tentando não imaginar o número de pessoas que havia morrido ali, mas se perguntando como conseguiram esconder tantas mortes no mundo real — Ei Carla... — chamou — Há quanto tempo você está aqui?

— Que porra de conversa é essa? Sei lá... desde que você usava fraldas? Ah desculpe, você ainda usa, né?

— Será que você não pode seguir uma linha de conversa normal, sem toda essa maldita agressividade? — Adam questionou, parecendo razoavelmente irritado. De fato, ele estava tentando ser legal. Alguns momentos atrás, colocara na cabeça que deveria fazer isso, que precisavam agir como uma equipe. É claro que Carla não parecia interessada naquilo.

— Eu não estou sendo agressiva.

— Você nunca está sendo nada! Mas que saco! — reclamou e virou para o outro lado. Passou-se alguns minutos em um silêncio desconfortável do qual Adam preferia estar em qualquer lugar menos ali.

— Eu não costumo contar os anos — começou Carla, com a voz tão suave que parecia ser de outra pessoa — Eu conto quantos dos que eu conhecia morreram. Quanto mais tempo eu passo na Rede, mais eles morrem. Se você já está assustado com essa merda aqui, nem queira saber os números. Você não vai gostar.

— Tenho certeza que não — E naquele momento, ele não teve como não sentir uma certa pena dela — O que é esse lugar afinal de contas, Carla?

— Você tá perguntando pra pessoa errada. Sabemos tanto sobre a Rede quanto sabemos sobre nós mesmos. Quando você pensa que conhece tudo, descobre que não sabe de nada.

— Parece bem válido para mim. Sei muito bem como é descobrir que tudo o que você conhecia até ontem, não tem validade alguma.

— Você parece entender um pouco de tudo, sabe o quanto as coisas podem ser ruins. As pessoas gostam de gente como você, que por mais antissocial que seja, ainda sabe como entender os outros. Somos opostos, sabia?

— Percebi. Você tenta afastar a todos ao seu redor. É por isso que você joga tanto na defensiva? — Adam perguntou, ousando ir mais longe. Levantou-se e esticou os braços, apesar das cinzas não serem neve, eram tão frias quanto.

— Quando as pessoas que você gosta começarem a morrer, você vai perceber que um amigo nada mais é do que um futuro cadáver. E não estou interessada em ser sua amiga, novato.

— Isso significa que eu vou morrer ou que você não quer me ver morto?

Carla sorriu, desviando os olhos da lente do rifle e virando para encarar Adam.

— Você não me pega com essa! Não vou falar o que você quer ouvir!

— Eu não estava nem tentando.

Os dois riram do que quer que estivessem tentando dizer com aquela conversa. Adam não a compreendia, definitivamente. Mas havia algo ali, algo que o fazia ao menos tentar ver o mundo pelo lado dela, uma garota tão jovem que teve de encarar a morte repetidas vezes, que não teve escolha.

— Estou tentada a explodir a coisa que aparecer por aqui antes de mostrar pra você como matá-la. Esses rifles são muito fodas!

— Você consegue matar um devorador com isso? Está tentando me impressionar agora que estamos nos entendendo?

— Você pergunta demais. E quem disse que estamos nos entendendo? — e sorriu sarcasticamente — Essa belezinha aqui tem poder de fogo suficiente para atravessar a blindagem de um tanque. Consigo arrancar o núcleo e ainda pendura-lo na parede com um único tiro.

— Para alguém da sua idade isso é bem impressionante.

— O que tem de errado com a minha idade? — E ela virou-se para Adam, sua expressão mudara completamente, agora ela parecia-se com alguém que ele não conhecera ainda.

“Ela odeia quando mencionam sobre a idade dela.” — As palavras de Valéria soaram como uma campainha em sua cabeça. Ele tentaria se safar da melhor maneira possível, mas acreditava que o dano já estava feito.

— Nada de errado.

— Não é o que parece — afirmou Carla, levantando-se em seguida. Segurava o enorme rifle com apenas uma mão, como se ele fosse um brinquedinho de plástico — Então quer dizer que só porque tenho 12 anos tenho que ser estúpida? Que uma garota de 12 anos não pode saber usar a porra de um rifle? — E agitou a enorme arma na frente de Adam.

— Eu não disse isso! Não há do que se...

— Envergonhar? Então você realmente acha que eu me envergonho de ter a idade que eu tenho? Você tem algum problema com o fato de eu ter 12 anos, é isso? Porque se você tiver, a gente pode sentar e conversar, que tal?

Adam ficou imóvel, e não respondeu a acusação. Naquela situação, qualquer coisa que ele dissesse poderia ser usada contra ele. O problema maior não era apenas que ela tivesse 12 anos, é que ela tinha uma arma e mesmo que ele também tivesse uma, ela sabia usar a dela bem melhor.

— Foi a vadia da Valéria quem contou? — continuou, chegando mais perto.

— Faz diferença?

— Filha da puta! Não consegue manter a porra da boca fechada!

— Escuta, Carla! Não há nada de errado em você ter...

Adam não terminou a frase. Ele não sabia se havia sido um empurrão ou um chute, ou mesmo se ela havia acertado o rifle nele. A única coisa que sabia era que estava caindo do telhado. Rapidamente agarrou numa das paredes com mais força do que deveria e o concreto se esfarelou entre seus dedos. Ele rodopiou e atravessou um telhado, despedaçando-o em dezenas de filetes de fibra de vidro e madeira, bateu em uma viga de aço e por fim parou dolorosamente sobre um contêiner, amassando-o feito uma latinha de refrigerante vazia.

Quando ele abriu os olhos, o céu tempestuoso e as cinzas que espiralavam lhe deram as boas-vindas. Sentia tanta dor que era quase impossível identificar de onde exatamente ela vinha.

— Aviso: danos ao usuário detectados. Você deseja saber o relatório detalhado? — perguntou mecanicamente a voz da IA de auxílio do uniforme. Ela possivelmente entendeu a falta de resposta de Adam como uma afirmação e começou a detalhar o que ele com certeza não precisava ouvir — Possível deslocamento da clavícula direita. Fratura nas costelas sete e nove. Perfuração abdominal simples. Seu estado atual requer atenção. Iniciando medidas emergenciais.

Ele sentiu um aperto no ombro, como se o uniforme se comprimisse sobre ele, o abdome foi igualmente apertado, fazendo com que ele prendesse a respiração por alguns segundos. Quando a pressão reduziu, ele sentiu um alívio considerável e apesar do incômodo, sentia-se bem melhor.

O que havia de errado com aquela garota estúpida? Ela podia tê-lo matado com aquele ato inconsequente! Sim, ela iria ouvir o que ele tinha a dizer dessa vez, com certeza ela iria, fosse por bem ou por mal. Rolou do contêiner e caiu pesadamente no chão. As costelas não estavam tão boas quanto ele imaginava, fazendo com que sentisse uma pontada aguda na lateral do abdome.

— Que bom que você está vivo. — Carla. Definitivamente não era uma voz da qual ele gostaria de ouvir. Uma imagem no canto superior da interface visual mostrava o rosto sorridente dela — Acho que começamos com o pé esquerdo, não é mesmo?

— Sua maluca! Você podia ter me matado! Que porra você pensa que está fazendo?! — esbravejou Adam, ainda tentando se levantar.

— Podia, mas não matei certo? — Havia algo na voz dela que deixou Adam desconfortável, uma calma da qual ele definitivamente não gostava — Bom, eu iria chegar a esse assunto de um jeito ou de outro, mas parece que você com certeza prefere da forma mais difícil.

— Do que você está falando?

Antes que Carla pudesse responder, ele ouviu a voz da IA anunciar algo do qual ele gostaria ainda menos de ouvir.

— Anomalia sistêmica detectada. Ativando modo de combate.

Num instante ele sentiu o uniforme enrijecer, apertando ainda mais seu corpo. Na altura do cinto, uma katana negra se materializou em finas linhas avermelhadas, a bainha de um preto brilhante com contornos luminescentes em vermelho, no mesmo padrão dos indicadores do braço. A visão de Adam apagou e ele sentiu o frio do metal do capacete se fechar em seu rosto, pedaço por pedaço. O escuro logo foi substituído por uma visão ainda mais límpida, impecável, com os principais indicadores posicionados estrategicamente em seu campo de visão.

Adam se ergueu imponente, sentindo-se com uma capacidade descomunal. Adiante, ele viu os traços sutis da criatura negra e sorridente surgir por entre as ondas de cinzas que esvoaçavam com o vento. As garras negras brilhavam como se fossem de metal, o corpo ossudo estava levemente curvado para a frente, como se a criatura farejasse algo, mesmo sem possuir narinas.

— Por um acaso você achou mesmo que eu não me importaria com o link que você estabeleceu com a Bia? — questionou Carla, parecendo mais sarcástica do que nunca — Mas não se preocupe, temos algum tempo a sós, até que sua companhia chegue. Afinal, você queria conversar, não é mesmo?


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Notas finais do capítulo

A Carla é muito sacana, né? Ha ha ha ha!!! Gente, eu adoro ela! Bom, não preciso nem dizer que o Adam está ferrado, preciso? O próximo capítulo talvez demore um pouquinho... estou elaborando um novo projeto baseado no universo de Usuário Final... em breve voltarei com mais novidades! Até breve!



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