E viveram felizes para sempre! escrita por ALoka


Capítulo 2
Na riqueza e na pobreza


Notas iniciais do capítulo

E a comemoração de Dia dos Pais na casa da família Corona-Khoury começa já no sábado.
Niko inventou o Final de Semana dos Pais... Félix aceitou isso E SEM RECLAMAR! kkk



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/539836/chapter/2

Após o café, Félix ajuda Niko a arrumar a cozinha. Nos últimos anos, com a casa vazia, eles passam a maior parte do tempo sozinhos e os dois cuidam dos afazeres do dia a dia. Obviamente que a piscina e toda a parte externa, incluindo o gramado e jardins, recebem a visita de pessoal especializado, que vem fazer a manutenção regularmente. Mas dentro de casa, com exceção da equipe de limpeza que aparece uma vez por semana, ou a cada quinze dias quando viajam, eles não tem mais ninguém. Félix insiste que Niko precisa ter alguma ajuda, já o Carneirinho não acha necessário. Ele gosta de cozinhar e de cuidar dele e de Félix, que não admite mas gosta da privacidade. Mesmo achando que Niko trabalha demais naquela casa, ele gosta do fato de ficarem à sós. E Félix então ajuda, já que aprendeu muito nos últimos anos. Depois de trinta anos ele até já cozinhou para Niko, com a aprovação do chef!

Embora sintam muitas saudades dos filhos, eles apreciam a companhia um do outro. Aquilo que não foi possível no passado agitado daquela residência, agora eles desfrutam no dia a dia: a solidão à dois. Pelo menos nos dias de semana. Nos finais de semana tudo muda, quase sempre vem um filho acompanhado da família, ou os dois. Ou mesmo até os três, contando com Jonathan, o mais velho de Félix, principalmente nas datas especiais como agora. E hoje todos os três acompanhados de suas esposas e filhos estão à caminho.

Félix se preocupa com Niko que não se livrou do hábito de servir à todos desde o café da manhã até o jantar. Além disso o Carneirinho quer cuidar de cada detalhe, desde onde cada um vai dormir até que toalhas vão usar, se a roupa de cama foi trocada, se há copos e talheres suficientes disponíveis, se está tudo limpo e arrumado de modo que todos fiquem confortáveis. Com isso ele não percebe mas acaba se cansando. Niko já não tem mais quarenta anos, nem cinquenta. Já passou dos sessenta e Félix insiste que, pelo menos quando os dois filhos mais Jonathan estão presentes ao mesmo tempo, Niko contrate auxiliares.

– Você chamou mesmo as meninas para ajudar, né? Não quero você fazendo tudo sozinho, é muita gente Carneirinho. São nove adultos contando conosco e sete crianças! Você quer servir todo mundo e acaba ficando cansado.

– Não se preocupe, Félix. Elas vem sim. Vem duas, e são as mesmas de sempre, eu avisei à agência. Elas vão chegar antes do almoço e só vão embora segunda pela manhã. Vai sair uma fortuna isso, minha Nossa Senhora!

– Niko, por favor, hein? Como se dinheiro fosse problema! Carneirinho você adora cozinhar, que ótimo. Mas limite-se à isso. Querer por e tirar mesa, pegar tudo pra todo mundo, arrumar camas e banheiros... é o apocalipse! Não Niko, não quero você depois no sofá com dores nas pernas... ah, não. Com dificuldades para andar por causa de dor no joelho... de jeito nenhum! Caindo na cama com dores nos braços.... nem pensar. Acordando no meio da noite gemendo de dor nas costas... no way!

Niko acha graça e ri, mas interrompe Félix, ou ele não pararia nunca:

– Félix! Chega, tá! Já entendi. As moças já devem estar a caminho.

– Acho bom! – Félix se aproxima das costas de Niko, que está na pia terminando de secar alguns copos, e cola o corpo no dele por trás. Com um braço enlaça-o pela cintura, com a outra mão afaga seus cabelos até agarrá-los puxando levemente a cabeça de Niko para trás, cola a boca no ouvido dele e sussurra: - Se for pra sentir dor e gemer, que seja por outro motivo, meu Carneirinho. – Por fim termina beijando-o no pescoço e Niko quase deixa o último copo que secava cair com o arrepio que sente percorrer seu corpo todo.

– Ai... tá, Fé..lix... – Niko fala por entre gemidos – Eu nem vou cozinhar sozinho... Fabrício vai trazer... algumas coisas... e vai fazer outras aqui....

– Tá bom, quero só ver. – Félix solta Niko e se afasta indo em direção à sala.

O carneirinho fica rindo e se abanando: - Félix...

Naquele aposento, Félix caminha por entre as poltronas e sofás, observa os porta-retratos nas mesas laterais e admira os quadros na parede. Fotografias de toda a família estão espalhadas nessa sala. Ele para na frente de uma das prateleiras onde se encontram diversos porta-retratos. Ele se detém observando uma foto antiga, uma das primeiras que tiraram em Angra, logo após se mudarem. Ele se perde nas recordações se lembrando de como aquela família foi formada e o longo caminho que percorreram até hoje. Nesse momento, Niko chega e enlaça sua cintura abraçando-o por trás. Havia já algum tempo que Félix parava por ali a observar as fotografias antigas. Niko já havia percebido que o companheiro andava um pouco saudosista. É da personalidade de Félix se prender mais ao passado enquanto Niko sempre olha para frente, para o futuro. Isso o tempo não mudou e nisso eles também se completam. Enquanto um sempre traz à tona as lembranças e as experiências passadas, o outro os empurra para frente, para a construção de novas memórias. Niko também observa os porta-retratos e comenta:

– Ahhh Félix... Para quem dizia que não tinha cara de família... você até que construiu uma linda!

– Essa família é o maior presente que você me deu, Carneirinho.

– Lembre-se que ela só existe por sua causa.

– Já sei, vai repetir! Pelas pulseiras de Salomé, lá vem ele repetir a mesma coisa. – Félix sempre faz piada com o fato de que Niko, durante todos esses anos, repete a mesma história dizendo as mesmas coisas quando o assunto é a importância que Félix tem na formação da família. Félix gosta de brincar com ele e implica imitando o Carneirinho falando a mesma frase de sempre: - "A advogada, o teste de DNA, me livrou da fura-olho, o resgate do Fabrício..." blá, blá, blá.

– E vou repetir sempre, meu amorrr! – Niko ri da brincadeira de Félix e sai dando meia volta porque acredita ter escutado o som de um carro se aproximar da casa. – Félix, chegou alguém!

Félix vai atrás dele mas para a decepção dos dois ninguém chegou. Niko se mostra nervoso, preocupado. Olha o relógio e diz que já passou da hora de Fabrício chegar. Começa a falar dos perigos da estrada, que acha que tem algum pressentimento ruim e, por fim, começa a rezar.

– Você precisa ter calma, Carneirinho. É sempre a mesma coisa, você fica uma pilha de nervos quando alguém atrasa, já disse pra eles não marcarem hora que você fica aí todo nervoso, dando choques como uma enguia elétrica!

– Não é pra menos, Félix. Se eles demoram eu fico nervoso mesmo. Nossos filhotinhos foram morar longe e agora tem que enfrentar a estrada pra vir até aqui.

– Filhotinhos... Niko, você não tem jeito. – Félix passa o dedo na sobrancelha enquanto ri. – Jayme quase fazendo quarenta anos e você ainda chama de filhotinho. Tanto tempo e você não muda. Senta aqui vem, relaxa. – Félix vai em direção ao sofá da sala e faz sinal para Niko sentar ao lado dele. Quando ele senta é envolvido pelos braços de Félix que continua falando:

– Eu já disse. Se você quiser, nós mudamos daqui e ficamos mais perto deles.

Em muitas ocasiões Niko fica manhoso, com voz chorosa e cara de carneirinho pidão. Quando isso acontece, geralmente o assunto são os filhos. Nos últimos anos é a ausência dos filhos que deixa Niko assim. Nessas horas Félix é a pessoa mais paciente e calma do mundo. Ele apenas abraça Niko, deixando-o falar até chegar em suas próprias conclusões, ou quase isso.

– Ah, não... eu não quero sair daqui. E sei que você também não quer.

– Niko, nós podemos vir sempre pra cá, a casa vai continuar aqui, criaturinha. Mas podemos alugar ou comprar um apartamento no Rio ou em São Paulo e ficar mais perto deles.

– Félix, aí seria outro problema. Decidir se no Rio, pra ficar perto de Fabrício, ou em São Paulo, pra ficar perto de Jayme e Jonathan.

– Concluindo... você não vai conseguir decidir nunca. Então continuamos em Angra que fica quase no meio entre Rio e São Paulo.

– Mas ia ser bom né, morar mais perto deles? Mas onde? Ai Minha Virgem Maria, por que tinha que ir cada um pra uma cidade?

– Niko, eles tem a vida deles, cada um teve um motivo pra ir pra onde foi.

– Eu sei... mas eu sinto tanta saudades deles, Félix.

– Olha, vamos alugar um apartamento em cada cidade, aí alternamos uma temporada em São Paulo e outra no Rio. Vamos alternando uma temporada em Sampa com outra nas praias cariocas. Que tal, hein?

– Você faria isso? Jura, Félix?

– Se você quiser... O que eu não faço por você quando você me olha com essa carinha de carneirinho desgarrado, hein?

– Que despesa enorme teríamos, amor!

– Bom Niko, sim... teríamos despesas maiores. Mas dinheiro não é problema, temos os imóveis que herdei, as cotas do San Magno finalmente dando lucro, o rendimento de todos os restaurantes daqui, nossa parte nos restaurantes do Rio, não é como nos primeiros anos, hoje temos mais do que precisamos... enfim.

– Nossa, Félix... ia ser um sonho, passar mais tempo perto deles.

– Então vamos! Decida logo se é o que você quer, não faça o carneiro empacado.

– Então recapitulando, teríamos essa casa pra vir quando quiser, e eles também, Mais um apartamento em São Paulo e outro no Rio.

– Isso mesmo. Olha os cachos loiros funcionando, eeee!

– Ai, para!

– Está decidido? Demorou. Vou começar a ver na internet alguns apartamentos.

– Mas amor, onde seria a nossa casa de verdade?

– Bom, Carneirinho... seria essa aqui... ou talvez as três... ou quem sabe nenhuma. Vamos ficar como nômades nos alternando entre as três residências, igual o povo escolhido atravessando o deserto... só que indo e voltando... indo e voltando... – Usando de humor e sutis ironias, Félix tenta fazer Niko perceber que essa não é uma ideia muito boa, mesmo não sendo tão claro ele tenta levar a conversa, e a decisão de Niko, até onde ele quer.

– Mas onde vão ficar nossas coisas, Félix? Aqui nós temos tudo nosso. Vamos levar para algum dos apartamentos? Vamos levar de um pra outro sempre?

– Imagina! Carregar caixas e malas enormes cada vez que for de um pra outro... não dá né, Niko. Aí já seria uma tortura... e não dessas que a gente faz no quarto e dão prazer... não, nem pensar.

– Mas todas nossas coisinhas estão aqui. Tudo organizado, do nosso jeito.

– Pois é Carneirinho... quando estiver no Rio vai faltar algo que está em São Paulo, quando estiver em São Paulo vai sentir falta de algo que ficou aqui. Vai ser o apocalipse, mas... tudo bem. – Félix continua abraçado com Niko mas olha pra ele de rabo de olho e percebe que já sabe onde ele vai chegar com essa conversa.

– Ia ser estranho... Félix. Nós nunca estaríamos de fato em casa. Não teríamos um cantinho pra chamar de nosso, como aqui. Nossa vida está toda aqui.

– É verdade... seríamos tipo ciganos... vagando sem uma residência fixa. É até uma idéia charmosa... mas ciganos na nossa idade, aí já não sei...

– E sabe, Félix, eles tem a casa deles, a vida deles, o canto deles, não quero atrapalhar. Mesmo morando perto, eles não iam viver junto da gente todos os dias. Tem o trabalho, os filhos... nossos netos tem escola.

– É Niko, como eu sempre repito feito um disco arranhado, eles tem a vida deles. - Félix fala pausando entre cada palavra.

– E eles vem sempre aqui, né? – Niko já esboça um sorriso deixando a cara chorosa e preocupada para trás.

– Sempre, eles vem sempre.

– Félix, você fica chateado se eu disser que... que não quero nada disso? Parei! Esquece. Vamos morar só aqui.

Félix quase não se contém de vontade de rir mas se finge indignado: - Mas eu devo ter sido cambista na rampa da Arca de Noé pra você dar essa volta toda na conversa e chegar à conclusão que não quer sair daqui! Carneirinho... que coisa!

– Ai, Félix, não briga comigo... Olha, não precisa procurar os apartamentos, tá? Vamos continuar aqui no nosso cantinho.

Finalmente Félix ri com vontade.

– Eu sabia Niko... eu sabia! Ah, Carneirinho... eu te conheço tão bem... tão bem!

– Espera Félix, você estava me dando corda sabendo o tempo todo que eu não ia querer mudar daqui, não estava?

– Ai Niko... eu sei de tudo que vai dentro dessa cabecinha emoldurada por cachos dourados.

– Ah, é? E se eu quisesse? E se eu decidisse mesmo mudar, e pra duas cidades? Você ficou incentivando, concordando...

– Não Niko, meu adorado Carneirinho. Eu estava te distraindo com essa conversa para você não ficar nervoso, esperando Fabrício olhando pro relógio. Eu sabia que você não ia topar essa idéia. Mas se você quiser mudar, nós mudamos. Só que eu sei que você não quer.

– Ai Félix... você... você não tem jeito.

– Ai Niko... você... você é adorável! Me dá um beijo? Temos menos de cinco minutos até Fabrício chegar. Vem, me beija.

– Como você sabe que ele vai chegar em cinco minutos?

– Anda, Niko! – Félix começa a agarrar ele no sofá. – Deve ter menos de quatro minutos agora, vem.

– Félix, como você sa... – Niko é interrompido e já não pode mais falar. Sua boca recebe a de Félix em um beijo ardente. É empurrado por ele no sofá até ficar deitado e Félix deita por cima enquanto continua o beijo apaixonado. Até que são interrompidos por um barulho de carro vindo do lado de fora e o som de uma buzina.

– É nosso bebê! – Félix diz após interromper o beijo enquanto se levanta.

– Félix, me diz como você sabe!

– Ai, Niko, meu bobinho... olha aqui. – Félix mostra para ele o aparelho que tem no braço, uma versão mais avançada do iwatch, um tipo de relógio inteligente que, entre outras coisas, recebe mensagens via web. Niko não liga muito para as novidades tecnológicas, já Félix adora. Ele não percebeu mas, durante a conversa, o relógio de Félix recebeu a comunicação da aproximação de Fabrício. Por GPS os contatos são avisados e Félix sabia que o filho acabara de entrar na estrada que dá acesso à casa deles.

Rindo e se abraçando, os dois caminham até a porta para receber Fabrício. Ao mesmo tempo chega o carro da agência de empregados trazendo as duas moças para passar o final de semana. Elas já conhecem a casa, acenam e entram.

Fabrício desce do carro acompanhado da esposa e três filhos. Ele corre na direção dos pais, gritando e jogando os braços para cima como de costume:

– Oi papais! – Os três se abraçam juntos. Depois, enquanto os pais cumprimentam a nora e os netos, Fabrício segue falando alto:

– Olha, eu devo ter salgado a Santa Ceia pra pegar um engarrafamento tão grande hoje, parecia fila no deserto indo na direção do único oásis da região! Queria chegar mais cedo, mas isso só se eu tivesse um helicóptero! Pelas carruagens de Nero, eu juro que um dia eu compro um. Eu não sei como uma pessoa como eu ainda não tem um helicóptero!

Félix e Niko se entreolham e riem. É evidente que Fabrício é a mistura dos dois. Fabrício é lindo e loiro. Tem um belo par de olhos verdes e cabelos cacheados. Ele é a cópia fiel de Niko fisicamente, mas adquiriu quase todo o jeito e a personalidade de Félix. É sagaz, observador, inteligente, expansivo, adora aparecer, tem gestos elegantes, sempre um comentário ácido na ponta da língua e não perde a oportunidade de fazer piada com nada, nem com ninguém.

– Se você morasse em São Paulo ia ser pior. Do Rio até aqui vem bem mais rápido! – Comenta Félix.

Niko se aproxima de Fabrício e segura o rosto dele: – Olha Félix, como está cada dia mais lindo nosso filho!

– A sua cara Carneirinho... a sua cara.

– Vocês dois... – Fabrício olha pra eles com carinho e os abraça de novo, os dois ao mesmo tempo. - Aposto que à noite já rolou festinha, já estão comemorando desde ontem, né? – Fabrício diz piscando o olho para Félix.

– Rolou mesmo... e como rolou! – Félix pisca de volta pra Fabrício.

– Félix! – Niko fica vermelho, ri mas dá um tapa no braço de Félix.

– Me poupem os detalhes, pelas jóias do Rei Salomão! – Fabrício se afasta rindo e falando alto: - Vocês não mudam, vocês não mudam!

Os três são sempre assim. Fabrício acompanha Félix nas brincadeiras, ou é Félix que acompanha Fabrício. O fato é que os dois se entendem com piadas e provocações já que tem o mesmo senso de humor. Eles gostam de mexer com Niko, fazendo-o cair em brincadeiras ou implicam com o Carneirinho até deixa-lo sem graça.

Fabrício fez faculdade de administração no Rio de Janeiro, para ficar mais perto de Angra. Ainda na faculdade, montou a primeira filial do restaurante da família naquela cidade. Hoje são três totalmente administrados por ele, que adora cozinhar, como um dos pais, fez todos os cursos possíveis e imagináveis de culinária, especialmente japonesa, é um excelente sushiman mas cozinha por gosto apenas, não trabalha como chef. Usa todo seu conhecimento para contratar, supervisionar e treinar os chefs e assistentes dos três restaurantes. A sua vida profissional reflete a experiência adquirida de ambos os pais e, nessa mistura, ele é um administrador de sucesso e um cozinheiro de mão cheia.

Depois de viver a vida louca na Cidade Maravilhosa, sem nenhum preconceito para qualquer tipo de relacionamento, Fabrício conheceu e se apaixonou por uma mulher. Se casaram há cinco anos quando descobriram que ela estava grávida. Eles tem três filhos já. No mais velho, Fabrício colocou o nome de Felipe, que era o nome que Niko gostaria de ter dado à ele, antes dele ser registrado como Fabrício. E as gêmeas, com quase três anos, receberam os nomes de Nívea e Clara, são as duas meninas mais branquinhas que já se viu.

– Puxaram o Carneirinho essas meninas, são brancas como uma folha de papel! – Félix brinca com as netas e pega uma no colo. Niko pega a outra. As gêmeas nasceram de maneira natural, provavelmente herdaram isso da família da mãe biológica de Fabrício. A mãe das crianças acha graça do comentário sobre a cor das meninas:

– Félix, o Niko não é tão branco assim!

Niko comenta que é verdade, já que ultimamente anda mais bronzeado de sol, tem estado muito na piscina e na praia. Mesmo a pele que antes ficava apenas rosada, hoje em dia, depois de tantos anos, está um pouco mais bronzeada. Félix, como de hábito, não perde a oportunidade e faz uma piada com a nora.

– Você acha que não, que ele não é tão branco? É porque você não vê onde o sol não bate, eu vejo todos os dias, eu sei.

– Félix! Você não tem limite pra essas piadas? – Niko protesta enquanto a nora ri disfarçadamente e as crianças riem sem saber por quê.

– Ihh Niko, tantos anos e você ainda não me conhece?

Todos continuam rindo, até que Niko não resiste e ri também. Isso o tempo não mudou. Félix faz piada até com o que não deveria e todos riem mesmo assim, já acostumados com seu jeito.

Félix pega Felipe pela mão: - Felipe, vem com o vovô ajudar suas irmãzinhas na casinha de bonecas. – Eles vão até o local no jardim onde foi instalada uma linda casa de bonecas há anos atrás para a primeira neta brincar.

Enquanto Félix e a nora brincam com as crianças, Niko e Fabrício dividem o trabalho na cozinha e cuidam do almoço para todos eles. Embora seja este um dia de inverno, no litoral do Rio de Janeiro, de dia, o tempo é quase sempre quente. Então organizam a mesa do lado de fora, perto da piscina. A mesa enorme aguarda a chegada de mais gente.

De repente, Jonathan e sua família, a esposa Ana e mais a filha, entram pela porta da sala. Jonathan e Ana se casaram após a formatura deles mas ainda esperaram alguns anos para ter o primeiro filho. No caso uma filha, que hoje tem 23 anos.

Quando ela nasceu Jonathan queria dar o nome de Felícia ou Felicity, em homenagem ao pai. Félix foi o primeiro a desencorajá-lo. A avó paterna, Edith, sugeriu o nome Tamara, o mesmo da mãe dela. Félix protestou e Ana também não gostou da ideia. Os pais de Ana sugeriram vários nomes e nenhum agradou a ninguém. Até que Niko, observando o bebê na maternidade, sugeriu o nome Melanie, que significa “negro” ou “escuro”, já que a menina nasceu com olhos e cabelos bem pretos, que se destacavam ainda mais pelo contraste com a pele alva. Jonathan, Ana e os pais dela adoraram. Edith odiou, provavelmente por ter sido sugestão de Niko, mas Félix amou e exclamou na ocasião: Lindo nome Carneirinho, vou chama-la de Mel. Com certeza ela será como o avô Félix, cheia de mel!

Melanie foi ficando cada vez mais parecida com Félix conforme ia crescendo. Alta e esguia, de pele clara, com cabelos lisos e pretos, ela é também inteligentíssima e bastante sensível. Quando criança e adolescente ela passava as férias em Angra, para onde sempre queria retornar, causando até ciúmes no outro avô e nas avós. Ficava horas conversando e rindo com o avô Felix e se aventurando a cozinhar e provando as delícias do avô Niko. Era como se fosse a filha que eles não tiveram e ficaram muito apegados à menina. Melanie é o verdadeiro xodó de Félix que gostava de arrumar, pentear e vestir a neta combinando os sapatos com o vestido quando ela era uma menininha. Depois, conforme ela ia crescendo, escolhiam juntos as bolsas, brincos e diferentes acessórios durante os períodos que ela passava em Angra.

Agora ela chega e vai correndo abraçar os queridos avôs. Primeiro ela encontra Niko na cozinha, o abraça carinhosamente e dá um beijo estalado na bochecha dele.

– Vô Niko, que saudades do carneirinho mais fofo desse mundo!

– Mel! Meu amor! Quanto tempo, querida! Que falta você faz nessa casa!

– Ah, vôzinho querido... estágio, pós-graduação, sabe como é né. Mas eu juro que venho em um próximo feriadão.

Niko e Mel se abraçam, Fabrício se junta à eles e os três conversam animadamente sobre o que terão no almoço. Niko recomenda que ela vá logo atrás de Félix porque ele está ansioso esperando por ela. Melanie vê Félix brincando com as crianças de Fabrício na casa de bonecas no jardim, onde ela brincava quando pequena, e corre em sua direção, já gritando seu nome. Após um demorado e apertado abraço, ela pergunta mostrando o vestido, sapato e outros acessórios:

– Tá aprovado meu look, vô Félix?

– Como sempre, você está linda, Mel! Herdou do seu avô o gosto para se vestir e a beleza! Pelos véus de Salomé, uma moça tão magnífica como você, vai ter dificuldades em conseguir um namorado à sua altura, ah vai!

– Namorado tá mesmo difícil! Depois do último estou pensando em procurar uma namorada vô, que tal?

– Tem gosto pra tudo, meu doce!

Ela pega o avô pelo braço e os dois saem caminhando pelo jardim. Nos últimos anos, quando se encontram, o assunto principal é o amor e os relacionamentos da jovem, que não tem tido muita sorte nessa área.

– Mas eu não encontro mesmo ninguém suficientemente bom pra mim, vôzinho. Só encontro problemas. Eu vou acabar sozinha... socorro!

– Minha Mel, meu docinho, será que você não está com pressa demais? Ou está escolhendo demais?

– Ah, vô Félix, a realidade é que quero encontrar um grande amor, grande mesmo... tipo o maior do mundo, sabe?

– Criatura!? O maior do mundo? Você tem cada uma... Você é minha neta mesmo... axageraada!

– A-há, então o senhor admite que é exagerado!

– O seu avô Carneirinho fala que eu sou né... então eu devo ser! – Conclui rindo.

– E por falar em avô Carneirinho... é isso que eu quero pra mim. Não aceito nada menos que isso.

– Isso o que, Mel? Um bofe loiro de olhos verdes? Não vai me dizer que... ai que bafão, você quer um homem gay, é isso?

– Ai, vô... não brinca agora, é sério.

– Tá bom... explica então. O que seu avô Carneirinho tem que você quer igual?

– Eu quero alguém que me olhe... do jeito que o vô Niko olha pro senhor!

– Ah, é? – Félix fica um pouco sem graça, algo raro de acontecer - E como ele me olha?

– Nossa, é a coisa mais linda de se ver! Ele olha embevecido pro senhor... olha de um jeito... é a coisa mais bonita que eu já vi. O senhor também fica diferente quando olha pra ele. O amor de vocês é tão forte, tão verdadeiro... ah, eu quero um assim pra mim.

–Ah, menina... para, tá? Para que você tá me deixando com os olhos cheios d’água! – Félix tenta continuar falando mesmo com a voz embargada. Não era difícil ele se emocionar quando o assunto era o amor dos dois. – Mel, presta atenção, você vai encontrar, tá? Vai encontrar esse amor enorme que você tanto quer. Mas olha, não tenha pressa. Eu aprendi que a pressa faz a gente escolher errado. Então, se demorar, tanto melhor. Porque comigo foi assim. Pelas contas do Rosário, demorou! Mas quando eu encontrei... nossa, como valeu à pena!

Félix e a neta chegam caminhando e conversando até perto da praia. De lá ele olha para a casa e consegue avistar Niko carregando pratos na área externa, junto com Fabrício e as auxiliares. O almoço já está sendo servido na mesa à beira da piscina e eles começam a voltar. Niko acena fazendo sinal para que eles venham rápido. Quando todos começam a sentar em volta da mesa, Niko sente uma pontinha de tristeza porque ainda falta alguém ali para a família ficar completa. Jayme sua esposa e filhos, costumam sempre chegar mais tarde, já que Jayme tem a vida muito atribulada.

A família almoça feliz. O almoço acontece como sempre: com muito boa comida, muitos elogios aos chefs e muita conversa animada. Niko se preocupa quando Félix começa a tomar a segunda taça de vinho branco, mas decide não dizer nada, apenas observa. Para o seu alívio, Félix não toma a terceira e passa a beber apenas água.

Quando chega a hora da sobremesa, Fabrício, Niko e as auxiliares trazem para a mesa todos os ingredientes para prepararem sundaes e banana splits. Sorvete sempre foi a sobremesa favorita de Fabrício e Mel, agora era de Felipe também. Potes de sorvete de diversos tipos, caldas, biscoitos, pedaços de frutas frescas e frutas secas enchem a mesa de cores e sabores. Félix é o primeiro a pegar uma taça e começa a montar um lindo sundae de chocolate com calda, chantilly, biscoitos e uma cereja em cima. Niko percebe mas finge que não está prestando atenção e segue entregando taças e talheres para todos. Quando a taça de Félix fica pronta, ele entrega para o netinho Felipe e o ajuda a comer, ele mesmo não come nada, nem uma cereja, nem um biscoito, não prova nem uma colher de sorvete, nada.

Niko então vai em direção à cozinha e volta poucos minutos depois com dois pratinhos de sobremesa, um em cada mão. Em cada pratinho, uma fatia do doce que Félix queria comer no café da manhã, a sobremesa favorita dele. Niko senta-se ao lado do companheiro.

– Eu trouxe pra gente. – Ele entrega um dos pratos para Félix e fica com o dele.

Félix olha para seu carneirinho e dá um sorriso. Pega a fatia em seu prato e corta ao meio. Coloca uma das metades no prato de Niko ficando com menos doce no seu.

– Pra você. – Félix fala. – Vou comer só isso. Você vai comer mais, porque você pode.

Niko não diz nada. Apenas olha sorrindo para Félix, que continua:

– Eu vou me cuidar, tá? Já estou me cuidando.

– Eu sei. Você até bebeu menos, eu percebi.

– Tá me vigiando, Carneirinho?

– Vigiando não, estou cuidando.

– Tá bom. Mas eu prometi e vou cumprir. Eu vou me cuidar. Não pense que vou deixar você sozinho, solto por aí, saltitando livre com esses seus olhos lindos. Tenho certeza que vai aparece um inseto rastejante querendo ficar no meu lugar.

Niko explode em uma gostosa gargalhada chamando a atenção de todos. Ele ria do jeito de Félix falar, mas também de felicidade e alívio.

–Félix! Você... você tem cada uma....

Todos balançam a cabeça concordando, sem nem saber a razão da risada de Niko pois não prestavam atenção na conversa deles.

– Você dois... – Repete Fabrício, rindo.

Félix sorri enquanto come seu pequeno pedaço de sobremesa. Niko também saboreia o dele enquanto coloca uma das mãos no joelho de Félix, embaixo da mesa, e vai subindo pela coxa dele vagarosamente, até que Félix segura a mão atrevida no meio do caminho. Eles se olham, sorriem, trocam piscadelas e continuam assim até acabar o almoço.

Já passa das três da tarde quando a mesa é retirada. A esposa de Fabrício leva as gêmeas para dormir um pouco, Melanie brinca com Felipe e os outros se reúnem na sala conversando, olhando tablets e TV, passando o tempo. Niko parece aflito e caminha até o lado de fora da casa, onde os carros estacionam quando chegam. Félix percebe e vai atrás dele.

– Carneirinho...

– Félix, tem notícias de Jayme?

– Ainda não.

– Quando você souber de algo, me fala? Mas fala mesmo, não vai brincar igual fez com Fabrício.

– Tá bom Niko. Vem, vamos entrar ele já deve estar chegando. Está esfriando.

– Está mesmo? Porque eu senti um arrepio... achei que tive um pressentimento ruim. Ai Félix, acho que aconteceu alguma coisa com Jayme.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O que será que aconteceu com Jayme?
Para cada Carneirinho aflito há um Félix protetor.
Para cada Félix rebelde há um Carneirinho cuidador kkk
... bobagens...
Confira no próximo o que aconteceu com Jayme e a familia dele, e mais conversas e momentos dos coroas mais charmosos do Brasil.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "E viveram felizes para sempre!" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.