Renascer Dourado escrita por Sargas


Capítulo 4
Fogo e Trevas




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GRÉCIA

Atenas – Centro Comercial

Ele estava parado junto à janela, olhando para o movimento 25 andares abaixo. Imagens mudas.

O rapaz de braços cruzados olhava preocupado para os carros num transito louco lá embaixo, as pessoas transformadas em simples borrões pela altura em que se encontrava. Suspirou fundo quando o telefone tocou sobre a mesa ampla de seu escritório, atendeu.

– Sim? Alguma notícia, Helena?

Na ante sala próxima a sua, a secretária respondeu com aquele ar de familiaridade formal que distinguia a hierarquia dentro da empresa.

– Até o momento nada, senhor Saga...

– A senhorita tem mesmo certeza de que aquele foi o único recado que ele deixou?

Ela revirou os olhos, ainda bem que uma parede separava-os, ou aquilo poderia ter lhe trazido sérias consequências. Mas que inferno! Porque toda vez que o irmão do patrão sumia, era responsabilidade dela encontrar seu paradeiro?

– Tenho, senhor. – Ela engoliu o desagrado e sua voz soou sem sarcasmo que gostaria – Já experimentou verificar seu celular, senhor? Já que sendo seu irmão, talvez tenha deixado um recado particular...

Saga ainda em pé, passou a mão pelo cabelo visivelmente chateado.

– Não... ele não deixou recado nenhum. Continue tentando, Helena.

A secretária deu graças aos céus ao clique seco que desligou a ligação. A segunda secretária olhou com ar entediado para ela, do outro lado da sala, enquanto se servia de café na máquina de expresso.

– O Kanon sumiu de novo, foi?

– Pra variar... eu só queria saber porque sempre sobra pra mim ter que encontrar aquele almofadinha folgado. Você é a secretária dele...

A segunda garota sorriu debochada.

– Hahaha, é ruim do Saga confiar na secretária do irresponsável do irmão dele. – piscou travessa para a companheira – Acho que fiquei com o irmão legal, né?

Helena torceu o nariz.

– Ficou com o vagabundo, isso sim! Queria ver o que seria dessa empresa se não fosse o Saga. Aliás, depois que o Kanon começou a sair com aquela peruazinha da Saory, resolveu sumir de vez daqui, né?

Bebericando o café quente aos poucos para não queimar a língua, a segunda moça respondeu.

– Não gosto dela.

– Eu sei lá, acho aquela menina muita estranha... tem alguma coisa esquisita...

O telefone voltou a tocar, Helena atendeu com má vontade, embora forçando simpatia na voz.

– Escritório Administrativo SM, boa tarde...

Enquanto ela falava, a outra secretária ouviu batidas leves na porta de vidro de acesso ao escritório. Deixou o copo plástico com o café sobre a mesa da companheira e ajeitou a saia preguiçosamente indo atender a porta.

Do outro lado dela, Milo equilibrava as três pizzas numa mão e na outra segurava o capacete. A moça abriu a porta sem muita paciência.

– Pois não?

Milo não estava pra papo, seu dia fora péssimo e não ia aturar má vontade de secretária.

– A pizza.

Olhou pra ele confusa, mas sem deixar de lado o ar arrogante.

– Que pizza?

– Essa é boa!–- pensou ele, uma secretária além de burra, cega. Ergueu ainda mais a pilha de três caixas para perto do nariz dela -- Essas pizzas!

A garota riu divertida da cara dele.

– Nós não fizemos o pedido de pizza nenhuma, amigo...

Ok, agüentar bronca do chefe, beleza... superar a indiferença de Camus quanto aos seus problemas, sem crise! Suar feito um condenado no calor que fazia lá fora durante todo o caminho até ali, ele poderia suportar, mas não... Nem por um decreto do papa ele ficaria parado, sendo motivo de piada ou brincadeira de mau gosto!! Jogou o capacete com desdém no chão, se controlando para não soltar dois berros para cima daquela magricela atrevida e revirou o bolso da camisa achando lá dentro uma nota fiscal.

– Esse é o escritório administrativo da vice-diretoria dos produtos de Softwar barra Hardware, Star Machine?

A garota agora ficava confusa. - É mas...

Milo a interrompeu ainda olhando no papel os dados do cliente que fizera o pedido, quase atropelando as palavras com a raiva querendo saltar por cada poro.

– TemalgumcarachamadoSagaaqui?

– Tem, ele é nosso patrão, mas ele não...

Empurrando a porta com as caixas, Milo entrou na ante-sala, deixando o capacete caído do lado de fora.

– Então me dá licença.

Indignada com a audácia daquele entregadorzinho de pizza, a moça disse.

– Você não pode ir entrando assim...

– Não? Pena, já to dentro e vocês me devem 15 dinheiros.

Irritando-se cada vez mais, ela elevou o tom de voz. Onde já se viu? Um garoto com tamanha empáfia?

– Mas não fizemos pedido nenhum, não devemos nada pra você, se liga!

Milo explodiu. Sair no prejuízo por causa de uma brincadeira de mau gosto? Nem ferrando!

– Não é isso que diz essa nota aqui, minha senhora! – Sacudiu a nota na frente do rosto dela, embora a vontade fosse de faze-la engolir o papel.

A secretária empurrou a mão dele.

– Dane-se você, suas pizzas e essa nota. Saí daqui antes que eu chame a segurança!

– VAI SE DANAR VOCÊ, SUA INCOMPETENTE! NÃO TEM CAPACIDADE PRA COISA MELHOR E FICA SE ACHANDO O MÁXIMO COM ESSE EMPREGUINHO DE MERDA!

Ela corou de raiva.

– O QUE???

A discussão continuaria se Helena não tivesse gritado para ambos.

– Dá pra vocês calarem a boca?!

Os dois olharam pra ela, sem graça. Helena cobria o fone com a mão e falava com tom de ameaça... a expressão carregada, tomada de uma total preocupação.

– Adonia, você devia saber que aqui não é lugar pra isso. Se a sala do Saga não fosse isolada acusticamente, ce tava na rua!

Ela olhou para Milo, os olhos faiscando.

– E você, rapaz, sossega seu rabo quente que a gente vai resolver isso. Agora façam o favor de calarem a boca!

Helena voltou ao telefone, tirando nervosamente o cabelo dos olhos e apertando um dos ramais do aparelho. Do outro lado a voz de Saga.

– Fala Helena...

– Senhor... – ela engoliu em seco, odiava ser portadora de más notícias - Chamada para o senhor, no ramal três... é sobre o senhor Kanon...

Na sua sala, Saga atendeu ao ramal já esperando pelo pior, dado o timbre da secretária.

Um homem, de voz forte e hesitante perguntou reticente do outro lado.

– Senhor Saga...?

– Ariston, é você? O que houve? Tem notícias do Kanon...?

A voz saiu abafada, tremida.

– Ele... ele sumiu senhor...

Saga sentou-se lentamente na poltrona frente à mesa, quase petrificado.

– Como assim, sumiu? Desapareceu do navio onde estava? Foi seqüestrado? É isso que está querendo dizer,?

– Sim senhor – o homem parecia aterrorizado – Ele desapareceu, junto com toda a tripulação do navio...

– Como assim? Você não está querendo me dizer que...

– É isso mesmo senhor, o navio onde o senhor Kanon viajava com a amiga, foi encontrado vazio, ancorado numas das praias da Ilha de Minos. Ninguém sabe o que aconteceu, nem a guarda costeira! Estão acionando a marinha, mas até agora, nem sinal...

Saga murmurou com o telefone junto ao rosto.

– Isso... não é possível... todos os passageiros...?!

O homem falou, ainda falou antes de desligar.

– Manterei o senhor informado assim que tiver mais notícias. Eu... sinto muito. – O fone estalou do outro lado finalizando a chamada.

Saga recobrando-se da surpresa mórbida, clicou novamente no ramal.

– Helena, será que poderia...

Ouviu o barulho da porta do escritório ser jogada com força contra a parede. Milo entrou na sala e atirou as pizzas sobre a mesa dele, seguido de perto pelas duas secretárias que tentavam impedi-lo. Ele cruzou os braços na frente de Saga e cobrou.

– O senhor me deve 15 dinheiros pelo pedido, senhor Saga. E não adianta chamar os seguranças, só saiu daqui com o pagamento.

Saga colocou o fone tranqüilamente no gancho, levantando-se. Disse com desdém, sem encarar Milo.

– Olha garoto, não sei de que buraco você saiu, mas não pedi essa coisa... Sendo assim, não te devo nada.

Depois ele olhou para Helena, enquanto caminhava em direção a uma porta que dava para uma saleta, ambas as salas divididas apenas por uma parede de vidro.

– Agora, se fizer o favor de acompanhar minha secretária até a saída, nós poderemos esquecer essa invasão...

– Vai a MERDA! VAI SE FERRAR, SEU MAURICINHO! Não saio dessa sala sem o dinheiro das pizzas e se tem teu nome na nota, o pedido é seu, camarada!

Uma quinta voz penetrou na sala. Uma voz forte, seguida de vários passos atrás dela.

– Creio que o pedido foi nosso, Saga.

Olharam para a porta e para o homem alto e bem vestido encostado nela. Atrás dele, três outros seguravam metralhadoras semi-automáticas de pequeno porte e apontavam as armas para eles.

O rapaz bem vestido que parecia ser o líder, continuou.

– Desculpe-nos pela confusão.

Saga estava parado e sério, Milo se eriçou todo, cerrando os punhos com frustração crescente. Que bela maneira de começar a tarde... agora tinha certeza de que não deveria ter levantado da cama naquela manhã.

– O que vocês querem...? – Saga proferia palavra sem elevar o tom ou demonstrar qualquer expressão a não ser uma calma fria.

Mas nada poderia ser feito quanto ao que veio a seguir... foi tudo muito rápido. Helena tentando segurar a amiga, a moça se desvencilhando aterrorizada e correndo para o telefone num desespero cego... Saga gritando para ela.

– NÃO! FICA ONDE ESTÁ!!!

A rajada seca, enchendo a sala com um som trovejante, Helena caindo de joelhos gritando, Milo jogando-se no chão com tapando os ouvidos com as mãos, ainda a tempo de ver o corpo da secretária cair sobre a mesa de Saga, encharcando os papeis e o carpete da sala de vermelho.

Saga atirou-se pela porta que dava acesso à saleta, dividida pela parede de vidro. Bateu fortemente a mão sobre a placa de metal, onde estavam os botões de controle da porta de aço, que imediatamente trancou-o em segurança lá dentro com um baque surdo.

Milo ergueu os olhos e viu a moça inerte olhando pra ele. Olhos embaçados e sem vida, cabelos bagunçados caído no rosto e um fio de sangue escorrendo de sua boca... Olhando bem, ela não era tão feia quanto mal educada...

Sussurrou para si.

– E dia de cão!

...

ESPANHA

Shaka parou estagnada de total horror ao ver a pilha incendiária que se tornara a casa a sua frente.

Curiosos estavam ao seu lado observando e especulando o que poderia ter acontecido ali... Ouviu uma mulher com uma saia mais do que simplesmente curta e dicção prejudicada pelo chicle que mascava tagarelar a uma segunda.

– ... Tô dizendo... Foi esquisitão, tipow... nenhum barulho e o fogo começou no andar de cima. Na boa, foi à conta daqueles dois entrarem e não deu cinco minutos, a casa começou a pegar fogo, não sei como eles lá dentro não perceberam...

– E o Shura? Ele não tava em casa?

A menina riu com maldade.

– Hahaha, ta bom que o Shura passa a noite aí, com o trabalho que tem...

A amiga dela parecia verdadeiramente compadecida. -- Coitado do Shura, só tinha o pai... e o casal que entrou? Você conhecia?

– Nem. – soprou e estourou na boca uma bola da borracha doce -- ...Mas pareciam assim, gente com grana, sabe? A mulher tinha uma boa pinta, alta, visu meio new age, natureba...

Shaka sentiu uma pontada no peito, apertou a mão contra ele... atrás de si um barulho de pneu derrapando. Olhou para trás, junto com os outros ali, viu Shura deixar a moto cair no chão enquanto encarava vidrado de surpresa a sua casa em chamas.

Ele se aproximou da pequena multidão que se formava, gaguejando com a voz falhada:

– P... pai...?

Shaka viu-o caminhar devagar, entre pequenos tropeços para perto da casa. Sentia-se próximo dele, como se os apenas os dois tivessem uma total dimensão do que havia: não era apenas uma imagem de uma pilha de chamas consumindo um imóvel de donos desconhecidos, era a realidade deles. Os pais de ambos estavam dentro daquele inferno, e ninguém naquele grupo saberia o que estavam sentindo, não havia quem se importasse mais do os dois!

Ouviu novamente a garota de ar vulgar.

– Shura... a gente não viu nada, só quan...

Shura virou-se para ela tão rapidamente que a garota se assustou, ele já gritava antes mesmo que ela pudesse continuar falando.

– Algum de vocês pediram socorro? Alguém aqui se deu ao trabalho de ligar para os bombeiros??

Ela calou-se sem jeito, abaixando a cabeça e ajeitando o cabelo, parecia agora – pensou Shaka - que o chiclé que mascava perdera grande parte da graça. Mas foi a amiga dela quem respondeu, timidamente sem encarar Shura.

– Sim... eu liguei... mas talvez eles demorem... parece que um caminhão tombou no caminho e...

Indignado Shura olhava para todos ali, como se eles tivessem parte da culpa, como se não passassem de espectadores num show de horrores... Sabia que a talvez morte do seu pai se tornaria o alvo do falatório dos vizinhos durante aquele mês, sentia raiva de todos, porém reservava a maior parte para ele. Havia deixado sozinho o pai doente e acamado, deveria saber que uma coisa como aquela poderia acontecer.

Gritou cobrando uma atitude de cada um, em cada palavra.

– Eles... eles vão demorar?? É isso? E ficaram parados aqui, desde o começo... sem fazer nada?

Shura fechou o punho e antes de correr para se enfiar porta adentro da casa, onde o segundo andar já ameaçava cair sobre o primeiro, gritou com mais repulsa de si, do que dos vizinhos que nada fizeram de realmente relevante para ajudar seu pai.

– BANDO DE PARASITAS!

Vendo que o rapaz se atirava para dentro das chamas, a garota do chicle ainda tentou impedi-lo, correndo até ele, segurando em seu braço.

– Shura! Ce não pode entrar lá... vai acabar morrendo! Os bombeiros estão chegando e...

– Meu pai está lá dentro, mas no espero que entenda! ME LARGA!!

Soltando-se dela tão rudemente que a derrubou no chão, Shura desapareceu na fumaça carregada de fuligem, que vazava pela porta e pelas janelas.

– Shura!!! – Ela ouviu outra pessoa se aproximar atrás de si.

– Ele não vai conseguir sozinho... – Disse Shaka - ... Não vai dar tempo.

Reparou no olhar calmo e pensativo de Shaka, e teve certeza da intenção dele.

– Ce não pode ta pensando em entrar lá... não seria louco!

Encarou-a com aquele ar penetrante, mas sem qualquer sinal de afeição, perguntou mais para si mesmo que para ela.

– Por que não?

A moça ria nervosa, a situação estava ficando incontrolável, mas ninguém parecia querer tomar qualquer atitude a não ser observar a tudo em silêncio.

– Deixa que os bombeiros se arrisquem, ce não tem nada a ver com isso!

Shaka encarou-a.

– Meus pais também estão lá.

E dito isso, correu sem olhar para trás. A garota permaneceu imóvel no lugar, não podia crer no que via, que tipo de amor dava àqueles dois tamanha coragem?

Piscou com força ao ver a silhueta de Shaka sumir entre a fumaça, e por um breve momento teve quase certeza do vislumbre de uma áurea dourada cobrindo o corpo do rapaz.

Seus olhos ardiam e lacrimejavam apesar de proteger o nariz e a boca contra a fumaça intoxicante, por isso Shura sabia que permanecer ali durante muito tempo seria fatal.

O fogo descia pelos degraus da escada o teto rangia junto com a estrutura do segundo andar, ameaçando se atirar sobre ele, mas não sairia. Não antes de encontrar seu pai e ter certeza de que fizera o máximo para salva-lo, tira-lo do incêndio com vida.

Ouviu a madeira estalando atrás de si, virou-se certo de que seria atingido por algum pequeno foco de explosão, mas o que viu em meio a fumaça incandescente foi um rapaz louro, de semblante preocupado se aproximando dele, também com a mão sobre o nariz e a boca e os olhos lacrimejando levemente vermelhos.

Tentou falar, dizer para ele sair dali, mas a primeira coisa que brotou de sua garganta foi um acesso de tosse, curvou-se com uma dor aguda no peito que ardia quente.

Shaka chegou até Shura, que já se levantava tentando recuperar o fôlego.

– Sai daqui!

– Não... – Shaka balançou a cabeça – Meus pais estão aqui com o seu!

Shura transpirava, uma gota de suor quente caiu de sua sobrancelha até seu olho direito, o calor estava ficando insuportável. - Você só vai atrapalhar! Sai!!

Shaka não se moveu. - Se ficar ai parado reclamando, não vai conseguir fazer muita coisa! Anda, me mostra onde é o quarto do seu pai.

O rapaz balançou a cabeça irritado ao ouvir um outro estalo dessa vez mais alto e mais próximo, ele olhou escada acima e percebeu desgostoso que o segundo andar não aguentaria mais tempo.

– Ok! Mas fica atrás de mim, no quero ter que te carregar morto pra fora!

Shaka sentiu o forte puxão no braço, deixou-se ser conduzido por Shura que lhes levaria até o quarto.

Atravessaram uma sala ampla, o piso estava quente e as cortinas parcialmente consumidas pelas chamas, mas o fogo queimava de cima para baixo. O que fez Shaka lembrar-se do comentário da garota. Ela estava certa, o foco do incêndio era o andar de cima.

Reparou quando Shura parou em frente a uma porta no final da sala, sua voz soava sufocada, por causa de sua mão sobre a boca:

– O quarto de mi velho é aqui, vou puxar a maçaneta e você afasta un poco... talvez o fogo já tenha tomado o cômodo e vai explodir de dentro pra fora.

– Certo... – Dito isso, se afastou alguns passos para o lado.

Shura abriu a porta e usou-a como proteção, mas não houve explosão alguma talvez o fogo já tivesse encontrado vazão para o lado de fora pela janela quebrada do quarto. Os dois entraram rapidamente, porém, do outro lado não encontraram o que gostariam...

Os pais não estavam ali e no lugar deles, sentada na cama inerte com um olhar distante encarando-os, uma garota. Ela não se moveu aos vê-los entrar assombrados pela sua presença de forma tão indiferente ao fogo que tomava conta de tudo. Shura perguntou perturbado.

– Quem... o que faz aqui?

A voz dela soou rouca, arrastada e desprovida de qualquer emoção. A pele tão pálida e os cabelos louros prateados quase brancos davam a ela um aspecto sombrio, mórbido. Concentrou os olhos em Shaka, que sentiu um arrepiou diante daquele olhar, havia algo nela e a moça sabia que o mesmo acontecia com ele.

– Esperando vocês...

Shura agarrou-a pelo braço, fazendo com que ela se levantasse apática da cama.

– Onde está meu pai?

Olhou para Shura, sem vê-lo de fato. Era como se seus olhos enxergassem além dele, através dele. Respondeu sem qualquer afetação.

– Não estão mais aqui...

– Foi você? Foi você quem fez isso?

Shura sentiu a mão de Shaka sobre seu braço, que com um gesto de cabeça tentava acalma-lo. - Melhor sairmos daqui...

Ouviram um forte rangido vindo do andar de cima. - ... Eles não estão, você sabe disso, eu sei disso.

Desviou a atenção para a garota que Shura continuava segurando agarrada ao braço, ela não parecia se incomodar estava indiferente a tudo. Olhava para a porta com uma expressão vazia.

Ele suspirou soltando-o e caminhando em direção a porta.

– Tem razão, eles devem ter saído pela janela e...

– Não há mais tempo... – Ela falava de novo, sua voz sempre com aquele timbre monótono.

Enquanto Shura se virava para indagar-lhe sobre ao que se referia, Shaka viu uma viga do teto ceder, pulou empurrando Shura, que caiu de bruços diante dos pés da garota. A moça apenas inclinou o rosto para baixo e afastou vagarosamente os pés do rosto do rapaz, sem se afastar muito, no entanto.

Recuperando-se do susto, Shura procurou por Shaka e o viu caído no chão, com o corpo preso pela viga em chamas. Desesperou-se, porém a garota apenas observava com total indiferença e sombras das chamas dançavam agourentas em seu rosto.

Ainda com as luvas de couro protegendo as mãos, Shura gritava tentando afastar a viga pesada de madeira sólida de cima de Shaka, que jazia inconsciente:

– Acorda, cara!!! Yo no vou te deixar aqui, acorda!

“Shaka...”

A voz mais uma vez, vinha de longe... Shaka não sentia seu corpo, nem podia mais perceber o calor ou a cheiro sufocante da fumaça. Sentia apenas um vazio escuro e reconfortante a sua volta, perguntou a ela.

Vou morrer aqui?

“Não se levante, Shaka, você deve continuar deitado...”

– Então, é assim que acaba?

“Não Shaka, é assim que começa!”

E tudo era silencio outra vez.

Shura transpirava, o fogo já cobria toda a sala por onde haviam atravessado até o quarto, que também já cedia diante das labaredas devoradoras. A garota continuava inerte, apenas observando-os.

Não importava.

A prioridade naquele momento era tirar o rapaz louro dali. Salvar a vida da única pessoa que se ofereceu para ajuda-lo com seu pai, o único que dividiria com Shura a dor da provável perda. Ajudar quem se ofereceu para ajuda-lo sem ao menos saber seu nome...

Não o deixaria morrer!

Falava entre os dentes, com o esforço para mover a viga.

– Sai daii!!! Você no vai morrer...

O fogo aumentava atrás de si e mais algumas janelas explodiram por causa do calor incandescente. Faltava pouco, ele sabia que se não agisse agora, se não conseguisse com esse ultimo empurrão remover a madeira sobre o corpo de Shaka, seriam os três devorados pelas chamas.

Do lado de fora os homens saltavam dos carros de bombeiro com pressa enquanto outros soltavam a mangueira e levando-a até a casa, mas ninguém parecia notar todos olhavam para a casa vidrados com a respiração suspensa.

As mãos de Shura ardiam numa dor latejante por causa das queimaduras. Mesmo assim não desistiria, arrancou as luvas com os dentes e colocou as mãos nuas contra a viga. O fogo continuava seu caminho subindo pelos seus braços, não importava. Iria tira-lo dali. Quando saísse da casa, não seria sozinho!

Um grito selvagem saltou de sua garganta, essa era a ultima tentativa, e seria a que daria certo!

– YO NO VOY DEIXAR!!!

Então sentiu que as chamas ao seu redor já não ardiam, não eram nada comparada ao calor que brotou de dentro de si, enchendo o quarto de uma luz dourada.

Mas não havia tempo para admirar seu feito ou para entender o que era aquela emanação dourada que lhe cobria o corpo todo. Seus braços reluziram com aquela energia vertente e então a viga partiu-se em duas, voando longe com o seu ultimo empurrão.

Abaixou-se para agarrar Shaka e sair dali, mas já era tarde. Um forte barulho veio do andar de cima e Shura sentiu que finalmente a construção ao incêndio.

Apertou forte o braço de Shaka e fechou os olhos o que não lhe permitiu ver quando finalmente a garota correu numa rapidez sobre-humana até os dois, agarrando-os pelos braços.

Do lado de fora, as pessoas se lamentavam, algumas fechavam os olhos ou escondiam o rosto nas mãos diante do horror. O teto superior havia desabado com um forte estrondo sobre o inferior, ninguém sobreviveria aquilo. Os rapazes provavelmente estavam tão mortos quanto seus pais!

Numa calçada do lado oposto da rua, coberta pelas sombras da noite, a garota em pé com os braços caídos ao longo do corpo olhava indiferente para a casa que agora desabava por completo. Shura ao lado dela não tinha reação, via apenas o corre-corre das pessoas e dos bombeiros que tentavam apagar o fogo daquilo que um dia fora seu lar.

Perguntou a mulher, sem desviar os olhos da cena a sua frente.

– Como... Como viemos parar aqui?

– Teleporte... haviam sombras lá dentro...

Shura olhou para Shaka, ainda desacordado apoiado nas suas costas com a cabeça encostada em seu ombro.

– Yo... yo no entendo, quen é você?

A garota não olhou pra ele, parecia hipnotizada pelo fogo que iluminava parte do quarteirão, mas não chegava suficientemente até eles. Respondeu ainda sem elevar o tom da voz cheia de apatia.

– Eu sou aquela que se move nas trevas, Cavaleiros Dourados de Capricórnio e Virgem... E tenho ordens para leva-los comigo.


CONTINUA...


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Notas finais do capítulo

Eu optei por deixar o Shura com sotaque espanhol, na época que comecei essa fic. Hoje não sei se foi uma boa ideia, mas ainda me divirto em imaginar o espanhol com esse sotaque.

Talvez, mais pra frente, na convivência com os demais dourados ele o perca, quem sabe?

A principio vou seguir com o toque latino do Shura e ver até onde isso me leva..



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