Leiam as notas iniciais

Os pés de Maeli já latejavam. Ela podia sentir sua pulsação até no menor dos dedos. A dor subia gradualmente por suas pernas, que já estavam vermelhas. Uma joaneta parecia estar prestes a brotar em seu pé esquerdo. E, para completar, a cada mínimo passo que dava os tornozelos estalavam violentamente.

A culpa, é claro, era toda direcionada aos sapatos de salto alto.

Dez centímetros. Quinze centímetros. Vinte centímetros. Eram altos demais. Acostumar-se com eles levaria tempo, duas semanas não bastavam. Na verdade, na primeira semana eles nem chegaram a utilizar essas alturas escandalosas, já que o calçado do uniforme da Academia tinha apenas três centímetros. Aqueles dias foram fáceis para Maeli nessa questão, já que ela estava acostumada com o fardamento da Aeronáutica. Infelizmente, ela não podia dizer o mesmo sobre a segunda semana.

Para sua sorte, ela não era a única cansada. Envolta da mesa redonda coberta por uma toalha listrada cinza e azul-marinho sentavam-se outras quatro meninas, Mabelle, Solaria, Rosaly e Ulrike. Todas observavam com atenção a estranha dança siberiana, uma mistura bizarra entre os passos tradicionais russos e os movimentos orientais. Mulheres eram jogadas para cima constantemente e homens se agachavam e esticavam as pernas. Por um lado, era até bom estar exausta demais para participar da esquisitice. E Maeli não era a única que pensava assim, porque as outras riam muito, mesmo que discretamente.

— Então... — disse Solaria, a menina de cabelos platinados, fazendo com que as companheiras virassem a cabeça instantaneamente. — Vocês dançaram com o príncipe?

— Há tantos militares bonitos e fardados, Alexander deve ter passado despercebido. — respondeu Maeli rapidamente, dando uma pequena risadinha. —Além do mais, eu dancei com tanta gente que nem me lembro...

— Eu já! — falou Mabelle, sorrindo muito. — Ele foi muito simpático e carinhoso.

— Ele está sendo bem atencioso mesmo hoje... — admitiu Ulrike, olhando para o chão, timidamente. — Estou adorando!

— Falando nisso... — disse Maeli, olhando para a pista de dança com desprezo. — Olhem o “carinho” dele com a Wanessa.

O tecido vermelho volumoso da garota quase engoliam as pernas finas no rapaz. Os braços brancos dela envolviam o pescoço dele de forma sedutora. As bocas pareciam estar prestes a se tocarem. Observando os casais ao lado, a dança, que já não era a esquisita de antes, aparentava ser normal e comportada. Mas olhando para os dois em questão, qualquer um poderia se assustar. Maeli até se arriscava em dizer que aquilo deveria ser proibido para crianças, como Saphira, que estava logo ao lado dançando desajeitadamente com o outro irmão, Henrik.

— Ela está praticamente se jogando encima dele. — articulou Belle, tampando os olhos com as pequenas e delicadas mãos. — Não quero mais ver isso!

Nunca confiei muito nessa garota. — Solaria alegou, ainda encarando a dupla.

— Nela e na Cassiopeia... — falou Ulrike, arregalando os olhos, como se lembrasse de algo. — Falando nela... Vocês ficaram sabendo da indecência?

— Todos já sabem! Foi realmente um escândalo! — assegurou Maeli, passando a mão de maneira exagerada pelo rosto. — Minhas criadas só sabiam falar sobre isso.

A fofoca corre rápido nesse palácio! — disse Mabelle, indignada. — Algo acontece e em um segundo a notícia já está no jornal!

— Mas as recém-chegadas não ficaram sabendo de nada! Contem-me! — pediu uma voz aveludada e melodiosa ainda desconhecida pelas garotas.

***

Quando Belle viu os cabelos negros presos de maneira solta da garota que apareceu subitamente em suas costas, um suspiro rebelde saiu de sua boca. Afinal, ela sabia muito bem quem era. Sabia muito bem a identidade dos olhos azuis brilhantes que a encaravam com fulgor. Conhecia, mesmo que por só alguns encontros, o nome da silhueta esbelta que era coberta pelo vestido degrade.

Serena. A Duquesa de Omsk.

Por muitos segundos, o silêncio predominou na mesa das cinco Selecionadas. Nenhuma delas tinha coragem de proferir uma só palavra à nobre. Tinham vergonha. Tinham medo de dizer alguma tolice. Tinham medo de contar o que não deviam.

— Vocês são mudas? — questionou a siberiana, já impaciente. — Ou apenas não sabem que é considerada uma imensa falta de educação não responder a uma pergunta de um nobre?

Ela puxou uma cadeira ao lado de Mabelle. Lenta e delicadamente, suas pernas tocaram o veludo do assento. Os braços se apoiaram na mesa, fazendo com que as mãos sustentassem o rosto largo e elegante. Ela parecia muito calma, porém suas companheiras de mesa arregalavam os olhos cada vez mais, estavam apavoradas.

— Nós tivemos um encontro em conjunto alguns dias atrás. — contou Maeli, espantando o nervosismo com um sorriso amigável. — Mas o Príncipe fugiu apenas alguns minutos depois. Até onde nós sabemos, o que aconteceu depois disso não foi nada bonito... Uma das competidoras ficou nua na frente dele. Dentro de um armário!

A risada da duquesa era discreta. Apenas seus ombros se mexiam de forma descontrolada. Nenhum som era omitido de sua boca. Entretanto, ela era longa. Muito longa. O ruído, ou a falta dele, foi ouvido por vários minutos, o que fez com que as competidoras a acompanhassem depois de um tempo. Sem que percebessem, as seis já estavam rindo juntas.

— Não acredito nisso! — admitiu a nobre, ficando finalmente séria. — Essa competição não está no nível em que eu pensava!

— Mas é aí que você se engana, Alteza... — disse Ulrike, com uma expressão decepcionada. — O adiantamento só vem dessa garota, porque, se fosse pelo príncipe, nada disso teria acontecido. Ele não é nada ágil nesse aspecto.

— Entendo... E, sabe, vou até ajudar vocês! — decidiu Serena, com um sorriso malicioso tímido. — Mas primeiro vocês precisam aproveitar esse baile tão bem planejado.

Como se fosse uma criança ansiosa, a jovem se levantou com um pulo. Em seguida, puxou as Selecionadas da mesa pela mão. Seu sorriso contaminava todas elas, que não hesitavam em segui-la. Aos poucos, a pista de dança ficava maior, a música melodiosa da filarmônica ficava mais alta e o calor humano contagiante ficava mais presente.

Realmente valia a pena ignorar a dor nos pés para aproveitar essa experiência única.