Ao me sentar na carteira, no canto do fundo da sala, pude encontrar o olhar dela sobre mim. Agora sim o meu coração falhou uma batida, e não foi por conta de um chute.

Nossos olhares se encontraram e eu poderia saber o que estava pensando. O quanto eu sou um Cabeça de Alga bobão que faz palhaçadas.

E então, Annabeth Chase sorri para mim, e cara, como ela é linda. É uma beleza natural, seus cabelos louros levemente ondulados que caiam como cascatas douradas pelos ombros até cobrir boa parte das costas. Sua pele bronzeada, eu sabia que ela era californiana e as vezes passava boa parte das férias em São Francisco. Seus labios rosados e convidativos. Olhos tempestuosos de um cinza incumum em alguém, e eu sabia que quando ela realmente se sentia bem, eles ganhavam um tom azulado e brilhante. Sinceramente, faz tempo que não vejo esse brilho.

É isso, fiquei encarando ela, que sorria para mim ou de mim, porque provavelmente eu estava com uma cara de idiota. A prova disso foi o Nico ao meu lado.

–Percy! Fecha a boca, cara. Está babando na mesa. - notei que eu realmente estava de boca aberta.

Mas Nico estava exagerando, não se pode mais deixar uma poça de 2 litros de baba na carteira que o moleque já vem implicar?

–Olha eu sei que vocês dois tem um passado e a Annabeth é linda, mas você poderia pelo menos disfarçar,não acha?

Por sermos primos, nos conhecemos muito bem. Mas essa camaradagem não funciona como best friends forever não hein! Coisa de familia é assim: somos obrigados a conviver e a aceitar a desgraça ao nosso lado. Porém conseguimos nos entender, é claro que as coisas eram mais fáceis quando eramos crianças e a nossa maior preocupação era jogar video-game, colorir carrinhos e assistir power rangers (eu particularmente sempre gostei de Procurando o Nemo).

Depois da morte da tia Maria, a mãe do Nico, ele ficou mais sinistro, tinha cabelos tão bagunçados quanto os meus e eram do mesmo tom de negros, como piche. Só que meu cabelo era mais curto. Sua pele era quase doentemente pálida, eu era mais bronzeado e Nico tinha olhos negros, na maioria das vezes, você só o encontra de preto, o que dá um maior contraste ainda por ser branquelo, magrelo e sinistro. Eu o chamava de fantasminha por isso, Gasparzinho, espectro, alma penada, caveirinha... Coisas de primos. Apesar de tentar bancar o misterioso, eu conheço o verdadeiro Nico di Angelo e sei o quanto ele é babaca e brincalhão.

–E você poderia parar de pegar no meu pé. Não estava acontecendo nada aqui. - me emburrei.

Percebi que Annabeth já não me olhava mais, ela estava prestando atenção na aula, como a boa CDF que sempre foi. A melhor aluna da classe. E era irônico por ser tão inteligente e mesmo assim a mais linda do colégio, como se já não bastasse ser líder de torcida.

Pareço um retardado mental por pensar tanto nela assim. Desvio minha atenção para a janela, eu adorava aquele lugar na sala, além de ser no fundão, ter parede, ainda tinha uma janela incrível para o gramado da Goode High School com suas árvores e mais ao longe encontravam-se as ruas de New York.

Devo ter ficado muito tempo distraído, pois a aula passou rápido e isso foi um milagre para mim. Eu devo ter um problema sério com concentração e hiperatividade, simplesmente não consigo prestar atenção em coisas chatas, por mais que eu tente. É a vida.

Sigo para o meu armário nos corredores, depois de encontrar meus amigos retardados e ameaçar o Leo, dizendo que a mandinga dele já está pronta.

O corredor é um tumulto de gente, credo, parece uma manada. São em momentos assim que você deseja muito um apocalipse zumbi, guerra mundial Z e todas essas porras loucas aí. No meu armário eu peguei a apostila de biologia para a próxima aula, pude ver Jason e seus amiguinhos do time de basquete em uma rodinha com as líderes de torcida. Eram os populares. Jason agia como um macho alfa, mas a única vontade que tenho é de rir daquela cara dele, com um inchaço no queixo e o olho roxeado.

As garotas conversaçam entre si enquanto os rapazes jogavam paqueras idiotas encima delas. Annabeth conversava com Thalia e Silena animadamente, distraída. Porém dava para perceber que ela se sentia um pouco deslocada com tanta atenção. O mais estranho era que ela tinha a atenção de todos, menos do próprio namorado.

–Hey Percy! - levo um susto e a dona da voz ri - Desculpe, não queria te assustar.

–Eu sei que sim, Rachel. - ela me comprimenta com um beijo estalado na bochecha, tenho certeza de que ficou a marca de um batom ali - Como foram as férias? Conseguiu visitar a semana da arte e o museu do Louvre?

–Sim, Pers! A Mona Lisa é linda! Paris é incrível, você tem que conhecer. Quem sabe eu possa te mostrar uns lugares legais uh?

–Quem sabe na próxima - tentei ser gentil, mas acho que ela não gostou da resposta - Aposto que seria incrível! -fui mais convincente e o sorriso dela se reformulou no rosto.

–Rachel era uma ótima amiga e apesar de ser podre de rica, ela não é patricinha como a maioria das garotas da Goode. Usa roupas normais, adora arte e pinta muito bem por sinal. Ela usa roupas aconchegantes e confortáveis, jeans customizados... A velha Rachel de sempre com seus cabelos ruivos volumosos com leves cachos, seus olhos verdes e suas sardinhas avermelhadas ao redor do nariz.

–E então? Como sobreviveu as férias sem mim? Teve que ficar com o seu pai?

–Hum, preocupação? - eu não gostava de falar muito sobre isso.

–Curiosidade - corrigiu.

–Okay, ele está diferente, mas eu ainda não me convenci. Parece que ele quer resconquistar a família depois de toda a merda que ele fez. Só que, sei lá, ele ainda é meu pai. Ele deixou de ser o alcoólatra de antes que só se importava com o trabalho e depois ia para os bares curtir um happy hour com os amigos. Depois do pé na bunda que ele levou da minha mãe, parece que ele tomou um choque de realidade.

–Hum, bom para ele. Bem, agora eu tenho aula de música, a gente se vê, Pers. - se despediu com um beijo na minha bochecha, mais para o canto da boca na verdade.

–Falou, ruiva!

Quando ela estava indo embora, percebi que Annabeth me olhava com uma certa curiosidade, corei urgentemente, fiquei tão envergonhado que um tomate... melhor,uma salada de frutas teria inveja. Desviamos o olhar rapidamente assim que percebemos que nos encarávamos. Pelo canto do olho, pude ver que Thalia e Silena tinham seguido o olhar da loira e começaram a falar algo para ela, que corou tanto quanto eu.

Cansado de micos e de uns 50 tons de vermelho pelos quais passei, fui praticamente correndo para a aula de biologia. Já bastava ter chegado atrasado na primeira aula.