O Enigma do Semideus escrita por Lyli


Capítulo 9
Capítulo Oito – Filha do Deus da Guerra


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/538645/chapter/9

Sobre a mais alta das pedras daquele lado da praia, Perri parou e ordenou que todo o grupo sentasse. Eles obviamente precisavam descansar. Estavam sujos, alguns um pouco machucados por causa da correria no Mundo Inferior, e com certeza emocionalmente cansados. Caíram uns sobre os outros no alto das enormes pedras. Lillie abriu sua mochila e ofereceu água a todos, enquanto Joe afanava um saco de biscoitos da bolsa e distribuía aos amigos.

– Vocês estão acabados. – Perri soltou, ainda de pé na pedra, olhando para o grupo de “heróis”.

– Brilhante dedução. – Callie retrucou ríspida.

– Há quanto tempo não dormem? – Ignorando a patada da mais implicante do grupo, Perri perguntou.

– Tempo demais. – Disse Henry fechando os olhos. Talvez ele fosse o único dali que não estivesse acostumado a noites perigosas em claro. – Precisamos de cinco minutos. – Recostou as costas nas de Pam enquanto eles se apoiavam um no outro.

– Talvez só tenhamos aguentado até agora por causa da benção de Hermes. – Falou a garota.

– Faz sentido então que Joe seja o único que ainda esteja ligadão. – Andrew falou fazendo com que todos rissem. Só aí Joe tirou o rosto do mapa que ele observava com tanto apreço.

– É, eu não sou de cansar. – Joe pareceu sem graça. – Costumo ficar dias sem dormir de boa, sou tipo uma pilha ambulante.

– É como um mensageiro. – Andrew continuou. – Sempre pronto, nunca descansa.

Sorriram um para o outro e Joe voltou a olhar pro mapa enquanto Andrew encarava o nada. No fundo, sentia-se mal toda vez que olhava pra Joe. Gostava do rapaz, mas ver como o seu pai Hermes era atencioso com ele lhe despertava inveja. Ambos sabiam quem eram seus progenitores, mas só Joe tinha mesmo um pai. Andrew se perguntava o quão mal os outros deveriam se sentir, sem nem ao menos saber quem os trouxera ao mundo.

Callie se levantou de repente e foi andando na direção contrária do mar, para a rua deserta atrás da praia.

– Onde você pensa que vai? – Perguntou Perri.

– Dar um rolê. – Callie respondeu. – Não aguento mais ficar aqui sentada olhando pro nada fingindo que estou tentando salvar o mundo.

– O grupo não vai se separar. – A caçadora começava a perder a paciência.

– Isso, continue repetindo até acreditar. – Callie respondeu fazendo sinal positivo com a mão. Pulou da pedra e deu alguns passos na areia, mas sentiu alguém segurando seu braço antes que chegasse à calçada.

– Você não vai a lugar algum, o grupo não vai se separar. – As palavras de ordem de Perri fizeram o sangue de Callie ferver.

– Olha aqui, grande caçadora da deusa Ártemis, pra mim já deu! Não aguento mais ficar recebendo ordens suas! Não aguento mais essa palhaçada de missão! – Gritava alto o suficiente pra que todo mundo pudesse ouvir.

– A missão não é uma palhaçada! – Pam reclamou. – É uma chance de acabar com a injustiça e revelar a verdade ao mundo!

– Não é nada, são só aqueles idiotas lá de cima brincando com a gente! Não duvido nada que sejamos peças do tabuleiro de xadrez deles.

– Não fale assim. – Perri a corrigiu preocupada. – Eles podem nos ouvir e podem suspender a ajuda que nos dão.

– QUE SE DANE! – Callie parecia descontrolada. – Que se danem os deuses, que se dane a missão, que se dane o tal do Enigma! Não vou ficar viajando por aí atrás de pistas malucas assistindo todo mundo ganhando uma família, menos eu!

– Então o problema é esse... – Henry sussurrou. Joe e Andrew balançaram a cabeça, entendendo também.

– Não é como você pensa. – Menos séria e agora com pena, Perri tentou falar com Callie com uma voz amigável. – Quando o Enigma for revelado, os deuses poderão assumir os filhos. Você não quer ter uma família?

– Eu tive uma família! – A voz de Callie embargou no grito. Apenas Pam percebeu a areia começando a se mover nos seus pés. – Me acharam numa lata de lixo quando eu tinha dez meses e me levaram pra casa. Mas a minha casa nunca foi um lar! – A areia começou a se mover mais e agora todos notavam. Perri deu um passo para trás, com medo do que poderia acontecer. – Eu apanhava o tempo todo, sem motivo nenhum. Aquele que deveria ser meu pai vivia bebendo e me dizendo o quanto eu era inútil. A minha “mãe” nem olhava pra mim. Eu ia pra escola de roupa suja... Quando eu ia! Porque sempre tinha que cuidar da arrumação da casa e dos meus quatro meio irmãos pequenos. Essa foi toda a experiência familiar que eu tive! – A areia abriu uma cratera ao redor dos pés de Callie, que manifestava seu poder sem nem perceber. Uma parede de areia começou a crescer atrás dela e quando se separou em várias colunas e foi tomando forma, o resto do grupo imaginou de quem ela era filha. – Querem saber como eu fui parar num reformatório? – Gritou para todos, deixando que uma lágrima rolasse por seu rosto. – Eu bati no meu pai adotivo com um bastão de beisebol até ele ficar inconsciente no dia em que ele tentou me estuprar!

Caiu de joelhos no chão, chorando e gritando. A areia que tomava forma de homens altos e musculosos se desprendeu da terra e começou a marchar na direção do grupo. Callie parecia fazer aquilo inconscientemente enquanto sussurrava pra si mesma palavras de lamento.

– Callie, pare com isso! Não somos seus inimigos! – O grito de Pam não conseguiu mudar nada e os soldados de areia continuavam indo até o grupo indefeso.

– Eu nem sei o que aconteceu com aquelas crianças... – Lamentava pra si mesma, como se a culpa de seu passado fosse dela. – Não sei se elas estão bem...

Os soldados de areia subiram na pedra em um salto sem ajuda de seus braços de areia e avançaram. Perri tentou deter um com uma flecha, mas esta passou direto pela cabeça dele. O soldado a pegou com a mão de areia e a levantou no ar pelo pulso, enquanto a caçadora tentava lhe atingir em vão. Outro soldado agarrou Julian e Andrew em um abraço enquanto estes tentavam chegar a Lillie. Henry, na tentativa de ajudar, foi jogado longe por outro. Pam foi até ele na base da pedra ver se o rapaz estava bem. Joe avançou no soldado que empurrou Henry e acabou sendo capturado também. O soldado o levantou em um braço segurando pela batata da perna e com o outro braço foi tentar pegar Lillie. A pequena menininha se encolheu agachada no chão e protegeu o rosto com as duas mãos. Desesperada em seu choro, começou a gritar imediatamente. E quando gritou, uma luz branca começou a se irradiar dela cegando quem a olhava. A luz aumentou e aumentou até que Lillie tirasse as mãos do rosto e a visse. Notou que o foco de luz saía de sua mochila. Jogou esta longe e quando a bolsa caiu no chão, a luz fez aumentar mais.

Logo a luz virou matéria e saiu da bolsa, aumentando e tomando forma, se tornando uma pilastra gigante de luz. Ela cresceu cerca de dois metros e foi apagando, tomando cor e forma. A forma de um homem ou pelo menos de algo que parecia um homem. A forma de Apolo.

O deus Apolo gigante parecia um pouco diferente do dia em que o grupo o conheceu. A barba estava escura demais e um dos olhos meio torto. Sua pele parecia transparente, especialmente no antebraço direito, onde a cor estava meio falha.

– É Apolo mesmo? – Joe perguntou de cabeça para baixo, sendo segurado pelo monstro de areia.

– Não. – Perri disse sem rodeios. – Parece algum tipo de representação bem mal feita. Talvez ele tenha visto que estamos em perigo e tentou nos ajudar de improviso...? – Dizia as palavras com incerteza, não acreditando que o deus seria capaz de se ilustrar de maneira tão mal feita.

– Talvez tenha sido a Lillie. – Henry disse, antes de ser ainda mais apertado pelo abraço do monstro.

Antes que pudessem falar qualquer outra coisa, o Apolo De Mentira avançou nos monstros com um sorriso. Não disse nada, mas desferiu socos que acabaram com os monstros em apenas um toque. Movimentava-se como um orgulhoso super herói. As enormes torres de areia caíam no chão assim que ele as tocava, jogando os jovens nos montinhos de areia que deixavam. Estes caíam sem jeito e ao som de seus gritos, mas estavam felizes por estar livres. Quando o último soldado de areia se desfez, Apolo De Mentira olhou pra Lillie e sorriu pra ela, se desfazendo em luz. No chão, uma folha de papel ficou no seu lugar.

Perri andou até a folha e a pegou, observando o desenho meio torto de Apolo.

– Foi mesmo você. – Sorriu pra Lillie que retribuiu a gentileza. – Impressionante. – Deixou a folha com Lillie e voltou seu olhar pra Callie, ainda ajoelhada no chão com o rosto molhado e encarando o nada. – O seu poder também é impressionante. Apenas com sua raiva você conseguiu transformar matéria em soldados de guerra, isso não é pra qualquer um. Mas foi imprudente usá-lo contra nós. Você é uma irresponsável.

Parecendo sair de um transe, ela respondeu:

– Não fiz de propósito!

– Mas aposto que sabia como fazer parar! – Perri retrucou. – E não o fez. Isso mostra o tamanho da sua lealdade com este grupo.

Pam que vinha ajudando Henry a andar o deixou encostado na pedra e foi até Callie também. Estava com pena da menina, mas sua raiva era maior.

– Podia ter nos matado! – Gritou na cara dela. – Podia ter arruinado a missão!

– Não me importo com essa droga de missão!

– Então vai embora!

– EU VOU! – Callie gritou com propriedade ao se levantar. – Já estou livre do reformatório, não preciso de vocês pra nada! – Cuspiu as palavras, selecionando um olhar raivoso a cada um deles. – Boa sorte nessa palhaçada de Enigma.

Deu as costas para o grupo indo na direção da areia, mas foi impedida por um grito.

– Callie! – Com os cabelos cheios de areia e os olhos cheios d’água, Andrew a chamou. Callie olhou pra trás e o encarou por um segundo parecendo indecisa. – Não vá. Por favor, não vá.

A menina parecia a ponto de desistir. Até mesmo no seu coração de pedra parecia haver alguma fraqueza, afinal. Ela fez que não com a cabeça e voltou a andar, deixando Andrew para trás. Ele abaixou a cabeça decepcionado com sua vida. Foi rejeitado pelo pai e pela garota que gostava. Henry passou um braço por seu ombro sendo aquele rapaz que sempre estava lá pra quem precisasse e os dois se juntaram ao grupo. Em uma última olhada pra Callie, que caminhava ao longe, viu que a menina tinha parado de andar.

– Olhem! – Andrew apontou e todos olharam pra Callie novamente.

Ela olhava pro alto, onde um círculo com uma seta em cima girava e piscava em vermelho na sua cabeça. Era uma espada e um escudo. Callie era filha de Ares.

Na areia, outra realidade paterna decepcionante aconteceu. Ela não aguentou. Aquilo foi que ela sempre quis e agora pertencia a outra. Por que só ela não podia ter aquilo? Por que seu pai não a salvaria? Chorando, Pam saiu correndo para longe das pedras.

Henry foi mancando atrás chamando seu nome, mas ela não respondeu e nem parou.

– O que está acontecendo? – Ele perguntou alarmado.

– Pra um filho de Atena você até que anda bem lentinho. – Andrew respondeu passando a mão nos cabelos para tirar a areia. – Pam e Callie são irmãs, mas só Callie foi reclamada. – Henry ficou perplexo. – Eu entendo. Também ficaria louco se Hades reclamasse um de vocês.

A cabeça do filho de Atena girava. Callie e Pam... Irmãs? Então Pam era filha de Ares? Impossível! Os filhos de Ares são brutamontes. São como Callie e não como Pam.

– Deem um tempo pra ela. – Perri decretou, sentando sobre a pedra e esperando que todos fizessem o mesmo. Henry a olhou bem sério e ela assentiu, dando permissão que ele fosse atrás da menina.

Ele foi mancando até a calçada, observando onde a menina podia estar. Olhou perto das árvores e dos bancos e até mesmo entre as pedras, mas acabou encontrando Pam sentada atrás de uma barraca de cachorro quente fechada. Na frente deles havia uma pracinha completamente deserta e Pam olhava pro nada com lágrimas descendo pelo rosto.

– Hey. – Henry disse e ela se afastou sem nem olhar pra ele. O rapaz se sentou ao seu lado. – Ares? Sério mesmo?

Ela revirou os olhos.

– Pro inferno com seu estereótipo. – Passou uma mão pelo rosto pra secá-lo. – Nem todos são animais sem coração sedentos por sangue. Há outras virtudes na família. – Ela falava quase precisando se convencer de que não era a errada da linhagem do deus da guerra. – Esperteza, proatividade em batalha, bravura, liderança.

– Sim, você está certa. – Henry concordou parecendo um pouco envergonhado. – Eu devia ter notado... Sabe, esses seus rompantes de fúria são bem comuns.

Ela riu sabendo que era verdade. Pam era dada a se descontrolar aqui e ali.

– Eu sei porque ele a reclamou. – Disse divagando. – Porque ela nos abandonou. Porque ela deixou o grupo. Ares não apoia nossa causa.

– Que se dane o que ele apoia ou deixa de apoiar. – Pam riu de Henry.

– Ele pode nos ouvir quando quiser, sabia?

– Sabia. E não to nem aí. – Henry deu de ombros. – Espero mesmo que ele esteja por aqui nos vendo e ouvindo pra saber que está renegando a melhor e mais brava das filhas.

Pam sorriu timidamente, mas logo o sorriso se dissipou.

– Ele deve estar com vergonha de mim, isso sim. Porque estou aqui chorando. Deve me achar uma fracassada.

– Então não ligue pro que ele pensa. – Henry respondeu, como se fosse simples. – Eu considero você uma grande líder. Não pode dar mais importância pro que eu penso?

O rapaz pegou na mão de Pam sem aviso e ela direcionou os grandes olhos azuis marejados pra ele. O seu sorriso indicava o que aquilo significava, mas no fundo dos olhos dele, Pam via que ele também pensava que aquele não era o momento.

– Quando isso tudo acabar... Se ainda estivermos vivos...

– Sim. – Ele a cortou, apertando ainda mais sua mão. – Quando acabar.

Sorriram um pro outro e ficaram um pouco sem graça, voltando a olhar pro nada. Ficaram um tempo ali parados de mãos dadas em silêncio até que acharam que era o momento certo de voltar.

Ao chegarem novamente na praia, quase caíram para trás ao ver um monte de Julians correndo por todo lado. Uns eram mais altos do que outros, algumas roupas estavam tortas e os narizes e olhos imperfeitos. O Julian verdadeiro batia palmas para o espetáculo sentado sobre uma pedra com a pequena Lillie ao seu lado.

– É... – Disse Henry. – Acho que a Lillie descobriu como controlar o seu poder.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigada por ler e não esqueça de deixar seu comentário!
Nos encontramos aqui:

Twitter: https://twitter.com/raindancelyli
Ask: http://ask.fm/raindancelyli
Tumblr: http://whenastarisborn.tumblr.com
Grupo: https://www.facebook.com/groups/664248566950582
Mais fics: http://whenastarisborn.tumblr.com/fanfiction



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Enigma do Semideus" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.