Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 2
Aquele do Nome




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Corri até ele e me joguei ao seu lado, meu joelho se ralando na areia. Eu não podia ajudá-lo. Era como uma borboleta saindo do casulo. A mínima interferência pode atrapalhar, fazê-lo nascer fraco demais para passar os primeiros meses.

As pequenas garras seguravam o ovo e então retornavam, como se ele estivesse recuperando as forças. Tentei me lembrar de tudo o que sabia sobre dragões. Eles não tinham poderes no início e não conseguiam se aquecer sozinhos. Eu precisava de lenha para uma fogueira. Mas não queria deixá-lo ali, sozinho.

Não sei quanto tempo passei ali, esperando. Meus músculos ficaram rígidos e eu quase não respirava. A pouca iluminação me obrigava a forçar os olhos para enxergar. Podem ter sido minutos ou horas, nunca saberei. Só o que sei é que eu podia sentir os laços que nos seguiriam durante nossas vidas. Podia sentir sua agonia e ansiedade. Mas não podia fazer nada.

O dragão acabou de sair do ovo, e eu pude olhar para ele. Suas asas ainda não existiam e ele não movia um único músculo. Era grande em comparação aos outros filhotes que eu já vira. Levaram alguns segundos para que ele se colocasse sobre as quatro patas e soltasse o grito mais horroroso que já ouvi.

Mesmo sabendo que não havia ninguém ali perto, me preocupei com as paredes tremendo e senti um fino fio de sangue correr por meu ouvido. Tentei calá-lo, passando a mão em sua cabeça para que ele soubesse que não estava sozinho. Ele mordeu meu dedo com as gengivas nuas.

– Ok. Vou conseguir comida para você. Espere aqui, ok?

Parecia idiota dizer isso por dois motivos: Ele não podia me entender e não havia para onde ir. Eu não conseguiria sair pela água, mas a luz que iluminava a caverna deveria vir de algum lugar. Tateei as paredes, em busca de uma saída. O brilho era espalhado pelas pedrinhas na parede. Diamantes.

Caminhei até o fundo da caverna e encontrei um pequeno buraco, um pouco maior do que meu punho de criança. A luz entrava por ali e refletia nas paredes, iluminando todo o local. Empurrei com toda a minha força as pedras em torno do buraco, mas nenhuma delas se moveu. Entretanto, quando puxei, duas delas rolaram com facilidade. A caverna era subterrânea, no fim das contas. Aquela saída era quase na praia. Engatinhei pelo buraco, machucando minhas mãos e joelhos no processo. Teria que pensar em uma boa explicação para tantos machucados.

Não havia tampo para fazer uma rede e muito menos buscar algo na vila. Pensei rapidamente à respeito e tomei minhas decisões automaticamente. Eu já havia visto alguns homens fazerem isso. Não podia ser tão difícil. Procurei por um galho suficientemente grosso e pendurei meu corpo nele, quebrando-o com meu pouco peso infantil. Posicionei-me onde a água me atingia nos joelhos e fiz o possível para me manter imóvel apesar das ondas.

Perdi os quatro primeiros peixes e acertei o quinto de raspão. Ele começou a nadar de uma forma estranha por causa do ferimento e eu acabei conseguindo espetá-lo de fora a fora. Era um pouco maior que a minha mão, e não alimentaria um dragão, mas era um começo.

O sol já estava começando a descer quando acabei, o que significava que eu perdera o almoço. Heike não ficaria contente. Imagino que tenha levado cerca de uma hora para juntar quinze peixes. Uma média medíocre para um viking de verdade, mas excelente para uma garota de nove anos.

Depois, juntei alguns galhos leves, folhas grandes e capim seco. Usei o escudo que encontrara mais cedo para arrastar tudo de volta ao buraco e, por fim, lancei tudo, me esquecendo de verificar se o dragão estava em baixo.

Escorreguei logo depois, minhas costas reclamando pelos novos arranhões. Por sorte, o dragão estava onde eu o deixara, dormindo. Montei a fogueira rapidamente, com os galhos e parte do capim. Essa era uma atividade com a qual eu já me acostumara. O pequeno dragão se levantou, curioso com o fogo.

– Você não deve encostar no fogo. Ainda não é resistente o bastante. Vou fazer os peixes agora.

Usei o mesmo galho da pesca para espetar e assar os peixes. O dragãozinho comeu um cru, enquanto eu assava os três primeiros de uma vez. Depois de provar um assado, ele se recusou a comer os outros crus. Apesar da ausência de dentes, ele conseguia comer bem, provavelmente porque engolia tudo inteiro.

Nós dois comemos e fiz uma cama improvisada para ele, com as folhas e o que sobrara do capim. Amanhã, eu traria algum tecido suficientemente fofo para que ele ficasse mais confortável.

– Você não precisa mais dormir na areia. Aqui vai ser mais confortável. Sabe, acho que não posso te chamar de dragãozinho para sempre, certo? O que você acha de algo como... Blackstone?

O dragãozinho franziu a testa e cuspiu um pedaço de peixe. Ele comera dez e eu, dois. Seria difícil alimentá-lo com o tempo.

– Certo... Voador? Sun? Para ser irônico? Posso manter dragãozinho também.

O pequeno dragão fez uma careta, obviamente insatisfeito com as opções. Eu não era exatamente um poço de criatividade.

– Veja, eu sou Kyra. - Apontei para mim. - Você também precisa de um nome. Para eu saber como chamá-lo.

"Kyra".

Sua voz era doce e infantil, ecoando em minha cabeça. E eu finalmente entendi o problema.

– Você é uma fêmea. Valkíria. Aquela que escolhe os mortos.

Embora as verdadeiras Valkírias apenas selecionassem para onde iam as almas imortias, achei que o nome se aplicaria bem a ela. Suas escamas eram negras, com um leve brilho violeta e ela parecia mais assustadora do que qualquer filhote que eu já tivera visto.

"Aquela que escolhe os mortos."

Ela repetiu em minha mente. Me perguntei se sabia o que eram mortos.

Ela pareceu gostar do nome já que andou até mim e se aconchegou ao meu lado, fazendo um ronronar parecido com o de um gato. Mas eu não podia ficar. Me despedi dela com a promessa de que voltaria com mais peixes no dia seguinte.


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