Bastarda escrita por Lena Saunders


Capítulo 1
Aquele do Ovo




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Espantei novamente os mosquitinhos que insistiam em pousar sobre minha pele. O suor cobria minha testa e fazia meus cabelos cabelos grudarem na nuca. Tropecei na barra do vestido e quase caí com a cara no chão.

Chega.

Tirei o vestido marrom e o amassei em uma espécie de bola, ignorando o trabalho que teria para desamassá-lo depois. Muito melhor. O ar fresco em contato com meu corpo me deu um novo ânimo para continuar a caminhada, mas eu precisaria tomar cuidado para não esbarrar em ninguém enquanto estava apenas com minhas roupas íntimas.

Precisei caminhar por mais uns vinte minutos, até enfim chegar à praia. Como de costume, não havia uma única alma viva ali. Ah não. Os guerreiros de Seiryn jamais iriam à praia apenas para apreciar a vista ou tomar um banho de mar. Eles, no máximo, pescavam. Por sorte, os pobres peixes costumavam se concentrar do outro lado da ilha, em busca das iscas. Mal sabiam eles que seriam suas últimas refeições. Assim, mais uma vez, eu estava sozinha.

Quando a água gelada tocou meus pés, toda a raiva e estresse se foram. Aqui, não havia ninguém para me incomodar. Ninguém para me evitar ou me chamar pelo título que me persegue. Bastarda.

Havia um escudo na areia, provavelmente trago pela maré. Era bonito, prateado e decorado com pequenos filamentos de ouro. Ele estava amassado em uma das bordas, mas eu sabia que Aires poderia consertar. Ele poderia consertar qualquer coisa.

Observei meu reflexo no escudo, parcialmente deformado pelo amassado. Minha pele, branca demais e vermelha tanto no nariz quanto nas bochechas, entregava meus hábitos de fugir para a praia. Meu cabelo preso alto, mas sem nenhum capricho mostrava minha pouca importância social assim como meu corpo mostrava minha pouca idade. Meus olhos, uma mistura estranha de verde e castanho eram completamente aceitáveis. O problema era a cor do meu cabelo. Aquele alaranjado horrível que cobria minha cabeça e caía sobre meus ombros. A prova de minha ilegitimidade.

Se eu tivesse nascido loira, minha mãe estaria viva. Eu não seria chamada de bastarda. Eu poderia estar aprendendo a cuidar da casa e, em alguns anos, eu me casaria. Talvez com Aires. Teria uma vida normal.

Mas não. Nasci ruiva e por isso sou uma pária. Porque minha mãe foi tola o bastante para trair seu marido com um ruivo. Por isso nasci amaldiçoada. Me pergunto, por um momento de fraqueza, se ela amou meu pai. Então me lembro que isso é ridículo e que não existe essa coisa boba chamada amor.

Então, volto minha atenção para o mar.

Foi uma boa manhã. A água cristalina estava agradável, mas não ousei ir mais fundo do que meus joelhos. O sol começou a me secar assim que voltei para a areia. Já passava do meio dia e meu estômago roncava de fome. Agora, eu encararia uma longa caminhada pela selva.

Ainda com o vestido em mãos, aproveitei a sombra das árvores. Eu não tenho certeza de quanto tempo fazia que eu estava caminhando quando caí naquele buraco.

Minhas costas nuas rasparam contra a pedra, enquanto eu caía para o que acreditava ser a minha morte. Por sorte ou destino, caí na água. Demorei para abrir os olhos. Não por medo, mas por preguiça. A água era morna e confortável. Eu gostaria de ficar ali, boiando, para sempre.

Meu estômago me lembrou que isso era impossível e que eu estava atrasada para o almoço. Abri os olhos apenas para me depar com uma enorme caverna subterrânea. As paredes de pedra negra terminavam em areia e água. Deduzi que aágua que ali estava vinha diretamente do oceano. Pequenos pontos brilhantes cobriam as paredes e faziam todo o ambiente brilhar como magia.

Mas nada daquilo me chamou tanta atenção quanto a enorme rocha prateada, no meio da areia.

Os habitantes de Seiryn são instruídos a levar qualquer ovo de dragão que encontrem para o dragonário, em troca de moedas de ouro. Os ovos são inquebráveis, feito da mais dura pedra. Abrem-se apenas para o seu cavaleiro e ninguém mais.

Assim, todos os homens, em seu aniversário de quinze anos, devem ir ao dragonário e tocar cada um dos ovos disponíveis. Além disso, todos os anos, há o festival dos dragões, onde todos os homens que não possuem um dragão devem tocar os novos ovos.

Pensei nas moedas de ouro e no que elas poderiam comprar. Mas então me lembrei dos Ovos Intocáveis. Tão velhos que a maioria já havia perdido a esperança de que seus cavaleiros ainda estivessemvivos. Caminhei até o ovo e me sentei ao seu lado.

Não parece muito justo, não é mesmo?- Perguntei ao ovo. Minha voz estava rouca, apõs tanto tempo sem usá-la. - Te levar para ficar lá, em uma prateleira, prossivelmente pela eternidade. Melhor que fique aqui. Talvez sua mãe venha e cuide de você, não é mesmo? Talvez você seja uma fêmea e então possa fazer companhia para ela.

As fêmeas não possuíam cavaleiros. Elas eram selvagens e botavam os ovos que encontravámos na selva. Elas eram ariscas e perigosas, mas necessárias para manter a espécie. Apenas três delas já haviam sido vistas. Uma elétrica, uma psíquica e uma aquática. Também há boatos de um grupo delas que migra para a ilha nos invernos. Há alguns anos, a fêmea elétrica foi encontrada mort. Desde então, seu corpo congelado permanesse no dragonário.

Meu estômago roncou novamente, me tirando de meus devaneios.

Bem, acho que virei te visitar amanhã, ovinho.

Passei a mão nele, como um carinho, e me levantei, sacudindo a areia do meu corpo. Seria impossível voltar por onde vi, mas, se eu mergulhasse, poderia sair na praia novamente. Chacoalhei o vestido, tirando a areia dele e tentei calcular a profundidade da água. Eu não conseguiria escapar por ali.

Um pequeno som me fez virar a cabeça. O ovo estava rachado de fora a fora. Uma pequena mãozinha se esticava para fora, empurrando a casca, lutando por sua vida.

Isso era impossível. Apenas eu havia tocado no ovo e não há "cavaleiras". Nunca houve nenhum dragão que pertencesse à uma mulher.


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