Depois de por a Júlia pra dormir e ajeitar a cozinha, finalmente tenho o meu momento de descanso. Deito no sofá e ligo a TV, porém não é a programação que me distrai, mas os meus pensamentos sobre tudo que aconteceu depois da doença da Júlia. Eu achei que nada poderia ser pior que o acidente que deixou minha irmã Ana em coma, mas me enganei. Ver minha filha doente e lutando contra a possibilidade da doença vencê-la, isso sim foi a pior coisa que aconteceu na minha vida. Mas graças a Deus tudo terminou bem, a Juh melhorou e ainda consegui fazer as pazes com a Ana. Meu coração agora estava em paz, sem mágoas, sem rancor. E o Rodrigo... a minha relação com Rodrigo havia melhorado, apesar de não saber bem qual tipo de relação prevalecia entre a gente agora. Com a doença da Júlia, nós nos reaproximamos e, por um momento, até voltamos a ter aquela cumplicidade de antes. E isso me deu uma saudade... saudade de tudo o que eu tive um dia. Até confessei isso a Nanda, mas já passou e eu precisava esquecer... até que fui despertada dos meus pensamentos pelo toque da campainha.

- Ué quem será a essa hora? – Me pergunto enquanto levanto para abrir a porta – Rodrigo? Aconteceu alguma coisa?

- Sim, Manu, aconteceu. Será que a gente pode conversar? – Fala decidido, mas um pouco ansioso.

- Claro, entra!

Já na sala, não posso mais segurar minha ansiedade e preocupação e pergunto:

- Fala Rodrigo, não me assusta. O que está acontecendo?

-Manu, eu nem sei por onde começar... depois desse turbilhão que atravessou nossa vida, eu fiquei confuso, errei pensando em acertar, magoei pessoas... magoei você!

- Espera, Rodrigo, aonde você quer chegar com isso? Não estou gostando nada desta conversa e acho melhor, para o bem de todos, encerrarmos com isso. Por favor, Rodrigo, vai embora!

- Não, eu não vou! Cometi o erro de sair da sua vida uma vez e não cometerei esse erro de novo. Eu preciso me abrir com você, Manuela, preciso te dizer tudo que eu estou sentindo. Por favor, me escuta! No momento é só o que te peço.

-Eu não sei qual a necessidade disso e acho que é fora de hora. Essa conversa não cabe mais ser discutida hoje, mas já que você insiste tanto... fala!

- Manu, antes de tudo, preciso que me perdoe por tudo o que eu te fiz. Preciso olhar nos teus olhos e pedir perdão por não ter sido o homem merecedor do seu amor, por ter destruído a nossa família por uma ilusão de adolescente. Quero que saiba que também sofri, mas que o seu sofrimento foi maior. Mil perdões, eu...

- Rodrigo, não há necessidade de você vir aqui e me falar isso, não agora. O que aconteceu já passou e sinceramente não acho bom ficarmos remoendo esse assunto. Vamos focar no hoje. A Júlia está bem , enfim fiz as pazes com a Ana...

- Eu sei, mas eu estou falando sobre a gente! – Ele me interrompe em tom mais alto.

- Falar o quê, Rodrigo? Você quer o meu perdão, é isso? Então, você o tem. Agora, por favor, me deixa em paz... e boa noite!

- Não, Manu, eu quero mais! Eu quero você! Quero você de volta na minha vida, quero a nossa família de volta, quero ser o homem da sua vida novamente!

- E você acha que eu vou voltar pra você porque me disse meia dúzia de palavras bonitas? Não, Rodrigo! O que você me fez doeu demais. Eu achei que jamais conseguiria me reerguer novamente. Tive que ir embora, abandonar tudo... você acha que foi fácil? Não foi! Tudo poderia ter sido diferente se você tivesse sido sincero comigo, mas não, você preferiu me fazer de idiota! – Falo quase aos gritos!

- Manu, me desculpa, eu jamais fiz algo pensando em te magoar. Eu fui atrás de uma ilusão, de uma paixão que eu achei que tinha fundamento. Eu tinha medo de não viver isso e virar um refém, de ter esse sentimento pairando como uma sombra na minha, na nossa vida. Por isso me separei de você e procurei viver essa paixão, mesmo sabendo que isso significava destruir nosso amor.

- Você não se separou de mim, você me traiu que é bem diferente! Preferiu me fazer de idiota quando dois dias antes eu estava implorando pra que fosse sincero. Eu passei por cima do meu medo pela sua resposta, eu busquei sozinha uma forma de administrar tudo que estava acontecendo...

- Manu, eu te amo e sempre te amei. Eu sei que o meu erro foi grande, foi doloroso, mas me perdoa. Eu fui imaturo, mas fiz isso pra não te magoar. Agora eu sei o quanto fui inconsequente. Mas eu amo você! Pelo amor de Deus, pelo amor que um dia sentiu e que acho que ainda sente por mim, me perdoa...

Rodrigo fala já se aproximando de mim. Não sei como ele fez isso, mas quando dou por mim, ele já está com sua mão acariciando o meu rosto e secando as lágrimas que insistiam em cair. Não sei como reagir, é muito difícil ficar indiferente a tudo o que ele disse. De alguma forma, meses atrás, essas palavras eram tudo que desejaria ouvir... mas e agora? Será que eu ainda queria isso?

- Chega Rodrigo, está tarde! Na verdade está tarde pra tudo!

Desvencilho-me do Rodrigo e me viro de costas para ir até a porta, quando sinto sua mão prender o meu braço e me virar de encontro a ele. Não esperava essa atitude dele, assim como não esperava quando os seus lábios vem de encontro aos meus. Rodrigo me beija com uma urgência inesperada. Pensei que havia me esquecido de como era o seu beijo, mas fui enganada pela minha memória. Estar nos braços do Rodrigo, sentir o gosto do beijo, a sensação de estarmos unidos em um só... não, eu nunca esqueci. Isso não estava certo, ainda tínhamos muito a resolver e ainda não o havia perdoado... mas o seu beijo...em um movimento involuntário, levo minhas mãos a seu cabelo e retribuo a este beijo que tanto ansiava.